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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau




Reclamação para a conferência
Processo n.° 48 / 2006

Reclamantes: A
B
C




1. Relatório
   Os reclamantes instauraram recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância. O relator deste tribunal decidiu exigir lhes a prova do estatuto de residente da RAEM para demonstrar a sua legitimidade activa. A decisão veio a ser confirmada pelo acórdão do mesmo tribunal.
   Deste acórdão recorreram os reclamantes para o Tribunal de Última Instância.
   
   No exame preliminar, o relator proferiu o seguinte despacho no sentido de julgar extinta a instância recursória por inutilidade superveniente da lide:
   “Os recorrentes A, B e C interpuseram o presente recurso contra o acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 20 de Julho de 2006 proferido no processo n.° 218/2006 em que julgou improcedente a reclamação do despacho do relator que lhes exigiu prova do estatuto de residente de Macau.
   Nas suas alegações os recorrentes entendem que o acórdão recorrido errou ao considerar os recorrentes como titulares de interesses difusos, nos termos da al. b) dos art.°s 33.° e 36.° do CPAC, em vez de lhes reconhecer a legitimidade com base em posições jurídicas subjectivas substantivas ao abrigo da al. a) do referido art.º 33.º. Pedem, a final, a revogação do acórdão recorrido.
   O Ministério Público considera, no seu parecer, que a instância do recurso deve ser julgada extinta por inutilidade superveniente da lide porque os recorrentes já apresentaram cópias certificadas dos seus bilhetes de identidade que comprovam o seu estatuto de residente da RAEM.
   Notificados sobre a questão suscitada pelo Ministério Público, os recorrentes responderam com a posição de prosseguimento do recurso pugnando pelo seu provimento.
   
   Conhecendo.
   Os recorrentes instauraram o recurso contencioso com base nos art.°s 36.° da Lei Básica e 2° do CPAC (fls. 32).
   No despacho liminar do relator, na parte em que se interessa agora, refere que:
   “Nos termos do art.° 36.°, n.° 1 do CPAC, ora alegado pela parte recorrente para sustentar a sua legitimidade activa para interpor o presente recurso contencioso, eles três têm que ser residentes de Macau para o efeito.” E exigiu a prova do estatuto de residente da RAEM dos recorrentes.
   Apreciando a reclamação deste despacho, o acórdão recorrido entende que os interesses invocados pelos recorrentes são difusos, o que torna necessária a prova do seu estatuto de residente da RAEM para assegurar a sua legitimidade activa segundo o art.° 36.°, n.° 1 do CPAC.
   
   A verdade é que os recorrentes apresentaram posteriormente cópias certificadas dos seus bilhetes de identidade de residente da RAEM nos autos do respectivo recurso contencioso.
   Uma vez que o presente recurso tem por objecto o acórdão do Tribunal de Segunda Instância que indeferiu a reclamação sobre a decisão do relator de exigir a prova do estatuto de residente dos recorrentes, é inevitável a extinção da instância recursória por inutilidade superveniente da lide.
   Se por hipótese que o presente recurso jurisdicional fosse julgado procedente, então ficaria sem efeito a ordem de entregar a tal prova. Se fosse improcedente, os recorrentes continuariam a ter o dever de entregar a referida prova, mas dever esse que já cumpriram.
   Assim, nesta circunstância, o presente recurso já não traz qualquer utilidade para os recorrentes.
   Nem se diga, como afirmam os recorrentes em resposta à questão suscitada no parecer do Ministério Público, que se aqueles não interpusessem o presente recurso teriam de se conformar com as razões subjacentes à decisão do acórdão recorrido.
   No quadro do presente recurso, o que se vincula é a decisão judicial e não os seus fundamentos. É de notar que o que está em causa é apenas a decisão da exigência da prova do estatuto de residente da RAEM dos recorrentes para decidir se estes têm legitimidade activa para o recurso contencioso.
   Estamos ainda na fase de averiguar o preenchimento dos pressupostos processuais do recurso contencioso. Em termos de aferir a legitimidade activa, é indiferente que seja invocado interesse individual (al. a) do art.° 33.° do CPAC) ou interesse difuso (al. b) do mesmo artigo). Qualquer destes interesses podem justificar a legitimidade activa e mais nada. Saber se há diferença na protecção judicial para os titulares destes dois tipos de interesses, já entra no âmbito de condição da procedência da acção e não meramente o da sua procedibilidade.
   
   Finalmente, é de notar que a exigência da prova do estatuto de residente parece resultar do mal entendimento do relator de segunda instância sobre a parte de intróito da petição do recurso contencioso em que se refere o art.° 36.° da Lei Básica. O relator entendeu por art.° 36.° do CPAC, tal como se reconhece por aquele no acórdão recorrido, que incide precisamente sobre a matéria de acção popular e interesses difusos. Por esta razão, entendo que não é de tributar o presente recurso jurisdicional.
   
