Proc. nº 707/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 29 de Janeiro de 2015
Descritores:
-Acto de execução
-Recorribilidade contenciosa
- Actos consequentes
-Fundamentação suficiente
SUMÁRIO
I - O facto de ter sido invocada nas alegações de recurso jurisdicional a questão da irrecorribilidade do acto contenciosamente impugnado, dado o seu carácter de mero acto de execução de acto anterior, não constitui impedimento ao seu conhecimento no TSI, uma vez que se trata de matéria exceptiva que é de conhecimento oficioso.
II - Os actos de execução não são, geralmente, actos contenciosamente recorríveis (art. 30º, nº1, do CPAC), podendo sê-lo excepcionalmente nos termos do nº2, do art. 30º citado e do art. 138º, nºs 3 e 4, do CPA.
III - Para se concluir pela recorribilidade ou irrecorribilidade do acto de execução, haverá que analisar, um a um, os vícios imputados ao acto, para se aquilatar se eles são próprios ou intrínsecos e autónomos do acto em si mesmo ou se específicos do acto executado.
IV - São actos consequentes os “actos administrativos praticados, ou dotados de certo conteúdo, em virtude da prática de um acto administrativo anterior”; são actos cuja prática e conteúdo dependem da existência de acto anterior que lhe serve de causa, base ou pressuposto e que, assim, é dele raiz e fundamento.
V - Os actos consequentes só são cominados com a nulidade, desde que os actos antecedentes tenham sido anteriormente anulados contenciosamente ou revogados administrativamente.
VI - A fundamentação, como se sabe, não tem que ser exaustiva, minuciosa e detalhada ao mais ínfimo pormenor ou detalhe. Basta que leve ao interessado as razões concretas da determinação do acto, de modo a que ele fique a saber o motivo e a causa do seu conteúdo dispositivo
Proc. nº 707/2013
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, casado, de nacionalidade chinesa, portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau nº XXX, com os demais sinais dos autos, recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo (Proc. nº 825/11-ADM) do despacho de 8/04/2011 do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes que lhe ordenou o pagamento das despesas do despejo e demolição de obras de um terreno que ocupava em Coloane.
*
Foi naquele tribunal proferida sentença, que julgou procedente o recurso e declarou nulo o acto recorrido por violação de lei.
*
Contra essa sentença recorre jurisdicionalmente a entidade administrativa, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«1.ª O objecto do presente recurso jurisdicional é a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo, em 21 de Junho de 2013, no processo n.º 825/11-ADM, que dando provimento parcial ao recurso contencioso, declarou nulo o acto recorrido consubstanciado no despacho do director da DSSOPT, de 8 de Abril de 2011, que ordenou a notificação do recorrente A (ora recorrido) para pagamento das despesas de desocupação e de demolição da edificação ilegal que efectuou no terreno situado junto ao poste de iluminação n.º 918C17 da Povoação de Hác Sá, na ilha de Coloane, no valor de $3.143.173,00 (três milhões, cento e quarenta e três mil, cento e setenta e três patacas), por motivo de violação de lei.
2.ª A douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por indevida interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 122.º e artigo 124.º, ambos do CPA.
3.ª Desde logo porque a douta sentença recorrida declara nulo o acto recorrido por motivo de violação de lei, sem especificar que lei ou norma esse acto violou, quando nos termos do n.º 1 do artigo 122.º só são nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.
4.ª Nos termos decorrentes do artigo 124.º do CPA, se a lei não prever outra sanção, os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis são anuláveis.
5.ª Além disso, a sentença recorrida enferma ainda de erro de julgamento por indevida interpretação e aplicação da alínea i) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA.
6.ª Com efeito, a declaração de nulidade do acto recorrido ao abrigo desta norma parece ter partido das seguintes premissas: a primeira, a de que o acto recorrido é um acto consequente do acto de adjudicação, a segunda, a de que este acto foi previamente anulado ou revogado.
7.ª Ora, certo é que in casu nenhuma destas situações se verificaram.
8.ª Antes de mais, porque o acto recorrido foi praticado na sequência da definição da situação jurídica manifestada pelo anterior acto do Chefe do Executivo, de 3 de Setembro de 2010, que ordenou a desocupação do terreno e a demolição da construção aí existente, pondo em prática a estatuição nele contida.
9.ª O acto recorrido limitou-se a traduzir o custo da execução ou concretização daquela ordem contida no despacho do Chefe do Executivo, cujo resultado está perfeitamente explicitado nas tabelas constantes do processo administrativo.
10.a A prática e o conteúdo desse acto dependeram tão-só da circunstância de o recorrente não ter cumprido voluntariamente as determinações contidas no acto do Chefe do Executivo, de 3 de Setembro de 2010, para repor a legalidade violada, e não do facto de a Administração ter optado por realizar a execução do acto administrativo através de terceiros, ou seja, ter optado pela adjudicação dos trabalhos a uma entidade externa.
11.ª Outrossim, o acto de adjudicação limitou-se a desenvolver e aplicar a situação definida no acto do Chefe do Executivo, de 3 de Setembro de 2010, constituindo por isso também um mero acto de execução.
12.a Mas mesmo que o acto de adjudicação fosse o acto anteriormente praticado e que enfermasse de vício de forma ou de procedimento, o que não se concede, o acto recorrido enquanto acto consequente só seria nulo se aquele tivesse sido previamente anulado judicialmente ou revogado, o que não sucedeu no caso em apreço.
13.a É verdade que a douta sentença recorrida, analisando os vícios imputados pelo recorrente ao acto de adjudicação, acaba por sindicar a validade do mesmo, considerando que foram preteridas formalidades essenciais que conduzem à anulabilidade do acto.
14.a Mas uma coisa é dizer que o acto é anulável, outra, bem diferente, é anulá-lo.
15.ª Ora, tratando-se de um acto praticado pelo Chefe do Executivo, o tribunal a quo nunca seria o competente para poder anulá-lo, mas sim o Tribunal de Segunda Instância.
16.a Por mera cautela é de referir que o acto de adjudicação não enferma de qualquer ilegalidade, porquanto conforme já foi referido na contestação do recurso contencioso, as razões que justificam a dispensa do concurso público estão relacionadas com o ambiente complexo que rodeia as desocupações de terrenos do Estado.
