Processo n.º 387/2014
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 15/Janeiro/2015
ASSUNTOS:
- Marcas; reapreciação da matéria de facto;
- Registo anterior de marca no país de origem e registo internacional;
- Princípio da territorialidade e do tratamento nacional;
- Capacidade distintiva do registo;
- Sinal usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
- Secondary meaning;
- Crítérios adoptados noutros registos.
SUMÁRIO:
Não será de registar uma marca que corresponda a uma modalidade de jogo, enquadrada por um diploma legal que o autoriza, enquanto tal, com essa denominação, praticado em vários casinos da RAEM, ainda que essa marca tenha sido registada nos EUA e Filipinas.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 387/2014
(Recurso Civil)
Data : 15/Janeiro/2015
Recorrente : A Incorporation
Recorrida : Direcção dos Serviços de Economia
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, INC., inconformada com a douta sentença, proferida em 28 de Janeiro de 2014, que negou provimento ao recurso judicial por si interposto e, em consequência, manteve o despacho da Exma Senhora Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual dos Serviços de Economia que recusou o registo da marca n.º N/XX, para assinalar serviços da classe 41.ª, por si requerido, dela interpõe recurso, alegando, em síntese:
1.ª A Recorrente, através do presente recurso, impugna a decisão de facto, no que respeita ao que foi vertido na sua petição de recurso judicial, qual seja, o de que a marca B encontra-se registada não só no seu país de origem (Estados Unidos), sendo uma marca registada comunitária, foi objecto de um registo internacional e encontra-se registada na República das Filipinas.
2.ª O facto de ser uma marca registada no país de origem (Estados Unidos) é da maior importância para a decisão de Direito, uma vez que teria que ser aplicada a Convenção de Paris.
3.ª Ao contrário do que subscreve o douto Tribunal a quo, o facto da expressão B corresponder ao nome de um jogo de casino não a torna insusceptível de ser protegida como marca para assinalar serviços da classe 41.ª, pois trata-se de um jogo que foi inventado pela Recorrente, que se encontra devidamente patenteado em seu nome, sendo que está associado a um outro jogo, também, inventado pela Recorrente e que já é uma marca registada, quer no país de origem, quer na RAEM: THREE CARDS POKER, marca registada sob o n.º N/15266, para assinalar serviços da classe 41.ª.
4.ª Também o facto de se encontrarem registadas outras marcas da titularidade da Recorrente, cujos elementos nominativos correspondem ao nome de jogos de casino, demonstra que, desde que se trate de jogos patenteados em nome dos interessados, não torna insusceptível que o nome de um jogo seja uma marca registada; é o caso das marcas registadas em Macau ULTIMATE TEXAS HOLD 'EM (N/65144); (ii) (N/65145) e (iii) ROYAL MATCH 21 (N/65147).
5.ª O Regime Jurídico da Propriedade Industrial consagrou o princípio da proibição do registo de marca composta exclusivamente por sinais que se tenham tornado usuais na linguagem corrente mas, simultaneamente, consagrou o princípio do "secondary meaning", segundo o qual um sinal originariamente privado de capacidade distintiva pode converter-se num sinal distintivo de produtos ou serviços, sendo passível de protecção legal e, portanto, sendo registável como marca.
6.ª Assim, mesmo que se entendesse que se estava perante um sinal que se tenha tornado usual na linguagem corrente, não poderia ser entendido, linearmente, que se estava perante um sinal insusceptível de ser protegido como marca, como se deixou consignado na douta sentença recorrida, lá onde se lê que o facto de não ter capacidade distintiva, por ser um nome que se tornou usual nos casinos; o facto de a Recorrente ter inventado esse jogo e patenteado, torna susceptível de protecção o nome escolhido pela sua titular.
7.ª Os sinais usuais, na verdade, têm a particularidade de poderem perder a capacidade de ser usados em exclusivo mas, simultaneamente, tal proibição desaparece quando readquirem o carácter distintivo como consequência do uso feito no mercado por algum interessado.
