Proc. nº 381/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 15 de Janeiro de 2015
Descritores:
-Abuso do direito
-Cargo de chefia
-Integração em cargos de direcção e chefia
-Equiparação
SUMÁRIO:
I - O abuso do direito (art. 326º, CC), mesmo se apenas invocado pela primeira vez nas alegações do recurso jurisdicional pode ser conhecido pelo tribunal superior, por ser de conhecimento oficioso.
II - O art. 36º da Lei nº 15/2009 aceita, para os efeitos da integração em cargos de direcção e chefia as equiparações estabelecidas antes da entrada em vigor deste diploma.
III - Decorre com suficiente clareza do nº4, do art. 2º do DL nº 85/89/M, de 21/12 - “Sempre que se estabeleçam designações específicas com poderes de direcção ou chefia de unidades ou subunidades orgânicas, deve prever-se a sua equiparação a um dos cargos enumerados nos números anteriores” – que para novas e futuras designações específicas (para além das designações previstas no art. 2º, nºs 1 e 2, cit.) com poderes de direcção ou chefia, se comina a necessidade de se prever a sua equiparação a um dos cargos previstos nos nºs 2 e 3.
IV - Daquele inciso legal decorre que, tanto para a «designação específica» em cargo com poderes de direcção e chefia, como para a «equiparação» a um dos cargos enumerados no nº 3, se exige uma prolação expressa, seja ela normativa ou por determinação administrativa.
Proc. nº 381/2014
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, com os demais sinais de identificação dos autos interpôs no Tribunal Administrativo (Proc. nº 956/12-ADM) recurso contencioso de anulação das deliberações nºs 447/CA e 379/CA do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau (doravante designado por entidade recorrida), invocando para tal os vícios de “erro sobre os pressupostos de facto” e de “violação de lei”, mais pedindo que a entidade recorrida fosse determinada à prática de actos administrativos legalmente devidos, que se traduzam no pagamento da quantia decorrente da valorização do vencimento em dez por cento a contar desde 1 de Julho de 2007 pela aplicação da Lei n.º 15/2009.
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Na oportunidade foi proferida sentença que julgou improcedente o recurso contencioso.
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Dessa sentença foi interposto recurso jurisdicional pelo recorrente contencioso, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso incide sobre a Deliberação nº 447, de 5 de Julho de 2012 (Doc. 2), bem como a Deliberação n.º 379/CA/2012, vertida para a Ordem de Serviço n.º 25/CA/2012, de 29 de Junho de 2012 (Doe. 3), ambas aprovadas pelo Conselho de Administração da AMCM, das quais resulta a não aplicação ao recorrente, enquanto Técnico-Coordenador, do aumento da actualização do vencimento em 10% com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007.
2. Em 4 de Agosto de 2009 entrou em vigor a Lei nº 15/2009, cujos artigos 29º e 37º estabelecem uma actualização nos vencimentos do pessoal de direcção e chefia com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007. No mesmo sentido terá sido emitido um despacho tutelar do Ex.mo Chefe do Executivo de 28 de Maio de 2012.
3. As decisões recorridas são ilegais, designadamente, por os Técnicos-Coordenadores (i) integrarem de facto categoria equiparada às de direcção e chefia, e porque (ii) tal equiparação lhes foi reconhecida ao longo de 10 anos, por inúmeros actos do Conselho de Administração da AMCM.
4. Devem ser tidos como provados os factos descritos na Secção II destas alegações, por confissão e por prova documental.
5. Ao longo de um período superior a 10 anos, a AMCM:
(i) Qualificou o cargo do recorrente como sendo de chefia;
(ii) Atribuiu-lhe subsídio de chefia;
(iii) Atribuiu-lhe um subsídio mais elevado do que o atribuído a algumas das chefias;
(iv) Avaliou-o na qualidade de elemento do pessoal de direcção e chefia;
(v) Ordenou-lhe que fizesse a declaração de rendimentos junto do TUI como só fazem os titulares dos cargos de chefia (arts. 1º/8, art. 6º, nº 1, al. 1), e nº 2, da Lei n.º 11/2003);
(vi) Após o aumento salarial de 6,45%, aprovado na sequência da Lei n.º 7/2012, a AMCM actualizou os subsídios dos técnicos-coordenadores na mesma proporção dos restantes subsídios de chefia ou função.
Acresce, no entendimento da recorrente - não admitido pela recorrida -, que a AMCM:
(vii) Atribuiu-lhe materialmente funções de chefia.
6. A posição do recorrente com Técnico-Coordenador foi equiparada pela AMCM a cargo de chefia ao longo de cerca de 10 anos, pelo que ele passou a beneficiar de um direito adquirido, direito resultante dos princípios da estabilidade jurídica e da confiança.
7. Alegou a recorrida que as decisões tomadas pela AMCM ao longo de cerca de 10 anos contrariam as normas da AMCM e da lei, por vícios de incompetência e/ou de ilegalidade, pelo que não devem ser consideradas. Porém, aquelas alegadas ilegalidades constituem vicio de anulabilidade dos actos.
8. Ora, os actos da administração, mesmo quando sejam anuláveis por ilegalidade, são tidos por válidos e produzem efeitos jurídicos até serem revogados pela Administração (ou anulados pelo Tribunal), ficando definitivamente validados se não forem revogados (ou anulados) dentro do prazo legal para o efeito: o prazo de 1 ano (arts. 124º, 125º, 127º e 130º a 133º do CPA, e art. 25º/2 do CPAC). A Administração fica vinculada pelos actos ilegais anuláveis, mas não revogados, por si praticados.
9. No caso, os actos invocados pelo recorrente constituem inequivocamente actos administrativos, à luz do disposto no art. 110º do CPA e da moderna teoria administrativista, tratando-se cada um deles de um acto público (e não privado) tendente a produzir efeitos jurídicos (externos) concretos na esfera jurídica de um terceiro individualizado (não da própria Administração). Estamos, pois perante o conceito material de acto administrativo.
10. É errado confundir o que seria um vício de um acto com a natureza administrativa do acto, como o seria confundir patologia com ontologia. Um acto que não respeita a lei é um “acto administrativo ilegal”, não é um “não acto administrativo”.
11. A validação de actos inválidos é concretização dos princípios da segurança e estabilidade jurídica, da confiança na administração e da responsabilização da Administração pelos actos por si praticados.
12. Assim, não releva já discutir nestes autos se a equiparação dos Técnicos-Coordenadores resulta da lei ou não, se está de acordo com a lei e as normas da AMCM ou não. A AMCM reconheceu tal equiparação de forma expressa ao longo de cerca de 10 anos, pelo que tais actos produzem efeitos jurídicos irrevogáveis na esfera jurídica do recorrente.
13. Mesmo que aqueles actos pudessem ser anulados, certo é que a entidade recorrida, para além de não ter revogado os actos, não formulou nos autos pedido de anulação dos mesmos. Ora, como resulta do princípio processual do pedido, o Tribunal não poderia anular actos administrativos cuja anulação não foi pedida por nenhuma das partes.
14. A AMCM prefere defender que praticou ilegalidades e erros durante 14 anos, a reconhecer que os seus actos foram legais e correctos, e atribuir a solicitada actualização salarial.
15. Se entendesse que os actos da AMCM praticados, durante 10 anos, entre 2000 e 2010, deverão ser vistos, não como actos administrativos como declarações negociais da AMCM, o que não parece ser o caso, estaríamos perante a figura do erro-vício, prevista no art. 240º do Código Civil, aplicável por via dos arts. 165º e 172º do CPA.