17.a A execução deste tipo de operações envolve sempre a intervenção do Corpo de polícia de Segurança pública e do Corpo de Bombeiros e, por vezes, da polícia Judiciária, não só porque é susceptível de provocar alterações da paz social como também pôr em risco a segurança dos técnicos e demais trabalhadores que intervêm nas operações, como é do conhecimento público.
18.ª O receio fundado pela segurança das pessoas envolvidas nestas acções levou já a que um empreiteiro encarregue de levar a cabo a desocupação de um terreno do Estado abandonasse a sua tarefa nos momentos que antecederam o início dos trabalhos.
19.a Assim, a fundamentação da opção pelo ajuste directo in casu acolhe-se à previsão do n.º 4 do artigo 8.º conjugado com a alínea b) do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 30/89/M, de 15 de Maio, porque se verifica nestas situações uma especificidade muito própria a que a informação n.º 1208/GDI/2010, de 31 de Dezembro, faz referência.
20.a Deste modo, não se verificando os pressupostos da alínea i) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA, é errada a conclusão da douta sentença recorrida ao ter considerado que o acto recorrido é nulo por o seu conteúdo ter sido moldado ou determinado pelo acto de adjudicação, acto este anulável.
21.a Contudo, caso se não entenda que o acto recorrido seja um acto de mera execução, então sufragando o entendimento constante do parecer do Ministério Público, podemos admitir que o acto recorrido é um acto administrativo consequente, não do acto de adjudicação, que não é o seu fundamento, mas sim do acto do Chefe do Executivo, de 3 de Setembro de 2010, que ordenou a desocupação do terreno e a demolição da edificação nele existente.
22.ª Entende-se por acto consequente, para efeitos do disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 122.º do CPA, aquele que é praticado ou dotado de certo conteúdo, em virtude da prática de um acto anterior, ou aquele cuja prática e conteúdo dependem da existência de um acto anterior que lhe serve de causa, base ou pressuposto e que, assim, é dele raiz e fundamento
23.ª Ora, aquele acto exequendo que ordenou a desocupação do terreno e a demolição da edificação nele existente foi sindicado pelo Tribunal de Segunda Instância e pelo Tribunal de Última Instância e nenhum vício lhe foi apontado.
24.ª Acresce ainda que o acto recorrido, enquanto acto de execução, além de não ter ultrapassado os limites da execução nem sofrer de qualquer ilegalidade própria ou autónoma, também nada inova na esfera jurídica do recorrente, pelo que é inimpugnável contenciosamente, nos termos do artigo 30.ºdo CPAC.
Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença recorrida.
*
Não houve resposta ao recurso por parte dos habilitados herdeiros do recorrente, entretanto falecido.
*
O digno Magistrado do MP opinou no sentido de que o recurso não merece provimento, em termos que se dão aqui por integralmente reproduzidos.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por assente a seguinte factualidade (a numeração e os destaques a negro são da nossa responsabilidade):
1 - O recorrente e a sua mulher B têm três filhos, nomeadamente, B, C e D. O recorrente e os demais membros da família são residentes permanentes de Macau, todos eles foram criados e vivem na Povoação de Hác Sá em Coloane, Macau, e tinham residido na casa rústica ao lado do poste de iluminação nº XXX na mesma Povoação.
2 - O Governo antes da transição reconheceu a existência da casa rústica do recorrente e assinalou tal casa na planta cadastral da Povoação de Hác Sá.
3 - A partir da data não apurada, o recorrente utilizava, ocupava e residia naquela casa rústica na qualidade de proprietário desta, praticando a sua apreensão e procedendo à sua reparação e manutenção, tendo requerido, em seu nome, o contador de energia eléctrica para a casa rústica.
4 - No dia 9 de Dezembro de 2009, o pessoal da DSSOPT efectuou uma fiscalização e verificou que no local junto ao poste de iluminação nºXXX estava a ser construída uma obra de estrutura em betão armado, tendo o pessoal tirado fotos da obra. No mesmo dia, os fiscais dos mesmos Serviços elaboraram auto de notícia e informação (fls. 434 a 438 do Anexo 1).
5 - No dia 14 de Dezembro de 2009, o subdirector da DSSOPT proferiu despacho, concordando com o teor da Infª nº 7832/DURDEP/2009 e decidindo a emissão de ordem de embargo da obra realizada, a ser afixada no local da obra ilegal, por a obra não ter sido aprovada pela DSSOPT e a ela não ter sido emitida licença para qualquer tipo de obra, violando o artigo 3º, nº 1 do Decreto-Lei nº 79/85/M (Regulamento Geral da Construção Urbana), alterado pelo Regulamento Administrativo nº 24/2009, de 4 de Agosto (fls. 429 a 431 do Anexo 1).
6 - No mesmo dia, o subdirector dos referidos Serviços emitiu ordem de embargo da obra, a cópia da qual foi afixada na entrada da obra ilegal no dia 16 de Dezembro de 2009 (fls. 426 a 427 do Anexo 1).
7 - No dia 19 de Março de 2010, numa acção de fiscalização realizada o pessoal da DSSOPT verificou no terreno situado na Povoação de Hác Sá, junto ao poste de iluminação nº XXX, a execução da obra ilegal composto por um prédio de quatro pisos com cobertura em betão armado e paredes em alvenaria de tijolo e verificou no mesmo terreno uma parede de tijolo recentemente construída. Os fiscais tiraram fotos do local e, ao mesmo tempo, exigiram que os trabalhadores no local parassem a obra ilegal, mas estes ignoraram e continuaram com a execução da obra ilegal. No mesmo dia, os fiscais dos mesmos Serviços elaboraram auto de notícia e informação (fls. 391 a 396 do Anexo 1).
8 - No dia 29 de Abril de 2010, o pessoal da DSSOPT e os agentes do CPSP vedaram a obra de construção referida (fls. 383 a 386 do Anexo 1).
9 - De acordo com a certidão da Conservatória do Registo Predial (CRP), de 10 de Maio de 2010, o terreno sobre qual foi construído o prédio não se encontra registado a favor de particular, direito de propriedade ou qualquer outro direito real (fls. 368 a 370 e 372 a 378 do Anexo 1).
10 - No dia 8 de Junho de 2010, a entidade recorrida proferiu despacho de concordância com o teor da Infª nº 3473/DURDEP/2010, decidindo a realização de audiência sobre a obra de construção acima dita, a qual foi notificada ao interessado via edital (fls. 348 a 350 do Anexo 1).
