Processo nº 22/2015 Data: 29.01.2015
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crimes de “auxílio” e “acolhimento”.
Agente das Forças de Segurança.
Atenuação especial.
SUMÁRIO
1. A atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.
2. O facto de ser o arguido “agente das Forças de Segurança de Macau” aquando da prática do crime, (para além de constituir uma “agravante” prevista no art. 23° da Lei n.° 6/2004), deve (igualmente) ser ponderado para efeitos de atenuação especial da pena.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 22/2015
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Em audiência colectiva no T.J.B. responderam A e B, (1° e 2°) arguidos com os sinais dos autos.
A final, o Colectivo decidiu:
- condenar os referidos (1° e 2°) arguidos A e B como co-autores materiais e em concurso real de 1 crime de “auxílio”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004, nas penas respectivas de 7 anos e 9 meses de prisão e 5 anos e 6 meses de prisão e um outro crime de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15°, n.° 1 da dita Lei n.° 6/2004, nas penas de 1 ano e 3 meses de prisão e de 9 meses de prisão.
- em cúmulo jurídico, foram os arguidos condenados na pena única de 8 anos e 3 meses de prisão e 5 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 762 a 769-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformados, os arguidos recorreram.
O (1°) arguido A, considerando – em síntese – que o Colectivo do T.J.B. não ponderou o facto de ter “confessado integralmente os factos da acusação” e de ter “agido sob um circunstancialismo mitigador da culpa justificativo de uma atenuação especial da pena”; (cfr., fls. 805 a 837).
O (2°) arguido B, considerando – essencialmente – que não devia ser condenado pelo crime de “acolhimento”, e pugnando também pela “atenuação especial ou redução das suas penas parcelares e única”, alegando, para tanto, e fundamentalmente, a sua situação familiar e financeira; (cfr., fls. 838 a 846).
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Respondendo, diz o Ministério Público que os recursos não merecem provimento; (cfr., fls. 854 a 858).
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Admitidos os recursos, vieram os autos a este T.S.I..
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Relativamente aos dois (2) recursos interpostos do douto Acórdão de fls.762 a 769v. dos autos, subscrevemos, antes de mais, inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega nas Respostas (cfr. fls.854 a 855 verso e 856 a 858 dos autos), no sentido de não provimento.
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Do recurso do 1° arguido A
Ao Acórdão sob sindicância, o arguido A assacou a violação das normas dos arts.65° e 66° do Código Penal, assim como a norma no art.355° n.°2 do CPP, e também a norma do art.336° n.°1 deste mesmo diploma legal. Quid juris?
Logo no início da parte «Juízo dos Factos» (事實之判斷), o Tribunal a quo refere que na audiência, havia apenas a confissão parcial de ambos os arguidos (在審判聽證中,兩名嫌犯選擇性地作出聲明). E ao proceder à graduação da pena, o Tribunal a quo apontou propositadamente «兩名嫌犯均爲初犯,雖然承認了部份控訴書中的事實,但並認罪悔改之意».
Tudo isto torna flagrante que não é verdadeira a arrogada confissão espontânea e integral dos factos pelo 1° arguido.
O 1° arguido arrogou, ainda, que o Tribunal a quo não valorizou nem sequer apreciou a circunstância atenuante de ele ser devedor dum empréstimo bancário e vítima dum crime de burla (as 4ª a 10ª conclusões), arrogando que tal omissão do Tribunal a quo infringia os arts.65° e 66° do Código Penal, bem como arts.355° n.°2 e 336° n.°l-a) do CPP.
Ora, no actual ordenamento jurídico de Macau, não se descortina, e bem, nenhum preceito legal ou ensinamento doutrinal ou jurisprudencial que conceba que tenha condão de atenuar a pena a dificuldade económica traduzida em um arguido ser devedor de empréstimo (bancário ou não) ou vítima de crime de burla. E à luz da normalidade das faculdades morais na sociedade de Macau, não pode, com efeito, ser considerado circunstância atenuante o apontado facto de o arguido ser devedor de empréstimo bancário e vítima de crime de burla.
