Processo n.º 700/2014 Data do acórdão: 2014-12-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– condução em estado de embriaguez
– art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário
– medida da pena
– critério material da atenuação especial da pena
– art.o 66.o, n.o 1, do Código Penal
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. No caso dos autos, é inconcebível qualquer hipótese de atenuação especial da pena, dado que ponderadas as prementes e constantes necessidades de prevenção geral do acto delituoso de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo art.o 90.o, n.o 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, é necessário aplicar ao arguido a pena dentro da respectiva moldura normal (cfr. o critério material, vertido no art.o 66.o, n.o 1, do Código Penal, para activação da atenuação especial da pena).
2. Não existindo injustiça notória na fixação da pena de prisão pelo tribunal a quo, não é curial ao tribunal ad quem proceder à redução da pena.
3. A despeito de estar ciente já da sua condenação anterior, em primeira instância, pelo mesmo crime de condução em estado de embriaguez, cujos factos constitutivos até foram por si confessados na íntegra e sem reservas na audiência de julgamento de então, voltou o arguido ora recorrente a praticar o mesmo tipo de delito, com a agravante de que são elevadas as exigências da prevenção geral desse delito (por ser gerador, não poucas vezes, de acidentes de viação graves), pelo que não se pode concluir, para os efeitos a relevar do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal, que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já consigam satisfazer, de modo adequado e suficiente, as finalidades da punição.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 700/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 14 a 16v do Processo Sumário n.° CR4-14-0189-PSM do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido B, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 1, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (isto é, Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de cinco meses de prisão efectiva, com inibição de condução por um ano e seis meses, e ficou finalmente condenado, devido ao cúmulo jurídico aí operado dessa punição com a então imposta no Processo Sumário n.o CR1-14-0157-PSM, na pena única de seis meses de prisão efectiva, com inibição de condução pelo período total de dois anos e seis meses.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando ao Tribunal sentenciador o excesso na medida da pena, com assacada violação do disposto nos art.os 40.o, 64.o, 65.o, 66.o e 48.o do Código Penal (CP), considerando, em concreto, que é excessiva a pena de prisão efectiva aplicada face às circunstâncias concretas do seu caso pessoal e que “dos factos provados não se colhe que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena não puderam ou possam, por meio dela, ser alcançadas”, e alegando, na sua essência, para sustentar a procedência da sua pretensão, que não tem quaisquer antecedentes criminais para além das duas condenações em causa pelo crime de condução em estado de embriaguez ocorridas quase sucessivamente dentro de cerca de um mês, que nunca teve quaisquer outros problemas criminais, e que tem uma vida familiar estável vivendo com os seus pais e contribuindo para o sustento destes com metade do salário de dez mil patacas que aufere como vendedor numa loja de sapatos (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 34 a 44 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 49 a 50v dos autos) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 61 a 62), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Segundo a factualidade descrita como provada na decisão condenatória ora recorrida (proferida oralmente em 15 de Setembro de 2014, na presença do arguido recorrente, apesar de o respectivo texto só ter ficado disponível no dia seguinte – cfr. o teor da acta da audiência de julgamento lavrada a fls. 13 a 17 dos autos): em 14 de Setembro de 2014, cerca das 05:45 horas, o pessoal do Corpo de Polícia de Segurança Pública mandou parar, para investigação em operação de “STOP” numa via pública em Macau, um veículo automóvel na altura conduzido pelo arguido, na sequência do que descobriu, através do teste de alcoolemia por sopro, que este apresentou 1,70 gramas de álcool por litro de sangue.
2. O Tribunal a quo apurou, ainda, que: o arguido tem por habilitações literárias o 3.º ano do ensino secundário complementar, declara trabalhar como empregado de venda, com dez mil patacas de rendimento mensal, com necessidade de prestação mensal de cinco mil patacas de alimentos a favor dos seus pais.
3. Segundo o teor do certificado do registo criminal referido na fundamentação fáctica da sentença ora recorrida: o arguido chegou a ser condenado em 21 de Julho de 2014 no Processo Sumário n.º CR1-14-0157-PSM do TJB (com o trânsito em julgado da decisão ocorrido em 15 de Setembro de 2014), por um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de três meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de sessenta patacas, perfazendo cinco mil e quatrocentas patacas de multa total, para além de ser condenado com pena acessória de inibição de condução por um ano.
4. Conforme o teor da fundamentação fáctica da sentença do referido anterior Processo Sumário n.o CR1-14-0157-PSM (ora certificado a fls. 28 a 31v dos autos), o mesmo arguido confessou integralmente e sem reservas os factos acusados, segundo os quais ele, em 20 de Julho de 2014, cerca das 04:54 horas, conduziu um veículo automóvel numa via pública, com uma alcoolemia, detectada por teste por sopro feito pelo pessoal policial, de 1,20 gramas de álcool por litro de sangue.