11 - No mesmo dia, a entidade recorrida emitiu o edital nº 116/E/2010, o qual foi publicado no jornal no dia 9 de Setembro de 2010 (fls. 320 a 324 e 314 do Anexo 1).
12 - No dia 3 de Setembro de 2010, o Chefe do Executivo proferiu despacho, em que manifestou a sua concordância com o teor da Infª 5895/DURDEP/2010 e determinou a desocupação do terreno referido, a demolição das obras ilegais e a remoção de todos os objectos, materiais e equipamentos existentes nele, bem como a restituição do mesmo à posse da RAEM. Determinou ainda que, caso o recorrente e os demais ocupantes desconhecidos do terreno não executassem a ordem de despejo no prazo fixado, a DSSOPT ia executar os trabalhos de despejo, contratar empreiteira para fornecer recursos humanos e máquinas e equipamentos de transporte, despejar e demolir todos os objectos, materiais ou eventual prédio encontrados no terreno, sendo as despesas de despejo e demolição suportadas pelos ocupantes (fls. 244 a 249 do Anexo 1).
13 - No dia 13 de Setembro de 2010, a entidade recorrida emitiu o edital nº 243/E/2010, através do qual foram notificados o recorrente e os demais ocupantes desconhecidos do terreno da decisão mencionada e de que deviam proceder, no prazo de 30 dias a partir da data de publicação do edital, à desocupação do terreno referido, à demolição das obras ilegais e à remoção de todos os objectos, materiais e equipamentos existentes nele, bem como à restituição do mesmo à posse da RAEM. Foram notificados ainda de que, conforme a lei, de tal decisão podiam os interessados reclamar para o Chefe do Executivo ou recorrer contenciosamente junto do Tribunal de Segunda Instância da RAEM no prazo legal (fls. 228 a 234 do Anexo 1).
14 - No dia 15 de Setembro de 2010, o recorrente recebeu pessoalmente a cópia do dito edital (fls. 235 a 236 do Anexo 1).
15 - No dia 30 de Setembro de 2010, de tal decisão o recorrente reclamou para o Chefe do Executivo, apresentando, em anexo, os documentos relacionados (fls. 188 a 224 do Anexo 1).
16 - No dia 15 de Outubro de 2010, de tal decisão o recorrente recorreu contenciosamente ao Tribunal de Segunda Instância (fls. 68 a 73 e verso dos autos).
17 - No dia 3 de Novembro de 2010, de tal decisão o recorrente intentou o procedimento cautelar de suspensão de eficácia (fls. 169 a 174 e verso do Anexo 1).
18 - No dia 11 de Novembro de 2010, o Tribunal de Segunda Instância proferiu decisão quanto ao procedimento cautelar (n. 806/2010/A), julgando improcedente o procedimento cautelar (fls. 143 a 168 e verso do Anexo 1).
19 - No dia 24 de Novembro de 2010, a entidade recorrida comunicou, de forma confidencial, à Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT), ao Corpo da Polícia de Segurança Pública (CPSP), à Polícia Judiciária (PJ), ao Corpo de Bombeiros (CB), ao Gabinete para o Desenvolvimento de Infra-estruturas (GDI), ao Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais (IACM) e à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC) e respectivas subunidades desta para realizarem reunião conjunta sobre a implementação da acção de despejo (fls. 132 a 141 do Anexo 1).
20 - No dia 26 de Novembro de 2010, o recorrente apresentou requerimento à entidade recorrida, pedindo a suspensão da execução do Edital nº243/E/2010, a não demolição da casa rústica, o não despejo do terreno, a concessão por arrendamento ao recorrente do terreno localizado na Povoação de Hác Sá, Coloane, junto ao poste de iluminação XXX (o terreno onde fica a casa rústica) sem concurso público e a fixação de condições gerais ou especiais, tais como a renda e o prémio. Ao requerimento foram juntados os respectivos documentos (fls. 82 a 126 do Anexo 1).
21 - No dia 2 de Dezembro de 2010, a entidade recorrida proferiu despacho, concordando com o teor da Infª nº 73/DJUDEP/2010 de não aceitar o requerimento do recorrente (fls. 79 a 81 e verso do Anexo 1).
22 - No dia 10 de Dezembro de 2010, a DSSOPT notificou a mandatária judicial do recorrente da referida decisão mediante o Ofício nº 48/DJUDEP/2010 (fls. 77 do Anexo 1).
23 - No mesmo dia, o pessoal da DSSOPT e seu pessoal administrativo (sic) iniciou a acção de demolição da casa rústica e de despejo do terreno localizado na Povoação de Hác Sá, Coloane, junto ao poste de iluminação XXX, a qual foi concluída no dia 25 de Dezembro de 2010 (fls. 23 a 76 do Anexo 1).
24 - No dia 31 de Dezembro de 2010, o Chefe do Executivo proferiu despacho de concordância com o teor da Infª nº 1208/GDI/2010, apontando: os trabalhos de transporte e arrumação necessitam das técnicas específicas e de ser divididos em fases, e têm de ser efectuados com sigilo e rapidez. Devido à situação e condição do sector, é impossível arranjar as máquinas e pessoal necessários em Macau. Portanto, o GDI convidou a Companhia de Gestão de Serviço de Segurança XX, Lda. (XX保安管理有限公司) para executar os trabalhos por ajuste directo com dispensa de celebração de contrato escrito, de concurso público e de consulta de preço (fls. 443 a 456 do Anexo 2).
25 - No dia 13 de Janeiro de 2011, a DSSOPT teve reunião com o GDI para discutirem a exigência de pagamento das despesas com o despejo. Foi elaborada a acta da reunião (fls. 536 a 538 do Anexo 2).
26 - No dia 28 de Janeiro de 2011, o chefe da Divisão de Fiscalização do Departamento de Urbanização da DSSOPT concordou com o teor da Infª nº 397/DURDEP/2011 e pediu ao GDI o fornecimento das informações relativas às despesas de despejo do terreno localizado na Povoação de Hác Sá, Coloane, junto ao poste de iluminação XXX, no sentido de exigir o pagamento das referidas despesas aos ocupantes do terreno que já foi despejado (fls. 21 a 22 do Anexo 1).