8.ª A expressão B, embora corresponda ao nome de um jogo de casino, é uma marca que goza de capacidade distintiva e pertence ao grupo das marcas registadas na área dos jogos de casino.
9.ª O princípio da territorialidade esgota-se (i) no facto de se exigir o registo de marcas na RAEM, pois de contrário elas não podem merecer qualquer protecção (com a excepção das marcas notórias e as marcas de prestígio) e (ii) no facto de não se poder considerar registável um sinal em Macau se razões muito específicas assim exigirem.
10.ª No que se refere às restrições previstas no art. 6.° quinquies da Convenção de Paris, que na alínea A) estipula que qualquer marca regularmente registada num país da União deve ser protegida, nomeadamente, a prevista na B) 2.°, deve entender-se que esta norma, exige que os sinais que se tenham tomado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, o sejam assim, no país em que a protecção é requerida.
11.ª Sendo a RAEM membro da Organização Mundial do Comércio e sendo signatária do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relativos ao comércio, está vinculada a acompanhar os mecanismos de protecção dos direitos de propriedade industrial adoptados nos outros países membros, razão por que deve ser concebível que uma marca estando registada em vários países da União possam, desde logo, merecer protecção em Macau, desde que requerido o respectivo registo.
12.ª A internacionalização dos mercados determinou a necessidade de internacionalizar as regras de propriedade industrial, impondo que a protecção dos direitos privativos ultrapasse os limites geográficos de um determinado país ou território, utilizando-se várias modalidades que correspondem à evolução do fenómeno dessa internacionalização, sendo que uma dessas modalidades é o reconhecimento mútuo.
13.ª Tem-se como pacífico que, só, em casos pontuais, se concebe que uma determinada marca possa ser protegida num país e ser considerada insusceptível de protecção na RAEM, de que são exemplos paradigmáticos, marcas que contenham o vocábulo "CASINO" (só susceptíveis de ser concedidas a operadoras do jogo na RAEM) e a marca que consiste em "PSP" da reputadíssima empresa Sony Computer Entertainment Inc., que teve que ser recusada, porque, na RAEM, PSP é a sigla da Polícia de Segurança Pública.
14.ª A douta decisão recorrida violou as normas do art. 214.°, n.º 3, do RJPI e do art. 199.° do mesmo diploma legal, porquanto, não deviam ser aplicadas ao caso em apreciação e as normas do art. 6.° quinquies A) - 1 e B) 2.°, por não terem sido aplicadas, quando deviam ter sido trazidas à colação para a decisão de Direito, uma vez que se trata de uma marca registada no país de origem (da Recorrente) e em países da União e, na RAEM a expressão B não é um sinal usual, certo sendo que os consumidores de Macau conhecem tal expressão por se tratar de um jogo de casino que foi introduzido em Macau pela Recorrente, não podendo os concorrentes da Recorrente usar tal expressão para assinalar produtos e serviços idênticos aos que são oferecidos pela Recorrente.
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada que seja a douta decisão recorrida, deve o despacho da DSE que recusou a marca nominativa que consiste em B e que tomou o n.º N/XX (para a classe 41.ª), ser, igualmente, revogado e concedido o respectivo registo, desta forma se fazendo a costumada Justiça.
2. C, Director Substituto dos Serviços de Economia da RAEM, entidade recorrida nos autos supra epigrafados, contra-alega, em síntese:
1. Do ponto de vista desta Direcção, o Tribunal a quo procedeu à apreciação de todos os fundamentos de facto e de direito invocados pela recorrente e fundamentou a sua decisão, pelo que não se vislumbra qualquer violação do disposto nos art.s 199.º e 214.º, n.º 3 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial ou das respectivas disposições da «Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial», art. 6.º, e do «Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio», que justifique a revogação da decisão a quo.
