Processo n.º 789/2014 Data do acórdão: 2014-12-18 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– furto dentro de autocarro
– arguido vigiado pela polícia na prática do crime
– confissão integral e sem reservas dos factos
– medida da pena
– avaliação do grau de ilicitude dos factos do furto
– critério material da atenuação especial da pena
– art.o 66.o, n.o 1, do Código Penal
– art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Tendo o arguido sido vigiado pela polícia na prática do furto e depois apanhado pela polícia, a confissão integral e sem reservas dos factos não tem valor atenuativo relevante em sede da medida da pena.
2. Para efeitos de consideração do grau de ilicitude dos factos do furto do telemóvel dos autos, há que relevar o valor pecuniário do telemóvel, e não propriamente o custo da reparação do seu écran.
3. Apesar de não ter antecedentes criminais, o arguido veio para Macau para praticar crime de furto dentro de autocarro, pelo que atendendo às prementes e constantes necessidades de prevenção geral deste tipo de conduta delituosa, as quais reclamam a necessidade de aplicação da pena dentro da respectiva noldura normal, é inconcebível qualquer hipótese de atenuação especial da pena (cfr. o critério material, vertido no art.o 66.o, n.o 1, do Código Penal, para activação da atenuação especial da pena).
4. Não existindo injustiça notória na fixação da pena de prisão pelo tribunal recorrido, não é curial ao tribunal ad quem proceder à redução da mesma.
5. Atentas as exigências da prevenção geral do tipo de ilícito criminal em questão, não se pode concluir, para os efeitos a relevar do art.o 48.o, n.o 1, do Código Penal, que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já consigam satisfazer, de modo adequado e suficiente, as finalidades da punição.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 789/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: B (B)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido a fls. 109 a 114 do Processo Comum Colectivo n.o CR3-14-0133-PCC do 3.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido B, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de furto qualificado, p. e p. pelo art.o 198.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), na pena de um ano e seis meses de prisão efectiva, e no pagamento de quinhentos renminbis (equivalentes a seiscentas e cinquenta e três patacas) de indemnização patrimonial a favor da ofendida.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), imputando ao Tribunal sentenciador o excesso na medida da pena, para pedir a atenuação especial da sua pena de prisão, ou, pelo menos, a redução, em termos gerais, da pena para apenas um ano de prisão, com também almejada suspensão da execução da prisão, alegando, para o efeito, e na sua essência, que era delinquente primário, com confissão integral e sem reservas dos factos na audiência de julgamento, com demonstração do sincero arrependimento, e que tinha praticado o delito por na altura a mala de mão da ofendida não estar fechada, sendo também de pequeno valor o dano causado à ofendida (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação de recurso apresentada a fls. 121 a 128 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 130 a 132 dos autos) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 143 a 144), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do teor do acórdão recorrido, sabe-se que o arguido, um residente no Interior da China com visto de permanência em Macau até 3 de Maio de 2014, meteu, em 27 de Abril de 2014, dentro de um autocarro de transporte público, a sua mão para dentro da mala de mão da passageira ofendida dos autos, e tirou assim um telemóvel pertencente à ofendida, sem que esta se tenha apercebido disso, telemóvel esse que valia seis mil patacas; depois disso, o arguido desceu do autocarro, mas foi seguido pelo pessoal da Polícia de Segurança Pública que já o tinha vigiado dentro do autocarro; após ter descoberto esta actuação policial, o arguido pôs-se em fuga, e no meio da fuga deitou o referido telemóvel para o chão, o que fez partir o écran do telemóvel; o arguido acabou por ser capturado pelo pessoal policial, sendo o telemóvel devolvido à ofendida, que veio gastar quinhentos renminbis na reparação do écran do telemóvel; o arguido não tinha antecedentes criminais, confessou integralmente e sem reservas os factos na audiência de julgamento, declarou ter por habilitações académicas o curso secundário elementar, e trabalhar, antes de estar preso preventivamente, em hotel, com oito a nove mil renminbis de rendimento mensal, e com os pais a seu cargo.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros, vê-se que o recorrente acabou por sindicar concreta e materialmente da justeza do quantum da pena de prisão e do mérito da decisão de não suspensão da execução da prisão.
No caso, o Tribunal a quo aplicou-lhe um ano e seis meses de prisão, dentro da moldura penal de um mês a cinco anos, prevista no art.o 198.o, n.o 1, alínea b), do CP (conjugado com o art.o 41.o, n.o 1, do CP).
Não se vislumbra ao presente Tribunal ad quem qualquer injustiça notória nesse quantum concreto da pena de prisão, aos critérios gerais da medida da pena consagrados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, porquanto é de observar, sobretudo, que:
– a confissão integral e sem reservas dos factos não tem valor atenuativo relevante em sede da medida da pena, por o recorrente ter sido vigiado pela polícia na prática do acto de furto e depois apanhado pela polícia;
– para efeitos de consideração do grau de ilicitude dos factos delituosos em questão, há que relevar o valor pecuniário do telemóvel furtado, e não propriamente o custo da reparação do écran do telemóvel;
– apesar de não ter antecedentes criminais, o arguido veio para Macau para praticar crime de furto dentro de autocarro, pelo que atendendo às prementes e constantes necessidades de prevenção geral deste tipo de conduta delituosa, as quais reclamam a necessidade de aplicação da pena dentro da respectiva noldura normal, é até inconcebível qualquer hipótese de atenuação especial da pena (cfr. o critério material, vertido no art.o 66.o, n.o 1, do CP, para activação, ou não, do benefício de atenuação especial da pena).
Não existindo injustiça notória na fixação da dita pena de prisão pelo Tribunal recorrido, não é curial a este Tribunal ad quem proceder à redução da mesma.
E agora da rogada suspensão da execução da pena, cabe confirmar também o juízo de valor já formado pelo Tribunal recorrido.
Na verdade, atentas precisamente as acima mencionadas exigências da prevenção geral do tipo de ilícito criminal em questão, não se pode concluir, para os efeitos a relevar do art.o 48.o, n.o 1, do CP, que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já consigam satisfazer, de modo adequado e suficiente, as finalidades da punição.
É, pois, de naufragar o recurso in totum, sem mais indagação por ociosa.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com quatro UC de taxa de justiça, e duas mil patacas de honorários a favor da sua Ilustre Defensora Oficiosa.
Comunique à ofendida.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 18 de Dezembro de 2014.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
(Vencido porque conforme nos factos provados, como o arguido, após apoderar o telemóvel da vítima, foi sempre seguido pelos agentes policiais e daí se conclui que o arguido não tinha a posse pacifica do objecto furtado. Assim, devia o crime de furto qualificado na forma tentada e não consumada.)
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