27 - No dia 2 de Março de 2011, o Tribunal de Última Instância proferiu decisão no recurso interposto pelo recorrente contra a decisão tomada pelo Tribunal de Segunda Instância no procedimento cautelar (processo nº 74/2010), julgando improcedente o recurso do recorrente (fls. 544 a 547 do Anexo 2).
28 - No dia 8 de Abril de 2011, a entidade recorrida exarou um despacho, concordando com o teor da Inf nº 1497/DURDEP/2011, dizendo que devido a que o recorrente não procedeu voluntariamente ao despejo no prazo fixado, assim ia executar os trabalhos a partir do termo do prazo, ao abrigo do artigo 144º, nº 2 do CPAC, aprovado pelo Decreto-Lei nº 57/99/M, de 11 de Outubro. As despesas efectuadas com o despejo, no montante de MOP3.143.173,00, ficariam a cargo do recorrente (fls. 559 a 561 do Anexo 2).
29 - No mesmo dia, a entidade recorrida emitiu a Notificação nº 9/NOT/2011 que informou o recorrente da decisão, indicando que ele devia efectuar o pagamento das despesas de despejo mencionadas no prazo fixado e que de tal decisão o recorrente podia recorrer contenciosamente para o Tribunal Administrativo no prazo legal (fls. 557 a 558 do Anexo 2)
30 - No dia 13 de Abril de 2011, o recorrente recebeu pessoalmente a dita notificação (fls. 554 a 555 do Anexo 2).
31 - No dia 13 de Maio de 2011, de tal decisão o recorrente interpôs o presente recurso contencioso para este Tribunal.
32 - No dia 24 de Novembro de 2011, o Tribunal de Segunda Instância proferiu decisão no recurso interposto (processo nº. 806/2010) pelo recorrente contra o despacho do Chefe do Executivo datado de 3 de Setembro de 2010, julgando improcedente o recurso (fls. 154 a 158 dos autos).
33 - No dia 30 de Maio de 2012, o Tribunal de Última Instância proferiu decisão no recurso interposto (processo n”, 12/2012) pelo recorrente contra a decisão do Tribunal de Segunda Instância, julgando improcedente o recurso (fls. 159 a 167 dos autos).
***
III – O Direito
1 – A situação de facto
Realinhemos os principais factos concernentes a este caso.
O recorrente contencioso, desde data não apurada, reside com o seu agregado familiar (mulher e três filhos), em Hác Sá, em Coloane, numa casa rural sita junto do poste de iluminação pública nº XXX.
Em Dezembro de 2009, o recorrente estava a construir nesse local uma estrutura de betão armado sem licença, o que foi verificado pelos Serviços de Fiscalização da DSSOPT.
A obra foi embargada e, no local, foi afixado o respectivo edital em 16/12/2009.
Cerca de três meses depois (19/03/2010) os Serviços de Fiscalização da DSSOPT constataram que o embargo da obra não foi respeitado, vindo a obra a ser vedada pelo pessoal da DSSOPT e da PSP.
Na sequência disso, e após audiência do recorrente contencioso, o Chefe do Executivo determinou em 3/09/2010 a desocupação do terreno e a demolição das obras ilegais e a remoção dos objectos e materiais existentes no local da obra (facto 12).
Mais determinou que, caso o recorrente não procedesse à demolição, as respectivas obras seriam executadas pela DSSOPT, através de empreiteiro, a expensas suas (facto 12).
Esta decisão foi incluída no edital nº 243/E/2010, cuja cópia foi entregue directamente ao interessado no dia 15/09/2010 (fls. 235 do Vol. I, do p.a. e facto 14).
Da decisão do Chefe do Executivo de 3/09/29010 (facto 12), recorreu para o TSI no dia 15/10/2010, recurso (Proc. nº 806/2010) que foi julgado improcedente por acórdão de 24/11/2011, e que o TUI viria a confirmar (Proc. nº 12/2012) por acórdão de 30/05/2012.
No dia 26/11/2010 o recorrente contencioso pediu ao Director da DSSOPT a suspensão da execução da decisão constante do Edital nº 243/E/2010, mas a decisão deste, datada de 2/12/2010, foi de indeferimento da pretensão (factos 20 e 21).
No dia 10/12/2010 foram iniciados os trabalhos de demolição (facto 23) e o Chefe do Executivo, por despacho de 31/12/2010, determinou que a empresa a efectuar o trabalho por ajuste directo seria a “Companhia de Gestão de Serviço de Segurança XX, Lda” (facto 24).
No dia 8/04/2011 o Director da DSSOPT determinou o pagamento do valor de Mop$ 3.143.173,00 (a.a. sindicado; facto 28 e fls. 559 do p.a, Vol. II).
*
2 - O acto recorrido
O acto sindicado no TA não foi o do Chefe do Executivo de 3/09/2010 que determinou a desocupação do terreno e a demolição das obras ilegais ao recorrente (facto 12 supra). Desse acto administrativo foi interposto no TSI recurso contencioso, cuja decisão judicial de improcedência transitou definitivamente em julgado (factos 32 e 33 supra).
Sindicado foi o acto do Director da DSOPT de 8/04/2011 que, por falta de execução voluntária por parte do recorrente da decisão acima referida, determinou que os trabalhos de demolição ficariam a expensas deste, no valor que fixou em Mop$ 3.143.173,00 (facto 28 supra), de que foi notificado no dia 13/04/2011 (facto 29 supra).
*
3 - Os vícios
O recorrente na sua petição inicial invocou os seguintes vícios, apontando as respectivas sanções:
a) - Vício de violação de lei (arts. 13º a 26º e conclusões 9ª a 17ª): estaria em causa a violação do art. 31º da Lei Básica, arts. 4º e 122º, nº2, al. d), do CPA;
O acto seria nulo, na perspectiva do recorrente contencioso.
b) - Vício de forma por falta de fundamentação (arts. 27º, 28º e 44º a 53º e conclusões 18ª a 34ª): estaria em causa a circunstância de a notificação para o pagamento das despesas não indicar a empresa que prestou os serviços, o número de trabalhadores utilizados, a duração da obra de demolição e a forma de cálculo do valor;
O acto seria anulável de acordo com o disposto no art. 114º, nº1, al. a), do CPA.
c) - Vício de forma por não observância do procedimento de concurso público para as referidas obras de demolição (arts. 29º a 38º e conclusões 19ª a 26ª), o que atentaria contra o disposto nos arts. 170º, nº1, do CPA, 41º do DL nº 74/99/M e 5º, nºs 1 e 2 e 7º do DL nº 122/84/M.
