Processo nº 18/2014
Relator: João Gil de Oliveira
(Recurso Contencioso)
Data: 5/Fevereiro/2015
Assuntos:
- Caducidade do direito ao recurso
- Imposto de selo em caso de arrematação de bens numa leiloeira
SUMÁRIO:
1. O prazo de interposição de um recurso contencioso tem natureza substantiva e não se interrompe nem suspende senão nos casos previstos na lei, podendo embora alegar o justo impedimento pela ocorrência dos eventos não imputáveis ao recorrente, seus representantes ou mandatários.
2. Tratando-se de um prazo de caducidade, corre em férias, deve correr de forma contínua, nos termos da al. b) do art. 74°, CPA, "ex vi" do n.º 3 do art. 25°, CPAC, mas terminando em férias passa para o primeiro dia útil seguinte após férias.
3. A Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto - uma lei especial –, que prevê um prazo diferente para os recursos contenciosos dos actos dos Secretários do Governo, em matéria fiscal, não se encontra revogada, nem expressa, nem implicitamente, pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador - artigo 6º, n.º 3 do Código Civil - e essa intenção, se não tem de ser expressa, deve estar implícita de uma forma clara, indubitável, evidente, a extrair do texto ou do contexto da lei.
4. É devido imposto de selo pelas arrematações de bens, levadas a cabo por uma leiloeira, ainda que o arrematante pela proposta mais alta não tenha depositado o preço, alegando insuficiência de dinheiro para tal.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 18/2014
(Recurso Contencioso)
Data : 5 de Fevereiro de 2015
Recorrente: Companhia de Leilões Macau A Internacional, Lda.
Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
COMPANHIA DE LEILÕES MACAU A INTERNACIONAL, LIMITADA, mais bem identificada nos autos,
Vem interpor recurso do despacho de 15 de Outubro de 2013, do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o recurso hierárquico necessário do despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças que, por sua vez, indeferira o seu pedido de revogação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo por arrematação de bens, em sede de reclamação graciosa,
Tendo concluído nos seguintes termos:
1.ª O acto recorrido foi praticado pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu o recurso hierárquico necessário do despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças que indeferiu o pedido de revogação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo por arrematação de bens, proferido em sede de Reclamação graciosa.
2.ª Imputa a Recorrente a tal acto administrativo o vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, nomeadamente, por violação do disposto no art. 5.° da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do Selo - errada interpretação - e nos arts. 51.°, n.ºs 2 e 3, alínea q) e 55.° do Regulamento do Imposto do Selo - por não terem sido aplicados
3.ª A Administração praticou um acto discricionário ilícito por prosseguir um fim diverso do escopo legal, não tomando em consideração a natureza jurídica da arrematação, nem entrando em linha de conta com o conceito de arrematante relapso ou remisso.
4.ª O acto tributário recorrido é anulável, porquanto não há lugar ao imposto do selo, porque, pese o facto de terem sido licitados alguns bens que foram à praça a fim de serem vendidos em leilão organizado pela Recorrente, os respectivos licitantes não concretizaram a compra de tais bens, o que significa que a arrematação não foi concretizada pelo pagamento imediato do preço pelos arrematantes.
5.ª O acto tributário tem, sempre, na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei como geradora do direito ao imposto, ou seja, um facto tributário, O qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal.
6.ª As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto, pelo que a sua existência constitui, pois, uma condição "sine qua non" da fixação tributável e da liquidação efectuada.
7.ª Ao contrário do que afirma a Entidade Recorrida, o facto tributário previsto no art. 5.º da Tabela Geral do Imposto do Selo é a transmissão efectiva de propriedade de bens que foram licitados.
8.ª A arrematação, no âmbito de uma venda em leilão, só se concretiza pelo pagamento imediato do preço pelo arrematante; se o licitante não proceder ao pagamento do preço, a arrematação (ou venda) tem que ficar sem efeito, não podendo o leiloeiro ser responsável pelo pagamento do imposto do selo calculado sobre o valor do preço licitado pelo arrematante relapso ou remisso.
9.ª Ao contrário do que afirma a Entidade Recorrida, a arrematação, enquanto acto translativo, não tem incidência objectiva, apenas no que respeita a bens imóveis e bens móveis sujeitos a registo; as obras de arte e as antiguidades são tributadas a título de transmissão de bens.
10.ª Ao contrário do que defende a Entidade Recorrida, o facto tributário previsto no art. 5º da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do selo não é a realização da actividade económica em si, processo especial com vista à comercialização de produtos, pela melhor oferta de valores, efectuada de forma aberta e aceite por um leiloeiro, sendo, sim, decisivo o momento no qual se transmite o direito de propriedade de bens arrematados.
11.ª A arrematação de bens móveis não sujeitos a registo, designadamente, obras de arte e antiguidades, tributável em imposto do selo, nos termos do RIS, há-de necessariamente envolver, enquanto verdadeira venda de bens, a respectiva adjudicação e consequente transmissão efectiva do direito de propriedade dos bens arrematados.
12.ª Os leiloeiros são organizadores de vendas em leilão que, no âmbito da sua actividade económica, propõem a venda de um bem, em seu nome, mas por conta do comitente, nos termos de um contrato de comissão de venda, com vista à sua adjudicação em leilão.
13.ª A classificação das Ocupações Profissionais de Macau (COPM), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 45/97/M de 10 de Novembro, integra os Avaliadores e os Leiloeiros no GRUPO BASE 341, considerando que vendem em leilões diversos géneros de bens ou avaliam-nos, tais como bens imobiliários, objectos de arte, produtos agrícolas e gado.
14.ª Os arrematantes relapsos ou remissos, que são as pessoas que licitam mas, posteriormente, não pagam o preço, determinando que a venda fique sem efeito com as consequências legais ou com sanções.
15.ª O ordenamento jurídico da RAEM não imputa responsabilidade criminal aos arrematantes relapsos, mas o Código de Processo Civil de Macau, no seu art. 793.°, prevê sanções que podem ir desde o arresto de bens para garantir o pagamento do preço por si indicado (art. 740.°, n.ºs 2 e 3, com as devidas adaptações), à impossibilidade de voltar a ser admitido como arrematante, ficando ainda responsável pela diferença do preço que vier a ser licitado numa outra venda.
16.ª Estas sanções são aplicadas quando se trata de vendas no âmbito de um processo judicial de execução, situação que é muito mais grave do que aquela em que está em causa uma venda particular; porém, não se pode perder de vista que a lei processual civil prevê que as vendas de bens móveis - em certas circunstâncias - se faça em empresa de leilão (art. 800.° do CPCM), o que quer dizer que é reconhecido que as arrematações de bens móveis no âmbito de um leilão organizado por empresa particular têm carácter translativo.
17.ª Não havendo um regime jurídico da venda em leilão particular, pode determinar que haja um regulamento da empresa leiloeira que possa prever sanções pela falta de pagamento do preço, seja pela simples desistência após o encerramento do leilão ou por falta de provisão do meio de pagamento apresentado, que poderão ser: a) A venda do arrematante remisso ficar sem efeito; b) O(s) bem(ens) voltar(em) a ser vendido(s) pela forma que se considerar mais conveniente; c) O arrematante remisso não voltar a ser admitido a adquiri-lo(s) novamente; d) O arrematante remisso ficar responsável pela diferença entre o preço pelo qual arrematou e o preço pelo qual for vendido o lote ou bem, e ainda pelas despesas a que der causa, a exemplo do que está previsto para as arrematações no âmbito de processos judiciais.
18.ª A falta de um regulamento para a actividade leiloeira não pode determinar que os leiloeiros tenham que ser sancionados com o pagamento do imposto do selo calculado sobre o valor licitado por arrematantes relapsos, que, no caso e relativamente à Reclamante atinge o valor de MOP$4.144.805,00 (quatro milhões, cento e quarenta e quatro mil, oitocentos e cinco patacas).
19.ª Os bens, que foram licitados e tudo indicava que seriam arrematados, ou seja, comprados em leilão, continuam a pertencer aos respectivos proprietários, isto é, não foram transmitidos aos arrematantes relapsos, sendo certo que poderão ir novamente à praça, se os proprietários assim o desejarem e, caso venham a ser transmitidos, então, serão tributados com o imposto do selo.
VII. INSTRUÇÃO DA PETIÇÃO
O Recorrente junta com a petição de recurso:
1) Ofício, que constitui documento comprovativo do acto recorrido, em cumprimento do prescrito no art. 43.°, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC) (Doc. n.º 1);
2) O envelope devidamente carimbado, que comprova que o Recorrente foi notificado da decisão do Senhor Secretário para a Economia e Finanças (Doc. n.º 2);
3) Junta, também, procuração forense e duplicados legais, exigidos por lei (alíneas d) e e) do citado art. 43.°).
VIII. PEDIDO
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se, pelas apontadas ilegalidades, o acto recorrido, com todas as consequências legais.
Requer-se, muito respeitosamente, a citação do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, para contestar, querendo, e para enviar o competente processo administrativo, conforme estipula o art." 55.°, n.º 1, do CPAC.
Tam Pak Yuen, Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida nos autos à margem identificados, contesta, em síntese:
Iª
O presente recurso vem interposto do acto que indeferiu a revogação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo pela arrematação, proferido pelo Despacho do Sr.° Secretário para a Economia e Finanças de 15.10.2013, exarado na Proposta n.º 006/NAJ/AL/2013 de 26.09.2013.
IIª
O presente recurso contencioso deve ser liminarmente rejeitado por extemporaneidade nos termos da al. h) do n.º 2 do art. 46° do CPAC, na medida em que o prazo para a sua interposição é de 2 meses, nos termos do art. 7° da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Outubro, conjugado com os n.ºs 1 e 3 do art. 2° do DL 16/84/M, de 24 de Março.
IIIª
Verificou-se que a data do registo postal da notificação do acto ora impugnado é 21.10.2013.
IVª
Resulta dos n.ºs 1 e 3 do art. 2° do DL 16/84/M, que as notificações e avisos de natureza fiscal são efectuadas por carta registada sem aviso de recepção e que se presumem feitos no 5.° dia posterior ao do registo postal ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando não o seja.
Vª
Sendo de natureza substantiva o prazo de 2 meses para interposição de recurso contencioso dos actos anuláveis, não se suspende durante as férias judiciais.
VIª
Assim, aplicando as referidas normas legais aos factos, a notificação presume-se recebida em 26.10.2013 (um Sábado que é considerado como dia útil, uma vez que, na RAEM, há distribuição domiciliária da correspondência nesse dia), pelo que o prazo de recurso terminaria em 26.12.2013.
VIIª
Obviamente, o prazo de interposição do recurso já tinha caducado aos 06.01.2014, quando os Recorrentes apresentaram ao Tribunal o petitório dos presentes autos.
VIIIª
Por outro lado, os fundamentos apresentados pelos Recorrentes para impugnação do acto ora recorrido não merecem provimento uma vez que o facto tributário previsto no art. 5° da TGIS não é transmissão efectiva de propriedade de bens que foram licitados, e que essa transmissão de propriedade só tem por incidência real no art. 51° do RIS.
IXª
A alegada aplicabilidade da al. q) do n.º 3 do art. 51° do RIS ao caso em análise é inaceitável, visto que ter omitido a origem dos artigos 51° a 66° do Capítulo XVII, sob a epígrafe de "Transmissões de bens" no RIS, e toda a estrutura do art. 51° do mesmo diploma.
Xª
Os referidos artigos 51° a 66° foram introduzidos no RIS pela Lei n.° 8/2001, de 2 de Julho, têm sua origem no Imposto do Sisa e no Imposto sobre as Sucessões e Doações que foram eliminadas pelo mesmo diploma.
XIª
Como é sabido, antes de criar o imposto do selo sobre transmissões de bens, o imposto do selo incidia sobre os actos e documentos indicados na Tabela Geral quando o Imposto de Sisa e o Imposto sobre as Sucessões e Doações incidiam sobre o património ou a riqueza, sendo a sua matéria colectável correspondente a um património transmitido.