2. Dado que a expressão “B” já se tornou num sinal ou indicação usual nos hábitos leais e constantes do comércio, devido ao seu uso frequente nos casinos em Macau e nos EUA, ela não deve ser protegida pelo registo de marca. Caso a requerente tenha a expressão “B” registada em Macau como marca, poderá ser impedida a exploração pelos outros concorrentes dos serviços de apostas com a mesma designação, o que resultará numa situação de monopólio.
3. Portanto, a marca pretendida pela recorrente “B” não tem carácter distintivo necessário para as marcas, além de que o seu registo poderá obstar à exploração pelos outros concorrentes dos serviços de apostas com a mesma designação e, em consequente, conduzir a uma situação de monopólio. Assim sendo, improcedem todos os fundamentos apresentados pela recorrente, daí que seja necessariamente de recusar o registo da sua marca n.º N/XXX.
Conclui no sentido da improcedência do recurso.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
A) Em 26 de Abril de 2012, a recorrente entregou à Direcção dos Serviços de Economia o pedido de registo da marca n.º N/XXX, para produtos e serviços da classe 41ª, cujo conteúdo concreto consta do dito pedido. Segue-se o exemplar da marca: (cfr. fls. 1 e 2 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
B
B) No dia 8 de Julho de 2013, o Chefe do Departamento da Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia, concordando com conteúdo do relatório n.º 280/DPI/2013, nele proferiu despacho no sentido de recusar o registo da marca n.º N/XX. (cfr. fls. 12 a 16 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
C) O mencionado despacho de recusa do registo de marca foi publicado no Boletim Oficial n.º 32, II Série, de 7 de Agosto de 2013. (cfr. fls. 28 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)
D) Em 9 de Setembro de 2013, a recorrente interpôs recurso para este Tribunal.
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto do presente recurso passa pela análise das seguintes questões:
- Reapreciação da matéria de facto;
- Registo anterior de marca no país de origem e registo internacional;
- Princípio da territorialidade e do tratamento nacional;
- Capacidade distintiva do registo;
- Sinal usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
- Secondary meaning
- Crítérios adoptados noutros registos
2. Impugnação da matéria de facto
O Tribunal a quo não terá atendido ao alegado pela recorrente, na sua petição de recurso, que a marca de que é titular tem a sua origem numa invenção que se encontra devidamente protegida através de uma patente que lhe foi concedida no país de origem, interessando realçar o facto da expressão B se ter tornado numa marca registada, quer nos Estados Unidos, quer como marca internacional, quer como marca comunitária, encontrando-se, também, já registada na República das Filipinas.
Tem razão a recorrente neste particular aspecto. A prova mostra-se feita e não foi impugnada, dando-se, pois, como assente, ao contrário do afirmado na 1ª Instância, face à autenticidade dos mencionados documentos juntos com a petição de recurso, que a recorrente é titular do registo da patente do jogo B e o registo da marca B para a classe 41.ª nos EUA, de um registo internacional, em 20 de Setembro de 2012, sendo uma marca comunitária, desde Novembro de 2011, encontrando-se ainda registada na República das Filipinas, desde 27 de Novembro de 2012.
3. Obrigarão esses factos a que as autoridades de Macau não possam recusar o registo na ordem interna?
Pretende a recorrente estribar-se no Direito Internacional para fazer vingar a sua pretensão, já que a sentença recorrida preconizaria a não aplicação da Convenção da União de Paris sobre a Propriedade Industrial ao caso em apreço.
Sustenta ainda a recorrente que a invocação da referida Convenção prende-se mais com os seus princípios orientadores e, aquando do registo da sua marca noutros países da União, os vários princípios basilares que a mesma consagra terão sido respeitados, pelo que não haveria razão para deixar de ter aqui o mesmo entendimento.
A recorrente entende que daí decorre a necessidade de reconhecimento dessas marcas e o dever de registar a marca em causa na RAEM.