Salvo respeito pela opinião diferente, não temos dúvida alguma de que as 4ª e 7ª a 10ª conclusões da Motivação do l° arguido/recorrente não prestam para os efeitos por si pretendidos, sendo decerto descabidas e inoperantes para atenuarem especialmente a pena dele.
Na Acta de fls.75l a 752 dos autos, encontra-se a menção expressa de que «A seguir, o Tribunal colectivo examina, de acordo com o n.°1 do art.336° do Código do Processo Penal, as provas constantes dos autos e as produzidas na audiência» (隨後,合議庭根據«形事訴訟法典»第336條第1款之規定,審查了卷宗內及庭上取得之證據).
Ora bem, dado que as «provas constantes dos autos» examinadas na audiência pelo Tribunal a quo abrange indubitavelmente as derivadas das escutas telefónicas cuja transcrição consta dos autos, a apontada menção revela, de modo patente e concludente, que é contra-senso e manifestamente infundada a 12ª conclusões da Motivação do 1 ° arguido.
De tudo isto decorre que ambos os pedidos recursais do 1 ° arguido ficam desprovidos de qualquer razão e terão de ser improcedentes, devido ao caimento, sendo forçoso e inevitável, de todos os três argumentos por si invocados.
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Do recurso do 2° arguido B
Na Motivação de fls.838 a 846 dos autos, o 2° arguido B invocou, em primeiro lugar, a omissão de pronúncia e o vício consignado na alínea a) do n.°2 do art.400° do CPP, consistindo ambos em o Tribunal a quo não procedeu à devida valorização das circunstâncias de atenuação especial - por si arrogadas nos arts.5° a 9° da dita Motivação (doença da sua filha, diminuta gravidade da culpa, irrelevância da consequência, etc).
E em segundo lugar, suscitou ainda o erro notório na apreciação de prova previsto na alí. c) do n.° 2 do art.400° do CPP, fundamentando que ele era, no máximo, cúmplice, em vez do autor, do crime de acolhimento p.p. pelo n.°1 do art.15° da Lei n.°6/2004, por lhe faltarem o dolo e a vontade delituosa para praticar este crime.
O iter argumentativo mostra que emerge errada denominação dos vícios: a falta da devida valorização das circunstância de atenuação especial não conduz nem à omissão de pronúncia nem ao vício consignado na a) do n.°2 do art.400° do CPP, e não dá luz ao invocado erro notório na apreciação de prova a errada qualificação da função desse arguido - autor ou cúmplice do crime de acolhimento.
Sem prejuízo do respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que aquela «falta da devida valorização» bem como esta «errada qualificação da função desse arguido» - ambas determinam erro de julgamento contemplado no n.°1 do art.400° do CPP.
No que concerne ao mérito do presente recurso, basta-nos subscrever as cabais e judiciosas impugnações levadas a cabo pela ilustre colega na Resposta (vide. fls.854 a 858 dos autos). E, com efeito, nada temos, de relevante, a lhes acrescentar.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência dos dois recursos em apreço”; (cfr., fls. 868 a 869-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 764 a 766, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Dois são os recursos trazidos a este T.S.I..
E, da reflexão que sobre as questões aí colocadas pudemos efectuar, cremos que os recursos não merecem provimento, sendo de sufragar a posição pelo Ilustre Procurador Adjunto assumida no seu Parecer que se deixou transcrito e que aqui se dá como integralmente reproduzido, pouco havendo a acrescentar.
Porém, e seja como for, consigna-se o que segue.
–– Do recurso do (1°) arguido A.
No seu recurso, diz o arguido ora recorrente que o Colectivo do T.J.B. não ponderou no facto de ter “confessado integralmente e sem reservas os factos da acusação” e de ter “agido sob um circunstancialismo mitigador da culpa justificativo de uma atenuação especial da pena”.
Pois bem, quanto à alegada “confissão integral e sem reservas”, não se mostra de reconhecer razão ao arguido ora recorrente.