XIIª
O art. 5° da TGIS, onde se estipula a incidência do selo sobre arrematações de produtos, de géneros e de bens ou direitos sobre móveis ou imóveis, já existia no Diploma Legislativo n.º 701, de 15 de Março de 1941 e no Diploma Legislativo n.º 3/74, de 18 de Junho (legislações anteriores do imposto do selo vigoravam no Território de Macau), e mantém-se desde a entrada em vigor da Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho.
XIIIª
Se a arrematação enquanto acto translativo constituísse a incidência objectiva nos termos do art. 5° da TGIS, não faria sentido nenhum que o legislador tivesse introduzido o imposto do selo por transmissões de bens só em 2001 pela Lei n.º 8/2001 para tributar algo que já estava regulamentado pelo referido art. 5°.
XIVª
Atendido à ordem cronológica da vigência do art. 5° da Tabela Geral e do art. 51° do RIS, nunca pode chegar à conclusão que aquele seja implementado para concretizar as disposições deste último, pelo contrário, essas duas disposições têm âmbito autónomo de aplicação.
XVª
Ao contrário do que afirma a Recorrente, não se tributam as obras de arte e as antiguidades, que são bens móveis não sujeitos a registo, a título de transmissão de bens ao abrigo da al. q) do n.º 3 do art. 51° do RIS, isto porque, o n.º 1 da mesma norma já delimitou a incidência das fontes de transmissão de bens enunciadas nas várias alíneas do n.º 3, prevendo a tributação de "documentos, papéis e actos que sejam fonte ... de transmissão" ... apenas a título oneroso ou gratuito de imóveis" e "a título gratuito de quaisquer outros bens, direitos ou factos sujeitos a registo ... de valor superior a 50 000 patacas".
XVIª
Por estar fora do campo de aplicação das regras que dizem respeito a "Transmissões de bens", isto é os artigos 51° a 66° do RIS, afasta-se da alegada aplicação do art. 55° para determinar a matéria colectável do imposto do selo que tem por base o valor do bem ou direito determinado.
XVIIª
De facto, o termo arrematação não tem na legislação fiscal o significado estrito, jurídico-processual, de aquisição ou compra em hasta pública, antes se refere ao processo especial com vista à comercialização de produtos, pela melhor oferta de valores, efectuada de forma aberta e aceita por um leiloeiro, não sendo decisivo o momento no qual se transmite o direito de propriedade de bens arrematados. Dito de uma maneira melhor, a incidência do imposto pela arrematação de bens recai sobre o acto através do qual se alienam os bens, mas não sobre o acto de alienação de propriedade em si.
XVIIIª
Basta a Recorrente organizar o leilão, no qual os interessados fazem licitação, quer oral quer escrita, e o leiloeiro aceita a melhor proposta do preço pela batida do martelo ou acto equivalente, para dar lugar ao facto tributário de arrematações previstas no art. 5° da TGIS.
XIXª
Pois, é a fase de licitação em que participam todos os interessados que dá maior transparência do lance maior ao público, sobre qual deve o imposto recair porque a batida do martelo é o momento decisivo que conjuga a vontade do proponente e a do leiloeiro para formar o negócio jurídico.
XXª
Olhando ao art. 19° do Regulamento do Leilão, pode ver-se que a Recorrente atribui relevância jurídica ao acto de lance maior e ao de batida do martelo como momento de celebração do contrato de compra e venda.
XXIª
A alegada não concretização de transmissões por falta de capital, vícios no bem e falta de originalidade do bem é, manifestamente, incumprimento das obrigações dos contratos celebrados, que não afecta a validade do acto de arrematação em si.
XXIIª
No que concerne ao conceito de arrematante relapso ou remisso e as sanções aplicáveis ao mesmo num processo executivo de venda, por um lado, esse conceito é um próprio do direito processo civil que não se emprega no direito tributário, por outro, as sanções previstas na área da execução têm por finalidade específica assegurar o pagamento do preço ao exequente ou credor reclamante; por mais, o pagamento do preço indica o cumprimento da obrigação anteriormente constituída, por parte do adquirente e não a formação do negócio jurídico, objecto da arrematação.
XXIIIª
Na venda judicial por meio de propostas em carta fechada ou outras modalidades de venda extrajudicial, que estão igualmente sujeitas ao imposto do selo pela arrematação nos termos do art. 5° da TGIS, o proponente tem um prazo de 15 dias para depositar o preço de bem após a aceitação da proposta melhor (cfr. art. 792° do CPP). Consoante o n.º 1 do art. 795° do CPC, os bens são adjudicados e entregues ao proponente após ter demonstrado o pagamento efectivo do preço e cumprimento das obrigações fiscais inerentes à transmissão.
XXIVª
Efectivamente, a expressão "obrigações fiscais inerentes à transmissão" acima mencionada não está em sentido próprio do imposto pela transferência da propriedade como a Recorrente alegou, se assim não fosse, o contribuinte estaria pagar um imposto antes de nascer o correspondente facto gerador ou fonte da obrigação, uma vez que só se profere o despacho de adjudicação que titula a transferência da propriedade de bens arrematados após de cumprir a obrigação fiscal.
XXXVª
Resultando do exposto, verificaram-se todos os pressupostos da obrigação tributária em causa - arrematações enquanto acto através do qual se promove a formação de negócio - e que nos termos da Lei Fiscal, por tal facto, é devido imposto do selo, inexistindo fundamentos legais que obstassem à respectiva liquidação. Inexistindo erro nos pressupostos de direito que consubstanciaram a liquidação oficiosa do selo devido pela Recorrente não enferma o acto administrativo de vício conducente à sua anulação.
Termos em que se requer que o presente recurso seja declarado improcedente sendo, consequentemente, mantido o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 15 de Outubro de 2013, com as devidas consequências legais.
COMPANHIA DE LEILÕES MACAU A INTERNACIONAL, LIMITADA, aqui, Recorrente" no Recurso Contencioso Administrativo, apresentou oportunamente as suas ALEGAÇÕES FACULTATIVAS, dizendo, no essencial:
1.ª O acto recorrido foi praticado pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que indeferiu o recurso hierárquico necessário do despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças que indeferiu o pedido de revogação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo por arrematação de bens, proferido em sede de Reclamação graciosa.
2.ª Imputa a Recorrente a tal acto administrativo o vicio de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, nomeadamente, por violação do disposto no art. 5.° da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do Selo - errada interpretação - e nos arts. 51.°, n.ºs 2 e 3, alínea q) e 55.º do Regulamento do Imposto do Selo - por não terem sido aplicados.
3.ª A Administração praticou um acto discricionário ilícito por prosseguir um fim diverso do escopo legal, não tomando em consideração a natureza jurídica da arrematação, nem entrando em linha de conta com o conceito de arrematante relapso ou remisso.
4.ª O acto tributário recorrido é anulável, porquanto não há lugar ao imposto do selo, porque, pese o facto de terem sido licitados alguns bens que foram à praça a fim de serem vendidos em leilão organizado pela Recorrente, os respectivos licitantes não concretizaram a compra de tais bens, o que significa que a arrematação não foi concretizada pelo pagamento imediato do preço pelos arrematantes.
5.ª O acto tributário tem, sempre, na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei como geradora do direito ao imposto, ou seja, um facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal.
6.ª As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto, pelo que a sua existência constituí, pois, uma condição “sine qua non” da fixação tributável e da liquidação efectuada.
7.ª Ao contrário do que afirma a Entidade Recorrida, o facto tributário previsto no art. 5.° da Tabela Geral do Imposto do Selo é a transmissão efectiva de propriedade de bens que foram licitados,
8.ª A arrematação, no âmbito de uma venda em leilão, só se concretiza pelo pagamento imediato do preço pelo arrematante; se o licitante não proceder ao pagamento do preço, a arrematação (ou venda) tem que ficar sem efeito, não podendo o leiloeiro ser responsável pelo pagamento do imposto do selo calculado sobre o valor do preço licitado pelo arrematante relapso ou remisso.
9.ª Ao contrário do que afirma a Entidade Recorrida, a arrematação, enquanto acto translativo, não tem incidência objectiva, apenas no que respeita a bens imóveis e bens móveis sujeitos a registo; as obras de arte e as antiguidades são tributadas a título de transmissão de bens.
10.ª Ao contrário do que defende a Entidade Recorrida, o facto tributário previsto no art. 5.º da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do selo não é a realização da actividade económica em si, processo especial com vista à comercialização de produtos, pela melhor oferta de valores, efectuada de forma aberta e aceite por um leiloeiro, sendo, sim, decisivo o momento no qual se transmite o direito de propriedade de bens arrematados.
11.ª A arrematação de bens móveis não sujeitos a registo, designadamente, obras de mie e antiguidades, tributável em imposto do selo, nos termos do RIS, há-de, necessariamente, envolver, enquanto verdadeira venda de bens, a respectiva adjudicação e consequente transmissão efectiva do direito de propriedade dos bens arrematados.
12.ª Os leiloeiros são organizadores de vendas em leilão que, no âmbito da sua actividade económica, propõem a venda ele um bem, em seu nome, mas por conta do comitente, nos termos de um contrato ele comissão de venda, com vista à sua adjudicação em leilão.
13.ª A classificação das Ocupações Profissionais de Macau (COPM), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 45/97/M de 10 de Novembro, integra os Avaliadores e os Leiloeiros no GRUPO BASE 341, considerando que vendem em leilões diversos géneros de bens ou avaliam-nos, tais como bens imobiliários, objectos de arte, produtos agrícolas e gado.
14.ª Os arrematantes relapsos ou remissos são as pessoas que licitam mas, posteriormente, não pagam o preço, determinando que a venda fique sem efeito com as consequências legais ou com sanções.
15.ª O ordenamento jurídico da RAEM não imputa responsabilidade criminal aos arrematantes relapsos mas o Código de Processo Civil de Macau, no seu art. 793.°, prevê sanções que podem ir desde o arresto de bens para garantir o pagamento do preço por si indicado (art. 740,°, n.ºs 2 e 3, com as devidas adaptações), à impossibilidade de voltar a ser admitido como arrematante, ficando ainda responsável pela diferença do preço que vier a ser licitado numa outra venda.
16.ª Estas sanções são aplicadas quando se trata de vendas no âmbito de um processo judicial de execução: situação que e muito mais grave do que aquela em que está em causa uma venda panicular; porém, não se pode perder de vista que a lei processual civil prevê que as vendas de bens móveis - em certas circunstâncias - se faça em empresa de leilão (art. 800.° do CPCM), o que quer dizer que é reconhecido que as arrematações de bens móveis no âmbito de um leilão organizado por empresa particular têm carácter translativo.
17.ª Não havendo um regime jurídico da venda em leilão particular, pode determinar que haja um regulamento da empresa leiloeira que possa prever sanções pela falta de pagamento do preço, seja pela simples desistência após o encerramento do leilão ou por falta de provisão do meio de pagamento apresentado, que poderão ser: a) A venda do arrematante remisso ficar sem efeito; b) O(s) bem(ens) voltar(em) a ser vendido(s) pela forma que se considerar mais conveniente; c) O arrematante remisso não voltar a ser admitido a adquiri-lo(s) novamente; d) O arrematante remisso ficar responsável pela diferença entre o preço pelo qual arrematou e o preço pelo qual for vendido o lote ou bem, e ainda pelas despesas a que der causa, a exemplo do que está previsto para as arrematações no âmbito de processos judiciais.
18.ª A falta de um regulamento para a actividade leiloeira não pode determinar que os leiloeiros tenham que ser sancionados com o pagamento do imposto do selo calculado sobre o valor licitado por arrematantes relapsos, que, no caso e relativamente à Recorrente atinge o valor de MOP$4.144.805,00 (quatro milhões, cento e quarenta e quatro mil, oitocentos e cinco patacas).
19.ª Os bens, que foram licitados e tudo indicava que seriam arrematados, ou seja, comprados em leilão, continuam a pertencer aos respectivos proprietários, isto é, não foram transmitidos aos arrematantes relapsos, sendo certo que poderão ir novamente à praça, se os proprietários assim o desejarem e, caso venham a ser transmitidos, então, serão tributados com o imposto do selo.