Não obstante o Mmo Juiz ter dito que tais factos não vinham comprovados, o certo é que não deixou de dar resposta a esta questão, no pressuposto da existência de tais registos.
Somos a sufragar esse entendimento, remetendo-nos para quanto foi dito sobre o assunto, na certeza de que não é por haver um registo de marca em país terceiro, ainda que membro da CUP (Convenção da União de Paris) que esse registo há-de ser reconhecido na ordem interna, com excepção para as marcas notórias.
4. Os textos legais
O que resulta do art. 6º, 3) da CUP é que “Uma marca regularmente registrada num país da União será considerada como independente das marcas registradas nos outros países da União, incluindo o país de origem.”
Por seu turno o artigo 6.º-quinquies estabelece:
“A) - 1) Qualquer marca de fábrica ou de comércio regularmente registrada no país de origem será admitida a registro e como tal protegida nos outros países da União, com as restrições a seguir indicadas. Estes países poderão, antes de procederem ao registo definitivo, exigir a junção de um certificado do registo no país de origem, passado pela autoridade competente. Não será exigida qualquer legalização deste certificado.
2) Será considerado país de origem o país da União em que o requerente tem um estabelecimento industrial ou comercial efectivo e não fictício, e, se não tiver esse estabelecimento na União, o país da União em que ele tem o seu domicílio, e, se não tiver domicílio na União, o país da sua nacionalidade, no caso de ser nacional de um país da União.
B) Só poderá ser recusado ou anulado o registo das marcas de fábrica ou de comércio mencionadas no presente artigo nos casos seguintes:
1.º Quando forem susceptíveis de implicar lesão de direitos adquiridos por terceiros no país em que a protecção é requerida;
2.º Quando forem desprovidas de qualquer carácter distintivo ou então exclusivamente compostas por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a protecção é requerida;
3.º Quando forem contrárias à moral ou à ordem pública e, especialmente, as que forem susceptíveis de enganar o público. Fica entendido que uma marca não poderá ser considerada contrária à ordem pública pela simples razão de que infringe qualquer disposição da legislação sobre as marcas, salvo o caso de a própria disposição respeitar à ordem pública.
Fica, todavia, ressalvada a aplicação do artigo 10.º-bis.
C) - 1) Para apreciar se a marca é susceptível de proteção deverão ter-se em conta todas as circunstâncias de fato, principalmente a duração do uso da marca.
2) As marcas de fábrica ou de comércio não poderão ser recusadas nos outros países da União pelo simples motivo de diferirem das marcas registradas no país de origem só por elementos que não alteram o carácter distintivo nem modificam a identidade das marcas na forma sob a qual foram registradas no dito país de origem.
D) Ninguém poderá beneficiar das disposições do presente artigo sem que a marca cuja proteção se reivindica esteja registada no país de origem.
E) Em nenhum caso, todavia, a renovação do registo de uma marca no país de origem implicará a obrigação de renovar o registo nos outros países da União em que a marca tenha sido registada.
F) O benefício da prioridade mantém-se em relação às marcas submetidas a registo dentro do prazo fixado no artigo 4.º, ainda que o registo no país de origem seja posterior ao termo desse prazo.”
O artigo 6º, bis, da CUP estipula que “1) Os países da União comprometem-se a recusar ou invalidar, quer oficiosamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido de quem nisso tiver interesse, o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país do registo ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa a quem a presente Convenção aproveita e utilizada para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta. “
5. Análise dos textos
Se esta disposição implica uma protecção, se contempla o reconhecimento de uma marca registada no país de origem, mas apenas para as marcas notórias, tal não impõe necessariamente a obrigatoriedade do registo noutro país.
Além disso, ao abrigo do princípio da territorialidade estipulado no art. 4.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, os direitos de propriedade industrial conferidos na RAEM abrangem todo o Território. Por isso, uma marca registada noutros países não será necessariamente registada no Território.