O acto seria nulo, por violar o disposto no art. 170º do CPA (tb. arts. 122º, nº2, al. f) do CPA).
d) - Vício de forma por falta de audiência de interessados (arts. 39º a 43º e conclusão 35ª).
O acto seria anulável por violação do disposto nos arts. 93º a 95º do CPA.
e) - Vício de violação de lei por incumprimento do princípio da proporcionalidade (arts. 54º a 61º e conclusões 43ª e 44ª).
O acto seria nulo por violação do art. 5º do CPA.
*
4. A sentença recorrida
4.1 -A sentença proferida no TA apreciou o vício de violação de lei acima indicado em primeiro lugar e concluiu que ele não se verificava.
Por outras palavras, disse que o acto impugnado do Director de Serviços se limitou a dar execução ao despacho do Chefe do Executivo do dia 3/09/2010, que viria a ser confirmado e mantido na ordem jurídica pelo Tribunal de Última Instância no recurso nº 12/2012. A legalidade da determinação em causa (desocupação e demolição) foi então já apreciada pelos tribunais, pelo que o acto sindicado seria, quanto a essa parte, incólume.
.
4.2 – Depois apreciou o vício de “violação de forma legal” concernente à não abertura de concurso público para a realização das obras de demolição e, entendendo-o ser necessário para a adjudicação dos trabalhos, declarou nulo o acto em crise.
.
4.3 – Entendeu depois que não tinha que analisar os restantes vícios, mas acabou por conhecer o da falta de audiência, dando-o por improcedente.
*
5 – Questão prévia
5.1 - Nas alegações do recurso jurisdicional, a entidade recorrida defendeu que o acto aqui sindicado era irrecorrível por ser acto de mera execução do despacho do Chefe do Executivo de 3/09/2010.
O recorrente pronunciou-se sobre o assunto e o mesmo o fez o digno Magistrado do MP.
É preciso, antes de mais, que se diga que o facto de apenas ter sido invocada a aludida questão nas alegações do recurso não é impeditivo do seu conhecimento neste TSI, uma vez que se trata de matéria exceptiva, a qual é, como se sabe, de conhecimento oficioso1 (cfr. art. 46º, nº2, al. c), do CPAC).
Vejamos então se o acto em crise é de mera execução.
Recordemos que o acto onde a situação jurídico-substantiva ficou definida é o do Chefe do Executivo datado de 3/09/2010 que determinou a desocupação do local e a demolição de todas as obras efectuadas no local (facto 12 supra).
Este acto foi notificado ao recorrente contencioso, o qual prontamente contra ele reagiu pela via contenciosa, requerendo ainda a suspensão da sua eficácia. Porém, não foi bem sucedido em nenhuma das espécies processuais utilizadas, tendo a decisão administrativa em apreço sido mantida incólume, conforme resulta dos factos 16, 17, 18, 27 e 33, supra.
Portanto, ficou definitivamente assente que as obras de demolição se iriam realizar e que se o interessado as não executasse, seriam levadas a cabo pela Administração a cargo dele.
Sendo assim, a contratação da empresa que a elas procedeu não passou de um mero acto que levou à prática, materializou ou concretizou - executou, portanto - a determinação decisória contida no referido acto do Chefe do Executivo. E dessa mesma natureza comunga o acto que determinou ao recorrente o pagamento das respectivas despesas, pois assim já estava decidido no acto de 3/09/2010 atrás citado.
Não há dúvida, pois, que estes são actos que se limitam a executar a definição da situação jurídica contida no despacho do Chefe do Executivo referido. Não têm, quanto a este aspecto, conteúdo inovador, não modificam a estatuição autoritária contida no acto a que deram simples cumprimento.
.
5.2 - Ora, os actos de execução não são recorríveis, pois assim o proclama a regra do art. 30º, nº1, do CPAC2.
Serão recorríveis, porém, no âmbito da excepção prevista no nº2 do citado artigo 30º:
i) - Os actos de execução ou de aplicação de actos administrativos contidos em diploma legislativo ou em regulamento administrativo (art. 29º, nº2, CPAC);
ii) - Os actos ou operações de execução que excedam os limites do acto exequendo (art. 138º, nº3, do CPA);
iii) - Aqueles que não sejam consequência da ilegalidade do acto exequendo, isto é, aqueles que contenham ilegalidades próprias e intrínsecas (art. 138º, nº4, do CPA) e, por fim,
iv) - Os que, sem ser caso de estado de necessidade, não radiquem em acto administrativo prévio (art. 30º, nº2, in fine, do CPAC).
É caso para perguntar, então: O caso em análise cairá no âmbito de algumas destas situações excepcionais?
É o que veremos, partindo da forma como o recorrente desenha cada um dos vícios.
*
6 – Vejamos os vícios um a um.
Em primeiro lugar, tal como apreciados na sentença.
6.1 - O primeiro foi o vício de violação de lei (arts. 13º a 26º e conclusões 9ª a 17ª). Na opinião do recorrente, teriam sido violados os arts. 31º da Lei Básica, arts. 4º e 122º, nº2, al. d), do CPA.
Ora, esta imputada ilegalidade decorre da pretensa violação do direito ao domicílio dos cidadãos, considerado inviolável (art. 31º cit.), por ser um direito legalmente protegido (art. 4º cit.).
Contudo, está mais do que claro que esta violação do domicílio não decorreu do acto de contratação, nem da demolição propriamente dita, nem sequer do acto que lhe determina o pagamento das despesas (actos a jusante), mas sim do acto primeiro (a montante) que decide o despejo e a demolição: o de 3/09/2010. Ou seja, este vício não é próprio de nenhum dos actos e operações materiais de execução, podendo ainda dizer-se que não ocorre nenhuma situação que se possa incluir nas referidas excepções.
Em consequência, por este prisma o acto nesta parte é irrecorrível contenciosamente (art. 30º, nº1, do CPAC).
*
6.2 – Conheceu também do vício de forma por não observância do procedimento de concurso público para as referidas obras de demolição (arts. 29º a 38º e conclusões 19ª a 26ª).