16. Ora, não estão preenchidos os requisitos do art. 240º do CC;
17. Se estivessem, a consequência seria a anulação dos actos, tendo já passado o prazo de 1 ano prescrito no CC e no CPA;
18. Em qualquer caso, teria de ter sido fonnu1ado nos autos pedido de anulação, com alegação dos factos concretos que integrariam os requisitos do art. 240º do CC, identificação precisa de todos os actos anuláveis, etc..
19. De qualquer modo, a conduta da recorrida consubstanciaria abuso de direito nas modalidades de (i) venire contra factum proprium; (ii) inalegabilidade; (iii) suppressio; (iv) tu quoque, nos termos previstos no art. 326º do Cód. Civil, não podendo, por esse motivo, produzir efeitos.
20. A situação jurídica objecto deste recurso não é regulada pelo art. 2º/5 da Lei nº 15/2009 (como a AMCM erradamente defendeu), mas antes pelo art. 36º daquela Lei, o qual salvaguarda a validade e eficácia das equiparações aos cargos de chefia realizadas antes da entrada em vigor dessa nova lei e ao abrigo de legislação anterior.
21. Ou seja, resulta da Lei nº 15/2009 que a lei reguladora do caso objecto destes autos é, ainda, o DL n.º 85/89/M, sendo que o art. 2º/4 deste DL é menos exigente quanto aos requisitos da equiparação do que o art. 2º/5 da Lei nº 15/2009, não exigindo equiparação expressa, bastando que resulte dos factos relevantes reguladores do cargo em questão.
22. Ora, a equiparação - que não tem, pois, de ser expressa - resulta inequívoca do alegado na Conclusão 7 destas Alegações.
23. Seja qual for a justificação que presidiu à equiparação, o que releva de um ponto de vista legal é que a AMCM praticou actos que manifestam de forma inequívoca que a AMCM procedeu à equiparação, em todos os domínios relevantes, entre os Técnicos-Coordenadores e o pessoal de direcção e chefia.
24. Existem, porém, motivos e justificações para a correcta equiparação que foi feita.
25. O que releva, para efeitos desta acção, não é tanto (i) se o cargo é um materialmente um cargo de chefia (que de facto é), mas (ii) se a AMCM equiparou os Técnicos-Coordenadores às chefias, e isso é inequívoco que sucedeu, pois a lei não exige uma equiparação por acto expresso, bastando que tenham sido praticados actos que denunciem de forma clara essa equiparação.
26. A AMCM não pode insistentemente defender-se nesta acção com o argumento de que as suas acções foram erradas e ilegais. Quem procedeu à equiparação não pode defender-se dizendo que o fez sem querer, que o fez por erro, ou que o fez ilegalmente, quando o fez repetidamente ao longo de 10 anos.
27. Caso o Conselho de Administração da AMCM não tenha efectuado a equiparação por acto expresso a um dos cargos de chefia, tal será uma falha atribuível exclusivamente à recorrida que não afecta o facto de a AMCM ter sempre tratado o recorrente como ocupando um cargo de chefia.
28. Na verdade, a equiparação expressa a um dos cargos de chefia serviria unicamente para determinar o seu vencimento, o subsídio de chefia e outros eventuais direitos contratuais, determinação que foi especificada nos actos que o recorrente descreve, praticados ao longo de 10 anos pela AMCM.
29. Sendo a equiparação inequívoca, como é o caso, o papel da equiparação expressa não serviria para fundar a equiparação, mas para clarificar em que termos operaria. Se os termos da equiparação resultam de outros actos da AMCM, a equiparação expressa seria inútil, pois nada acrescentaria (ainda que pudesse ter um papel clarificador).
30. Os actos recorridos padecem de erro nos pressupostos de facto e vício de violação de lei, nos termos do art. 2lo/1/d) do CPAC, por desrespeito no disposto no art. 2º/4 do Decreto-Lei n.º 85/89/M, nos arts. 29º, 36º e 37º da Lei nº 15/2009, devendo ser anulados nos termos dos arts. 124º e 125º do CPA, com o consequente provimento dos dois pedidos formulados na petição de recurso.
31. A Sentença recorrida padece dos supra aludidos erros nos pressupostos de facto e de violação das normas legais usadas nestas alegações para sustentar o direito de que recorrente se arroga».
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A entidade recorrida respondeu ao recurso, concluindo as suas alegações do seguinte jeito:
«A) Quer o Decreto-Lei n. 85/89/M, de 18 de Dezembro (artigo 2º, n.º 4 e 5), quer a Lei n. 15/2009, de 3 de Agosto (artigo 2º, n.º 5), estabelecem uma regra de tipicidade dos cargos de direcção e chefia, exigindo que a criação de cargos de direcção e chefia seja feita no diploma orgânico dos respectivos serviços, mediante expressa equiparação a um dos cargos enumerados nesses diplomas.
B) A categoria de técnico-coordenador nunca foi equiparada, nos diplomas orgânicos da AMCM, a cargo de direcção e chefia.
C) Nem tal seria possível, pois que a estrutura de apoio com atribuições técnicas específicas que o recorrente coordenava não correspondia, na orgânica interna da AMCM (cfr. OS n.º 3/88, de 14 de Março e OS n.º 056/CA/98, de 24 de Agosto) a uma unidade ou subunidade orgânica (artigo 2º, n.º 3 do Dec.-Lei n.º 85/89/M e artigo 2º, n.º 6 do EPDC).
D) As tarefas desempenhadas pelo recorrente consistiam na coordenação técnica de uma área funcional, que não era autonomizada como unidade ou subunidade orgânica da AMCM, e não implicavam poderes de direcção ou chefia.
E) Nenhum órgão da AMCM nomeou o recorrente para desempenhar um dos cargos de direcção e chefia previstos nos diplomas orgânicos da AMCM.
F) Ao recorrente sempre forma processados os abonos correspondentes à categoria de técnico-coordenador, designadamente o montante correspondente ao “subsídio de coordenação” e não o montante correspondente ao “subsídio de função”, de montante inferior àquele, previsto para os cargos de direcção e chefia.
G) O erro na designação do subsídio (que não no montante) na folha de processamento de vencimentos e outros abonos, bem como a utilização de fichas de avaliação e de desempenho dos técnicos-coordenadores concebidas para o pessoal de direcção e chefia e a errada determinação quanto à entrega das declarações de rendimento e interesses patrimoniais não integram, pelo conteúdo e pela autoria, acto administrativo susceptível de investir o interessado em cargo de direcção e chefia legalmente inexistente.
H) O recorrente não foi nomeado, em qualquer ocasião, para desempenhar quaisquer funções de direcção ou chefia em regime de substituição, apenas tendo assegurado momentaneamente o normal andamento das actividades do Serviço de Registo de Operadores da AMCM, na vacatura resultante da aposentação do respectivo chefe de serviço.
I) De todo o modo esta questão é irrelevante, porquanto a pretensão do recorrente é a de beneficiar de efeitos da actualização retroactiva de vencimentos reportada a 1 de Julho de 2007 e o período de exercício de funções de chefia em regime de substituição (que não ocorreu, repita-se) a ter ocorrido, reportar-se-ia, segundo o alegado, aos anos de 2005-2006.
J) Consequentemente, os actos recorridos não padecem dos vícios que lhes são imputados, designadamente de erro nos pressupostos de facto e violação do disposto no artigo 2º, n.º 4 do Dec.-Lei n.º 85/89/M e nos artigos 29º, 36º e 37º da Lei 15/2009.
K) Devendo ser julgados improcedentes, quer o pedido de anulação, quer o pedido de condenação à prática do acto administrativo e, consequentemente, negado provimento ao recurso contencioso.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá V. Exa. julgar o presente recurso improcedente, mantendo na íntegra a Sentença recorrida e, consequentemente, indeferir todos os pedidos apresentados pelo recorrente, com o que se fará justiça».