Apesar de a marca da recorrente ter sido registada noutros países ou regiões, particularmente nas Filipinas e nos EUA, como disse o Tribunal a quo, “em sintonia com o art. 6.º da «Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial», as condições de apresentação e de registo das marcas serão fixadas, em cada país da União, pela respectiva legislação nacional.”
Em princípio, cada membro da OMC e parte da Convenção de Paris, incluindo a RAEM, tem o direito de estabelecer, através da respectiva legislação nacional, o seu próprio regime de registo de marcas, incluindo as condições ou critérios de registo, razão pela qual a DSE na apreciação de um pedido de registo de marca, não precisa de consultar as situações de registo da marca em apreço noutros países ou regiões para decidir se vai conceder ou recusar o registo da mesma.
6. Princípio da territorialidade
O princípio da territorialidade, consagrado no RJPI (artigo 4º), também consagrado na Convenção de Paris, estabelece que a protecção conferida pelo Estado através da patente ou do registo do desenho industrial tem validade somente nos limites territoriais do país que a concede deve ser conjugado com o princípio do tratamento nacional (art. 2º da Convenção de Paris) que prevê que os nacionais de cada um dos países membros gozem, em todos os outros países membros a União, da mesma protecção, vantagens e direitos concedidos pela legislação do país a seus nacionais.
Como resulta do art. 4º, nº 1, do Código Propriedade Industrial (CPI), os direitos de propriedade industrial abrangem apenas o território nacional, são de base territorial, o que quer dizer que a protecção inerente aos direitos privativos da propriedade industrial, nomeadamente quanto aos respectivos conteúdos e efeitos, é feita por referência a um determinado sistema jurídico nacional, que é aquele à luz do qual são constituídos.
Daqui decorre que, não obstante a recorrente ter registado a respectiva patente e marca nos EUA e Filipinas, daí não resulta que na RAEM se tenha de aceitar automaticamente o registo por causa disso.
Os EUA, as Filipinas e a RAEM podem ter regimes diferentes em relação ao pedido e registo de patente de invenção, divergindo quanto às condições de apreciação e concessão e aos requisitos da patenteabilidade. Nos termos do art. 62.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial de Macau, não são patenteáveis os projectos, os princípios e os métodos do exercício de actividades intelectuais em matéria de jogo ou no domínio das actividades económicas.
Para além de que os critérios e condições de apreciação e concessão são completamente diferentes na patente de invenção e na marca. Na primeira, tem-se em vista, principalmente, o preenchimento ou não das condições relativas à novidade, actividade criativa e aplicação; já na marca visa-se a não reprodução ou imitação de marcas já existentes, importando verificar se a marca em causa preenche os requisitos de capacidade distintiva e correspondência com a realidade.
A concessão da patente de invenção não implica necessariamente a concessão da marca, visto que as duas se diferenciam entre si no tocante às condições de apreciação e concessão, à finalidade do registo e à própria natureza. Por esse motivo, pese embora, conforme a recorrente, lhe tenha sido concedido o registo da patente de invenção do método de jogo de fortuna ou azar “B” nos EUA e o registo da marca “B” nos países como os EUA e as Filipinas, não lhe será obrigatoriamente concedido o registo dessa marca na RAEM, porque o regime do registo de patentes e marcas da RAEM é diferente dos regimes dos EUA e das Filipinas.
7. Ainda o Direito Internacional e a ordem interna
Na verdade, a Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial de 20 de Março de 18831 harmoniza as diversas leis nacionais que regulam e protegem a propriedade industrial e institui um direito de prioridade, conferido ao seu titular, de forma a que este possa projectar o seu direito de propriedade industrial num país terceiro. Tal prioridade funda-se no artigo 4º da Convenção. Pressupõe-se o registo da marca noutro país da União, correndo, a partir dele, um prazo de 6 meses em que é reconhecida prioridade ao requerente em qualquer país da União, prioridade esta reconhecida no artigo 16º, nº1 do RJPI que prevê: “Aquele que tiver apresentado regularmente pedido de concessão de direito de propriedade industrial previsto no presente diploma, ou direito análogo, em qualquer dos países ou territórios membros da OMC ou da União, ou em qualquer organismo intergovernamental com competência para conceder direitos que produzam efeitos extensivos a Macau, ou o seu sucessor, goza, para apresentar o pedido em Macau, do direito de prioridade estabelecido na Convenção da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial.”