20.ª Se fosse de manter o sentido do despacho recorrido no que respeita à tributação de bens não transmitidos, então, poder-se-ia, invocar o instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 467.° e seguintes do Código Civil, pois a Administração Tributária enriqueceria sem causa justificativa, o que é inadmissível, porque o Estado é uma Pessoa de bem.
NESTES TERMOS, termina-se como na petição:
Deve o presente recurso ser julgado procedente, anulando-se, pelas apontadas ilegalidades, o acto recorrido, com todas as consequências legais.
Tam Pak Yun, Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, entidade recorrida, apresentou igualmente alegações facultativas, concluindo:
I. Constitui o objecto do presente recurso o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças de 15.10.2013, exarado na Proposta n.º 006/NAJ/AL/2013, de 26 de Setembro, que indeferiu o recurso hierárquico necessário do despacho da Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças que indeferiu o seu pedido de revogação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo por arrematação de bens, em sede de reclamação graciosa.
II. A Recorrente pretende a anulação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo que incide sobre os lotes n.ºs 8, 293, 146, 169 e 231, arrematados no leilão realizado em 28.12.2012, invocando a errada interpretação do art. 5° da TGIS, a aplicabilidade dos arts. 51º, n.ºs 2 e 3, al. q) e 55° do RIS ao caso em apreço, e a ilicitude do acto praticado pela Administração para prosseguir um fim diverso do escopo legal, sem tomar em conta a natureza jurídica da arrematação e o conceito de arrematante relapso ou remisso.
III. Depois de ter arrematados os bens acima referidos, a Recorrente não efectuou a liquidação do imposto que tem por incidência real no art. 5° da TGIS, entretanto, foi autorizada a liquidação oficiosa do selo, exigindo à Recorrente o imposto do selo em falta, no montante de MOP4.140.018,00.
IV. Ao contrário do que afirma a Recorrente, o facto tributário previsto no art. 5° da TGIS não é a transmissão efectiva de propriedade de bens que foram licitados enquanto a arrematação, no âmbito de uma venda em leilão, só se concretiza pelo pagamento do preço, nem os arts. 51°, n.ºs 2 e 3, al. q) e 55° do RIS têm aplicabilidade ao caso sub judice.
V. Infelizmente, a Recorrente aplicou ao mesmo facto duas normas de incidência objectiva (art. 5° da TGIS e art. 51° do RIS) que de facto têm âmbito de aplicação autónoma.
VI. Os artigos 51° a 66°, sob a epígrafe de Transmissões de bens, que foram introduzidos no RIS pela Lei n.º 8/2011, de 2 de Julho, têm sua origem no imposto de Sisa e no imposto sobre Sucessões e Doações que entretanto foram eliminados da ordem jurídica da RAEM pelo mesmo diploma.
VII. Ao inserir a tributação de transmissões no RIS corresponde a uma alteração na maneira de tributar, na alteração do próprio enfoque da incidência do imposto, submetendo agora de forma expressa os títulos - e já não, como antes acontecia na Sisa e no imposto sobre sucessões e doações, as transmissões fiscais - ao imposto.
VIII. A tal alteração de tributar está bem ilustrada nos termos do n.ºs 2 do art. 51°, apontando que são consideradas fontes de transmissão de bens todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de facto de utilização e fruição de bem, deste modo, o direito ao imposto nasce independentemente de se ter verificado a transmissão efectiva a que o título se reporta.
IX. Mesmo que merecesse provimento a alegada aplicabilidade do art. 51°, a transmissão efectiva da propriedade de bens, perante o quadro actual do imposto do selo, não seria tida por decisiva para efeitos fiscais.
X. O selo sobre arrematação de bens, estipulado no art. 5° da TGIS, já existia no Diploma Legislativo n.° 701, de 15 de Março de 1941 e no Diploma Legislativo n.º 3/74, de 18 de Junho (legislações anteriores do imposto do selo que vigoravam no Território de Macau) e mantém-se desde a entrada em vigor da Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho.
XI. Se a arrematação enquanto acto translativo constituísse a incidência objectiva nos termos do art. 5° da TGIS, não faria sentido nenhum que o legislador tivesse introduzido o imposto do selo por transmissões de bens só em 2001 pela Lei n.º 8/2001 para tributar algo que já estava regulamentado pelo referido art. 5°.
XII. Atendido à ordem cronológica da vigência do art. 5° da Tabela Geral e do art. 51° do RIS, nunca pode chegar à conclusão que aquele seja implementado para concretizar as disposições deste último, pelo contrário, essas duas disposições têm âmbito de aplicação autónomo.
XIII. Mais ainda, não se tributam as obras de arte e as antiguidades, que são bens móveis não sujeitos a registo, a título de transmissão de bens ao abrigo da al. q) do n.º 3 do art. 51° do RIS, isto porque, o n.º 1 da mesma norma já delimitou a incidência das fontes de transmissão de bens enunciadas nas várias alíneas do n.º 3, prevendo a tributação de "documentos, papéis e actos que sejam fonte ... de transmissão" ... apenas "a título oneroso ou gratuito de imóveis" e "a título gratuito de quaisquer outros bens, direitos ou factos sujeitos a registo ... de valor superior a 50 000 patacas".
XIV. De facto, o termo de arrematação não tem na legislação fiscal o significado estrito, jurídico-processual, de aquisição ou compra em hasta pública, antes se refere ao processo especial com vista à alienação de bens, pela melhor oferta de valores, efectuada de forma aberta e aceita por um leiloeiro, não sendo i decisivo o momento no qual se transmite o direito de propriedade de bens arrematados. Dito de uma maneira mais clara, a incidência do imposto por arrematação de bens recai sobre o acto através do qual se alienam os bens, mas não sobre o acto de alienação de propriedade em si.
XV. Basta a Recorrente organizar o leilão, no qual os interessados fazem licitação, quer oral quer escrita, e o leiloeiro aceita a melhor proposta do preço pela batida do martelo ou acto equivalente, para dar lugar ao facto tributário de arrematações previstas no art. 5° da TGIS.
XVI. Olhando ao art. 19° do Regulamento do Leilão, é a própria Recorrente que atribui relevância jurídica ao acto de lance maior e ao de batida do martelo como momento de celebração do contrato de compra e venda.
XVII. A alegada não concretização de transmissões por falta de capital, vícios no bem e falta de originalidade do bem é, manifestamente, incumprimento das obrigações dos contratos celebrados, que não afecta a validade do acto de arrematação em si.
XVIII. No que concerne ao conceito de arrematante relapso ou remisso e as sanções aplicáveis ao mesmo num processo executivo de venda, por um lado, esse conceito é um próprio do direito processual civil que não se emprega no direito tributário, por outro, as sanções previstas na área da execução têm por finalidade específica assegurar o pagamento do preço ao exequente ou credor reclamante; porém, não se encontra essa finalidade num leilão privado.
XIX. Mais ainda, o pagamento do preço é um efeito obrigacional do contrato de compra e venda, formado através do leilão em caso apreço, que não faz parte do facto tributário previsto no art. 5° da TGIS.
XX. Mesmo que o facto tributário fosse a transmissão de bens em geral, tributada nos termos do art. 51° do RIS, nunca o facto gerador da obrigação fiscal dependeria do pagamento integral do preço, não se encontraria essa exigência no velho Código do Imposto da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, nem no actual Regulamento do Imposto do Selo.
XXI. Acrescenta-se que o art. 5° da TGIS faz recair obre quem organiza o leilão a obrigação do imposto, sendo o leiloeiro sujeito de direito perante a Administração Fiscal, podendo consoante a convenção das partes repercutir ou não o imposto ao sujeito passivo de facto, que se desenha em consequência de, por vezes, o sacrifício económico resultante do pagamento do imposto ser suportado por pessoa diversa a quem é juridicamente exigível.
XXII. Em conclusão, a administração, ao proceder à liquidação oficiosa do imposto do selo em falta, sobre arrematações, no montante de MOP4.140.018,00, não fez mais do que aplicar a lei.
Termos em que se requer que o presente recurso seja declarado improcedente sendo, consequentemente, mantido o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 15 de Outubro de 2013, com as devidas consequências legais.
O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
Mantém-se o entendimento já assumido a fls 105 quanto à matéria de excepção.
Assim se não entendendo :
Constitui objecto do recurso o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 15/10/13 que, em sede hierárquica, manteve decisão da directora dos S.F. que indeferiu pedido de revogação de acto de liquidação oficiosa de imposto de selo por arrematação de bens, acto ao qual assaca o recorrente vício de violação de lei, por errada interpretação do art. 5° da T.G.I.S. e por falta de aplicação do disposto nos arts. 51°, nºs 2 e 3, al. q) e 55° do R.I.S., entendendo, naquilo que reputamos e essencial, não haver, no caso, lugar ao imposto de selo " ... porque, pese o facto de terem sido licitados alguns bens que foram à praça a fim de serem vendidos em leilão organizado pela Recorrente, os respectivos licitantes não concretizaram a compra de tais bens, o que significa que a arrematação não foi concretizada pelo pagamento imediato do preço pelos arrematantes".
Cremos que lhe assistirá razão.
Pretende a entidade recorrida que, ao dispor-se no n.º 2 do art. 51°, RIS que "São considerados fontes de transmissão de bens para efeitos fiscais todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto, de utilização e fruição do bem", o direito ao imposto nasce independentemente de se ter verificado a transmissão respectiva, pelo que o leiloeiro, ao aceitar a melhor proposta de preço "pela batida do martelo ou acto equivalente", dará lugar ao facto tributário de arrematações, previsto no já citado art. 5° da TGIS.
Não nos parece.
Sendo possível que, na falta de regras legais específicas que regulamentem o tipo de leilão efectuado e podendo as partes envolvidas inserir cláusulas de reserva de propriedade até ao pagamento integral do preço, determinando o "como, quando e quanto" para a realização das respectivas prestações, no âmbito da autonomia privada, se possa tomar algo complexa a determinação do momento "translativo de propriedade", a verdade é que, no caso presente, se mostra adquirido o carácter relapso e remisso dos arrematantes, pelo que se não topa a existência de facto tributário donde possa nascer a obrigação do imposto, facto esse que há de passar por documentos, papéis ou actos que, enquanto fontes de transmissão de bens "titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem".
A vingar o entendimento da entidade recorrida, bem se poderia consignar caricata situação em que, num qualquer leilão, perante "lance" perfeitamente absurdo, por desmesuradamente excessivo e face a arrematante obviamente remisso, ficasse o leiloeiro, a partir da "alegre martelada" obrigado ao pagamento do imposto de selo respectivo, desconhecendo-se, já agora, em quantos sucessivos e possíveis posteriores leilões do mesmo bem e perante arrematantes relapsos, aquela obrigação fiscal permaneceria ...
Tudo razões, pois, que nos impelem à consideração do provimento do presente recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias, para além das que adiante serão conhecidas (caducidade do direito ao recurso) e que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
O despacho recorrido é do seguinte teor e foi notificado à recorrente da forma seguinte:
Nos termos dos artigos 68° e ss. do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo DL n° 57/99/M, de 11.10.99, e em referência ao recurso interposto em 30.08.13, fica V. Exa. por este meio notificado do conteúdo do despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças, de 15.10.13, exarado na Proposta n° 006/NAJ/AL/13, de 26 de Setembro, sendo o seu teor o que a seguir se transcreve:
"Concordo. Autorizo manter a decisão anterior e indeferir o respectivo recurso."
Ass.: Tam Pak Yuen, aos 15.10.2013.
A citada proposta foi objecto de parecer da Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças, de 07.1 0.2013, o qual passamos a transcrever:
"Exm º Senhor SEF,
Concordo com o parecer. Submeto a V. Ex. a para considerar o parecer jurídico. Se concordar, solicito a V. Exa. que autorize manter a decisão anterior e indefira o recurso hierárquico necessário interposto pelo contribuinte.
