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Processo nº 13/2015 Data: 29.01.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Erro notório na apreciação da prova.
Medida da pena.



SUMÁRIO

1. O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores.

É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.

Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova

2. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

3. Ponderando na moldura penal aplicável para o crime de “tráfico de estupefacientes” – 3 a 15 anos de prisão – e ainda que em causa não esteja uma “grande quantidade de estupefaciente”, censura não merece a pena de 7 anos e 6 meses de prisão decretada se provado estiver que a arguida já se dedicava a esta “actividade” há uns meses, e que dispunha de equipamento para pesagem e de 86 sacos de plásticos transparentes médios e mais de 250 pequenos para embalar o estupefaciente que traficava, não sendo assim de considerar uma (mera) “traficante ocasional”.

O relator,

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Processo nº 13/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. decidiu-se condenar A, (1a) arguida com os sinais dos autos, como autora da prática de 1 crime de “tráfico de estupefaciente”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão; (cfr., fls. 395 a 401-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Tempestivamente, e porque inconformada, a arguida recorreu.
Motivou para, a final, produzir as conclusões seguintes:

“1. O douto Tribunal a quo concluiu que os materiais e os estupefacientes apreendidos pertenciam somente à Recorrente, tendo-a condenado na pena de 7 anos e seis meses de prisão.
2. Na opinião da Recorrente, essa conclusão que não assenta em qualquer pressuposto factual, porque não resultou da prova produzida, constituindo uma presunção do tribunal, que acarreta erro na apreciação da prova.
3. Existe uma contradição entre os factos provados sob os artigos 3.°, 11.°, 14.° e 17.° e a conclusão de que a autoria do crime pertence apenas à Recorrente, punindo a 2.a Arguida, apenas por cumplicidade.
4. O douto acórdão considerou que a 2.a Arguida desde meados de 2013 juntamente com a 1.a Arguida, se deslocava à residência da 1.a Arguida para ajudá-la na actividade de tráfico (art.° 3); que a 2.a Arguida no dia da detenção estava em casa a embalar estupefacientes (art.°11°): e por outro, dá-se como provado que todos os estupefacientes pertenciam somente à 1.a Arguida, apenas pelo facto de ser ela a arrendatária do apartamento (art.° 14.°), não obstante se ter dado como assente que as tesouras, sacos de plástico transparentes, e balanças eram instrumentos utilizados por ambas para efectivação da actividade de tráfico de estupefacientes.
5. A Recorrente confessou parcialmente os factos, na medida em que negou que os estupefacientes encontrados no seu apartamento lhe pertenciam, tendo confessado que apenas os que se encontravam no seu corpo lhe pertenciam.
6. O relatório de fls. 1 a 8 refere que foi interceptada a Arguida, ora Recorrente, quando vendia estupefacientes ao 3.° Arguido, transportado pelo B.
7. Os agentes afirmaram nesse relatório que a Recorrente admitiu desde logo que trazia cocaína e que foi ela que a vendeu ao 3.° Arguido.
8. Nesse relatório também se menciona que a Recorrente consentiu a revista e as buscas à sua residência, na sequência da qual os agentes se deslocaram ao local onde encontraram a 2.a Arguida a empacotar e a pesar estupefacientes.
9. Os agentes mencionaram no relatório que encontraram vários objectos no quarto das duas Arguidas.
10. Decorre do relatório que a Recorrente indicou aos agentes a forma como adquiria os estupefacientes e indicou-lhes o local, tendo referido os dias em que os adquiriu, pelo que os agentes visualizaram as câmaras de vigilância, onde confirmaram os factos alegados pela Recorrente (fls. 28 e 146-148).
11. A Recorrente indicou ainda o indivíduo a quem comprava os estupefacientes e o seu contacto telefónico, tendo permitido aos agentes investigar as chamadas e mensagens telefónicas entre todos os intervenientes.
12. Concluindo-se que a Recorrente ofereceu plena cooperação para a descoberta dos factos.
13. O auto de fls. 9 e 10 refere que as duas Arguidas alegaram que os objectos encontrados na sua casa lhes pertenciam a ambas.
14. O auto de apreensão de fls. 17 e 18, referente aos objectos encontrados na casa arrendada pela 1.a Arguida, também refere que as duas Arguidas admitiram que os objectos pertenciam a ambas.
15. Pelo que não se percebe a razão pela qual se entendeu que os estupefacientes e demais objectos pertencem somente à 1.a Arguida, tendo condenado a 2.a apenas como cúmplice.