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O digno Magistrado do MP emitiu neste TSI o seguinte parecer:
«Assaca o recorrente à douta sentença sob análise erro de julgamento na análise dos vícios de erro nos pressupostos de facto e de violação de lei, por atropelo dos artºs 8º/4 do Dec Lei 85/89/M e 29º, 36º e 37º da Lei 15/2009 que assacara ao acto no âmbito do recurso contencioso, argumentação que o próprio reconhece se limitar a manter no domínio do presente recurso jurisdicional e que nos atrevemos a sumular:
- Deveriam ter sido dados como provados, por prova documental e confissão, os factos que enumera na “secção II” das suas alegações, que, por ocioso e repetitivo, nos dispensaremos de reproduzir;
_ A partir de tal factual idade, dever-se-ia concluir que a AMCM, ao longo de 10 anos, qualificou o seu cargo como sendo de chefia, atribuindo-lhe subsídio de chefia, mais elevado que o atribuído a algumas chefias, avaliando-o na qualidade de elemento do pessoal de direcção e chefia, ordenando-lhe que prestasse declaração de rendimentos junto do TUI, actualizando os subsídios dos técnicos-coordenadores na mesma proporção dos restantes subsídios de chefia ou função e atribuindo-lhe materialmente funções de chefia;
- Pese embora a entidade recorrida assuma que tais circunstâncias decorreram de erros praticados ao longo desses anos, a verdade é que, tratando-se da prática de actos administrativos, não anulados ou revogados, os mesmos se terão consolidado, produzindo efeitos jurídicos irrevogáveis na esfera jurídica do interessado.
Por partes:
Da análise que empreendemos relativamente ao dado como provado no douto aresto, não descortinamos que corresponda à realidade o apuramento de grande parte dos factos a que o recorrente faz menção na mencionada “Secção II” das suas alegações e que, de todo o modo, dos factos efectivamente dados como provados, se possam extrair as ilações que o mesmo almeja, vendo-se, aliás, bem que o julgador, naquela matéria factual, retirou conclusões bem diversas e, até, antagónicas das pretendidas por aquele.
E, do escrutínio que nos é permitido efectuar do acervo probatório carreado para os autos e respectivo instrutor, nada nos permite, com um mínimo de rigor e segurança, concluir não corresponder à realidade a factualidade tida como provada no douto acórdão e que não sejam sensatas e adequadas as ilações dela extraídas.
Posto isto, não nos merece também reparo a interpretação jurídica empreendida, no sentido de que, com base naqueles factos e na análise das normas do Estatuto Privado do Pessoal da AMCM, estrutura orgânica e quadro de pessoal deste organismo e restantes dispositivos legais aplicáveis, o cargo de técnico-coordenador que o recorrente exerceu no mesmo antes da aposentação, não se enquadra no âmbito do pessoal de direcção e chefia previsto no art.º 2º da Lei 15/2009 de 3/8, por forma a poder auferir da actualização de vencimento prevista nos artºs 29º e 37º do mesmo diploma e respectivos anexos, com efeitos retroactivos a 1/7/07, sendo que os comportamentos procedimentais da AMCM, porventura inadequados com o estatuto e funções do visado e que aquela admite como constituindo “imprecisões de linguagem administrativa ou de secretaria”, ou “imprecisões ou lapsos de procedimento administrativo colaterais”, reportados, nomeadamente, ao “subsídio de coordenação”, “fichas de avaliação dos técnicos-coordenadores” e “entrega e declarações de rendimentos no Tribunal de Última Instância”, não têm, por um lado, em si próprias, valor e dignidade para conferirem validamente ao interessado o estatuto e funções a que se arroga e que efectivamente não detinha, não podendo, por outra banda, ser tidos como actos administrativos, já que não emanados de pessoa colectiva integrada na Administração e ao abrigo de quaisquer normas de direito público, tratando-se, antes de meros actos instrumentais e mesmo de expediente, em relação interorgânica, a não terem o condão de alterar a esfera jurídica do interessado, pelo menos nos termos em que o mesmo a configura, pelo que não faz sentido apelar a eventual consolidação de tais actos por falta de anulação ou revogação.
Tudo razões por que, não se descortinando a ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, se entende haver que manter o decidido».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
«Em 3 de Setembro de 1987, o Conselho de Administração do então Instituto Emissor de Macau emitiu a Ordem Administrativa n.º 11/87, publicando a instituição do subsídio de função, a partir de 1 de Junho de 1987 (vide fls. 115 e v dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 14 de Março de 1988, o Conselho de Administração do então Instituto Emissor de Macau emitiu a Ordem Administrativa n.º 03/88, publicando a definição, através de deliberação, do diploma da sua orgânica interna (vide fls. 35 a 37 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Realizaram-se várias actualizações do subsídio de função desde 1 de Janeiro de 1989 (vide fls. 116 a 130 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 19 de Março de 1991, o Conselho de Administração da então Autoridade Monetária e Cambial de Macau emitiu a Ordem Administrativa n.º 014/CA/91, publicando a alteração, mediante deliberação, da sua orgânica. (vide fls. 38 a 45 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 24 de Agosto de 1998, o Conselho de Administração da então Autoridade Monetária e Cambial de Macau emitiu a Ordem Administrativa n.º 56/CA/98, publicando a reconstituição, mediante deliberação, da estrutura do Departamento de Supervisão Bancária, aprovando a sua estrutura orgânica e a segregação de funções (vide fls. 47 a 52 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 25 de Maio de 2000, a entidade recorrida proferiu deliberação no sentido de nomear o recorrente para exercer, a partir de 1 de Junho de 2000, o cargo de técnico coordenador dum dos grupos de trabalho no Departamento de Supervisão Bancária, com direito ao subsídio. O recorrente exerceu o cargo de técnico coordenador entre 1 de Junho de 2000 e 3 de Janeiro de 2010 (vide fls. 31 e v, 33 e v dos anexos e 113 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 15 de Outubro de 2009, a entidade recorrida proferiu deliberação deferindo a rescisão do contrato de serviços celebrado com o recorrente, a partir de 4 de Janeiro de 2010 (vide fls. 33 e v dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 5 de Junho de 2012, o recorrente apresentou requerimento ao presidente do Conselho de Administração da Autoridade Monetária de Macau (AMCM), solicitando que o técnico coordenador fosse considerado pessoal de chefia da AMCM e pudesse ter direito à actualização de vencimentos na qualidade do pessoal do grupo IV do AMCM nos termos da Lei n.º 15/2009. (vide fls. 28 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 7 de Junho de 2012, a entidade recorrida proferiu a deliberação n.º 379/CA, indicando que o despacho do Chefe do Executivo autorizou a actualização de vencimentos do pessoal de direcção e chefia de dois organismos públicos (incluindo a AMCM), com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007 e nível de valorização fixado na Lei n.º 15/2009 (+10%).