O registo da marca no país de origem tem relevância para a protecção outorgada pelo artigo 6º - quinquies, sendo então a marca protegida tal qual nos outros países da União.2 Prevê-se expressamente que a marca, nessas circunstâncias seja admitida a registo, embora com as restrições previstas naquele preceito da Convenção.
Esta realidade difere do registo internacional da marca, instituto regulado pelo Acordo de Madrid de 18913 que , contrariamente ao que acontece em Macau, se encontra previsto e regulado no Código da Propriedade Industrial, em Portugal. Em relação ao registo internacional, portanto, o Acordo de Madrid não vigora na ordem da RAEM, pelo que não faz sentido esgrimir com esse argumento.
Mas se se pretende, por esta via, impor o registo da marca às autoridades da R.A.E.M., tornando-a imune às limitações da lei local, é a própria Convenção que se autolimita4 por via das restrições e fundamentos de recusa previstas no artigo 6º - quinquies B), 1º, 2º e 3º. E aí se encontram as mesmas restrições para que a lei de Macau aponta, na parte que nos interessa, no respeitante aos sinais constituídos por indicações que sirvam para designar a espécie, a qualidade ou o valor do produto ou que sejam susceptíveis de enganar ou confundir o público ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a protecção é requerida. Ressalva-se a aplicação do artigo 10º- bis em nome da sã e livre concorrência, pelo que o uso da marca e o seu lançamento no mercado não deixará de estar protegido, independentemente do registo.
Donde, por tudo quanto ficou dito, se conclui que o registo feito em países da União não pode ser vinculativo para os outros membros, se se observarem as situações de restrição que a própria Convenção salvaguarda.
Aliás, sempre se desconhecem as regras de direito interno dos respectivos Estados, onde realizados os aludidos registos e que permitiram a sua efectivação.
8. Se a marca “B” pedida pela recorrente já se tornou num sinal usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio
Em termos simplificados, a questão reconduz-se à equação seguinte: enquanto nome de um jogo, ainda que patenteado ou introduzido pela recorrente, praticado em vários casinos da RAEM, pode ele constituir uma marca apropriável pela recorrente?
Estamos em crer que não e os ditos fundamentos expendidos na sentença proferida são bem esclarecedores da posição que ora se sufraga.
Na verdade a marca em questão já se tornou num sinal usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
A marca registanda da recorrente é constituída por duas palavras em inglês, “PAIR” e “PLUS”. A palavra “PAIR” significa “par”, “dupla”, enquanto a “PLUS” significa “acrescentar”, “adicionar”, “aumentar”. A expressão “B” é, hoje em dia, um termo técnico de jogo e uma das modalidades de apostas.
Consultando o site da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos, nota-se que o “B” se encontra regulado pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 78/2008, em cujo anexo se publicou o regulamento oficial do jogo “Fortune 3 Card Poker”. Por sua vez, este regulamento consagra no seu art. 5.º (Apostas), n.º 1: “Os jogadores podem seleccionar as seguintes duas modalidades de apostas: 1) Aposta inicial (Ante bet); 2) Aposta num Par Superior (B bet).”
Temos, assim, que o “B” traduz-se numa modalidade de aposta exclusiva dum dos jogos de fortuna ou azar legais em Macau, “Fortune 3 Card Poker”, sendo um dos métodos de apostar no jogo “Fortune 3 Card Poker”. Nos termos do art. 10.º do respectivo regulamento, os métodos e regras relativos às apostas no “B” são comuns a todos os casinos.