16. A Recorrente afirmou em audiência que a droga lhe foi entregue por um indivíduo de nome C, para que ela vendesse os estupefacientes como forma de pagar uma dívida de jogo dela assumida por ele. Que nessas circunstâncias, ela nunca foi procurar clientes, simplesmente ficava em casa à espera de receber um telefonema de alguém, a quem o C teria indicado o seu número e depois ia encontrar-se com o comprador para fazer a transacção.
17. Tal facto foi confirmado pelo 3.° Arguido, na medida em que nas suas declarações, lidas em audiência, de fls. 79 e 80, afirmou que foi ele que telefonou à Arguida pedindo-lhe que lhe levasse os estupefacientes.
18. Foram lidas também as declarações da 2.a Arguida, cujo teor confirma a versão apresentada pela 1.a Arguida, designadamente no que respeita à dívida de jogo em Hong Kong.
19. No resto, as suas declarações não fazem sentido. Por um lado, diz que visitava a Recorrente apenas para conversarem, mas no dia da detenção, afirmou que quando a Recorrente saiu de casa, pediu-lhe para sair também mas ela quis ficar a descansar.
20. Verifica-se pelas diligências efectuadas de fls. 162 a 172, que existem registos de entradas e saídas das duas Arguidas de Macau, muitas delas coincidentes, sendo que na maior parte das vezes que a Recorrida estava em Macau, a 2.a Arguida também aqui se deslocava.
21. Os agentes de investigação efectuaram inúmeras diligências, designadamente, as chamadas telefónicas e mensagens trocadas entre os diversos intervenientes, a fls. 200 a 217. Nessas investigações foi possível apurar-se que efectivamente entre a Recorrente e o C houve comunicações; que entre a Arguida e o B havia dezenas de contactos, desde mensagens a chamadas telefónicas, cuja maioria era da iniciativa deste último. O que vem corroborar a tese de que a Arguida, ora Recorrente aguardava que a contactassem, para ir entregar os estupefacientes, de acordo com as instruções do C.
22. Pelo que no nosso entender não podia o tribunal ter considerado que o estupefaciente encontrado pertencia à 1.a Arguida, ora Recorrente, pelo simples facto de o mesmo ter sido encontrado no apartamento por si arrendado.
23. Como resulta da disposição do art.° 25.° do Código Penal, a co-autoria não pressupõe necessariamente a prática pessoal, por todos os comparticipantes, de todos os mesmos actos integradores do tipo de ilícito em questão.
24. O facto de o contrato de arrendamento se encontrar em nome da 1.a Arguida, aqui Recorrente, não afasta necessariamente o facto de os estupefacientes e demais apreendidos encontrados não pertencerem à 2.a Arguida, uma vez que esta não figurava no contrato de arrendamento, ou seja, não afasta necessariamente a figura da co-autoria.
25. No caso provou-se que a 1.a Arguida começou a traficar em meados de 2013 e que durante esse período a 2.a Arguida auxiliou-a, pesando, embalando e subdividindo os estupefacientes.
26. Pelo que se demonstrou existir acordo entre as duas Arguidas na divisão de tarefas, na execução dos factos integradores do crime e do dolo de ambas.
27. Sendo assim, é manifestamente desproporcional e inadequada a pena aplicada à ora Recorrente, considerando a que foi aplicada à segunda.
28. Acresce que a pena que lhe foi aplicada é desproporcional e inadequada considerando as penas que têm sido aplicadas pelos nossos tribunais, não tendo reflectido uma criteriosa apreciação dos factos e a personalidade da Recorrente.
29. Ficou provado que a Recorrente é primária e que confessou parcialmente os factos. O relatório de fls. 1 a 8 demonstra inequivocamente que a Recorrente cooperou na investigação, desde o início, tendo desde logo admitido que trazia cocaína, consentido na revista e nas buscas à sua residência, na indicação do indivíduo que lhe forneceu os estupefacientes e no meio de aquisição.
30. Não foram encontrados quaisquer outros compradores que não o 3.° Arguido. Não era um tráfico em larga escala.
31. A quantidade de estupefacientes encontrada não era muito elevada.
32. No Acórdão proferido no Processo n.° 568/2012, de 4/10/2012, foi o arguido, encontrado na posse de 479,64 gramas líquidos de Heroína e condenado na pena de na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.
33. No Acórdão proferido no Processo n.° 659/2012, de 27/0/2012, a Arguida foi condenada na pena de 8 anos de prisão pelo tráfico de estupefacientes. Na sua posse foram encontradas 12,314 de ketamina, 8,909 de metanfetamina, 10, 711 de nimetazepan e 1,509 de cocaína.
34. No Acórdão proferido no Processo n.° 59612012, de 27/9/2012, foi aplicada a pena de 9 anos e 3 meses a uma Arguida que tinha na sua posse 542,33 gramas de heroína.
35. Pelo que se conclui ser elevada a pena aplicada à ora Recorrente, a qual, deveria conter-se entre 4 a 5 anos, considerando as circunstâncias.
36. O douto Acórdão sob censura violou o art.° 8.° da Lei n.° 17/2009 bem como os art.os 25.° e 65.°, ambos do Código Penal”; (cfr., fls. 439 a 458).