Em cumprimento do despacho acima referido, deliberou juntar-se em anexo a tabela de remunerações bases do pessoal e submetê-la à apreciação do Secretário para a Economia e Finanças. Em 27 de Junho de 2012, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho de “deferimento” em relação à deliberação acima referida. (vide fls. 148 a 155 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 11 de Junho de 2012, o pessoal do AMCM elaborou o parecer n.º 57/2012-GAJ, indicando que o requerimento do recorrente deveria ser indeferido pela falta de fundamentação de direito. (vide fls. 25 a 27 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 15 de Junho de 2012, o pessoal do AMCM elaborou o relatório n.º 130/2012-GAJ, indicando que o grupo funcional chefiado pelo recorrente não é uma unidade orgânica da AMCM e o seu cargo não se equipara ao de subdirector ou director-adjunto, pelo que o cargo não é de direcção e chefia nos termos do artigo 2.º, n.º 6 da Lei n.º 15/2009 (vide fls. 21 a 23 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 19 de Junho de 2012, o AMCM notificou o recorrente para ficar a aguardar a decisão da entidade recorrida através do ofício n.º 3648/2012-AMCM-DGR, em que se encontravam em anexo cópias do parecer n.º 57/2012-GAJ e do relatório n.º 130/2012-GAJ (vide fls. 10 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 20 de Junho de 2012, o recorrente apresentou junto do Conselho de Administração do AMCM declaração complementar no que toca às conclusões formuladas nos dois relatórios acima referidos. Na declaração o recorrente invocou que o técnico coordenador é nomeado pela entidade recorrida através da deliberação para a melhor adequação à solução estrutural dos serviços dependentes ou a especificidade das funções a exercer, e recebe mais subsídios que chefe de serviço ou chefe de sector. Acresce que na Ordem Administrativa da constituição do respectivo departamento funcional é expressamente definido que o técnico coordenador trata-se do pessoal de chefia do grupo funcional dependente do departamento e preenche os requisitos de pessoal de direcção e chefia previstos no artigo 2.º, n.º 5 da Lei n.º 15/2009 (vide fls. 20 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 29 de Junho de 2012, a AMCM emitiu a Ordem Administrativa n.º 025/CA/2012 publicando o teor da deliberação n.º 379/CA (vide fls. 27 a 28 e v dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 5 de Julho de 2012, a entidade recorrida proferiu a deliberação n.º 447/CA, indicando que o recorrente nunca tinha exercido qualquer cargo de direcção e chefia, mas apenas o cargo de técnico coordenador dum grupo funcional; mesmo o grupo em que o recorrente exerceu o cargo preenchesse as exigências referidas no artigo 2.º, n. º 5, al. 1) da Lei n.º 15/2009, não se encontrava no diploma orgânico da AMCM ou na estrutura orgânica do Departamento de Supervisão Bancária um cargo expressamente equiparado ao mencionado no caso em apreço; acresce que, o técnico coordenador é um cargo específico da categoria de técnico (grupo III), pelo que a deliberação da AMCM indeferiu o requerimento do recorrente de lhe aplicar a Lei n.º 15/2009 pela falta de fundamentação de direito. (vide fls. 3 a 5 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 9 de Julho de 2012, o AMCM notificou o recorrente da decisão acima referida através do oficio n.º 4141/2012-AMCM-DFR(SGR), indicando que o recorrente poderia, querendo, recorrer da decisão no prazo legalmente fixado (vide fls. 11 dos anexos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
Em 8 de Agosto de 2012, o recorrente recorreu para este Tribunal das deliberações nºs 379/CA e 447/CA».
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III – O Direito
1 - A sentença do T.A. tem o seguinte teor, na parte que ora interessa:
« (…) Na sua petição inicial, o recorrente invoca que tem exercido, entre Junho de 2000 e Janeiro de 2010, o cargo de técnico coordenador num dos grupos de trabalho do Departamento de Supervisão Bancária da AMCM e que a AMCM tem equiparado o respectivo cargo ao de direcção ou chefia, dando como exemplo os factos de ele ter recebido o subsídio de chefia cujo montante é superior ao de alguns chefes, de ter sido notado na avaliação do desempenho na qualidade do pessoal de direcção e chefia, de ter exercido efectivamente a função de chefia e ter declarado o património junto do TUI, bem como de o técnico coordenador ter direito ao mesmo nível da actualização de subsídios do pessoal de direcção ou chefia. Pelo que o recorrente entende que o acto recorrido viola o disposto, no artigo 2.º, n.º 4 do DL n.º 85/89/M e nos artigos 29.º, 36.º e 37.º da Lei n.º 15/2009 e padece dos vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de violação de lei, razão pela qual pede que o acto recorrido seja anulado e que a entidade recorrida seja condenada a pagar-lhe a quantia decorrente da valorização do vencimento em dez por cento a contar desde 1 de Julho de 2007 pela aplicação da Lei n.º 15/2009.
A questão nuclear do presente caso está em saber se o cargo de técnico coordenador que o recorrente exerceu na AMCM antes da aposentação preenche o âmbito do pessoal de direcção e chefia previsto no artigo 2.º da Lei n.º 15/2009 de 3 de Agosto, de modo que ele possa ter direito à actualização do vencimento prevista nos artigos 29.º e 37.º da mesma Lei e nos seus anexos, com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007.
De acordo com os factos assentes, o recorrente foi nomeado, através da deliberação de 25 de Maio de 2000 da entidade recorrida, para exercer o cargo de técnico coordenador dum dos grupos de trabalho do Departamento de Supervisão Bancária da AMCM, com direito ao subsídio.
Cumpre analisar, portanto, a estrutura orgânica e o quadro de pessoal da AMCM, bem como a natureza dos subsídios atribuídos aos seus trabalhadores.
Em 3 de Setembro de 1987, o Concelho de Administração do então Instituto Emissor de Macau emitiu a Ordem Administrativa n.º 11/87, publicando a instituição do subsídio de função a partir de 1 de Junho de 1987. De acordo com a Ordem Administrativa, “Este subsídio visa estabelecer um incentivo e uma compensação pelo exercício de funções de chefia ou coordenação de que resultam acrescidas responsabilidades a todos os níveis. Contudo e nos termos do referido despacho o subsídio apenas será atribuído aos trabalhadores que, para além de possuírem as categorias de chefia ou coordenação constantes da tabela anexa, exerçam efectivamente essas funções, não bastando, pois, a mera titularidade.” (vide fls. 115 dos autos, texto original em português), e o subsídio seria atribuído aos Directores e Inspectores, Directores Adjuntos e Inspectores-adjuntos, Técnicos Coordenadores, Chefes de Serviço e Chefes de Sector, fixando-se em 1000 patacas o subsídio atribuído aos técnicos coordenadores de 15 e 16 categorias (vide fls. 115v dos autos).
Em 14 de Março de 1988, o Concelho de Administração do então Instituto Emissor de Macau emitiu a Ordem Administrativa n.º 03/88 que publicou a definição, através de deliberação, do diploma da sua orgânica interna, fixando a regra desta e a sua estrutura. Vê-se a seguir parte do teor da Ordem Administrativa (vide fls. 35 a 36 dos anexos, texto original em português),
“1. Na orgânica interna do IEM, ter-se-á em atenção:
- o agrupamento, numa mesma unidade de estrutura, de funções homogéneas de vários postos de trabalho, com órgão de gestão próprio, e independentemente do número ou da categoria de pessoal a ela afecto;
- o agrupamento das diversas unidades de estrutura em conjuntos integrados, de acordo com a sua afinidade.,
2. A ordenação, em escala descendente, daquelas unidades de estrutura será a seguinte:
- DEPARTAMENTO;
- DIVISÃO;
- SERVIÇO;
- SECTOR.
……
2.4. Para além destes órgãos de linha, poderão ainda existir unidades de estrutura de apoio, com atribuições específicas no campo técnico, envolvendo nomeadamente actividade de estudos e assessorias na área económica e jurídica e que terão a designação genérica de GABINETE. Estes órgãos, quando existam, poderão integrar um Departamento ou depender directamente da Administração.”
A gestão desta unidade compete a um responsável cujo estatuto será fixado pela Administração. Os Gabinetes, quando a sua dimensão o justificar; poderão estruturar-se em NÚCLEOS. Estes, quando não integram um Gabinete, farão sempre parte de uma Divisão ou de um Departamento e poderão assumir designações especiais, tendo em conta 'J eventual carácter único das suas funções.”