5. Em 24 de Setembro de 2014, foram pagas a multa e as custas por que tinha sido condenado o arguido nesse anterior processo (cfr. a comunicação junta a fls. 46 a 48 dos presentes autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente, apesar de ter apontado à decisão condenatória recorrida a violação do disposto nos art.os 40.o, 64.o, 65.o, 66.o e 48.o do CP, acabou por sindicar concreta e materialmente da justeza do quantum da pena de prisão e do mérito da decisão de não suspensão da execução da prisão.
De acordo com o art.o 90.o, n.o 1, da LTR, o crime de condução em estado de embriaguez é punível com pena de prisão até um ano. Assim, e atento o art.o 41.o, n.o 1, do CP, a moldura penal de prisão deste delito é de um mês a um ano, sendo inaplicável o art.o 64.o do CP (por não se tratar de um crime punível com pena de prisão ou com pena de multa).
No caso, o Tribunal a quo aplicou ao recorrente cinco meses de prisão.
Não se vislumbra ao presente Tribunal ad quem qualquer injustiça notória nesse quantum concreto da pena de prisão, aos critérios gerais da medida da pena consagrados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, porquanto é de observar, sobretudo, que:
– a confissão integral e sem reservas dos factos não tem valor atenuativo relevante em sede da medida da pena, por o recorrente ter sido apanhado em flagrante delito;
– nesta vez, a alcoolemia apresentada pelo arguido é já de 1,70 gramas por litro de sangue, enquanto na vez anterior, isto é, em 20 de Julho de 2014, foi apenas de 1,20 gramas por litro, pelo que se deve considerar que, nesta vez, é mais alto o grau de ilicitude dos factos;
– embora à data da prática do crime desta vez, ainda não tenha transitado em julgado a decisão condenatória do anterior crime de 20 de Julho de 2014, o arguido foi julgado presencialmente por esse anterior crime em 21 de Julho de 2014, com confissão integral até dos respectivos factos acusados, pelo que é maior o seu grau de culpa no cometimento, de novo, do mesmo tipo legal de crime de condução em estado de embriaguez.
Nota-se que é inconcebível qualquer hipótese de atenuação especial da pena, dado que ponderadas as prementes e constantes necessidades de prevenção geral do acto delituoso de condução em estado de embriaguez, é necessário aplicar a pena dentro da respectiva moldura normal (cfr. o critério material, vertido no art.o 66.o, n.o 1, do CP, para activação, ou não, do benefício de atenuação especial da pena).
Por outra banda, quanto à justeza do quantum da pena única de seis meses de prisão achada na sentença ora recorrida, a resposta é também afirmativa, não obstante a descontento do recorrente. De facto, pelas considerações acima expostas, também não se mostra patentemente injusta, à luz do art.o 71.o do CP, a decisão do Tribunal recorrido em fixar a pena única de prisão em seis meses de prisão.
Não existindo injustiça notória na fixação da pena de prisão do delito desta vez e da pena única em causa, não é curial a este Tribunal ad quem proceder à redução das mesmas.
E agora da rogada suspensão da execução da pena, cabe confirmar também o juízo de valor já formado pelo Tribunal recorrido.
Na verdade, a despeito de estar ciente já da sua condenação anterior, em primeira instância, pelo mesmo crime de condução em estado de embriaguez, cujos factos constitutivos até foram por si confessados na íntegra e sem reservas na audiência de julgamento de então, voltou o mesmo arguido a praticar o mesmo tipo de delito, com a agravante de que, tal como já se disse acima, são elevadas as exigências da prevenção geral desse delito (por ser, como se sabe, gerador, não poucas vezes, de acidentes de viação graves), pelo que não se pode concluir, para os efeitos a relevar do art.o 48.o, n.o 1, do CP, que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já consigam satisfazer, de modo adequado e suficiente, as finalidades da punição.
É, pois, de naufragar o recurso in totum.
Como uma nota a final, pela operação de cúmulo jurídico feita na decisão recorrida (datada de 15 de Setembro de 2014) e agora confirmada, já deixa de existir, por estar absorvida no cúmulo jurídico, a multa por que o mesmo arguido tinha ficado condenado no anterior Processo Sumário n.o CR1-14-0157-PSM, pelo que competirá ao Tribunal titular desse processo decidir da devolução do montante pago em 24 de Setembro de 2014 a título da referida multa (Tribunal esse que, processualmente falando, é ainda desconhecedor da decisão de cúmulo jurídico, porque foi ordenada na sentença recorrida a comunicação da decisão a esse processo após o trânsito em julgado – cfr. a 4.a linha da página 8 da acta da audiência de julgamento do presente processo, lavrada a fls. 13 e seguintes).
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça.
Comunique ao Processo Sumário n.o CR1-14-0157-PSM, para os efeitos tidos por convenientes.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 18 de Dezembro de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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