Ass. : Vitória Alice da Conceição (Directora dos Serviços)
Data: 07 de Outubro de 2013"
Da proposta referida reproduzem-se os fundamentos de facto e de direito que sustentam o presente despacho:
"A contribuinte Companhia de Leilões Macau A Internacional Limitada, veio, por requerimento dado entrada no Gabinete do Chefe do Executivo em 30 de Agosto de 2013 e por não se conformar com o despacho da Sr. a Directora dos Serviços de Finanças, de 18 de Julho de 2013, que indeferiu o seu pedido de revogação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo por arrematação de bens em sede de reclamação graciosa, interpor, daquele, recurso hierárquico necessário para o Chefe do Executivo, nos termos e com os fundamentos vertidos no requerimento atrás citado.
Assim, e antes de mais,
DOS FACTOS
1. Em 28 de Dezembro de 2012, a Recorrente realizou um leilão designado por "Macau A 2012 Autumn Auctions". Em 31 de Dezembro de 2012, foi relatada pelo Jornal Va Kio a realização de leilão, no qual, os maiores lanços das peças n.º 8, n.º 169, n.º 146 e n.º 231 são respectivamente no valor de MOP60, 000,000. 00, MOP38,000,000.00, MOP26,000,000.00 e MOP680,000,000.00. Mais se reportou que acerca de dois terços de pinturas de B (romanização nossa) foram vendidos.
2. Em 1 de Janeiro de 2013, o leilão supra mencionado também foi reportado pelo Jornal "Macao Daily News", no qual, a peça n.º 8 foi comprada a preço de MOP60,000,000.00 e acerca de dois terços de pinturas de B foram vendidos.
3. Tendo em conta a reportagem do jornal, os inspectores do Núcleo de Fiscalização Externa destes Serviços foram à Companhia da Recorrente em 4 de Janeiro de 2013 para obter mais informações do referido leilão.
4. Depois, a Recorrente facultou ao Núcleo de Fiscalização Externa destes serviços um livro de arrematação que apresenta todos os lotes, bem como a cópia do conhecimento de pagamento do imposto do selo. Conforme a guia de pagamento M/B n.º XXX, a Recorrente procedeu, em 7 de Janeiro de 2013, à liquidação e efectuou o pagamento do imposto do selo pela arrematação, na quantia de MOP4,005.00.
5. Segundo o art. 5º da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do Selo (adiante designado por TGIS), o imposto do selo pago é calculado à taxa de 5% o sobre o preço de arrematação declarado, ou seja, no formulário seguinte: MOP800,949.001 X 5% = MOP4,005.00.
6. Em 16 de Janeiro de 2013, foi pago o imposto do selo pela arrematação, no valor de MOP782.00, através da guia de pagamento M/E n.º XXX. O imposto pago corresponde a 5%oda soma dos valores declarados dos lotes n.º 34, n.º 38 e n.º 4472, ou seja, a HKD151,800.00.
7. Consoante o documento apresentado pela Recorrente, os lotes n.ºs 8, 293, 146, 169 e 231 foram arrematados respectivamente pelo valor de HKD58,650,000.00, HKD437,000.00, HKD26,800,000.00, HKD38,000,000.00 e HKD680,000,000.00, porém, sendo as transacções goradas por diversas razões, designadamente por defeito de produto, não pagamento do preço num determinado prazo após a realização do leilão e preço de maior lanço ser inferior ao de reserva.
8. Conforme o referido pelo representante da Recorrente, segundo os usos gerais de arrematação, os licitantes têm um prazo de 15 dias para decidir comprar ou não os objectos arrematados, caso o comprador se arrependesse, a sua caução, no valor de MOP10,000.00, seria perdida a favor do vendedor. O negócio só se considera realizado depois do pagamento do preço. Por razão de, até então, apenas uma parte de compradores efectuar o pagamento de preço, assim, procedeu-se à liquidação do imposto do selo correspondente à parte dos bens arrematados, faltando a liquidação de peças n. Os 8, 293, 146, 169 e 231, no valor total de MOP828,003,610.00 (HKD803, 887, 000. 00 X 1.03).
9. Em reacção ao cumprimento parcial e intempestivo da obrigação de liquidação do imposto do selo por parte da Recorrente, em 6 de Maio de 2013 foi, no despacho do Sr. Director Substituto dos Serviços de Finanças exarado na Informação n.º 1217/NIS/DOI/RFM/2013 de 24 de Abril de 2013, autorizada a liquidação oficiosa que incide sobre o valor de diferença, ou seja, exige-se o imposto do selo, no montante de MOP4,140,018.00 (MOP828,003,610. 00 X 5%).
10. Entretanto, o cumprimento parcial e intempestivo da obrigação do pagamento de imposto do selo constitui infracção administrativa punível nos termos do art. 77º e art. 78º do RIS.
11. A recorrente foi notificada da liquidação oficiosa da diferença e das infracções administrativas, mediante o Oficio n.º I477/NIS/DOI/RFM/2013, datado de 8 de Maio de 2013.
12. Entretanto, a Recorrente apresentou à DSF, em 23 de Maio de 2013, uma reclamação na qual pede a revogação do acto administrativo de liquidação oficiosa, por falta de pressupostos legais e materiais para qualificar a abertura de licitação como sendo acto ou facto susceptível de imposto.
13. Foi elaborada em 12 de Julho de 2013, pelo Núcleo do Imposto do Selo da DSF, a informação n.º 1888/NIS/DOI/RFM/2013, onde por despacho da Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças, de 18 de Julho de 2013, foi negado o provimento da reclamação, cuja decisão foi notificada à ora Recorrente mediante o Oficio n.º 2236/NIS/DOI/RFM/2013, datado de 26 de Julho de 2013.
14. Inconformada, uma vez mais, com a decisão destes serviços, veio a Recorrente, ao abrigo do n.º 3 do art. 2º da Lei n.º 12/2003, de 3 de Agosto, interpor o presente recurso hierárquico.
DO RECURSO HIERÁRQUICO NECESSÁRIO
I) Pressupostos processuais
A recorrente foi notificada pelo Oficio n. o 2236/NIS/DOI/RFM/2013, de 26 de Julho de 2013, do despacho da Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças, de 18 de Julho, exarado na Inf. n.º 1888/NIS/DOI/RFM/2013, datado de 12 de Julho, que indeferiu a reclamação por aquele apresentada a 22 de Maio de 2013, sendo este o acto administrativo que impugna.
Da decisão da Directora dos Serviços de Finanças em reclamação graciosa cabe recurso hierárquico necessário nos termos do disposto no n.º 3 do art. 2º da Lei n.º 12/2003.
O recurso é tempestivo, porque apresentado dentro do prazo de 30 dias previsto na al. a) do art. 6º da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto e no n. º 1 do art. 155º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
II) Fundamentos e Pedido
Como fundamentos para sustentar o presente recurso hierárquico - através do qual se solicita a anulação do acto tributário de liquidação oficiosa, com fundamentos de que os licitantes não concretizaram a compra de bens licitados e que não se pode conformar com o facto de ter sido feita uma liquidação oficiosa do imposto do selo, com base em meras notícias publicadas em jornais - vem a recorrente invocar o seguinte:
a) A decisão ora impugnada sofreu de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
b) A recorrente, enquanto empresa leiloeira, "é equiparada à pessoa que preside à praça e, portanto, apenas, pôde cobrar o imposto do selo relativamente aos negócios realizados e pelos quais recebeu o valor de transacção".
c) No "Leilão de Outono" realizado em 28 de Dezembro de 2012, foram 473 peças de arte ou da antiguidade levadas à praça, tendo apenas 15 licitantes concretizado os negócios após a arrematação, portanto, a Recorrente procedeu ao pagamento parcial dos impostos no valor de MOP4,787.00.
d) Alega a Recorrente que já tinha "cumprido a sua obrigação de ter inutilizado as estampilhas fiscais ou equivalente selo de verba nos documentos que titularam essas transmissões, tendo assim garantido a cobrança dos respectivos impostos do selo cujo encargo foi da responsabilidade dos adquirentes ",
e) As licitações dos artigos n.ºs 231, 146, 169 e 8 atingiram, respectivamente, HK$680,000,000.00, HK$26,800,000.00, HK$38,000,000.00 e HK$58,065,000.00, porém, cujas transmissões não foram concretizadas por razões de os compradores terem invocado vício no bem que pretendiam adquirir, falta de capital, falta de originalidade do bem que pretendiam para frustrar as compras e vendas.
f) Pelo exposto, a Recorrente não podia cumprir a sua obrigação de arrecadar o imposto do selo respeitante a eventuais transmissões de bens; ora, "se a Recorrente não recebeu o valor da transacção dos bens acima referidos, não podia arrecadar os respectivos impostos do selo",
g) Por outro lado, alega que houve "desvio do poder por parte da Administração Fiscal que, com base em notícias publicadas em jornais, decidiu proceder à liquidação oficiosa do imposto do selo referentes a bens não transmitidos dos originários proprietários para terceiros licitantes".
h) Pelo que, o critério que a DSF adoptou para proceder a liquidação oficiosa não é rigoroso nem objectivo.
i) Os bens supra identificados continuam a pertencer aos respectivos proprietários uma vez que as transmissões não foram concretizadas, podendo ir novamente à praça. Caso aqueles bens venham a ser transmitidos, então, serão tributados em sede de imposto do selo. Ao manter o despacho recorrido em sentido de tributar os bens não transmitidos, haverá enriquecimento sem causa no património da Administração Fiscal (cfr. art. 467º e ss. do Código Civil), que determinará a anulação da liquidação oficiosa.
j) Pelo que, deve ser revogado o despacho do Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças de 18 de Julho de 2013, exarado na Inf. n.° 1888/NIS/DOI/RFM/2013, proferindo despacho de deferimento da reclamação e ordenando a anulação do acto tributário reclamado.
DO PROBLEMA JURÍDICO
A controvérsia suscitada no presente caso reside em saber se o acto tributário praticado pela Administração Fiscal preenche ou não todos os pressupostos legais da norma de incidência, isto é, o art. 5° da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do Selo, mais precisamente, se a concretização de transmissão após a arrematação é um dos pressupostos para nascer a obrigação fiscal em sede do imposto do selo.
DA APRECIAÇÃO JURÍDICA
Vem a Recorrente alegar que o acto praticado pela Sr. a Directora dos Serviços de Finanças violou o art. 5° da TGIS por os negócios concretizados após a oferta do preço mais elevado no leilão realizado em 28 de Dezembro de 2012 não atingiram o valor total de HK$804,816,420.00, portanto, não devendo pagar a diferença do imposto no montante de MOP4,140,018.00 (HK$804,816,420.00 X l.03 X 0.5% - MOP4,787.00).
Conforme estipulado no art. 1º do RIS, aprovado pela Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho, com sucessivas alterações, o "imposto do selo recai sobre os documentos, papéis e actos designados na Tabela Geral anexa" ao seu Regulamento (sublinhado nosso). Mais, o art. 2º do RIS refere que a "RAEM adquire o direito ao imposto do selo, quer pelo facto da sua liquidação e pagamento, quer pela prática do acto em que o mesmo incida".
Nas palavras de Herculano Madeira Curvelo e José Cardoso dos Santos, o imposto do selo "incide sobre factos, documentos e objectos enumerados na Tabela e é determinado em função de espécie, características e extensão desses elementos, da natureza e do valor dos actos materializados e do fim a que os mesmos se destinem ou para que sejam utilizados”3.
O imposto do selo procura atingir, entre outros, os actos económicos, recaindo sobre as operações que constituem a revelação do rendimento ou riqueza, sem dúvida, a arrematação é um desses actos económicos que deve ser tributado em sede de imposto do selo.
Embora não se encontre uma definição legal para a expressão "arrematação", não é difícil de delimitar o seu âmbito de aplicação do art. SO da TGIS que a entidade recorrida aplicou, se se recorrer a uma interpretação sistemática de todo o regulamento, incluída a Tabela Geral que faz parte integrante deste último.
Encontra-se a referência a "arrematação" no RIS, respectivamente na al. a) do n.º 3 do art. 51º e art. 5º da Tabela Geral.
A arrematação enquanto acto translativo tem por incidência objectiva nos termos do art. 51º do Regulamento. Porém, são transmissões de bens imóveis, quer a título oneroso, quer gratuito, e transmissões gratuitas de bens móveis sujeitos a registo de valor superior a 50,000 patacas, que serão tributadas, segundo o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 51º e no n.º 2 do art. 54º do RIS.
