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Processo nº 785/2014
Data do Acórdão: 18DEZ2014


Assuntos:

Suspensão de eficácia de acto administrativo
Inadmissibilidade da resposta à contestação
Prejuízos de difícil reparação


SUMÁRIO

1. No procedimento de suspensão de eficácia de actos administrativos, não é admissível a resposta do requerente à contestação apresentada pela entidade administrativa requerida.

2. Sendo de verificação cumulativa os requisitos exigidos pelo artº 121º/1 do CPAC, a inverificação de qualquer deles implica logo o indeferimento da requerida suspensão de eficácia de acto administrativo.

3. A dificuldade de reparação do prejuízo, exigida pelo artº 121º/1-a) do CPAC como um dos requisitos para o deferimento da suspensão de eficácia de acto administrativo, deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação.

4. Para convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos de difícil reparação sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata do acto administrativo em causa, é preciso que o Requerente da suspensão de eficácia alegue e demonstre factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.


O relator


Lai Kin Hong


Processo nº 785/2014


Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância

I – Relatório

A, devidamente identificado nos autos, veio, ao abrigo do disposto nos artºs 120º e s.s., requerer a suspensão de eficácia do despacho, datado de 08OUT2014, do Senhor Secretário para Segurança que lhe determinou a interdição da entrada na RAEM por um período de um ano.

Citada a entidade requerida, veio contestar pugnando pelo indeferimento do pedido – vide fls. 28 a 31 dos p. autos.

O Dignº Magistrado do Ministério Público emitiu o seu douto parecer de fls. 47 a 48 dos p. autos, no qual opinou no sentido de deferimento da requerida suspensão.

Sem vistos – artº 129º/2 do CPAC, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Da “resposta” à contestação

Notificado da apresentação da contestação pela entidade administrativa requerida, o requerente veio mediante o documento a fls. 42 a 45 responder à parte dos argumentos deduzidos pela entidade administrativa requerida.

Ora, atendendo ao carácter urgente inerente a um procedimento cautelar, o legislador tem o cuidado de estabelecer exaustivamente toda a tramitação processual, simplificada e expedita, nos artºs 120º e s.s. do CPAC, nos termos dos quais, não se prevê a possibilidade legal de responder à contestação da entidade requerida.

Assim, inobservando o parâmetro processual delineado na lei, a “resposta” deve ser tida como legalmente inadmissível e portanto ser desentranhada dos autos e entregue ao requerente.

2. Da suspensão da eficácia do acto

De acordo com os elementos constantes dos autos e do processo instrutor, podem ser seleccionados os seguintes factos com relevância à decisão do presente pedido da suspensão de eficácia:

O requerente é titular do passaporte da Israel nº XXXXXX;

Por despacho, datado de 08OUT2014, do Senhor Secretário para Segurança, foi-lhe determinada a interdição da entrada na RAEM por um período de um ano, com fundamento no excesso de permanência, por 2 dias, verificado em 25 e 26SET2014, na RAEM;

Do despacho consta uma observação de que o requerente se recusou a pagar a multa;

Antes de mais, cabe dizer que dos elementos constantes dos autos salta à vista que se trata in casu de uma ordem de interdição de entrada que tem por destinatário um não residente.

Assim sendo, é de averiguar se o acto em causa tem conteúdo meramente negativo, pois a ser assim, o acto em causa não se mostra logo susceptível de ser objecto do pedido de suspensão de eficácia.

Portanto, temos de nos debruçar sobre esta questão primeiro.

Tradicionalmente falando, a suspensão de eficácia tem uma função conservatória ou cautelar, admitida no âmbito dos processos do contencioso administrativo, que visa obter provisoriamente a paralização dos efeitos ou da execução de um acto administrativo. Assim, o acto administrativo cuja suspensão se requer tem de ter, por natureza, conteúdo positivo, pois de outro modo, a ser decretada a suspensão, em nada alteraria a realidade preexistente, deixando o requerente precisamente na mesma situação em que se encontra.