Nesta conformidade, a designação “B” já se tornou num termo técnico usual nos hábitos leais e constantes dos jogos de fortuna ou azar, a qual, sendo actualmente de uso corrente nos casinos de Macau, pelo que não pode ser objecto de uso exclusivo dum indivíduo ou empresa.
9. Capacidade distintiva
Resulta clara a falta de capacidade distintiva que deve ser apanágio de uma marca, estando implicitamente posta em causa, - destinando-se a marca registanda a assinalar serviços incluídos na classe 41ª, nomeadamente, o fornecimento de equipamentos e regras de jogo para jogos de casino e jogos de mesa ao vivo, jogos de apostas com saída de vídeo e o fornecimento de locação e licenciamento de jogos online e ao vivo, jogos de casino, máquinas de jogos a dinheiro -, e equipamentos de jogos a dinheiro -, a livre concorrência, o que está implícito na afirmação vertida na douta sentença quanto à insusceptibilidade de apropriação por um só indivíduo.
Ratifica-se quanto doutamente se exarou na sentença ora sob escrutínio: “A propósito da marca ora em questão, este Tribunal concorda totalmente com o entendimento da entidade recorrida. O “B” encontra-se regulado pelo Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 78/2008, em cujo anexo se publicou o regulamento oficial do jogo “Fortune 3 Card Poker”. Por sua vez, este regulamento consagra no seu art. 5.º (Apostas), n.º 1:“Os jogadores podem seleccionar as seguintes duas modalidades de apostas: 1) Aposta inicial (Ante bet); 2) Aposta num Par Superior (B bet).”
A marca registanda assume-se, de facto, como uma expressão usual nos hábitos leais e constantes dos jogos de fortuna ou azar, daí ser um sinal insusceptível de protecção nos termos do art. 199.º, n.º 1, al. b) do Regime Jurídico da Propriedade Industrial. Tal expressão usual, sendo actualmente de uso corrente nos casinos de Macau, não pode ser objecto de uso exclusivo dum indivíduo ou empresa. ... Por outro lado, não se esqueçam que a marca registanda se destina exactamente a serviços respeitantes a jogos de fortuna ou azar, incluídos na classe 41ª.
Nos termos acima expostos, considera este Tribunal que, mesmo que se reconheça que na origem da expressão “B” está uma invenção patenteada, a marca composta simplesmente por tal expressão não é, de modo algum, capaz para distinguir produtos ou serviços.”
10. Secondary meaning
Será que a marca da recorrente pode ser considerada dotada da eficácia distintiva ao abrigo do princípio “secondary meaning”?
Mesmo que uma marca não seja por natureza distintiva, existe a possibilidade de esta obter tal carácter supervenientemente, através do princípio do secondary meaning que traduz a circunstância de um sinal originariamente desprovido de distintividade adquirir esta qualidade, em virtude de um seu uso maior ou menor por parte do público consumidor, na medida em que, na mente dos consumidores, esse sinal se converte na marca identificadora dos produtos ou serviços de determinado empresário. Surge aí um segundo significado da palavra em complemento ao seu sentido originário, o que é fruto de uma mudança na forma como os consumidores percepcionam o sinal. “É a esta percepção, aos resultados psicológicos que o uso do sinal propicia e a um diferente valor semântico por este alcançado, que o princípio do secondary meaning vem conceder protecção legal, permitindo a ascensão do sinal, inicialmente indistintivo, à condição de marca.”5
A questão em apreciação é análoga àquela que se verifica quando a marca adquire renome ou prestígio, ou notoriedade, ou se o sinal readquire a eficácia distintiva durante a vida da marca.6
Naturalmente, nestes casos, o interessado tem de efectuar a prova correspondente.
Na verdade, qualquer marca constituída por palavras ou desenhos comuns e usuais não deixa de adquirir carácter distintivo por força do princípio “secondary meaning” consagrado no art. 214.º, n.º 3 do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, se a utilização da respectiva marca tiver transformado as palavras comuns e usuais que compõem a marca em palavras com carácter distintivo.