Ora, as obras de arte e da antiguidade arrematadas no leilão realizado em 28 de Dezembro de 2012 são bens móveis não sujeitos a registo, que não são tributados a título de transmissão de bens pelo artigo acima mencionado.
Quanto ao preceito do art. 5º da TGIS, a terminologia "arrematação" empregue pelo legislador não tem que ser necessariamente coincidente com o que se exprime na al. a) do n.º 3 do art. 51º do RIS. Por outras palavras, a Tabela Geral não contém necessariamente regras especificas para concretizar as disposições gerais do próprio regulamento. Tomando como exemplo a locação de móveis sujeitos a registo, prevista no art. 1.º da Tabela Geral, nada se refere a locação no texto do Regulamento, pelo que se retira a conclusão de que os actos e documentos referidos na Tabela Geral não têm que ser previstos e regulados nos termos do Regulamento, e consequentemente o conceito empregue na Tabela Geral pode não se referir ao previsto no Regulamento. Assim sendo, o preceito "arrematações" do art. 5º da Tabela Geral pode ser algo diferente do que se refere na al. a) do n.º 3 do art. 51º enquanto acto translativo.
Nas palavras de Herculano Madeira Curvelo e José Cardoso dos Santos, o "termo (arrematação) não tem na legislação administrativa o significado estrito, jurídico-processual, de aquisição ou compra em hasta pública por licitação, leilão ou almoeda. Antes se usa geralmente como designado o processo por que se faz a adjudicação de obras públicas e de fornecimentos, como emprego simultâneo das palavras (arrematação) e (adjudicação) …….."4
Torna-se claro que o facto tributário previsto no art. 5º da Tabela Geral é a realização de actividade económica em si, processo especial com vista à comercialização de produtos, pela melhor oferta de valores, efectuada de forma aberta e aceita por um leiloeiro, não sendo decisivo o momento no qual se transmite o direito de propriedade de bens arrematados.
O art. 5º da TGIS dispõe: "Arrematações de produtos, de géneros e de bens ou direitos sobre móveis ou imóveis", são tributados à taxa de 5%0 (5 por mil) "sobre o preço da arrematação ou da adjudicação".
Da leitura do preceito supra resulta que tanto os actos de arrematação nos leilões privados como os realizados num processo executivo são abrangidos enquanto o legislador não os diferencia, recorrendo a uma técnica legislativa diferente da utilizada na al. a) do n.º 3 do art. 51º do RIS. Aqui, refere-se a "arrematação ou adjudicação por acordo ou decisão judicial ou administrativa" enquanto o art. 5º da Tabela Geral emprega a expressão "arrematação ou adjudicação" só.
Pelo exposto, basta a Recorrente organizar o leilão na data referida, no qual os interessados fazem licitação, quer oral quer escrita, e o leiloeiro aceita a melhor proposta do preço pela batida do martelo ou acto equivalente, para dar lugar ao facto tributário de arrematações previstas no art. 5º da Tabela Geral, daí que a alegada não concretização dos negócios por falta de pagamento do preço e a consequente não transferência de propriedade nada altere.
Como é sabido, arrematação, quer por leilão privado, quer por venda judicial em hasta pública, compreende uma série de actos complexos, sobre cuja natureza jurídica divergem as opiniões jurisprudenciais e doutrinais. Segundo o princípio da autonomia privada, as partes vendedor, leiloeiro e comprador - podem estipular livremente as regras do jogo, e uma pequena alteração destas pode afectar a qualificação jurídica de cada acto e consequentemente o respectivo efeito jurídico.
Portanto, sem regras legais que regulamentem o jogo (leilão), é muito difícil determinar qual é o momento translativo de propriedade e o momento do seu surgimento. Sem dúvida, as partes podem inserir cláusulas de reserva de propriedade até ao pagamento integral do preço, e determinar o como, quando e quanto para realizar as respectivas prestações que estão dependentes da autonomia privada das partes, perante o que a Administração Fiscal deve abster-se de intervenção.
Pois, é a fase de licitação em que participam todos os interessados que dá maior transparência do lance maior ao público, sobre qual deve o imposto recair porque, por um lado, a batida do martelo é o momento decisivo que conjuga a vontade negocial do proponente e a do leiloeiro, por outro, a interpretação dessa vontade reforça os combates a evasões fiscais.
Na ausência das regras legais, recorrem-se às normas estabelecidas pela empresa organizadora do evento. Conforme o art. 19° do Regulamento do leilão no Catálogo, o "licitante é responsável por cada lance oferecido. A batida do martelo pelo leiloeiro determina a aceitação do lance maior do licitante, que é obrigado a assinar imediatamente o contrato de compra e venda ..." (tradução nossa), pode ver-se que a Recorrente atribui relevância jurídica ao acto de lance maior e ao de batida do martelo, momento de as vontades das partes se conjugarem para formar o negócio jurídico. O contrato de compra e venda é celebrado neste momento mas com cláusula de reserva da propriedade, nos termos do art. 20º do regulamento do leilão.
Mesmo na venda judicial por meio de propostas em carta fechada ou outras modalidades de venda extrajudicial, que estão sujeitas ao imposto do selo pela arrematação nos termos do art. 5° da TGIS, o proponente tem um prazo de 15 dias para depositar o preço do bem após a aceitação da proposta melhor (cfr. art. 792° do Código do Processo Civil). Os bens apenas são adjudicados (transferência da propriedade) e entregues ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e cumpridas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, nos termos do n.º! do art. 795° do CPC (sublinhado nosso). Dito por outras palavras, a transferência da propriedade não é decisiva para dar lugar ao facto tributário da arrematação prevista no referido art. 5º.
Quanto ao lote n.º 231 e n.º 8, licitados respectivamente pelo valor de HK$680,000,000.00 e de HK$58,065,000.00, a Recorrente alega que o comprador invocou vícios no bem e falta de originalidade do bem que pretendia adquirir para frustrar a concretização de negócios. Segundo o disposto do art. 17 da Regulamento do leilão, os licitantes têm direito de examinar os lotes antes da realização do leilão e consultar as informações relevantes para conhecer bem do estado do objecto, incluídos os defeitos. Quem oferecer a proposta do preço para o lote pretendido significa a aceitação do estado actual do lote (incluídos os defeitos). Face a essa cláusula, é irrazoável que a Recorrente tinha aceite aqueles fundamentos para frustrar os negócios que são verdadeiramente válidos.
Igualmente, a falta de capital é incumprimento da obrigação do contrato formando através do processo especial do leilão que não afecta a sua validade, a obrigação fiscal nasce desde logo com a conjugação de vontades, um manifesta a sua vontade de adquirir a certo preço, outro com a vontade de o aceitar.
Acrescente-se que o art. 5º da TGIS faz recair sobre quem organiza o leilão a obrigação do imposto, sendo o leiloeiro sujeito de direito perante a Administração Fiscal, podendo consoante a convenção das partes repercutir ou não o imposto ao sujeito passivo de facto, que se desenha em consequência de, por vezes, o sacrifício económico resultante do pagamento do imposto ser suportado por pessoa diversa a quem é juridicamente exigível.
No que concerne à liquidação oficiosa, a Administração Fiscal não tomou as notícias publicadas em jornais para provar plenamente um facto, pelo contrário, tratando-as como provas indiciárias que deram lugar à investigação efectuada pelo Núcleo de Fiscalização Externa da DSF. Por exemplo, o preço de arrematação do lote n.º 8 relatado pelo jornal é HK$60,000,000.00, porém, a Administração Fiscal aceitou o preço de arrematação inscrito nos documentos apresentados pela Recorrente, no montante de HK$58,650,000.00.
Pelo exposto, a administração, ao proceder à liquidação oficiosa do imposto do selo em falta, sobre arrematações, enquanto acto económico, no montante de MOP4,140,018.00, não fez mais do que aplicar a lei.
Constatamos, pois, que se verificou o pressuposto da obrigação tributária em causa arrematações enquanto operações económicas - e que nos termos da Lei Fiscal, por tal facto, é devido imposto do selo, inexistindo fundamentos legais que obstassem à respectiva liquidação. Inexistindo erro nos pressupostos de direito que consubstanciaram a liquidação do imposto do selo devido pela Recorrente não enferma o acto administrativo de vício conducente à sua anulação.
A administração, ao proceder a liquidação oficiosa, tomou como base de cálculo os preços de arrematação declarados pela Recorrente, não havendo alegado desvio do poder por parte da Administração Fiscal que procedesse à liquidação com base em notícias publicadas em jornais.
Em conclusão,
1. Os fundamentos apresentados pela Recorrente para impugnação do acto da Sr.ª Directora dos Serviços de Finanças, de 18 de Julho de 2013, que indeferiu o seu pedido de revogação do acto da liquidação oficiosa do imposto do selo pela arrematação, não merecem provimento uma vez que o facto tributário previsto no art. 5° da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do Selo é o acto de arrematação enquanto acto económico em si, mas não a transmissão efectiva de propriedade de bens licitados.
2. Embora não se encontre uma definição legal para a expressão "arrematação", não é difícil de delimitar o âmbito de aplicação do referido art. 5° que a entidade recorrida aplicou, se recorrer a uma interpretação sistemática de todo o regulamento, incluída a Tabela Geral que faz parte integrante deste último.
3. A arrematação enquanto acto translactivo tem incidência objectiva nos termos do art. 51° do RIS. Porém, são transmissões de bens imóveis, quer a título oneroso, quer a gratuito, e transmissões gratuitas de bens móveis sujeitos a registo de valor superior a 50,000 patacas, que serão tributadas, segundo o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 51º e no n.º 2 do art. 54º do RIS. Contudo, as obras de arte e da antiguidade arrematadas no leilão realizado em 28 de Dezembro de 2012 são bens móveis não sujeitos a registo, que não são tributados a título de transmissão de bens pelo artigo 51º do RIS.
4. De facto, o facto tributário previsto no art. 5º da Tabela Geral é a realização de actividade económica em si, processo especial que visa vender os lotes, pela melhor oferta de valores, efectuada de forma aberta e aceite por um leiloeiro, não sendo decisivo o momento no qual se transmite o direito de propriedade de bens arrematados.
5. Basta a Recorrente organizar o leilão, no qual os interessados fazem licitação, quer oral quer escrita, e o leiloeiro aceita a melhor proposta do preço pela batida do martelo ou acto equivalente, para dar lugar ao facto tributário de arrematações previstas no art. 5º da Tabela Geral.
6. Mesmo na venda judicial por meio de propostas em carta fechada ou outras modalidades de venda extrajudicial, que estão sujeitas ao imposto do selo pela arrematação nos termos do art. 5° da TGIS, o proponente tem um prazo de 15 dias para depositar o preço do bem após a aceitação da proposta melhor (cfr. art. 792º do Código do Processo Civil). Os bens apenas são adjudicados (transferência da propriedade) e entregues ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e cumpridas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, nos termos do n.º 1 do art. 795º do CPC Dito por outras palavras, a transferência da propriedade não é decisiva para dar lugar ao facto tributário da arrematação prevista no art. 5º da Tabela Geral, da i que a alegada não concretização dos negócios por falta de pagamento do preço e a consequente não transferência de propriedade nada altere.
7. Acrescente-se que o art. 5° da TGIS faz recair sobre quem organiza o leilão a obrigação do imposto, sendo o leiloeiro sujeito passivo de direito perante a Administração Fiscal, podendo consoante o acordo das partes repercutir ou não o imposto ao sujeito passivo de facto, que se desenha em consequência de, por vezes, o sacrifício económico resultante do pagamento do imposto ser suportado por pessoa diversa a quem é juridicamente exigível.
8. No que concerne à liquidação oficiosa, a Administração Fiscal não tomou as notícias publicadas em jornais para provar plenamente um facto, pelo contrário, tratando-as como provas indiciárias que dá lugar à fiscalização efectuada pelo Núcleo de Fiscalização Externa da DSF. Por exemplo, o preço de arrematação do lote n.º 8 relatado pelo jornal é HK$60,000,000.00, porém, a Administração Fiscal aceitou o preço de arrematação inscrito nos documentos apresentados pela Recorrente, no montante de HK$58,650,000.00.