Em sua opinião, a não observância do procedimento concursal atentaria contra o disposto nos arts. 170º, nº1, do CPA, 41º do DL nº 74/99/M e 5º, nºs 1 e 2 e 7º do DL nº 122/84/M.
Esta matéria, sob um certo ponto de vista, pode traduzir uma violação autónoma e intrínseca do acto de execução, se entendermos que ele (em execução do acto de 3/09/2010) deveria observar as regras do concurso público. Nessa parte, poderia ser recorrível, pelo que importa analisar a respectiva matéria.
O que disse a sentença?
Afirmou que o caso de demolição e despejo realizados não podem ser enquadrados no âmbito de “obras públicas”, pelo que a solução não teria que passar pelo disposto nos arts. 1º, 2º e 3º e 41º do DL nº 74/99/M, pelo que não se lhe afigurava necessário o concurso público.
Mas, por outro lado, considerou que a situação verificada violou manifestamente o disposto nos arts. 5º, nº3, 7º, nºs 1 e 2 e 8º do DL nº 122/84/M (Regime das Despesas com Obras e Aquisição de Bens e Serviços), que a seguir se transcrevem:
Artigo 5.º
(Escolha dos adjudicatários)
1. Sem prejuízo do disposto no artigo 6.º, as despesas com obras ou aquisição de bens e serviços devem realizar-se mediante concurso ou ajuste directo.
2. Ao concurso podem ter acesso todos aqueles que se encontrem nas condições gerais estabelecidas por lei e nas condições particulares previamente definidas pela entidade adjudicante, obedecendo a escolha do adjudicatário aos critérios definidos nos regulamentos aplicáveis.
3. Quando haja ajuste directo, a escolha do adjudicatário será decidida pela entidade adjudicante, considerando o preço, prazo de entrega ou conclusão, e demais condições oferecidas, que serão apreciadas em função de critérios de oportunidade e conveniência.
Artigo 7.º
(Concurso)
1. Sem prejuízo do disposto no n.º 2, o concurso será obrigatório quando:
a) As obras tiverem um preço estimado superior a 2 500 000 patacas;
b) As aquisições de bens e serviços tiverem um preço estimado superior a 750 000 patacas.
2. Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do número anterior, poderá ser dispensada a realização de concurso e autorizada a adjudicação por ajuste directo quando, verificada superiormente a conveniência para o território de Macau, ocorra qualquer das circunstâncias seguintes:
a) Quando a obra ou o fornecimento de bens e serviços só possam ser feitos convenientemente por determinada entidade, em consequência de exclusivo legalmente concedido, patente de invenção, contrato anterior com o Território ou aptidão especialmente comprovada em obras ou fornecimentos de que os novos sejam complemento;
b) Quando se trate de obras, bens, ou serviços, cujas características particulares, especificidade de execução, natureza não fungível da prestação a realizar pelo adjudicatário, ou natureza especial de alguma das cláusulas a estipular no respectivo contrato, tornem aconselhável ou particularmente vantajosa para os interesses do Território a adjudicação a certa entidade;
c) Quando o último concurso aberto para o mesmo fim e pelo mesmo Serviço tenha ficado deserto ou quando, através dele, apenas tenham sido recebidas propostas consideradas inaceitáveis;
d) Quando tenha sido realizado o concurso de pré-qualificação previsto no artigo 6.º;
e) Quando se trate da encomenda ou obtenção de estudos, projectos, serviços de consultoria técnica e de fiscalização de empreitadas;*
f) Quando a segurança pública interna ou externa o aconselhe;
g) Quando ocorram situações extraordinárias e urgentes resultantes de casos de força maior, tais como tempestades, incêndios, devastações, ou outras circunstâncias imprevistas que assumam o carácter de calamidade pública.
Artigo 8.º
(Ajuste directo)
1. Proceder-se-á a ajuste directo nos casos em que não se realize concurso, quer por este não ser obrigatório, quer por ter sido dispensada a sua realização nos termos do n.º 2 do artigo 7.º
2. O ajuste directo deverá, em regra e na medida do possível, ser precedido de consulta a, pelo menos, três entidades da especialidade, individuais ou colectivas, domiciliadas, sediadas ou com representação social no Território.
3. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a consulta a que se refere o número anterior será obrigatoriamente escrita, quando se trate da realização de despesas superiores a 15 000 ou 150 000 patacas, consoante se trate, respectivamente, da aquisição de bens e serviços ou de despesas com obras.*
4. Pode ser dispensada a consulta a que se referem os n.os 2 e 3 deste artigo quando ocorra qualquer das circunstâncias previstas nas alíneas a), b), e), f ) e g) do n.º 2 do artigo 7.º, ou quando razões de particular urgência devidamente fundamentadas justificarem a dispensa.
O caminho da fundamentação trilhado na sentença quanto a este aspecto foi este:
O GDI elaborou a proposta só depois de a “Companhia de Gestão de Serviço de Segurança XX, Lda”, entidade por si proposta, ter procedido ao despejo. O despacho do Chefe do Executivo de 31/12/2010 acabou por conferir eficácia retroactiva ao acto do GDI. Ora, como poderia dispensar-se a consulta e o concurso público se a obra já tinha sido executada?!
Isto significa - continua a sentença - que a DSSOPT não observou aqueles preceitos legais na medida em que se procedeu à realização de um serviço contratando com a empreiteira sem a formalidade essencial do concurso e sem a sua prévia dispensa ou sem a afirmação da necessidade do ajuste. Circunstância que torna anulável o acto de “adjudicação” do serviço nos termos do art. 124º do CPA (e não nulo, nos termos do art. 122º, nº2, al. f), do mesmo Código). E entendeu que a anulabilidade assim detectada não pode considerar-se sanada pelo despacho do Chefe do Executivo de 31/12/2010 nos termos do art. 118º, nº2, do CPA.
E concluiu: “Apesar de o acto recorrido e o de contratação da empreiteira terem conteúdos diversos e serem, dois actos administrativos diferentes, estes Tribunal entende que, devido ao dito vício de violação de lei no acto de contratação da empreiteira, é impossível dizer se a cotação da empreiteira aprovada e confirmada pelo mesmo acto administrativo, até o juízo da entidade recorrida no cálculo, com base na mesma cotação, do montante das despesas a conta da recorrente, são objectivos e correctos, o que implica a nulidade do acto recorrido, ao abrigo do art. 122º, nº2, al. i), do CPA e impede, ao mesmo tempo, a apreciação dos demais vícios imputados ao acto recorrido pelo recorrente, tais como a falta de fundamentação (…) e /ou a violação do princípio da proporcionalidade” (destaque nosso).