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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 468 a 472).

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Admitido o recurso com efeito e modo de subida adequadamente fixados, e remetidos os autos a este T.S.I., em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“São, no essencial, duas as linhas de força do argumentado pelo recorrente :
- por um lado, no seu critério, não terá sido carreada prova efectiva no sentido da conclusão obtida pelo tribunal "a quo", de que os estupefacientes e materiais conexionados apreendidos na sua residência fossem sua pertença exclusiva, estabelecendo-se entre alguns dos factos provados a esse propósito manifesta contradição, razão por que esgrime com notório erro na apreciação da prova;
- por outra banda, atentos os circunstancialismos concretamente apurados, a quantidade de droga apreendida, que não considera elevada, bem como factores que deporiam em beneficio da atenuação da sua responsabilidade, designadamente a circunstância de ser primária, ter confessado os factos e ter cooperado com as autoridades policiais, considera desadequada e desproporcional a medida concreta da pena aplicada, que almeja reduzir para "entre 4 a 5 anos",
Vejamos:
Se alguma coisa resulta profusamente motivado no douto acórdão sob escrutínio, são as razões pelas quais o colectivo concluiu, por reporte concreto aos meios de prova atinentes, que os estupefacientes e materiais aos mesmos associados encontrados na residência da recorrente eram pertença desta, expressando-se, concretamente, que, pese embora a negação da visada, "Conforme as alegações dos arguidos, os depoimentos dos agentes que realizaram busca na fracção em apreço, logo após a detenção da arguida, e a descoberta de drogas na dita fracção, especialmente aquela fracção era arrendada pela 1ª arguida, sem dúvida, os estupefacientes e os utensílios de embalagem e medição de peso detectados na aludida fracção são pertencentes à 1ª arguida", conclusão essa que não vemos, ao contrário do que a própria pretende, contrariada por quaisquer outros factos dados como provados, já que a circunstância de a 2ª arguida se deslocar várias vezes à residência da recorrente e, com pleno conhecimento do que fazia, a ajudar nas tarefas de embalagem e pesagem da mesma, com utilização dos materiais apreendidos (pontos 3,11,14 e 17, invocados, a tal propósito, pela recorrente), em nada contrariam ou se opõem a tal asserção, vendo-se, pois bem, que, ao invocar o vício em causa a visada se limita, em boa verdade, a efectuar leitura pessoalíssima do que pretende ter sido a prova produzida em julgamento, almejando, ao inculcar a noção de que a droga não lhe pertenceria em exclusivo, "suavizar" a sua própria responsabilidade, "transportando" parte dela para a 2° arguida, quando, em boa verdade, no douto acórdão questionado, apontando-se especificadamente as provas em que se sustenta a decisão (de que, pelo relevo respectivo, não poderemos deixar de relevar a 1ª versão apresentada pela aqui visada perante o JIC, declarações com cuja leitura foi confrontada em audiência de julgamento e nas quais assumia, então, a inteira responsabilidade a que a agora se quer eximir), não se colhe que, no escrutínio efectuado e conclusão alcançada tenha existido erro, ilogicidade ou contradição, ou tenham sido, de algum modo, atropeladas as regras de experiência ou senso comum.
No que tange à medida da pena, compreendendo e aceitando o expresso, designadamente pelo Exmo Colega junto do tribunal "a quo" relativamente ao autêntico pesadelo social e premente necessidade de prevenção relativamente a este tipo de ilícitos, quer-nos parecer que, face à circunstância de a recorrente ser primária, ter confessado, se bem que parcialmente, a prática dos factos, ter, de alguma forma, colaborado coma investigação, autorizando, concerteza, a busca à sua residência e indicando prontamente a identidade do seu "fornecedor ", justificarão, porventura, alguma redução daquela medida.
É o que se entende”; (cfr., fls. 530 a 532).