9. Por todo o exposto, os fundamentos alegados pela recorrente não são susceptíveis de sustentar o deferimento da anulação do acto de liquidação oficiosa de imposto do selo pela arrematação,
À consideração Superior,”
Mais se informa a V. Exa. que, nos termos do disposto no parágrafo (2) da alínea 8) do artigo 36° da Lei n.º 9/1999, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 9/2004, e no art. 7° da Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto, do acto administrativo em apreço cabe recurso contencioso, a interpor no prazo de 2 meses a contar da data da notificação, para o Tribunal de Segunda Instância da Região Administrativa Especial de Macau.
Com os melhores cumprimentos,
Direcção dos Serviços de Finanças, na RAEM, aos 17 de Outubro de 2013.
P'la Directora dos Serviços,
A Coordenadora do NAJ, Subta.
Carolina Figueiredo
Na base daquele despacho esteve a factualidade seguinte:
Em 28.12.2012, a Recorrente realizou um leilão designado por "Macau A 2012 Autumn Auctions".
Em 31.12.2012, foi relatado pelo Jornal Va Kio a realização do leilão, no qual, os maiores lanços das peças n.º 8, n.º 169, n.º 146 e n.º 231 são respectivamente no valor de MüP60.000.000,00, MOP38.000.000,00, MOP26.000.000,00 e MOP680.000.000,00.
Em 01.01.2013, o leilão supra mencionado também foi reportado pelo Jornal "Macao Daily News", tendo noticiado que a peça n.º 8 foi comprada a preço de MOP60.000.000,00.
Tendo em conta a reportagem dos jornais, os inspectores do Núcleo de Fiscalização Externa dos Serviços de Finanças dirigiram-se à sede da Recorrente em 04.01.2013 para obter mais informações do referido leilão.
A Recorrente facultou ao Núcleo de Fiscalização Externa da DSF um livro de arrematação que mostra todos os lotes, bem como a cópia da guia de pagamento do imposto do selo.
Conforme essa guia de pagamento M/B n.º 2013-14-900004-08, a Recorrente procedeu, em 07.01.2013, à liquidação e efectuou o pagamento do imposto do selo, na quantia de MOP4.005.00, pela arrematação de lotes n.ºs 11, 14, 15, 22, 33, 66, 94, 130, 133, 272, 348, 399, 400, 401 e 464, cujos preços de arrematações são respectivamente HKD172.500,00, HKD11.500,00, HKD7.300,00, HKD21.850,00, HKD34.500,00, HKD36.800,00, HKD51.750,00, HKD34.500,00, HKD9.200,00, HKD230.000,00, HKD138.000,00, HKD11.500,00, HKD3.450,00, HKD9.200,00 e HKD5.750,00, totalizando o valor de HKD777.620,00 (HKD777.620,00 X 1.03 = MOP800.949,00).
Consoante o art. 5º da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do Selo (adiante designado por TGIS), a Administração Fiscal calculou o imposto do selo à taxa de 5% sobre o preço de arrematação declarado, ou seja, no formulário seguinte: MOP800.949,00 X 5% = MOP4.005,00.
Em 16.01.2013, foi pago o imposto do selo pela arrematação dos lotes n.ºs 34, 38 e 447, no valor de MOP782,00, através da guia de pagamento M/B n.º XXX, que corresponde a 5% da soma dos preços declarados, ou seja, a HKD151.800,00.
Consoante o documento apresentado pela Recorrente (fls. 12 do P.A.), os lotes n.ºs 8, 293, 146, 169 e 231 foram arrematados respectivamente pelo valor de HKD58.650.000,00, HKD437.000,00, HKD26.800.000,00, HKD38.000.000,00 e HKD680.000.000,00, porém, sendo as transacções goradas por razões diversas, designadamente por defeito de produto, não pagamento do preço num determinado prazo após a realização do leilão e preço de maior lanço ser inferior ao de reserva.
Conforme o referido pelo representante da Recorrente (fls. 24 do P.A.), segundo os usos gerais de arrematação, os licitantes têm um prazo de 15 dias para decidir comprar ou não os objectos arrematados, caso o comprador se arrependesse, a sua caução, no valor de MOP10,000.00, seria perdida a favor do vendedor. O negócio só se considera realizado depois do pagamento do preço. Por razão de, até então, apenas uma parte de compradores efectuar o pagamento de preço, assim, procedeu-se à liquidação do imposto do selo correspondente à parte dos bens arrematados, faltando a liquidação de peças n.ºs 8, 293, 146, 169 e 231, no valor total de MOP828,003,610.00 (HKD803,887,000.00 X 1.03).
Em reacção ao cumprimento parcial e intempestivo da obrigação de liquidação do imposto do selo por parte da Recorrente, em 06.05.2013 foi, no despacho do Sr.° Director Substituto dos Serviços de Finanças exarado na Informação n.º 1217/NIS/DOI/RFM/2013 de 24.04.2013, autorizada a liquidação oficiosa que incide sobre o valor de diferença, ou seja, exige-se o imposto do selo, no montante de MOP4.140.018,00 (MOP828.003.61 0,00 X 5%).
A Recorrente foi notificada da liquidação oficiosa da diferença do imposto em falta, mediante o Oficio n.º 1477/NIS/DOI/RFM/2013, datado de 08.05.2013.
Inconformada com a decisão de proceder-se a liquidação oficiosa, a Recorrente apresentou à DSF, em 23.05.2013, uma reclamação na qual pede a revogação do acto de liquidação oficiosa por falta de pressupostos legais e materiais para qualificar a compra e venda através da abertura de licitação como sendo um acto ou facto susceptível de imposto.
Foi elaborada em 12.07.2013, pelo Núcleo do Imposto do Selo da DSF, a Informação n.º 1888/NIS/DOI/RFM/2013, onde por despacho da Sr." Directora dos Serviços de Finanças, datado de 18.07.2013, foi negado o provimento da Reclamação, cuja decisão foi notificada à ora Recorrente mediante o Oficio n.º 2236/NIS/DOI/RFM/2013, datado de 26.07.2013.
Inconformada, uma vez mais, com a decisão dos Serviços mencionado, veio a Recorrente interpor o recurso hierárquico necessário, o qual foi indeferido pelo despacho ora impugnado.
IV - FUNDAMENTOS
1. São duas as questões que importa conhecer, sendo que a respeitante à caducidade do recurso reveste dois fundamentos :
- Se o recurso foi interposto em tempo (prazo e respectiva contagem);
- Se é devido o imposto pelas 3 arrematações concretas, no âmbito da actividade leiloleira, não tendo sido pago o preço.
2.1. Defende a entidade recorrida que o presente recurso contencioso deve ser liminarmente rejeitado pela caducidade do direito do mesmo nos termos da al. h) do n.º 2 do art. 46° do Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), o que constitui excepção peremptória nos termos do n.º 3 do art. 412° do Código de Processo Civil (CPC), na medida em que importam a absolvição do pedido. Isto porque o mandatário judicial da ora recorrente foi notificado do despacho do Sr.° Secretário para a Economia e Finanças de 15/10/2013, mediante carta enviada sob registo postal e com aviso de recepção, com data de registo de 21/10/2013, carta essa recebida em 22/10/2013.
Uma vez que o presente recurso contencioso fiscal da anulação apresentado pela recorrente deu entrada no Tribunal em 06/01/2014 e resultando dos n.ºs 1 e 3 do art. 2° do DL 16/84/M, de 24 de Março, que as notificações e avisos de natureza fiscal são efectuadas por carta registada sem aviso de recepção; considerando que se presumem feitos no quinto dia posterior ao do registo postal ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando não o seja, tratando-se de actos praticados pelos Secretários; visto que o prazo para a interposição de recurso contencioso é de 2 meses, nos termos do disposto no art. 7° da Lei n.º 15/96/M, de 12 de Outubro, considerando que se trata de um prazo substantivo que se situa a montante da instauração da lide e se destina a determinar o período dentro do qual pode exercer-se o direito da acção sob pena de caducidade, não se suspendendo durante as férias judiciais, o prazo de recurso terminaria em 26/12/2013.
Pelo que o prazo da interposição do recurso contencioso já teria caducado aos 06/01/2014, quando a recorrente apresentou ao Tribunal o petitório dos presentes autos.
2.2. Não tem razão a entidade recorrida.
O prazo de interposição de um recurso contencioso tem natureza substantiva5 e não se interrompe nem suspende senão nos casos previstos na lei, podendo embora alegar o justo impedimento pela ocorrência dos eventos não imputáveis ao recorrente, seus representantes ou mandatários.
É verdade, pois, que se trata de um prazo de caducidade e é verdade que corre em férias. É certo que tal prazo deve correr de forma contínua, nos termos da al. b) do art. 74°, CPA, "ex vi" do n.º 3 do art. 25°, CPAC.6
Mas terminando em férias passa para o primeiro dia útil seguinte após férias.
2.3. Nem se diga que o artigo 74º a tal obsta. Aí se prevê:
À contagem dos prazos são aplicáveis as seguintes regras:
a) Não se inclui na contagem o dia em que ocorreu o evento a partir do qual o prazo começa a correr;
b) O prazo é contínuo e começa a correr independentemente de quaisquer formalidades;
c) O termo do prazo que caia em dia em que o serviço não esteja aberto ao público, ou não funcione durante o período normal, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.
Durante as férias judiciais os Tribunais estão abertos mas com as restrições que constam do artigo 93º do CPC, não se praticando actos processuais, com as excepções relativas das citações, notificações e actos que se destinem a evitar dano irreparável.
O que é reforçado com o artigo 13º da LBOJ.
Daqui decorre que, ainda de porta aberta, durante as férias, o tribunal não pratica actos processuais normais e, portanto, não relevantes em relação a quem quer que ali se desloque. E este é que deve ser o sentido útil da alínea c) do artigo 74º, pensado para os órgãos da Administração, com aquele sentido se devendo projectar nos órgãos judiciais.
2.4. Esta interpretação, no sentido do funcionamento normal, já a expressavam Lino Ribeiro e Cândido de Pinho na anotação ao artigo 71º do CPA anterior, com a mesma previsão normativa, ainda que estando em vigor o regime decorrente do art. 28º da LPTA que remetia expressamente para o artigo 279 do CPC.7
Esta interpretação, aliás a mais consentânea com uma interpretação sistémica, na medida em que sendo um prazo substantivo assim se aproxima da contagem nos termos do artigo 272º do CC, onde se preceitua, na alínea e) que O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias de feriados são equiparadas as férias judiciais, bem como os dias em que as secretarias dos tribunais se encontrem fechadas, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo.
Esta, aliás, a prática adoptada e a interpretação que tem sido seguida nos nossos Tribunais.8
Nem se invoquem os processos 70/2000, de 24/10/2002 22/2003, de 14/12/03, porquanto aí não estava em causa a prática do acto no primeiro dia após férias, mas tão-somente a contagem contínua do prazo, vista a sua natureza substantiva.
E a experiência do direito comparado, ainda que com normas diferentes que remetem, dentro dos bons princípios, para a norma do artigo 279º do CC português, v.g. art. 20º do CPPT e antigo 28º da LPTA e o novo Regime do Processo Administrativo rege apenas para os prazos processuais, não deixa de inculcar no sentido da interpretação acima desenhada.
2.5. Pelas razões expostas julgar-se-á improcedente a alegada excepção de caducidade.
3. 1. O Digno Magistrado do MP suscita ainda a caducidade do recurso, dizendo:
“... por força da entrada em vigor do Dec Lei 110/991M de 13/12 que aprovou o CPAC e de acordo com o seu art.º 7°, cessaram em Macau as disposições incompatíveis com o previsto naquele diploma, o que sucederá com a matéria relacionada com os prazos de interposição de recursos contenciosos, regendo no específico o seu art? 25° e havendo, pois, que considerar implicitamente revogada a disposição -art° 7° da Lei 15/96/M - de que ambas as partes parecem querer lançar mão.