In casu, trata-se de uma ordem de interdição de entrada emanada por uma entidade competente na matéria de imigração.

Foi ao abrigo do disposto na Lei nº 5/2003 que o Senhor Secretário para Segurança emitiu a tal ordem.

De facto, a tal ordem não determina a expulsão do requerente, mas sim a proibição da entrada na RAEM no futuro.

Se é certo que ao requerente ou a quaisquer não residentes pode ser concedida a autorização para entrar na RAEM desde que estejam munidos, nomeadamente, de documentos válidos de viagem, não é menos verdade que essa autorização é inteiramente a manifestação do exercício do poder discricionário, senão uma medida de polícia.

Não atribuindo a lei aos não residentes uma expectativa firme de ser permitida a entrada na RAEM, não podemos dizer que no caso sub judice da execução da ordem de interdição decorra um efeito ablativo de um bem jurídico detido pelo requerente, pois não se pode olvidar que o statu quo ante não era um residente, mas sim um não residente que só potencialmente pretende entrar na RAEM.

Falando sob outro prisma, se permissão da entrada na RAEM não decorrer do exercício de poderes vinculados, mas sim de poderes discricionários, a ordem de interdição a que se refere o artº 32º/1 do Regulamento Administrativo nº 5/2003, não pode deixar de ser meramente negativo sem vertente positiva

Por outro lado, mesmo admitindo a hipótese de considerar existir a vertente positiva susceptível de suspensão, a decisão deste tribunal administrativo nunca substitui-se à decisão da Administração no sentido de permitir a entrada de um não residente em Macau.

A não ser assim, ao decretar a suspensão de eficácia do despacho em causa, estaria o Tribunal a dar uma ordem à Administração de permitir a entrada na RAEM, substituindo-se assim à Administração no desempenho das suas funções administrativas.

O que obviamente colide com o princípio de separação de poderes.

Pelo exposto, entende-se que é de indeferir o presente requerimento de suspensão de eficácia pela não verificação ab initio do pressuposto a que se alude o artº 120º-b) do CPAC.

Subsidiariamente, mesmo não se entenda assim, ou seja, na hipótese de se tratar de um acto integrável em qualquer das alíneas do artº 120º do CPAC, portanto cuja eficácia é susceptível da suspensão, o presente pedido da suspensão também não merecerá deferimento, por não verificação de um dos requisitos exigidos no artº 121º/1 do CPAC.

Senão vejamos.

Para o deferimento da tal providência, a lei exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos – artº121º/1-a), b) e c) do CPAC:

a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;

b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e

c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.

Sendo de verificação cumulativa que é, a inverificação de qualquer deles implica logo o indeferimento da suspensão.

Comecemos então pelos requisitos exigidos nas alíneas b) e c), que nos se afiguram ser de fácil apreciação, tendo em conta a especificidade do caso, a matéria de facto assente, assim como os elementos constantes nos autos.

No que respeita ao requisito exigido na alínea b), considerando o fundamento invocado para lhe decretar a interdição, que é a falta de pagamento voluntário da multa por excesso de permanência, não se nos afigura que a não execução imediata do acto suspendendo que implica a possibilidade da entrada do requerente na RAEM possa ser tida como geradora de grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto que lhe determinou a interdição da entrada na RAEM por um ano.

Em relação à inexistência dos fortes indícios da ilegalidade do recurso, podemos dizer que existem sim fortes indícios da legalidade do recurso, tendo em conta a alegada data de notificação do acto suspendendo ao requerente (06NOV2014) e a manifesta legitimidade do requerente para reagir contenciosamente contra o acto administrativo que representa a última palavra da Administração.

Então resta analisar a verificação ou não do requisito exigido na alínea a), ou seja, se a execução do acto causa previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso contencioso.

A lei exige que sejam de difícil reparação os prejuízos resultantes da execução imediata do acto suspendendo.