Desde já, porque das declarações pelo mesmo prestadas em audiência de julgamento e cuja transcrição parcial vem apresentada na motivação de recurso se constata que o mesmo não procedeu nos termos alegados, confessando de forma “integral e sem reservas”, pois que, para além de daí se verificar que declarou de forma (algo) evasiva, apresentou versões diferentes relativamente a certos pontos da matéria de facto constante da acusação.
Da mesma forma, não se afigura de considerar como verdadeiro o alegado no sentido de que a sua “confissão foi imprescindível para o apuramento dos factos”, até porque não se pode olvidar que, em audiência, para além das declarações dos arguidos, prestarem depoimento várias testemunhas, tendo-se, igualmente, lido declarações antes prestadas para memória futura por uma outra testemunha, (cfr., acta de julgamento, a fls. 743 a 752), não se podendo assim concluir que a convicção do Colectivo a quo se formou tão só, ou essencialmente, com a “confissão” do ora recorrente.
Quanto ao “circunstancialismo mitigador da culpa justificador de uma atenuação especial”, vejamos.
Repetidamente tem este T.S.I considerado que “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., o recente Ac. deste T.S.I. de 14.04.2011, Proc. n°130/2011 e de 22.05.2014, Proc. n° 284/2014).
No caso, e em síntese, alega o recorrente que tinha feito um empréstimo bancário no montante de H.K.D.$1.000.000,00 para aquisição – como investimento – de uma fracção autónoma na R.P.C., que acabou por emprestar este montante a um indivíduo seu conhecido, o que lhe veio a causar dificuldades económicas e, por sua vez, a originar os desvios do seu comportamento.
Alega também que juntou documentos comprovativos do dito empréstimo bancário e que o Colectivo a quo nada disse em relação a esta matéria.
Pois bem, cabe dizer que não se nos apresenta de imediata e fácil compreensão a alegada “dificuldade económica do ora recorrente” em virtude do empréstimo que concedeu a um seu conhecido.
De facto, não se pode deixar de consignar que o próprio recorrente declarou – reconheceu – que “não conseguiu encontrar uma fracção que gostasse” e que “emprestou o dinheiro ao seu conhecido porque este lhe disse que iria ganhar (mais) dinheiro e que depois lhe dava algum”.
Por sua vez, e independentemente do demais, há que ter em conta que, comprando a fracção ou emprestando o dinheiro, iria, na mesma, ficar sem ele, não se alcançando assim a relação com a sua dificuldade económica então sentida.
Por fim, não se pode olvidar que o próprio recorrente considera que esta alegada “dificuldade económica” – que não está provada – foi “causa (tão só) remota” do seu comportamento desviante, sendo também de ter presente que tais factos não foram oportunamente alegados, na contestação, e, como se viu, da forma como foram apresentados, não se mostram como possibilitadores de uma “atenuação especial da pena”, pois que não convertem a situação em “excepcional” ou “extraordinária” para que se pudesse accionar o comando do art. 66° e 67° do C.P.M..
Aliás, um outro aspecto há aqui a ponderar.
Aquando da prática dos “factos” pelos quais foi condenado, o arguido recorrente era “membro das Forças de Segurança da R.A.E.M.”, e, na determinação das suas penas, ponderou – e bem – o Colectivo a quo, o estatuído no art. 23° da Lei n.° 6/2004 onde se prescreve que: “as penas correspondentes aos crimes previstos na presente lei, quando praticados por membros das Forças de Segurança de Macau ou outros trabalhadores da Administração Pública, são agravadas, em ambos os limites, em metade da diferença entre os seus limites máximo e mínimo”, não deixando tal “agravação” de ter certamente a sua influência em sede de ponderação da pena a aplicar, e, aí, quanto à adequação de uma “atenuação especial”.