Dest'arte, prevendo o citado art° 25°, n? 2, al a) do CPAC, para os residentes de Macau, como é o caso, a caducidade do recurso de actos anuláveis (e, nenhuma outra forma de invalidade se mostra assacada) no prazo de 30 dias, fácil é constatar, atenta a data de notificação do acto (22, ou 26/10/2013, para o caso tanto faz), que, à data de entrada em juízo do presente recurso -{í/1/14 - havia, há muito, caducado o direito respectivo, o que, a nosso ver, deverá conduzir à rejeição liminar, nos termos da al h) do n.º 2 do art° 46°, do mesmo diploma legal.”
3.2. A lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto, no art. 7º, prevê um prazo de dois meses para a interposição do recurso contencioso nos termos previstos nas leis e regulamentos fiscais de actos praticados pelo Chefe do Executivo ou pelos Secretários.
Com todo o respeito pela posição do Digno Magistrado do MP somos a entender que a Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto - uma lei especial - não se encontra revogada, nem expressa, nem implicitamente, pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro. A lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador - artigo 6º, n.º 3 do Código Civil - e essa intenção, se não tem de ser expressa, deve estar implícita de uma forma clara, indubitável, evidente, a extrair do texto ou do contexto da lei.
Não é pelo facto de não se encontrar revogada expressamente a Lei n.º 15/96/M, de 12 de Agosto, no artigo 7.° Decreto-Lei n.º 110/99/M, que versa sobre a "Cessação de vigência" - do sempre citado Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, que aquela lei poderia estar revogada. Podê-lo-ia estar tacitamente se tal revogação se evidenciasse de alguma forma da nova lei que se reputa de geral.
O que resulta da articulação e sucessão dos vários diplomas e respectivas normas é que há a intenção de manter uma regulamentação específica para certos actos e procedimentos praticados no âmbito fiscal.
3.3. Se não vejamos.
Para que se considerasse revogada a Lei n.º 15/96/M de 12 de Agosto, ter-se-ia que considerar revogado Decreto-Lei n.º 16/84/M, porquanto tal lei surgiu na sua sequência, tal como se refere na sua epígrafe "Clarificação de alguns aspectos em matéria fiscal", da necessidade de ajustar a lei às especificidades daquela disciplina, sendo intenção do legislador, ao publicar o Decreto-Lei n.º 16/84/M, afastar a aplicação em matéria fiscal, de algumas normas previstas no Código do Procedimento Administrativo, então em vigor, relativas à notificação ou aviso, sob registo postal, como meio de dar conhecimento aos contribuintes dos diversos factos tributariamente relevantes.
Ao publicar a Lei n.º 15/96/M, pretende o legislador esclarecer alguns aspectos em matéria fiscal, nomeadamente em relação aos autores dos actos, vias de facto, à notificação ou aviso, sob registo postal, recursos hierárquicos facultativos e prazos de recursos.
Ao tempo da Lei n.º 15/96/M regia já a Lei n.º 112/91 (Lei de Bases de Organização Judiciária de Macau) que no art. 16º, n.º 1, previa o prazo de dois meses para o recurso dos actos do Governador e secretários-adjuntos, não só em matéria administrativa, mas também em matéria fiscal e aduaneira. Para os actos das demais autoridades o prazo era de 45 dias - art. 2º do DL n.º 35/94/M, de 18/7.
Realmente a lei n.º 15/96/M não altera esse prazo, mas também não se compreende que havendo já lei, definindo o mesmo prazo para essas matérias, o legislador tivesse necessidade de o afirmar ali. A justificação que se encontra - havendo nós que presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que não pratica actos inúteis - é que, ao regular e complementar o regime tributário quisesse vincar a especialidade inerente a tais matérias.
A particularidade do sector das relações jurídicas tributárias continua a justificar a regulamentação sectorial de um conjunto de matérias que regulam complementarmente aquelas situações.
É ainda o caso do Decreto-Lei n.º 16/85/M, que estabelece o regime geral da anulação e restituição de contribuições e impostos, aí se referido que “A especialidade da relação jurídica tributária assinala-lhe características e confere-lhe um regime jurídico próprio, derrogante em muitos aspectos do regime da relação jurídica em geral.”; a Lei n.º 20/2009, sobre a troca de informações em matéria fiscal, também institui um regime próprio com um procedimento que se aparta do regime geral, aí se referindo a aplicabilidade de diplomas anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, como é o caso do Decreto-Lei n.º 16/84/M; o disposto no artigo 2º da Lei n.º 12/2003 quanto ao estabelecimento de um recurso hierárquico necessário, para já não falar em inúmeros diplomas relativos aos diferentes impostos.
3.4. Tem sido esta a interpretação que a Administração faz do regime aplicável, bastando atentar no prazo inserto nas notificações aos interessados para o exercício do seu direito ao recurso.
Esta tem sido a Jurisprudência, com pronúncia expressa9 e aceitação tácita em todos os casos de recursos contenciosos em matéria fiscal interpostos segundo aquela indicação dada pela Administração Fiscal.
3.5. Somos, pois, a pronunciarmo-nos no sentido da inverificação da caducidade do direito ao recurso no presente caso.
4. Vamos então analisar a questão de fundo.
4.1. Resume-se ela em saber se assiste à Administração Fiscal o direito de cobrar imposto de selo a uma leiloeira por três actos de licitação e arrematações que não se chegaram a concretizar relativas a três peças leiloadas no valor de várias dezenas de milhões de patacas, porquanto os licitantes, um do Canadá, alegando falta de genuidade da peça, não depositou o respectivo preço, outra de Taiwan que alegou indisponibilidade financeira e também não depositou o preço respeitante a duas peças por si licitadas.
Isto, num quadro de actividade leiloeira, em que foi cobrado e pago o imposto de selo, respeitante a muitos outros actos em que se consumou a arrematação.
A questão que se põe é a seguinte: é ou não devido imposto de selo pela actividade desenvolvida pela recorrente em relação àquelas três peças?
4.2. O acto recorrido é o despacho de 15 de Outubro de 2013, da autoria do Senhor Secretário para a Economia e Finanças que indeferiu o recurso hierárquico necessário do despacho de 18 de Julho de 2013, da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, que indeferiu o pedido de revogação do acto de liquidação oficiosa do imposto do selo por arrematação de bens, proferido em sede de reclamação graciosa.
4.3. Pretende a recorrente que não há lugar ao imposto do selo, porque, pese o facto de terem sido licitados alguns bens que foram à praça a fim de serem vendidos em leilão por si organizado os respectivos licitantes não concretizaram a compra de tais bens, o que significa que a arrematação não foi concretizada pelo pagamento imediato do preço pelos arrematantes e, nessas circunstâncias, a venda ficou sem efeito, não tendo havido transmissão de bens, para efeitos fiscais, nem, tão pouco, houve valores sobre os quais pudesse ter sido fixada a matéria colectável do imposto do selo.
4.4. Afirma-se no acto recorrido: "Conforme estipulado no art. 1.º do Regulamento do Imposto do Selo, este recai sobre os documentos, papéis e actos designados na Tabela geral anexa ao seu regulamento. O artigo 2.º refere que a RAEM adquire o direito ao Imposto do Selo, quer pelo facto da sua liquidação e pagamento, quer pela prática do acto em que o mesma incida".
A entidade recorrida embora defenda que "o imposto do selo procura atingir, entre outros, os actos económicos, recaindo sobre as operações que constituem a revelação do rendimento ou riqueza (…)" , estranhamente, por outro lado, não deixa de referir que a arrematação, enquanto acto translativo tem por incidência objectiva nos termos do art. 51.° do Regulamento, apenas, as transmissões de bens imóveis, quer a título oneroso, quer gratuito e transmissões de bens móveis sujeitos a registo de valor superior a 50.000 patacas, excluindo as obras de arte e as antiguidades, porque são bens móveis não sujeitas a registo.
4.5. Não se percebe bem a referência feita pela entidade recorrida quanto ao conceito de "arrematação" que pretende ter uma natureza de acto translativo, dentro de uma categoria de tributáveis quando referidos a bens imóveis e bens móveis sujeitos a registo de valor superior a 50.000 patacas e já não a bens móveis não sujeitos a registo.
4.6. Vejamos o que dispõe o artigo 51º da Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho:
“1. É devido imposto do selo por quaisquer documentos, papéis e actos que sejam fonte, para efeitos fiscais, de transmissão entre vivos, temporária ou definitiva:
a) A título oneroso ou gratuito de imóveis;
b) A título gratuito, de quaisquer outros bens, direitos ou factos sujeitos a registo, de acordo com a legislação aplicável, de valor superior a 50 000 patacas.
2. São consideradas fontes de transmissão de bens para efeitos fiscais todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem.
3. Para efeitos do disposto no número anterior são sujeitos a imposto do selo:
a) Os contratos de compra e venda, troca, arrematação ou adjudicação por acordo ou decisão judicial ou administrativa, constituição de usufruto, uso e habitação, servidão ou direito de superfície;
b) Os contratos-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo;
c) A cedência do usufruto, uso e habitação ou de servidão a favor do proprietário e a aquisição do direito de superfície pelo proprietário do solo;
d) A aquisição de benfeitorias e a de bens imóveis por acessão;
e) A remição de bens imóveis nas execuções;
f) A adjudicação de bens imóveis aos credores, bem como a entrega feita directamente aos mesmos como dação em cumprimento ou em função do cumprimento, ou a entrega feita a outrem com a obrigação de lhes pagar;
g) A remição, redução ou aumento de foros, ainda que seja por incómodo da cobrança, bem como a devolução de bens aforados ao senhorio;
h) A cessão da posição contratual, independentemente da forma assumida;
i) As entradas dos sócios com bens imóveis ou direitos reais sobre os mesmos para a realização do capital das sociedades comerciais e a adjudicação dos mesmos aos sócios na liquidação dessas sociedades;
j) As entradas dos sócios com bens imóveis ou direitos reais sobre os mesmos para a realização do capital das sociedades civis, na parte em que os outros sócios adquirirem comunhão ou qualquer outro direito nesses imóveis, bem como, nos mesmos termos, as cessões de partes sociais ou de quotas ou a admissão de novos sócios;
l) As entradas dos cooperantes com bens imóveis ou direitos reais sobre os mesmos para a realização de cooperativas e a adjudicação dos mesmos bens aos cooperantes na liquidação dessas cooperativas;
m) A transmissão de bens imóveis por cisão das sociedades referidas nas alíneas i) e j) ou por fusão de tais sociedades entre si ou com sociedade civil;
n) A constituição ou transmissão de concessão por aforamento ou por arrendamento, nos termos da lei de terras;
o) A subconcessão ou trespasse das concessões feitas pela Região Administrativa Especial de Macau, para uso ou fruição de imóveis do seu domínio privado, ou para a exploração de empresas comerciais ou industriais, tenha ou não começado a exploração;
p) As procurações ou substabelecimentos que concedam poderes de disposição do bem ao procurador e sejam irrevogáveis sem o acordo do interessado, nos termos do n.º 3 do artigo 258.º do Código Civil;
q) Qualquer outro documento, papel ou acto que transfira os poderes de facto de utilização e fruição de um bem ou direito.
4. O pagamento do imposto do selo nas transmissões tituladas pelos documentos referidos na alínea b) do número anterior, desoneram o respectivo sujeito passivo do seu pagamento aquando da celebração do contrato definitivo, desde que não exista alteração das partes, do objecto e se mantenha o valor da transmissão.
5. Presume-se, sendo admitida prova em contrário, o conhecimento do mandatário ou substabelecido nas procurações ou substabelecimentos referidos na alínea p) do número anterior.
6. O pagamento do imposto do selo nas procurações ou substabelecimentos referidos na alínea p) do n.º 3 que prevejam a celebração de negócio consigo mesmo desoneram o mandatário ou substabelecido do pagamento do imposto aquando da celebração desse negócio.
7. Não são tributadas em imposto do selo as adjudicações ou arrematações nem as cessões da posição contratual referidas nas alíneas a) e h) do n.º 3, respectivamente, quando tenham por objecto bens imóveis que, por força de lei especial, devam ser revendidos decorrido prazo certo.”