O DL n.º 39/89/M de 12 de Junho (alterado pelo DL n.º 14/96/M de 11 de Março) criou a então Autoridade Monetária e Cambial de Macau1 e publicou o Estatuto desta (já revogado pelo artigo 3.º, n.º 1 do DL n.º 14/96/M). Nos termos do artigo 30.º, n.º 1 do Estatuto acima referido, o pessoal da AMCM fica sujeito no que respeita ao seu recrutamento, selecção, contratação e regime de previdência ao Estatuto Privativo do Pessoal da AMCM, aprovado pelo Conselho de Administração e homologado pelo Governador e à lei reguladora das relações de trabalho no território de Macau.
Depois foi estabelecido de acordo com o artigo 30.º, n.º 1 acima referido o «Estatuto Privado do Pessoal da Autoridade Monetária e Cambial de Macau», cujos artigos 6.º e 8.º e os anexos 1 e 2 prevêem, designadamente (vide fls. 35v a 36 e 51v a 52v do autos, texto original em português):
“Artigo 6º
(Enquadramento Profissional)
1. Os trabalhadores da AMCM são enquadrados de acordo com os Anexos I e II, em grupos, e, dentro de cada grupo, em categorias profissionais.
2. Cada categoria tem o seu próprio número de níveis de retribuição, sendo a remuneração correspondente a cada um desses níveis idêntica à dos mesmos níveis das diversas categorias do mesmo grupo.
3. Dentro de cada categoria, os trabalhadores serão adstritos, de acordo com o seu contrato com a AMCM, às diversas funções genéricas e especificas referidas no Anexo II, a que corresponderão os níveis mínimos e máximos constantes do Anexo I.
4. De acordo com as necessidades da AMCM, poderá o Conselho de Administração transferir o trabalhador para funções diferentes daquelas para que foi contratado, que correspondam à mesma categoria, não podendo a mudança acarretar diminuição da retribuição mensal efectiva auferida na função de origem, nem prejudicar os seus direitos contratuais.
Artigo 8º
(Complementos Salariais)
1. O Conselho de Administração poderá atribuir complementos salariais, nas condições a divulgar em Ordem de Serviço, aos trabalhadores que desempenhem cargos de direcção e chefia (subsídio de função), que estejam em disponibilidade horária permanente (subsídio de isenção de horário), que coordenem áreas funcionais (subsídio de coordenação), ou que lidem com a caixa ou a venda de moedas comemorativas (subsídio para falhas).
2. O direito aos subsídios referidos no número anterior pressupõe o efectivo desempenho das funções a que os mesmos se referem, não sendo suficientes, para a sua atribuição, a mera titularidade do cargo ou da categoria.
ANEXO I
… … …
Grupo III Categorias Técnico Auxiliar e Técnico.
Grupo IV Categorias Chefe de Sector e Chefe de Serviço
ANEXO II
... ... ...
C) GRUPO III
... ... ...
CATEGORIAS
... ... ...
B) TÉCNICO
FUNÇÕES ESPECÍFICAS
... ... ...
g) Técnico Coordenador de Áreas Funcionais;
... ... ...”
Do disposto acima referido resulta que o técnico auxiliar e o técnico são enquadrados no grupo III, no qual o técnico coordenador é uma das categorias, enquanto o chefe de sector e chefe de serviço são enquadrados no grupo IV.
Acresce que, não resulta, quer do subsídio de função que entrou em vigor desde 1 de Junho de 1987, quer do disposto no artigo 8.º do Estatuto Privado do Pessoal acima referido, que a autoridade pública pretende, através da atribuição de subsídios, considerar pessoal do grupo IV os trabalhadores que possuam categoria de técnico auxiliar e técnico ou que exerçam efectivamente funções de coordenação; por outro lado, os subsídios a atribuir são diferentes na sua natureza, compreendendo os que serão atribuídos aos trabalhadores que exerçam cargos de direcção e chefia (subsídio de função) e os que atribuídos aos trabalhadores que coordenem áreas funcionais (subsídio de coordenação).
Em 19 de Março de 1991, o Conselho de Administração da então Autoridade Monetária e Cambial de Macau emitiu a Ordem Administrativa n.º 014/CA/91 publicando a definição, mediante deliberação, da sua orgânica. Na Ordem Administrativa foi fixado que o Departamento de Supervisão Bancária depende directamente do Concelho de Administração, e compreende o Sector de Apoio Administrativo, a Divisão de Inspecção e a Divisão de Projectos Especiais (vide fls. 38 a 40 dos anexos)
Em 24 de Agosto de 1998, o Conselho de Administração da então Autoridade Monetária e Cambial de Macau emitiu a Ordem Administrativa n.º 56/CA/98 (vide fls. 47 a 52 dos anexos), publicando a reconstituição, mediante deliberação, da estrutura orgânica do Departamento de Supervisão Bancária, aprovando a sua orgânica e a segregação de funções, prevendo que a gerência compreende o “STAFF” que se responsabiliza pelo enquadramento, políticas e estudos bancários, três áreas funcionais que se responsabilizam pela supervisão bancária (Área I, Área II e Área III e o Serviço de Registo de Operadores, e indicando, designadamente:
“... ... ...
d) O “STAFF” que se responsabiliza pelo enquadramento, políticas e estudos bancários depende directamente da gerência e presta o apoio técnico específico ao Departamento de Supervisão Bancária. Cada técnico pode aceitar tarefas de que seja directamente incumbido pelo pessoal de direcção, e as mesmas prevalecem ao seu trabalho técnico, desde que não se mostrem incompatível com o trabalho em grupo de que seja superiormente incumbido;
e) O coordenador de supervisão é o responsável directo no seu grupo, que se responsabiliza pela realização do trabalho técnico no grupo e deve exercer a sua junção de coordenação de acordo com as orientações da direcção, salvo situações urgentes em que ele realize por iniciativa o trabalho e informe a gerência no mais curto prazo;
j) A distribuição do pessoal de técnico e a organização do trabalho dos grupos não são rígidos, mas podem ser determinados pela direcção tendo em conta a experiência e a capacidade dos trabalhadores e em função das necessidades reais e do bom funcionamento dos serviços;
g) Todos os técnicos fazem parte integrante duma unidade. O gerente superior pode, a todo o tempo, determinar o técnico a desempenhar outras tarefas independentemente do grupo em que este está colocado, tais como a responsabilizar-se pela função de outro grupo;
h) O chefe do Serviço de Registo de Operadores responsabiliza-se pelo funcionamento do serviço e exerce a sua função segundo as orientações da gerência (gerente superior ou gerente) deste Departamento.
... ... ...”
No presente caso, em 1 de Junho de 2000 o recorrente foi nomeado para exercer o cargo de técnico coordenador dum dos grupos de trabalho acima referidos do Departamento de Supervisão Bancária da AMCM até ao dia 4 de Janeiro de 2010, data em que se aposentou.
Do acima referido estatuto orgânico interno da AMCM resulta que o cargo de técnico coordenador exercido pelo recorrente não pode, manifestamente, ser considerado de direcção e chefia do Departamento de Supervisão Bancária.
Acresce que nos autos não se verificam quaisquer elementos comprovativos de o recorrente ter exercido, entre 2005 e 2006, o cargo do chefe do Serviço de Registo de Operadores (SRO) dependente do Departamento de Supervisão Bancária, nem de ele ter sido notado na avaliação do desempenho na qualidade do pessoal de direcção e chefia.
Portanto, o subsídio atribuído ao recorrente a partir de 1 de Junho de 2000 não é o subsídio de função que deve ser atribuído aos trabalhadores que exerçam cargos de direcção e chefia, mas sim o de coordenação atribuído aos trabalhadores que coordenem áreas funcionais.