Ora, o que se verifica é que a marca registanda, o “B”, configura uma forma de jogo, uma das modalidades de apostas no jogo “Fortune 3 card poker” que, em consonância com o Despacho do Secretário para a Economia e Finanças n.º 78/2008, pode ser adoptada pela generalidade dos casinos em Macau, mas não exclusivamente pela recorrente.
Nessa conformidade, enquanto designação de um método de jogo, não adquiriu carácter distintivo por uso exclusivo da recorrente, pelo que à marca em questão não é aplicável o princípio do “secondary meaning” a que se refere o art. 214.º, n.º 3 do mencionado Regime Jurídico de Propriedade Industrial.
11. Vinculação a outras práticas
Será que, pelo facto de a recorrente ter registado em Macau outras marcas que são igualmente designações ou métodos de jogos de fortuna ou azar, tais como “Ultimate Texas Hol´den” e “Royal Match 21”, tem o direito de registar a marca “B”?
Cada pedido de registo de marca é um pedido independente, que deverá, assim, ser apreciado autonomamente. Apesar de a DSE ter concedido à recorrente umas marcas com a mesma natureza da marca registanda, como a marca n.º N/XX “ULTIMATE TEXAS HOLD ´EM”, a marca n.º N/XX “(desenho: vide o original)” e a marca N/XX “ROYAL MATCH 21”, tal não significa a concessão necessária da marca registanda, sendo evidente que, independentemente do acerto ou não na concessão daqueles registos, que eventual incorrecção, ilegalidade ou desacerto anteriores não justificam que eles se perpetuem.
Em face do exposto, o recurso não deixará de improceder.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Macau, 15 de Janeiro de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Revista pelo Acto de Estocolmo de 14 de Julho de 1967 e alterada em 2 de Outubro de 1979, vigente no ordenamento jurídico da R.A.E.M. , tendo sido notificada a entidade depositária pelo representante da R.P.C. em 30/Nov./1999 (segundo dados fornecidos pelo G.A.D.I, com actualização em 4/6/2002); o que decorre ainda do RJPI e do próprio Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio – TRIPS no âmbito do Acordo que instituiu a OMC publicado no BO de 26/2/96.Os acordos internacionais previamente em vigor em Macau, em que a República Popular da China não é parte, podem continuar a aplicar-se na R.A.E.M (parágrafo 2 do artigo 138º da Lei Básica) pressupondo-se a notificação respectiva por parte da Governo da RPC.
2 - Oliveira Ascensão, ob. cit, pág. 148
3 - Revisto em Bruxelas em 14 de Dezembro de 1900, em Washington em 2 de Junho de 1911, em Haia em 6 de Dezembro de 1925, em Londres em 2 de Junho de 1934 e em Nice em 15 de Junho de 1957. Não obstante a sua extensão a Macau, o Acordo de Madrid relativo ao Registo Internacional das Marcas após parecer favorável da AL (cfr. Resolução 25/98/M da Assembleia Legislativa), não estará em vigor na RAEM, por falta da respectiva notificação do Governo da R.P.C. à entidade competente.
4 - É entendimento dominante na Jurisprudência portuguesa que de harmonia com o art. 6º, quinquies o registo nacional de marca internacional regularmente registada no país de origem só pode ser recusado, caso se verifique alguma das circunstâncias taxativamente indicadas no art. 6º- quinquies – B) : Ac. do STJ de 5/2/91 in BMJ 404/473; de 11/11/97, BMJ 471/406; CJSTJ,V,3º, 127 e segs ; de 26/4/01, http://WWWdgsi.pt
5 - Joana Machado Barros Fernandes, Univ. Minho, O princípio do Secondary Meaning no direito de marcas.
6 - Américo de Silva Carvalho, Dto de Marcas, Coimbra Editora, 2004, 256 e 257
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