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Nada obstando, cumpre decidir.


Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 397-v a 399-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem a (1ª) arguida recorrer do Acórdão do T.J.B. que a condenou como autora da prática de 1 crime de “tráfico de estupefaciente”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.

Duas são as questões colocadas.

A primeira, imputando o vício de “erro notório na apreciação da prova”, e a segunda, quanto à “pena”.

–– Comecemos pela primeira.
Pois bem, repetidamente tem este T.S.I. considerado que “o erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 04.12.2014, Proc. n.° 521/2014 do ora relator).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.


Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 04.12.2014, Proc. n.° 521/2014).

Dito isto, e assim, exposto que cremos ter ficado o sentido e alcance do “vício” em questão, evidente é a falta de razão da arguida, sendo de se acompanhar, na íntegra, a posição pelo Ilustre Procurador Adjunto assumida e que dá cabal e cristalina resposta à questão.

De facto, no ponto em questão, “discute” essencialmente a arguida ora recorrente a decisão do Colectivo a quo em considerar que o produto estupefaciente assinalado na matéria de facto era da sua pertença.

E, como – bem – assinala o Ilustre Procurador Adjunto, evidente é que no ponto em questão não pode existir nenhum “erro notório na apreciação da prova”, pois que o Colectivo limitou-se a proceder à apreciação da prova em conformidade com o princípio ínsito no art. 114° do C.P.P.M., de acordo com as regras de experiência, sem violar nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada – que no caso não existe – ou legis artis, apresentando-se a sua convicção em perfeita harmonia com a lógica das coisas e elementos probatórios existentes nos autos, limitando-se a recorrente a tentar impor a sua versão dos factos, até em contradição com anteriores posturas pela mesma assumidas.

Dest’arte, e clara sendo a solução sobre a questão, continuemos.

–– No que toca à “pena”, vejamos.

Repetidamente tem este T.S.I. entendido e afirmado que: “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., o Ac. de 03.02.2000, Proc. n° 2/2000, e, mais recentemente, de 30.10.2014, Proc. n° 509/2014).

Por sua vez, e como é sabido, o crime de “tráfico de estupefacientes” em questão é punido com pena de prisão de 3 a 15 anos; (cfr., art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009).

No caso, fixou o Colectivo a quo a pena de 7 anos e 6 meses de prisão.

Diz a recorrente que excessiva é a pena que lhe foi decretada, alegando disparidade em relação a uma co-arguida dos autos – D – e desproporção em relação à quantidade de produto estupefaciente.

Cremos porém que também aqui não se pode acolher a pretensão apresentada.

Com efeito, e em relação à sua “co-arguida”, não se pode olvidar que esta foi condenada como “cúmplice”, outra sendo assim a moldura penal aplicável; (cfr., art. 26°, n.° 2 do C.P.M.).

Quanto à quantidade de produto estupefaciente, vejamos.

Pois bem, os autos demonstram que em questão estão quatro porções de cocaína, com o peso líquido de 1,232 gramas, 1,015 gramas, 14, 134 gramas e 0,139 gramas.

Porém, não se pode olvidar que provado ficou que a arguida já se dedicava ao tráfico uns meses antes de ser detida, – começou em meados de 2013, e foi detida em 24 de Outubro – e que provado ficou também que tinha em sua casa equipamento para pesar e embalar o estupefaciente, e que, no momento, tinha 86 sacos de plástico transparentes médios e mais de 250 pequenos.

Razoável não parece de considerar assim que era uma mera “traficante ocasional” – sendo antes de concluir que se dedicava a tal actividade com “(alguma) regularidade” (e intensidade) – o que, como é óbvio, constitui “circunstância” que não pode deixar de ter o seu “peso” na determinação da pena.

Nesta conformidade, atentos os critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., tendo agido com dolo directo e intenso, em comparticipação – com a “ajuda” da co-arguida D – e indiscutível sendo a elevada ilicitude da sua conduta, crê-se que censura não merece a pena decretada, com o que se constata da improcedência do presente recurso.

Decisão

4. Em face de tudo quanto se tentou deixar expendido, em conferência, acordam julgar improcedente o recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça de 6 UCs.

Macau, aos 29 de Janeiro de 2015
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa


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Proc. 13/2015 Pág. 23