A dificuldade de reparação do prejuízo deve avaliar-se através de um juízo prognose relativo a danos prováveis, tendo em conta o dever de reconstrução da situação (hipotética) pela autoridade administrativa na sequência de uma eventual sentença de anulação – Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 2ª ed. pág. 168.

Com a exigência desse requisito consistente nos previsíveis prejuízos de difícil reparação, a mens legislatoris é para acautelar as situações em que, uma vez consumada a execução do acto administrativo, ocorre a difuldade de reconstituição hipotética da situação anteriormente existente e ainda aquelas em que, para ressarcimento dos prejuízos causados pela execução imediata, se revele difícil fixar a indemnização, por serem de difícil avaliação económica exacta, mesmo no âmbito ou por via dos meios judiciais a que se referem os artºs 24º/1-b) e 116º do CPAC.

E para convencer o Tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os alegados prejuízos sejam a consequência adequada, típica, provável da execução imediata, é preciso que o Requerente da suspensão de eficácia alegue e demonstre factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.

Para sustentar a sua tese da verificação in casu desse requisito, o requerente alega que:
26. O Requerente reside fora de Macau e a razão que motiva a sua presença, de tempos a tempos, no território da RAEM prende-se com o facto de o Requerente estar actualmente em negociações com parceiros locais para a implementação e desenvolvimento de projectos na área do turismo em Macau.
27. Com efeito, o Requerente encontra-se actualmente em negociações com o B Group e com o C Group para a celebração de Joint Ventures para o desenvolvimento de projectos na área do turismo com especial relevo para o desenvolvimento de Macau e para a diversificação da sua economia, negociações essas que, como facilmente se compreende, exigem a presença, de tempos a tempos, do Requerente em Macau, quer para a participação em reuniões com os seus parceiros locais, quer para a realização das necessárias diligências junto das autoridades públicas da RAEM, no sentido da obtenção das autorizações necessárias para a implementação e desenvolvimento das actividades em causa (o Requerente protesta juntar aos autos os documentos comprovativos das referidas negociações).
28. Afigura-se-nos auto-evidente a conclusão de que a presença, ainda que esporádica, no local em que se pretende investir é essencial para a implementação e desenvolvimento de qualquer tipo de actividade comercial, não sendo a presente situação uma excepção a essa regra.
29. Acresce que as aludidas negociações com os referidos parceiros locais se encontram numa fase crucial, pelo que a presença do Requerente em Macau é absolutamente imprescindível para o sucesso dessas negociações e para a concretização dos respectivos projectos de investimento, os quais, ainda para mais, se inserem numa área de extrema relevância para o desenvolvimento económico da RAEM.
30. Dito de outra forma, a manutenção da eficácia do Despacho em crise (rectius, a manutenção da proibição de entrada do Requerente no território da RAEM pelo período de um ano) causará previsivelmente prejuízos de difícil reparação para o Requerente, na medida em que causará previsivelmente o falhanço das negociações com os seus parceiros de Macau e, consequentemente, da concretização dos projectos de investimento que o Requerente pretende implementar no território da RAEM.
31. Conforme tem sido jurisprudência pacífica nos Tribunais da RAEM, "O objectivo da providência de suspensão de eficácia é acautelar o efeito útil do recurso, evitando-se através dela que se produza uma situação danosa de muito difícil remédio ou, por maioria de razão, irremediável (periculum in mora). Isto é, visa evitar o perigo de uma lesão praticamente irreversível aos interesses relevantes no caso concreto para o requerente ou para aqueles que ele defende no recurso" (destaques nossos).1
32. Ora, como se deixou alegado, a manutenção da eficácia do Despacho em crise significaria que, pelo menos até à decisão do respectivo recurso contencioso, o Requerente permaneceria impedido de entrar no território da RAEM, o que mais do que previsivelmente causaria o falhanço das negociações e da implementação dos projectos de investimento a que se aludiu supra,
33. Sendo certo que esse falhanço, a verificar-se, constituiria um prejuízo, nas palavras deste Venerando Tribunal supra citadas, "de muito difícil remédio" ou mesmo "irremediável", na medida em que, por um lado, a sentença a proferir em sede de recurso contencioso não teria por efeito a reposição da situação em que o Requerente se encontrava antes da ocorrência de tal prejuízo - i.e., não teria por efeito, obviamente, a retoma das negociações e dos projectos de investimento em apreço -, e, por outro, na medida em que se trataria de um prejuízo cuja quantificação se revelaria impossível ou quase impossível de concretizar.
34. Impõe-se, pois, concluir pela verificação, in casu, do requisito legal do periculum in mora - cf. alínea a) do n.º1 do artigo 121.º do CPAC.