*
Nos termos da Lei n.º 15/2009 de 3 de Agosto que define as «Disposições Fundamentais do Estatuto do Pessoal de Direcção e Chefia».
“Artigo 2.
Cargos de direcção e chefia
1. Considera-se pessoal de direcção e chefia o pessoal que exerce actividades de gestão, coordenação e controlo nos serviços e entidades públicas.
2. São cargos de direcção:
1) Director;
2) Subdirector.
3. São cargos de chefia:
1) Chefe de departamento;
2) Chefe de divisão;
3) Chefe de secção.
4. O cargo de «chefe de secção» tem natureza excepcional, só podendo ser criado quando integrado em subunidades orgânicas de natureza administrativa.
5. A criação de cargos de direcção e chefia diversos dos referidos nos números anteriores é admitida desde que, cumulativamente:
1) Se fundamente na melhor adequação à solução estrutural do serviço ou na especificidade das funções a exercer;
2) Seja feita no diploma orgânico dos respectivos serviços, mediante expressa equiparação a um dos cargos enumerados.
6. Não se consideram de direcção e chefia os cargos não correspondentes a unidades ou subunidades orgânicas, ainda que as respectivas funções envolvam a gestão, coordenação ou controlo, salvo tratando-se do cargo de subdirector.
Artigo 29.
Actualização da tabela indiciária de vencimentos
1. A tabela indiciária de vencimentos dos trabalhadores da Administração Pública é actualizada em função do índice máximo de vencimentos do pessoal de direcção previsto no mapa 1 anexo à presente lei.
2. Para os efeitos da actualização prevista no número anterior, são introduzidos avanços indiciários de 5 pontos entre o índice 1000 e o índice 1100.
Artigo 36.º
Equiparações e referências em legislação anterior
1. As equiparações a cargos de direcção e chefia feitas antes da entrada em vigor da presente lei, para os efeitos do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 85/89/M, de 21 de Dezembro, consideram-se eficazes para efeitos do disposto no artigo 2.º
2. As referências ao Decreto-Lei n.º 85/89/M, de 21 de Dezembro, constantes da legislação em vigor consideram-se efectuadas, com as adaptações necessárias, para as disposições correspondentes da presente lei e respectiva legislação complementar.
Artigo 37.º
Entrada em vigor
1. A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
2. As valorizações indiciárias decorrentes da presente lei, bem como a actualização a que se refere o artigo 29.º, produzem efeitos desde 1 de Julho de 2007.”
Das disposições acima referidas resulta que ao recorrente não é aplicável o artigo 2.º, n.º 5, al. 2) da Lei n.º 15/2009.
O recorrente pretende invocar a aplicação do disposto no artigo 36.º da Lei n.º 15/2009 para a remissão do artigo 2.º, n.º 4.º do DL n.º 85/89/M de 21 de Dezembro, ou seja, sempre que se estabeleçam designações específicas com poderes de direcção ou chefia de unidades ou subunidades orgânicas, deve prever-se a sua equiparação a um dos cargos enumerados nos números anteriores, entendendo que o disposto acima referido não exige a equiparação expressa. Este Tribunal entende que, do disposto acima referido não pode resultar a aludida invocação do recorrente; além disso, tanto o DL n.º 85/89/M como a Lei n.º 15/2009 exige que o pessoal de direcção e chefia possua cargo correspondente, e que não se consideram de direcção e chefia os cargos não correspondentes a unidades ou subunidades orgânicas, salvo tratando-se do cargo de subdirector (vide artigo 2.º, n.º 5 do DL n.º 85/89/M e artigo 2.º, n.º 6 da Lei n.º 15/2009).
*
Por outro lado, nos termos dos artigos 1.º e 6.º da Lei n.º 11/2003, ainda que o recorrente deva apresentar a declaração de bens patrimoniais e interesses junto do Comissariado Contra A Corrupção, mas não do TUI, a irregularidade em relação à declaração não causaria a alteração da sua categoria profissional ou carreira, nem equipararia o seu cargo ao de direcção e chefia.
*
Afinal, no que tange à alegação do recorrente de ter recebido subsídio de valor superior ao valor de subsídio de alguns chefes, e à invocação de ele ter direito ao mesmo nível da actualização de subsídios do pessoal de direcção ou chefia. Na verdade, desde a entrada em vigência em 1 de Junho de 1987 do regime da atribuição do subsídio de função aos trabalhadores que exerçam cargos de chefia e coordenação, foi fixado que o montante do subsídio atribui do ao técnico coordenador seria superior ao que seria atribuído aos chefes de sector e de serviço. As várias valorizações posteriores mostram que o técnico coordenador tem recebido mais subsídio que o chefe de sector, chefe de serviço e o cambista chefe (vide fls. 116 a 130 e v dos autos). Por outro lado, ainda que o pessoal tenha direito ao mesmo nível da actualização de subsídios do pessoal de direcção ou chefia, não poderia ser considerado equiparado ao titular desse cargo. Como mostram as diversas valorizações indiciárias de vencimentos dos trabalhadores da Administração pública aprovadas pela Assembleia Legislativa após o retomo, os trabalhadores da Administração Pública enquadrados em diferentes categorias têm direito ao mesmo nível da valorização.
Nestes termos, devem ser julgados improcedentes os fundamentos e pedidos formulados pelo recorrente, incluindo a invocada violação do disposto no artigo 2.0, n.º 4 do DL n.º 85/89/M e nos artigos 29.º, 36.º e 37.º da Lei n.º 15/2009, os invocados vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de violação de lei, os pedidos da anulação dos actos recorridos e da condenação da entidade recorrida no pagamento da quantia decorrente da valorização do vencimento em dez por cento a contar desde 1 de Julho de 2007 pela aplicação da Lei n.º 15/2009.
*
Por tudo o que fica expendido e justificado, o Tribunal decide negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente, rejeitando todos os pedidos por este formulados contra a entidade recorrida.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça de 6 UC.
Registe e notifique».
*
2 - A sentença transcrita tratou as questões suscitadas, uma a uma. Estudou a estrutura orgânica da AMCM desde a Ordem Administrativa nº 11/87 e concluiu que “técnico coordenador” é uma categoria enquadrada no grupo III, e não no grupo IV, próprio do pessoal de chefia de sector e de serviço.
Disse, igualmente, que o subsídio que o recorrente tem recebido não significa que a entidade o quis incluir no Grupo IV vocacionado à Direcção e Chefia.
Acrescentou, aliás, que o subsídio que recebia não era de função, mas sim de coordenação, atribuído aos trabalhadores que coordenam áreas funcionais, de valor mais elevado do que o atribuído aos cargos de direcção e chefia.
Afirmou ainda, contrariando o recorrente, que a equiparação ao abrigo do art. 36º da lei nº 15/2009 só pode ser feita pela forma expressa.
E concluiu que o facto de apresentar a sua declaração de rendimentos no TUI não tem o sentido de se atribuir ao cargo uma alteração na categoria profissional ou carreira, nem equiparar o seu cargo ao de direcção e chefia.
E porque o fez de forma impoluta, não nos resta senão – com a devida vénia e, evidentemente, no pleno respeito pela tese contrária do recorrente – remeter o presente aresto para os seus fundamentos, nos termos do art. 531º, nº4, do CPC, “ex vi” art. 149º, nº1, do CPAC.
*
3 - Acrescentaremos, somente, um ou outro aspecto que talvez se mostre interessante salientar.
3.1 - No que se refere à equiparação, realmente o art. 36º citado aceita, para os efeitos do art. 2º da Lei nº 15/2009 – isto é, com vista à integração em cargos de direcção e chefia – que as equiparações estabelecidas antes da entrada em vigor deste diploma se consideram “eficazes”.