   Face aos expostos, julgo extinta a instância do presente recurso jurisdicional por inutilidade superveniente (art.°s 1° do CPAC e 229.°, al. e) e 619.°, n.° 1, al. e) do CPC).
   Sem custas.”
   
   Deste despacho vêm os reclamantes apresentar a presente reclamação para a conferência, pedindo a revogação do despacho reclamado, o prosseguimento da lide recursória e a isenção de tributação no presente meio jurisdicional.
   A parte contrária, depois de ser notificada, não se pronunciou sobre o pedido de reclamação.
   A Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância mantém a posição anteriormente assumida, salientando que o tribunal não fica vinculado ao efeito pretendido pelos recorrentes, ora reclamantes, com a apresentação das cópias certificadas dos seus BIR de Macau, podendo retirar deste facto as consequências legais que julga relevantes.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   2. Fundamentos
   Os reclamantes alegam, em primeiro lugar, que as cópias certificadas dos seus bilhetes de identidade foram apresentadas com reserva e no mesmo dia em que interpuseram o recurso jurisdicional contra o despacho do relator do Tribunal de Segunda Instância, apenas para a eventualidade de não ser atribuída a subida imediata e efeito suspensivo para o recurso jurisdicional, com o objectivo de evitar a rejeição liminar do recurso contencioso se fosse atribuído o efeito devolutivo.
   
   Ora, se a decisão do relator do Tribunal de Segunda Instância era para os reclamantes provarem o seu estatuto de residente de Macau para assegurar a sua legitimidade activa no recurso contencioso por si interposto, a junção aos autos de cópias certificadas dos seus bilhetes de identidade de residente da RAEM tem o efeito objectivo de demonstrar a sua qualidade de residente da RAEM no processo, independentemente da intenção subjectiva que os reclamantes queriam dar à sua apresentação. Na realidade, os documentos foram apresentados precisamente para o efeito de provar essa sua qualidade, embora com a reserva de que era apenas para prevenir a não adopção do regime de subida do recurso jurisdicional peticionado pelos reclamantes, isso não impede o tribunal valorar tais documentos identificativos. Até o próprio Tribunal de Segunda Instância podia assim ter procedido ao apreciar o requerimento do recurso jurisdicional.
   Está ainda na fase preliminar do recurso contencioso em que se procura averiguar a verificação dos pressupostos processuais para permitir o desenvolvimento da instância. E a ordem do relator do Tribunal de Segunda Instância destina-se precisamente a aferir a legitimidade dos reclamantes, sem ainda qualquer consideração sobre o fundo da causa, nem, em consequência, qualquer definição da situação substancial dos mesmos.
   Neste plano, continuar a discutir a justeza da decisão do relator do Tribunal de Segunda Instância de exigir prova da qualidade de residente não traz qualquer utilidade para as partes processuais. A utilidade da instância ou interesse processual têm de ser aferidos em termos objectivos, mas não puramente segundo a intenção subjectiva de interessado.
   
   
   Em segundo lugar, os reclamantes não concordaram com a afirmação no despacho ora reclamado de que “em termos de aferir a legitimidade activa, é indiferente que seja invocado interesse individual (al. a) do art.º 33.º do CPAC) ou interesse difuso (al. b) do mesmo artigo).”. Entendem que o juiz, para exigir a prova da qualidade de residente da RAEM, tem de qualificar previamente os interesses alegados pelos recorrentes como interesses difusos. A formar-se caso julgado, jamais poderia alterar a posição do Tribunal de Segunda Instância em considerar os reclamantes como titulares do interesse difuso.
   
   Ora, os reclamantes não podem entender o sentido da referida afirmação do despacho reclamado desligado do seu contexto. Realmente, no parágrafo em que está integrada tal frase, continua: “Qualquer destes interesses podem justificar a legitimidade activa e mais nada. Saber se há diferença na protecção judicial para os titulares destes dois tipos de interesses, já entra no âmbito de condição da procedência da acção e não meramente o da sua procedibilidade.”
   Portanto, a invocação de interesses individuais ou difusos tem, nesta fase processual, apenas o efeito de dotar o autor de legitimidade activa para recorrer a um meio judicial, que é o recurso contencioso.
   Assim, é de indeferir a reclamação.
   
   Finalmente, a presente reclamação deve ser tributada porque, independentemente das razões que deram origem ao recurso jurisdicional, foram os reclamantes que deram agora causa a ela e não conseguem deferimento.
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em indeferir a reclamação.
   Custas pelos reclamantes com taxa de justiça fixada em 3UC.
   
   Aos 27 de Junho de 2007.



Juízes : Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai


O Procurador-Adjunto
presente na conferência: Song Man Lei
Processo n.° 48 / 2006 8