E, nesta conformidade, sendo os crimes de “auxílio” e “acolhimento” que cometeu puníveis com pena de 5 a 8 anos de prisão, (cfr., art. 14°, n.° 2), e prisão até 2 anos (cfr., art. 15°, n.° 1), e atenta a mencionada “agravação”, assim como os critérios dos art°s 40° e 65° do C.P.M., não se vislumbra (igualmente) como considerar as penas parcelares fixadas excessivas ou inflaccionadas, pois que ainda estão mais perto dos seus respectivos limites mínimos, (não atingindo sequer o meio da pena), o mesmo sucedendo com a pena única, que se mostra em perfeita sintonia com o estatuído no art. 71° do C.P.M..
Perante o que se deixou exposto, à vista está a solução a dar ao recurso em questão, sendo pois de se lhe negar provimento.
–– Do recurso do (2°) arguido B.
Como se deixou relatado, foi este arguido condenado como co-autor do (1°) arguido A, e por não lhe ser aplicável a agravante do art. 23° da Lei n.° 6/2004, fixou-lhe o T.J.B. as penas de 5 anos e 6 meses de prisão para o crime de “auxílio”, e de 9 meses de prisão para o de “acolhimento”. Em cúmulo, fixou-se-lhe a pena única de 5 anos e 9 meses.
Considera, porém o ora recorrente que não devia ser condenado pelo crime de “acolhimento”, (já que nada fez), e que devia beneficiar de uma atenuação especial ou redução da pena.
Pois bem, em matéria de “comparticipação”, temos entendido que: são requisitos essenciais para que ocorra “comparticipação criminosa” sob a forma de “co-autoria”, a existência de decisão e de execução conjuntas.
O acordo pode ser tácito, bastando-se com a consciência/vontade de colaboração dos vários agentes na realização de determinado crime.
No que respeita à execução, não é indispensável que cada um dos agentes intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a atingir o resultado final, importando, apenas, que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção do objectivo em vista.
No fundo, o que importa é que haja uma actuação concertada entre os agentes e que um deles fira o bem tutelado; (cfr., v.g., o Ac. de 24.07.2014, Proc. n.° 428/2014).
In casu, e como se deixou relatado, foi o ora recorrente condenado como “co-autor”.
E, provado estando que agiu com o (1°) arguido A “em conjugação de esforços e divisão de tarefas”, mais não é preciso dizer, sobre a questão, evidente sendo a improcedência do recorrente no ponto em questão.
Quanto as “penas” e tendo-se em conta o que se deixou consignado sobre a “atenuação especial”, sem esforço se conclui que também aqui carece o recorrente de razão.
Com efeito, diz o mesmo que não ganhou nenhuma “fortuna” com os crimes cometidos, e que estava “aflito” em virtude da situação da sua filha menor, que estava doente.
Ora, como sem esforço se pode constatar, não se pode acolher o que se alega.
Quanto à “vantagem patrimonial”, importa ter em conta que o comando em questão também não exige que a mesma seja “grande”, (ou “pequena”), impondo (apenas) a agravação sempre que o agente obtiver “vantagem patrimonial ou benefício material”, independentemente do seu valor; (cfr., art. 14°, n.° 2 da Lei n.° 6/2004).
Por sua vez, não se pode olvidar que o alegado “estado de aflição” não se provou, sendo de notar que o arguido, em momento próprio, não apresentou contestação, alegando tais factos, motivos não havendo para se considerar padecer a decisão da matéria de facto de qualquer vício.
E, nesta conformidade, não sendo a situação “excepcional” ou “extraordinária”, e estando as penas parcelares fixadas próximas dos seus respectivos mínimos legais, respeitando, igualmente, a pena única o consagrado no art. 71° do C.P.M., mais não é preciso dizer para se decidir da improcedência do presente recurso.
Decisão
4. Em face do que se deixou exposto, acordam negar provimento aos recursos.
Pagarão os recorrentes a taxa individual de justiça de 6UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor do (2°) arguido B
no montante de MOP$1.800,00.
Macau, aos 29 de Janeiro de 2015
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 22/2015 Pág. 2
Proc. 22/2015 Pág. 19