Ora, o prejuízo de difícil reparação que foi alegado pelo requerente consiste, em síntese, no alegado falhanço provável das negociações em curso com o B Group e com o C Group, para cujo sucesso a presença do requerente em Macau é absolutamente imprescindível, com vista à implementação dos projectos de investimentos Joint Ventures, que na óptica do requerente, se inserem numa área de extrema relevância para o desenvolvimento económico da RAEM. E conclui que a manutenção da eficácia do despacho em crise causar-lhe-á previsivelmente prejuízos de difícil reparação.

Obviamente, com o assim alegado, o requerente não cumpriu o seu ónus de demonstração dos factos concretos e bem determinados em que assentam tais prejuízos.

Pois, lida essa parte da matéria alegada e tendo em conta o teor do documento que se juntou aos autos a fls. 35, continuamos a não ter factos concretos para responder as seguintes interrogações: v.g. quê tipo de projectos de investimentos Joint Ventures que estão em causa? em que consistem “一個以亞洲地區為主的商業旅遊計劃” (um projecto de viagens comerciais que têm por destino principal a Ásia)? qual é o papel do requerente nas negociações e na implementação dos tais projectos? existência ou não das alternativas à reunião a realizar em Macau que requeira a presença física do requerente na RAEM? com base em que factos concretos o requerente afirma que a presença física do requerente na RAEM é absolutamente imprescindível para o sucesso das negociações e da implementação dos tais projectos?

Tratando-se de uma alegação sem provas (para além daquele documento particular que para nós tem pouco valor probatório) que a sustentam, nenhum facto concreto foi demonstrado!

E o requerente se limitou a alegar vaga e conclusivamente que “a manutenção da eficácia do Despacho em crise causará previsivelmente prejuízos de difícil reparação para o Requerente, na medida em que causará previsivelmente o falhanço das negociações com os seus parceiros de Macau e, consequente, da concretização dos projectos de investimento que o Requerente pretende implementar no território da RAEM.”.

Incumprido o ónus de demonstrar factos concretos e determinados em que consistem os prejuízos, ficando nós sem saber de quê prejuízos se tratam e qual é o grau da sua reparabilidade, não podemos senão julgar não verificado o requisito a que se refere o artº 121º/1-a) do CPAC e consequentemente indeferir a requerida suspensão da eficácia do acto em causa.

Tudo visto, resta decidir.

III – Decisão

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam determinar o desentranhamento da resposta à contestação e a consequente entrega ao requerente, e indeferir o pedido, formulado pelo ora requerente, de suspensão da eficácia do despacho, datado de 08OUT2014, do Senhor Secretário para Segurança que lhe determinou a interdição do requerente da entrada na RAEM por um período de um ano.

Custas a cargo do requerente, pela apresentação da resposta inadmissível e pelo indeferimento do pedido de suspensão de eficácia com taxa de justiça fixada em 1UC e em 6UC, respectivamente.

Notifique.

RAEM, 18DEZ2014

Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira (voto a decisão pelo segundo argumento invocado subsidiariamente no acórdão)
Ho Wai Neng (voto a decisão com a mesma declaração supra)

Fui presente
Mai Man Ieng
1 ln Acórdão do Tribunal de Segunda Instância da RAEM, de 20 de Junho de 2013, processo n.º340/2013/A.
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