Ora, de acordo com o nº5, do art. 2º do DL nº 85/89/M, «exceptuado o cargo de sub-director, não se consideram de direcção e chefia os cargos não correspondentes a unidades ou subunidades orgânicas».
Da mesma maneira, face ao art. 2º, nº6, da Lei nº 15/2009, «não se consideram de direcção e chefia os cargos não correspondentes a unidades ou subunidades orgânicas, ainda que as respectivas funções envolvam a gestão, coordenação ou controlo, salvo tratando-se do cargo de subdirector».
Isto é, antes de mais, exigem estes preceitos que os cargos de direcção e chefia correspondam a unidades ou subunidades orgânicas. Ora, nem pela Ordem Administrativa 014/CA/91, nem pela Ordem Administrativa 56/CA/98 se verifica que o coordenador possa ser chefe de alguma unidade ou subunidade do Departamento de Supervisão Bancária, mesmo que seja o “responsável directo do seu grupo” (OA nº 56/CA/98).
.
3.2 - Por outro lado, nem sequer concordamos que a equiparação pudesse ter sido feita de modo implícito ou tácito. Realmente, o nº4, do art. 2º do DL nº 85/89/M, de 21/12 apenas prescreve que “Sempre que se estabeleçam designações específicas com poderes de direcção ou chefia de unidades ou subunidades orgânicas, deve prever-se a sua equiparação a um dos cargos enumerados nos números anteriores”.
Ora, desta norma parece decorrer com suficiente clareza que, para novas e futuras designações específicas (para além das designações previstas no art. 2º, nºs 1 e 2, cit.) com poderes de direcção ou chefia, se comina a necessidade de se prever a sua equiparação a um dos cargos previstos nos nºs 2 e 3.
Designações e equiparação são vocábulos a que se não pode deixar de atribuir o significado devido. E deles não deverá duvidar-se que exigem sempre uma prolação expressa, tanto para a designação em cargo com poderes de direcção e chefia, como para a previsão na equiparação a um dos cargos enumerados no nº3.
Realmente, o que significa “prever”, senão a exigência legal de se determinar expressamente essa equiparação? Não é verdade que só a “previsão” concreta e expressa pode resultar numa equiparação? Como se poderia dizer que o estabelecimento de uma “designação específica” (primeira exigência expressa) possa prescindir da equiparação expressa a um dos cargos referidos nos nºs 2 e 3 do art. 2º? Isto é: qual o cargo a equiparar, a não ser por equiparação expressa? Com que bases se poderia atribuir ao silêncio uma equiparação?
Portanto, nem mesmo que temporariamente tivesse exercido determinadas funções que pudessem ser de chefia, não podia por essa via ser considerado integrado no elenco legal do pessoal de direcção e chefia. Dito de outro modo, «… não é por as ter exercido (pelo período de seis anos) que esse exercício releva para os fins em causa…»2.
E isto porque «a equiparação tem de resultar de lei que a estabeleça, sendo irrelevante as funções efectivamente desempenhadas»3.
Portanto, não se pode concordar com o recorrente nesta matéria, uma vez que a invocada equiparação nunca aconteceu antes, nem por norma legal ou regulamentar, nem por determinação administrativa expressa.
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3.3 - Nesse pressuposto, em nada favorece a esfera do recorrente o facto de o seu recibo de vencimento falar em subsídio de função (doc. fls. 55), nem a circunstância de ter feito a entrega da sua declaração de rendimentos no TUI, em vez de no Comissariado contra a Corrupção.
São elementos acessórios que poderiam ajudar à compreensão da situação jurídica, mas que não são decisivos nessa tarefa.
O nomen iuris dado ao subsídio atribuído ao recorrente (ver recibo) não passa de uma errada qualificação, portanto, sem reflexos ao nível da integração na carreira. O que importa mesmo é o conjunto de poderes e competências de que o recorrente dispunha. Aliás, como é dito pela entidade recorrida e o próprio recorrente aceita no recurso, o montante do subsídio que ele recebia era superior ao valor do subsídio de função atribuídos aos cargos de direcção e chefia, o que parece evidenciar que, até ele mesmo acolhe a ideia de uma errada qualificação administrativa e interna dos serviços da AMCM na designação constante do recibo dada ao subsídio.
Neste sentido, não podemos aceitar que, pela via de facto, se tenha consolidado a situação jurídica que o recorrente reclama.
Com efeito, nada pode levar a concluir ter havido um reconhecimento expresso dessa situação.
Aliás, nem sequer se pode dizer que uma errada qualificação feita eventualmente pela AMCM poderia levar à atribuição de um estatuto próprio de um cargo de direcção e chefia. As coisas não se passam assim. Realmente, de um erro não advém a solidificação de uma situação jurídica substantiva definitiva. Uma situação mais ou menos prolongada no tempo de exercício de funções de chefia apenas pode proporcionar, enquanto persistir, a obtenção das regalias que são próprias desse estatuto, maxime, remuneratório. Daí, porém, não se segue, que ao fim desse tempo o estatuto do funcionário se tenha automaticamente alterado por essa via.
Assim sendo, os subsídios que ele viesse recebendo com uma determinada qualificação não lhe conferem a integração na categoria a que eles correspondem, nem equiparação no cargo em termos inquestionáveis e inelutáveis. Se isso fosse possível, estaríamos perante uma forma enviesada de integrar funcionários em lugares de chefia, contra os cânones das exigências legais de provimento.
Ora, o recorrente nunca foi nomeado Chefe de Serviço, tal como o exigiriam os arts. 3º e 4 ºdo DL nº 85/89/M; era técnico coordenador somente.
E quanto a esta categoria, já o TA concluiu que ele não se integrava no Grupo IV, mas no grupo III do Anexo II do Estatuto Privativo do Pessoal da AMCM. E nós estamos de acordo com a decisão quanto a esse aspecto, até porque, enquanto coordenador de grupo de trabalho no Departamento de Supervisão Bancária, ele era «responsável directo no seu grupo, que se responsabiliza pela realização do trabalho técnico no grupo e deve exercer a sua função de coordenação de acordo com as orientações da direcção, salvo situações urgentes em que ele realize por iniciativa o trabalho e informe a gerência no mais curto prazo» (fls. 47 a 52 do anexo).
Ou seja, o próprio coordenador limita-se a exercer funções técnicas e de coordenação do grupo sob a orientação da direcção.
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3.4 - E se isto se diz, do mesmo passo se haverá de concluir também quanto à avaliação do recorrente. Não pode ser desse facto de origem formal – que pode assentar num lapso, deficiência ou erro dos serviços – que se haverá de extrair a criação substantiva de um direito.
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3.5 - O mesmo se afirma quanto à entrega das declarações de rendimentos no TUI.
Também se não pode extrair desse facto, teoricamente fundável num erro dos serviços da AMCM, um direito para o qual não existe norma, nem decisão administrativa constitutiva.
Não pode aproveitar-se o funcionário de uma situação de facto, para dela retirar efeitos constitutivos de um direito, o qual só com assento na norma poderia ser criado.
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3.6 - E teria havido “sanação” de alguma ilegalidade?
O recorrente invoca esta matéria pela primeira vez no recurso, com o que parece querer imputar à sentença recorrida alguma invalidade. Só por isso dedicaremos ao assunto umas breves notas.