Ou seja, a sentença tratou-o como acto consequente do acto de contratação da empreiteira. E, então, o caso resolver-se-ia pela regra da nulidade do art. 122º, nº2, al. i), do CPA.
Mas esta tese, com o devido respeito, não pode sufragar-se.
Em primeiro lugar, são actos consequentes os “actos administrativos praticados, ou dotados de certo conteúdo, em virtude da prática de um acto administrativo anterior”3. São actos cuja prática e conteúdo dependem da existência de acto anterior que lhe serve de causa, base ou pressuposto e que, assim, é dele raiz e fundamento4.
Ora, ainda que em abstracto admitíssemos que este acto se pudesse dizer acto consequente (naquela perspectiva) do “acto” que adjudicou a execução dos trabalhos à “Companhia de Gestão XX, Limitada”5, para se poder declarar nulo o acto sindicado sempre se imporia que o seu acto antecedente tivesse sido anulado ou revogado.
Efectivamente, o art. 122º, nº2, al. i) citado só comina a nulidade dos actos consequentes desde que haja actos antecedentes que tenham sido (anteriormente) anulados contenciosamente ou revogados administrativamente. Quer dizer, para que seja declarado nulo um determinado acto é preciso que aquele de que depende tenha já sido extinto ou eliminado da ordem jurídica por anulação judicial contenciosa ou por revogação administrativa. O desaparecimento do acto antecedente por essas vias implica a eliminação dos actos consequentes e respectivos efeitos, sendo a sanção respectiva para estes a nulidade, que para alguns autores funciona ipso iure.
Ora, isso evidentemente não se verificou na situação sub judice. Realmente, o acto anterior do Chefe do Executivo de 3/09/2010 não chegou a ser anulado.
O que se verificou foi a contratação por “ajuste directo” em execução do acto do Chefe do Executivo de 3/09/2010 da empresa que iria proceder à demolição, o que viria a ser sufragado por despacho da mesma entidade datado de 31/12/2010.
E, assim sendo, não estamos perante nenhum acto administrativo praticado antecedentemente que tenha sido anulado ou revogado, condição indispensável para que o seu consequente também viesse a poder ser declarado nulo.
Por este prisma, com o fundamento utilizado, a sentença não se podia confirmar.
Aliás, se alguma dúvida houvesse a respeito da natureza de acto execução do acto de contratação da empresa que procedeu aos trabalhos - se fosse de entender que ele não tinha no acto de 3/12/2010 nenhum suporte (neste acto o Chefe do Executivo não disse qual o processo de contratação da empresa que se encarregaria da demolição) - seguramente o mesmo não se poderia dizer da parte do acto impugnada contenciosamente, que respeita à responsabilização pelas despesas dos trabalhos realizados, a qual já estava pré-determinada no acto exequendo de 3/12/2010, como já se viu.
E assim, se não era nulo o acto impugnado, mantêm-se em relação a ele as características de acto de execução que lhe entrevimos no ponto 4.1 supra, continuando a cair na previsão da regra do nº1, do art. 30º, do CPAC e não nas excepções do nº2, do mesmo normativo (cfr. tb. art. 138º, nº4, do CPA).
*
6.3 – A sentença, ainda que tenha afirmado que a solução de nulidade a dispensaria de conhecer dos restantes vícios, acabou por conhecer depois disso do vício de forma por falta de audiência de interessados (o referido acima em III-3-c)).
Também não custa admitir que a falta de audiência possa ser imputável ao acto de execução e, nessa medida, recorrível (art. 30º, nº2, do CPAC e 138º, nº4, do CPA). Isto é, vamos admitir (i.e., vamos supor) que a execução do acto, quanto a este aspecto específico da determinação do pagamento exacto do valor do custo do despejo e demolição, deveria ser precedido da audiência prévia.
Trata-se, no entanto, de um vício que o tribunal “a quo” julgou improcedente, de que o interessado particular não recorreu e que também não foi posto em causa no presente recurso. Razão por que não o poderíamos analisar. O que significa que, nesta parte, a sentença terá de ser confirmada (art. 589º, nº4, do CPC).
*
7 - Face ao que se acaba de expor, impor-se-ia agora uma de duas soluções:
1ª- Fazer baixar os autos para conhecimento dos vícios que o tribunal “a quo “ julgou estarem prejudicados pela solução dada ao recurso, tendo em conta o que dispõe o art. 159º, º1, do CPAC, onde então se analisaria se a matéria de cada um integraria a regra do nº1, ou as excepções do nº2, do art. 30º, do CPAC;
Ou, para quem ache que essa remessa só faz sentido no caso de o tribunal recorrido não ter conhecido de nenhum dos vícios,
2ª- Conhecer o TSI do recurso contencioso na parte que o TA julgou prejudicada6.
A nossa opinião inclina-se para a hipótese referida em 2º lugar. Conheceremos dos vícios em falta (falta de fundamentação e violação do princípio da proporcionalidade) se chegarmos à conclusão de que são próprios e específicos do acto de execução.
*
8 – Vejamos, então, o vício de forma por falta de fundamentação (arts. 27º, 28º e 44º a 53º da p.i. e conclusões 18ª a 34ª).
Aqui, não custa admitir que poderemos estar perante um vício próprio do acto sindicado. Consequentemente, não nos podemos socorrer do argumento da irrecorribilidade, pois a falta de fundamentação, tal como foi invocado pelo recorrente, pode constituir uma ilegalidade própria do acto de execução sindicado, tornando-o assim impugnável contenciosamente com esse fundamento (art. 30º, nº2, CPAC).
Vamos, pois, conhecê-lo.
.
8.1 - Segundo o recorrente, a notificação para o pagamento das despesas não indicou a empresa que prestou os serviços, o número de trabalhadores utilizados, a duração da obra de demolição e a forma de cálculo do valor (arts. 27º e 28º, p.i.).
