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Processo nº 412/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 11 de Dezembro de 2014
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio


SUMÁRIO:

1 - Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

2 - Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º do C.P.C., negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.


Proc. nº 412/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, divorciado, advogado, residente em Macau, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau n.º 1XXXXX(X), emitido em 30 de Março de 2006, pelos Serviços de Identificação de Macau, com domicílio na Rua XX, n. º XX, Edifício XX, XX.º andar X e X, vem - nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 1199.º e ss. do Código de Processo Civil, requereu
Revisão e Confirmação de sentença estrangeira de divórcio, proferida em Portugal, contra:
B, divorciada, residente na Avenida XX, n.º XX, XX.º andar, XXXX-XXX Lisboa, Portugal.
*
O Ministério Público não se opôs ao deferimento do pedido.
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Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é absolutamente competente.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
***
III - Os Factos
Dos autos resulta assente a seguinte factualidade:
1 - Requerente e Requerida casaram civilmente em Macau, em 15 de Julho de 1998, na freguesia de N. Sra. do Carmo, concelho das Ilhas, - cfr., respectivamente, assentos de nascimento e de casamento (docs. n.º 1 e 2 juntos com a p.i.).
2 - O casamento foi dissolvido, por sentença proferida em 30 de Abril de 2009, que decretou o divórcio do Requerente e Requerida, no âmbito do processo que sob n.º 1192/08.6TMLSB correu termos pela 3.ª Secção do 1.º Juízo de Família e Menores de Lisboa (doc. nº3, junto com a p.i.).
3 - A decisão que decretou o divórcio transitou em julgado em 8 de Setembro de 2009 (cfr. doc. n.º 3).
4 – A referida sentença tem o seguinte teor:
«I – Relatório:
B, casada, residente na Avª XX, nº XX, em Lisboa, intentou contra seu marido, A, a presente acção de divórcio litigioso invocando para tanto e em síntese que se encontram, separados de facto há mais de 3 anos consecutivos, não pretendendo manter o vínculo matrimonial. *
Procedeu-se; à realização de tentativa de conciliação à qual o R. faltou, não obstante regularmente citado para o efeito.
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II - Saneamento:
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
As partes são legítimas e dotadas de personalidade jurídica e capacidade judiciária. ---
O processo é o próprio. ---
Não há outras excepções ou questões prévias que cumpra decidir e obstem ao conhecimento do mérito da causa. ---
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Fundamentação:
A - De Facto:
1 - A Autora e Réu contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, em 15 de Julho de 1998;
2 - Do casamento nasceu uma filha, C;
3 - A Autora e o Réu encontram-se separados de facto de finais de 2003;
4 - Desde finais de 2003 que Autora e Réu cessaram a sua vida em comum;
5 - Vivendo desde essa data em residências separadas, em localidades com distâncias consideráveis, sendo certo que o Réu reside em Macau;
6 - Desde finais de 2003 que não têm comunhão de mesa e de leito, falando um com o outro muito raramente apenas sobre assuntos relacionados com a menor;
7 - Acresce que desde finais de 2003 que o Réu vive em união de facto com a sua companheira:
8 - E a Autora também já refez a sua vida.
*
B - De Direito:
Dispõe o art. 1779º, nº 1, do Código Civil, integrado na Subsecção III, da Secção I, do Capítulo XII, sob a epígrafe “Divórcio Litigioso”, que:
“Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade da vida em comum”.
Assim, para que proceda um pedido de divórcio com fundamento neste preceito, é necessário, então, que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a) que haja violação de um ou mais dos deveres conjugais ( respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência );
b) que tal violação seja culposa;
c) que o tacto violador comprometa a possibilidade de vida em comum.
Por seu turno, dispõe também o art. 1781º, alínea a) do CC, redacção da Lei nº 47/98 de 10.08 que, pode, ainda, qualquer dos cônjuges requerer o divórcio, entre outras situações, se entretanto, se encontrarem separados de facto há mais de três anos consecutivos. ---
A lei faz assim depender a possibilidade de ser dissolvido o vínculo matrimonial, da verificação de certas causas subjectivas, as previstas no art. 1779º e causas objectivas as contempladas no art. 1781º, ambos do CC. ---
As causas objectivas a que se reporta o referido art. 1781ºC.C., cuja disposição legal está subordinada ao título “ruptura da vida em comum”, são circunstâncias que se fundamentam numa situação (de facto) de ruptura conjugal que, pela sua gravidade, comprometem a possibilidade de vida em comum entre os cônjuges. ---
Trata-se do denominado “divórcio-remédio”. ---
É a própria lei que define os dois requisitos da separação de facto. --
Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do art. 1781º do CC, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges - elemento objectivo - e há de parte de ambos, ou de um deles, o propósito de a não estabelecer (nº1 de art. 1782º do CC) - elemento subjectivo. ---
Compulsada a petição inicial apresentada pela Autora e a matéria de facto apurada desde logo resulta encontrarem-se preenchidos os pressupostos de factos de que depende o decretamento do divórcio com base na separação de facto. Na verdade, está provado que Autora e Réu separaram-se á cerca de seis anos, desde essa data até ao presente momento, cessou por completo toda e qualquer relação conjugal, ou outra, entre a Autora e o Réu; não existindo, de há seis anos a esta parte, comunhão de vida entre os cônjuges, nem possibilidade de a mesma ser restabelecida, não pretendendo a Autora manter o casamento com o Réu. ---
Verifica-se assim que logrou a Autora fazer prova desses dois apontados requisitos do divórcio - remédio e “in casu” tanto bastará para a procedência do pedido formulado pela Autora, não podendo o Réu opôr-se a este direito potestativo a ver decretado o divórcio, o que também não se verificou. ---
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Da matéria de facto apurada não é possível determinar a culpa de qualquer dos cônjuges pelo divórcio. ---
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Decisão:
Face a todo o exposto julgo procedente por provada a presente acção e em consequência declaro dissolvido o casamento celebrado entre B e A, por divórcio que aqui se decreta. ---
Custas pela Autora. ---
Registe e notifique».
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IV – O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida; 342/2009 28/34
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação do divórcio decretado judicialmente pelos tribunais judiciais portugueses competentes. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio por mútuo consentimento com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente com fundamento na cessação dos laços e convivência conjugal.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos. Na verdade, o trânsito da decisão já ocorreu em 8/09/2009 (ver documento nº3, junto com a p.i.). A decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor em Portugal (DL 272/2001; também art. 1775º e 1776º do Código Civil Português) e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Cód. Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais em 18 de Janeiro de 2002, que decreta o divórcio litigioso entre A e B nos seus precisos termos, tal como acima transcritos.
Custas pelo requerente.
TSI, 11 de Dezembro de 2014
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



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