Não tem razão o recorrente. Não houve nenhum direito adquirido que o acto impugnado tivesse ofendido. Realmente, não se pode dizer que alguma vez tivesse formalmente sido atribuído ao recorrente um direito subjectivo, nem sequer norma nenhuma lho permitiria, face às funções de técnico coordenador que eram suas. Se alguma invalidade tivesse havido, o que se poderia, quando muito, dizer é que ela se teria sedimentado na esfera do recorrente, não em termos que lhe permitissem adquirir um estatuto (que nunca poderia obter), mas simplesmente em termos de fazer suas as regalias, por exemplo remuneratórias, específicas de um exercício funcional próprio de um cargo de chefia. Mas, nem isso se verificou sequer, pois, como se disse, a coordenação não correspondia a cargo de chefia.
Por isso, não se aceita que o período de dez anos que o recorrente invoca a seu favor tenha a força capaz de criar uma situação jurídica.
Nem sequer o argumento da revogabilidade trazido pelo recorrente procede, como se quisesse dizer que, por não terem sido revogados em tempo (um ano), se consolidaram na sua esfera jurídica.
Realmente, não é certo este modo de ver. Pense, antes, o recorrente desta maneira: imagine que tinha auferido um vencimento e recebido um subsídio que fossem próprios de uma chefia, que efectivamente não exercia. Ao fim desse período, sem nunca terem sido reclamados pela Administração, poderia fazer sentido o recorrente invocar este argumentário, com apelo a regras de caducidade e de prescrição que ao caso coubessem. Como cada processamento de vencimento é considerado um acto administrativo, admitir-se-ia que a sua consolidação se verificasse (caso decidido) caso não tivesse havido lugar a revogação tempestiva (isto, sem prejuízo de outra ordem de considerações que se poderiam aqui aduzir a respeito, por exemplo, de reposição/devolução de dinheiros públicos indevidamente recebidos, tal como decorre dos arts. 177º do ETAPM e 37º, nº1, do Regulamento Administrativo nº 6/2006, em matéria de prescrição).
Ou seja, o decurso do prazo apenas poderia servir de protecção ao recorrente a fim de se valer dos efeitos decorrentes de eventual invalidade. Mas, nunca para tornar legal uma situação ilegal irremediável. No máximo, o que se poderia tolerar era uma “sanação” dos efeitos invalidantes dos actos. Isto é, os actos passados continuariam ilegais, simplesmente os seus efeitos já produzidos não se iriam jamais repercutir negativamente na esfera do interessado.
O que não pode é vir agora dizer que a sua situação jurídica de chefia se consolidou ao longo do tempo só porque, no seu entendimento, exerceu funções de chefia. Não sendo esse o caso, nenhum benefício pode retirar da situação de facto realmente existente.
Aliás, nem sequer é isso o que está causa, mas sim saber se o acto impugnado contenciosamente ofendeu, ou não, o disposto na Lei nº 15/2009 (arts. 29º, 36º e 37º) e no DL nº 85/89/M (art. 2º, nº4).
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3.7 - E se isto é assim, também improcede o abuso do direito (art. 326º, CC) invocado agora pela primeira vez no processo (mas que este TSI pode apreciar, na medida em que o julgue matéria de conhecimento oficioso4).
Mas, uma vez mais claudica o recorrente. A única chance de integração do caso em apreço na figura do abuso seria pelo caminho do venire contra factum proprium. Uma ideia que se poderia, em esforço, explicar assim: ao longo de mais de dez anos a AMCM andou a atribuir um subsídio, que qualificou de chefia; avaliou-o na qualidade de chefe, qualidade que agora nega; mandou-o apresentar a declaração de rendimentos no TUI, para agora vir dizer que deveria ser no Comissariado para a Corrupção. E depois de tudo isso vem agora a AMCM desdizer-se e negar efeitos a uma prática repetida. É esta a ideia do recorrente.
Ideia, porém, infundada.
Com efeito, o venire, além de supor uma contradição entre comportamento passado e presente, implica, por outro lado, uma violação da confiança.
Claro que o venire atenta contra a boa fé, como alguma doutrina proclama. Todavia, é algo mais do que isso, na medida em que o apelo à boa fé, só por si, é insuficiente por não conter precisões, por ser mais abstracta. É, por isso, que a sua força, mais do que provinda da boa fé, encontra a sua génese na protecção da confiança (protecção na confiança do tráfego jurídico, protecção da confiança digna e bem fundada). Já por isso mesmo há quem defenda que a sua previsão é meramente objectiva, logo independente da culpa (Josef Wieling, citado por Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, pág. 287). Isto é, a situação objectiva de confiança existe por alguém praticar um acto que é apto a despertar noutrem a legítima convicção de que posteriormente não adoptará um comportamento contrário (Batista Machado, Tutela da Confiança e Venire contra factum proprium, RLJ anos 117 e 118).
Menezes Cordeiro, neste quadro, desdobra a confiança em quatro grandes proposições (ob. cit., pág. 292):
1ª- Uma situação de confiança: Esta situação exprime-se pela ideia de uma boa fé subjectiva: “a posição da pessoa que não adira à aparência ou que o faça com desrespeito de deveres de cuidado merece menos protecção”.
2ª – Uma justificação para essa confiança: A confiança, para ser relevante no caso concreto, deve alicerçar-se em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal;
3ª – Um investimento de confiança: A pessoa a proteger (confiante) deve ter desenvolvido toda uma actuação baseada nessa confiança. Deve ser essa actuação concreta, esse modo concreto de agir, que será causa de prejuízos. Uma confiança “puramente interior” que não tenha dado lugar a comportamentos não requer protecção;
4ª – A imputação da situação de confiança: A confiança carece de dois pólos subjectivos. Por um lado, o da pessoa que confia (a que merece tutela); por outro, o da pessoa que gera essa confiança no tutelado, sendo por isso responsável pela situação criada.
O autor citado sublinha por fim existir a possibilidade de contradição de condutas que não chegam a representar quebra de confiança por falta de coerência valorativa: seria o caso do cônjuge que, apesar de viver com terceiro, vem pedir alimentos ao consorte; seria também o caso do contraente que falta voluntariamente a um pagamento e invoca a sua ausência para ilidir uma responsabilidade (ob. cit., pág. 296).
Acontece que a questão da confiança, no quadro do abuso do direito, dificilmente se compadece com as regras do direito administrativo, se a actuação administrativa nunca poderia ir no sentido de lhe conferir o direito. Admitir o abuso de direito neste caso, seria o mesmo que reconhecer o direito ao recorrente, mesmo que nunca a norma o permitisse ou a Administração alguma vez lho atribuísse expressamente.
Para proceder esta invocação, seria necessário que o recorrente pudesse, a partir do venire, obter ganho de causa. E isso, tal como deixámos já dito, não é possível em direito público, em que se debatem interesses públicos específicos5 e relevantes em matéria que é indisponível e vinculada à lei.
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Por tudo isto, improcede o recurso jurisdicional.
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IV - Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, com imposto de justiça em 5 UC.
TSI, 15 / 01 / 2015
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José Cândido de Pinho Vitor Manuel Carvalho Coelho
(Presente)
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
1 A denominação da Autoridade Monetária e Cambial de Macau passa a ser «Autoridade Monetária de Macau» através do disposto no artigo 1.º do Regulamento Administrativo n.º 18/2000 de 21 de Fevereiro.
2 Ac. STA, de 12/01/2006, Proc. nº 0196/05.
3 Ac. TCA/Sul, de 21/12/2005, Proc. nº 06129/02.
4 Na Jurisprudência comparada portuguesa v.g., Ac. STJ, de 21/09/1993, Proc. nº 83983, in CJ, Ac. do STJ, Ano I, tomo III, 1993, pág. 19; de 28/11/2013, Proc. nº 161/09.3; de 11/12/2012, Proc. nº 116/07.2
5 Ac. TSI, de 9/06/2005, Proc. nº 98/2005.
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381/2014 37