Todavia, com aquele tipo de argumentação, não estamos seguramente perante um vício do acto. De acordo com o próprio recorrente, a deficiência estava contida na notificação para o pagamento das despesas. Ora, a notificação não faz parte do acto: é posterior e a ele é extrínseca. É simplesmente uma forma de conferir eficácia aos actos; nunca pode ser uma fonte de (in)validade dos actos.
Mas, no que respeita aos arts. 44º a 53º do mesmo articulado, já o recorrente desce ao pormenor das despesas que apurou nos autos. Ora, como bem se vê da sua invocação, as despesas, afinal de contas, estão bem relacionadas e especificadas. O recorrente não concorda com elas, sim. Mas isso é coisa diferente da falta ou da insuficiente fundamentação (cfr. 114º e 115º do CPA).
A fundamentação, como se sabe, não tem que ser exaustiva, minuciosa e detalhada ao mais ínfimo pormenor ou detalhe. Basta que leve ao interessado as razões concretas da determinação do acto, de modo a que ele fique a saber o motivo e a causa do seu conteúdo dispositivo. Neste sentido, a necessidade do alojamento durante 15 noites para trabalhadores ou 21 para o condutor, as horas extraordinárias a 24 técnicos, etc., etc., corresponde ao modo normal de discriminar as despesas parcelares em qualquer documento determinativo do preço (factura, por exemplo).
Assim, não procede o vício de falta de fundamentação.
*
9 – Resta o vício de violação do princípio da proporcionalidade (arts. 54º a 61º da p.i. e conclusões 43º e 44º).
Na opinião do recorrente, na execução do despejo e da demolição não seriam necessários tantos trabalhadores não residentes, nem tantas horas extraordinárias e técnicos para o efeito, com tão altas remunerações. Portanto, para si, a entidade administrativa actuou de forma irracional e desproporcional.
Estamos convictos que também este é um vício intrínseco do acto de execução, passível de recurso com esse próprio fundamento.
Daí que devamos conhecê-lo.
Ora, o princípio em causa constitui um limite interno ao exercício dos poderes discricionários da Administração. Ele significa que a Administração, ao decidir nesse estrito âmbito da discricionariedade, deve agir de maneira a não afectar os direitos e interesses legalmente protegidos, e antes deve fazê-lo em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar (art. 5º, nº2, do CPA).
Todavia, pensamos que a apreço matéria não se inscreve no conceito de discricionariedade (escolha de uma de várias soluções possíveis no quadro do interesse público subjacente).
Na verdade, foi a empresa prestadora do serviço que apresentou a nota de despesas à entidade administrativa e esta limitou-se a aceitar o custo. Ou seja, não se trata de uma decisão da autoridade administrativa que fixa as despesas. Por isso, a Administração não teve intervenção resolutória ou dispositiva neste domínio.
Razão por que nunca a situação podia cair sob a alçada da violação do referido princípio.
Se o interessado discorda dos valores do custo dos trabalhos, isso se deverá ao seu próprio juízo crítico acerca dos trabalhos realizados e do esforço humano que neles seria preciso empreender. Mas isso é outra coisa. Se o recorrente achava que os custos não tinham correspondência com os trabalhos reais, deveria impugná-los, invocando a sua não realização concreta, o mesmo é dizer, que eles não traduziram a realidade; ou seja, deveria suscitar o vício adequado de erro sobre os pressupostos de facto e prová-lo em sede própria. Porém, não o fez.
De qualquer maneira, os documentos 4 e 5 juntos com a contestação (fls. 92 a 98 dos autos e 68 a 93 do apenso “traduções”) mostram que (conforme o assevera a entidade recorrida na sua contestação: art.s 51º e sgs.) as despesas cobradas não são as que o recorrente afirmou.
Enfim, se as despesas a cobrar do recorrente contencioso se referem a obras efectivamente realizadas, nunca o vício poderia ser atinente à desproporcionalidade ou desrazoabilidade, na medida em que nessa parte a Administração não gozava de poder discricionário de reduzi-las, já que estava vinculada ao cumprimento do contrato celebrado com a empreiteira como qualquer contraente numa relação negocial.
Portanto, também improcede o vício.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 – Conceder provimento ao recurso jurisdicional e revogar a sentença relativamente à decisão tomada sobre:
a) A matéria do vício de violação de lei (III-5, deste acórdão);
b) A matéria do vício concernente à não observância do concurso público (ponto III-6).
2 – Em consequência, rejeitamos, por irrecorribilidade contenciosa, o recurso contencioso na parte referente àqueles vícios.
3 – Julgar improcedente o recurso contencioso relativamente aos vícios de forma por falta de fundamentação (ponto III-8 deste aresto) e de violação do princípio da proporcionalidade (ponto III-9 deste aresto).
4 – Manter a sentença quanto ao vício de forma por falta de audiência prévia de interessados.
Custas pelo recorridos (habilitados):
No TA: 3 UC;
No TSI: 6 UC.
TSI, 29 de Janeiro de 2015
José Cândido de Pinho
Presente Tong Hio Fong
Vitor Coelho Lai Kin Hong
1 Ac. TUI, de 29/06/2009, Proc. nº 32/2008; TSI, de 16/05/2013, Proc. nº 175/2013; 2/11/2013, Proc. nº 480/2012; 7/06/2012, Propc. Nº 98/2012. Em termos de direito comparado, Ac. STA/Pleno, de 23/11/2000, Proc. nº 043299, 2/06//2004, Proc. nº 047978, 11/10/2006, Proc. nº 038/06.
2 M. Caetano, in Manual de Direito Administrativo, I, 10ª ed., pag. 446/447
3 Diogo Freitas do Amaral, A Execução das Sentenças dos Tribunais Administrativos, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 1997, p. 84.
4 Na jurisprudência comparada, Ac. STA/Pleno, de 10/11/98, Proc. nº 034873 e da Secção do STA de 4/12/2002, Proc. nº 0654/02, de 7/11/2008, Proc. nº 0925/07, de 20/02/2008, Proc. nº 0549/02 e de 23/10/2008, Proc. nº 0558/2008 e de 13/05/2009, Proc. nº 0473/08
5 Mas já vimos que em concreto ele se limitou a observar a disposição autoritária do acto do Chefe do Executivo.
6 Foi o sentido do Ac. deste TSI, de 13/03/2014, Proc. nº 517/2013.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
707/2013 32