4.7. Na verdade, o art. 51.°, n.º 2, do Regulamento do Imposto do Selo, prescreve que: "São consideradas fontes de transmissão de bens para efeitos fiscais todos os documentos, papéis ou actos que titulem a transferência dos poderes de facto de utilização e fruição do bem" e, por sua vez, o n.º 3, estipula: "Para efeitos do disposto no número anterior são sujeitos a imposto do selo": "(...) q) Qualquer outro documento, papel ou acto que transfira os poderes de facto de utilização e fruição de um bem ou direito.”
Se a entidade recorrida se refugiou na falta de um conceito legal de "arrematação", alegando que deve ser extraído da interpretação sistemática de todo o diploma - Regulamento do Imposto do Selo - , sempre se dirá que o seu art. 55.°, n.º 1, estabelece que "A matéria colectável do imposto do selo previsto neste capítulo tem por base o valor do bem ou direito transmitido, constante do documento, papel ou acto respectivo". Isto é, não deixa de estar subjacente para a entidade recorrida a existência de uma transmissão do bem, mesmo que se afirme ser claro que o facto tributário previsto no art. 5.° da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do selo "é a realização da actividade económica em si, processo especial com vista à comercialização de produtos, pela melhor oferta de valores, efectuada de forma aberta e aceita por um leiloeiro, não sendo decisivo o momento no qual se transmite o direito de propriedade de bens arrematados".
Há, no entanto, que referir que as transmissões tributadas são as previstas no n.º 1, o que não abrange a situação dos autos.
Temos assim que nos voltar para a base de incidência contemplada no artigo 5º da Tabela, devendo ser essa e apenas essa a base do imposto.
4.8. Antes, porém, de analisar este artigo, vejamos da natureza do imposto de selo.
A vida civil e económica na sua complexidade é constituída de actos numerosos que o Direito disciplina e é sobre grande variedade e diversidade desses actos que se concretizam na emissão de documentos e actividades que incide o chamado imposto de selo. É dos capítulos mais complicados e difíceis da teoria dos impostos, obrigando o Fisco e os juristas a delimitar o seu alcance. A dificuldade adensa-se da confusão entre selo-meio-de-cobrança e selo-imposto.
Na origem do imposto está uma necessidade de os poderes públicos controlarem uma série de actos através da venda de suporte documental oficial para os mesmos e rapidamente se tornou num modo de tributar as realidades mais diversas, abrangendo hoje actividades que se encontram tributadas pelos mais diferentes impostos.10 Na exposição de motivos que antecedeu a publicação do Código do Imposto do Selo, na sua versão de 1999, em Portugal, escreve-se logo no início: "o Imposto do Selo é hoje geralmente identificado como um elemento anacrónico do sistema fiscal português. As suas bases de incidência, liquidação e pagamento consistiriam, segundo um ponto de vista vulgarizado na opinião pública, em excrescências do passado, a suprimir com a necessária modernização do ordenamento jurídico tributário. “Esta característica anacrónica manifesta-se basicamente no seu intenso casuísmo e na ausência de princípios que possam ajudar à sua interpretação e aplicação como norma jurídica, além da sua excessiva adesão a conceitos importados do Direito Civil, geralmente inadequados para a previsão normativa no Direito Fiscal, pelo seu carácter excessivamente formalista.
“Isto comporta a dupla consequência da dificuldade da sua interpretação e da imprevisibilidade das suas consequências jurídicas. Acresce a facilidade com que a sua previsão normativa pode ser contornada por mera alteração de forma, com a consequente frustração da intenção normativa.”, continua o Autor acima citado.
Na teleologia do Imposto do Selo descortina-se que ele deve recair sobre as operações que, constituindo a revelação do rendimento ou riqueza, por qualquer outro motivo não sejam abrangidas por qualquer outro tipo de tributação indirecta.
Para uns autores a relação de imposto do selo é a que liga o vendedor ao comprador do valor selado e que se traduz na aquisição do selo em contrapartida de um preço, que é a verdadeira receita fiscal que ingressa nos cofres públicos. Para outros, todavia, essa relação é uma simples relação preliminar da verdadeira obrigação tributária que nasce quando se verifica o facto a que a lei liga a consequência do imposto. Este, em qualquer das suas formas é uma designação genérica que encobre realidades muito heterogéneas, sendo já “ muito diversos os pressupostos de facto das obrigações tributárias submetidas àquele regime de cobrança. À cobrança por selo podem estar sujeitos impostos, impostos tão diversos como as quotizações para o Fundo de Desemprego, o imposto sobre especialidades farmacêuticas, anúncios, bilhetes de espectáculos, letras, contratos, etc.”11
4.9. Vejamos, entre nós, o que se passa.
Como impostos sobre os actos e documentos encontra-se o imposto do selo, previsto no Regulamento do Imposto do Selo (RIS) e na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aprovados pela Lei n.º 17/88/M, de 27 de Junho.
“O imposto do selo tem sido classificado na categoria dos impostos indirectos, pois trata-se, geralmente, de um imposto de prestação única e que, incidindo sobre a despesa, tributa actos e factos isolados, cuja matéria colectável se manifesta indirectamente na capacidade contributiva do sujeito passivo. Através do imposto do selo tributa-se a circulação de riqueza, de bens e de valores, principalmente quando tais valores ou bens não tenham podido ser tributados por outra via. A par destes casos de tributação, a Tabela Geral do Imposto do Selo e outros diplomas prevêem numerosos casos de inutilização de estampilhas fiscais, como forma de pagamento de taxas devidas por serviços prestados pelo Território [cf, TGIS. art.º 8.º, 11.º, 12.º, 35.º, etc.], embora não seja de excluir que, conjuntamente com a importância da taxa, esteja a ser cobrado um imposto. (...) o legislador não definiu qualquer norma geral de incidência do imposto do selo, sendo a incidência deste imposto fixada por remissão para a Tabela Geral do Imposto do Selo, pois "o imposto do selo recai sobre todos os documentos, papéis e actos designados na Tabela Geral anexa ao presente regulamento, a qual faz parte integrante dele (RIS, art.1º). Para uma melhor compreensão da sua natureza e aplicação, pode decompor-se o imposto do selo de acordo com os diferentes actos e documentos passíveis de tributação. “12
4.10. Posto isto, há que dilucidar no objecto que integra a base de tributação o âmbito deste imposto, sendo que no artigo 1º nada se concretiza, pelo que urge indagar na Tabela qual o acto que concretamente se visa tributar.
O que está em causa nos autos é o artigo 5º da Tabela que faz tributar as “Arrematações de produtos, de géneros e de bens ou direitos sobre móveis ou imóveis, sobre o preço da arrematação ou da adjudicação.” A taxa é de 5‰ e a forma de pagamento é por Estampilha ou selo de verba. Naquele artigo mais se refere que “Esta permilagem é paga por meio de estampilhas coladas no respectivo auto e inutilizadas por quem presidir à praça ou conceder a remição ou distrate.
Quando se trate, porém, de arrematações ou adjudicações feitas perante quaisquer autoridades ou em serviços da RAEM ainda que personalizados, órgãos municipais, empresas públicas e pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa, pode cobrar-se por meio de selo de verba a respectiva taxa, efectuando-se o pagamento no primeiro dia útil que se seguir ao da realização da praça, remição ou distrate.
Nos documentos que titulem a arrematação, remição ou distrate é sempre mencionada a a importância do imposto do selo pago.”
4.11. A primeira dificuldade reside na densificação do que seja a arrematação ou adjudicação, à falta de uma noção legal para tais actos. Merecendo o mesmo tratamento, será que traduzem realidades diferentes? Concretamente em que se traduzem? Implicam a transmissão da coisa?
4.12. Na falta de uma previsão própria para as leiloeiras, vamo-nos servir do que se mostra regulado para as vendas judiciais. A arrematação é o “acto processual da venda judicial (quando esta seja feita sob a forma de arrematação em hasta pública), que consiste na colocação em leilão de cada bem ou lote e abertura de licitação entre os interessados. Fala-se também de arrematação em relação a cada bem ou lote e chama-se arrematante àquele licitante a quem, por ter feito o lanço mais elevado, o objecto ou lote é adjudicado.”13 “Por outro lado, a adjudicação, em processo civil, é o ”Acto processual pelo qual o tribunal transmite em favor de um ou vários interessados (por exemplo, co-licitantes na venda em hasta pública, co-proponentes na venda por meio de propostas em carta fechada, com proprietários da coisa comum divisível ou indivisível, co-herdciros ou outros interessados na partilha no processo de inventário, etc.) a totalidade ou parte de uma coisa, por ter sido reconhecido o direito dessa ou dessas pessoas à coisa, por terem direito de preferência, terem licitado mais alto no acto de arrematação e/ou cuja proposta em carta fechada tenha prevalecido. Por vezes, existindo co-interessados ou coproponentes em igualdade de circunstâncias, a determinação daquele a quem deve ser adjudicada a coisa (ou a determinação de a quem deve ser adjudicado cada quinhão no caso de uma universalidade de coisas a partilhar e adjudicar) é feita por sorteio.”14
No âmbito do Processo Civil, aceite alguma proposta o proponente é notificado para, no prazo de 15 dias depositar o preço - art. 792º do CPC - e se o não fizer é liquidada a sua responsabilidade (no direito antigo, antes de 1977, ía preso) e o juiz pode determinar que a venda fique sem efeito, procedendo-se a nova venda - art. 793º.
4.13. Daqui somos a retirar que mesmo na venda judicial o contrato se consubstancia com a arrematação, sendo um contrato quoad effectum, isto é o direito de propriedade adquire-se por mero efeito do contrato - art. 402º, n.º 1 do CC-, sendo a entrega da coisa e o pagamento do preço meros efeitos do contrato, como resulta do art. 869º do CC. Na verdade, só nos contratos ad constitutionem a entrega da coisa integra um elemento constitutivo do próprio contrato (casos do mútuo, depósito, comodato).
No nosso caso, o que terá faltado foi o pagamento do preço e a entrega também não se consumou, mas o contrato de venda deve ter-se por realizado.
4.14. Passemos agora o olhar sobre a Jurisprudência Comparada que possa de alguma forma ajudar à dilucidação da melhor interpretação, ainda que respeitante a vendas judiciais.
- “O facto de a compradora ainda não ter pago integralmente o preço à data da entrada do pedido de remição no tribunal é de todo indiferente. O que para o efeito releva e importa é a assinatura do auto da arrematação. Não, seguramente, o pagamento integral do preço, como o recorrente defende. E isto, não só por à adquirente ter sido concedido o prazo legal de 15 dias para satisfazer o resto do preço (artigo 904, n. 3 do Código de Processo Civil), como também por a transmissão dos bens a favor do adjudicatário, quando estes são vendidos em hasta pública, se operar com a assinatura do auto de arrematação - suficiente para se requerer o registo provisório da transmissão, desde que feita a prova dela e do depósito da 10 parte do preço e das despesas prováveis (artigo 48 do Cód. Reg. Pred.) - e, portanto, na data da praça. O facto de a entrega dos bens se não poder efectuar sem o pagamento ou o depósito da totalidade do preço e de o registo definitivo da transmissão só se poder requerer com base no título de arrematação, o qual, como ninguém ignora, só pode ser passado depois de depositado o preço e de paga a sisa, quando devida (artigo 905 do CPC), não tem importância de maior. Significa que a transmissão verificada com a arrematação susceptível de levar ao registo provisório a que se fez referencia, se acha sujeita a uma cláusula resolutiva, cessando, consequentemente, se a sisa, sendo devida, não for paga ou o arrematante não completar o pagamento do preço da compra no prazo legal (J. A. dos Reis in ob. e doc. cit., página 374 e 375 e Lopes Cardoso in Manual da Ac. Exec., 3. ed., página 612 e 613) ... Uma vez que a lei, ao fixar, no caso da venda de bens por arrematação, o momento até ao qual os titulares do direito de remição o podem exercer - até ser assinado o auto de arrematação - , não faz qualquer distinção entre o estar ou não estar já pago todo o preço aquando do exercício do mesmo - nem faria sentido que o fizesse, visto conceder aos licitantes um prazo de 15 dias para se completar o pagamento do devido quando não pago integralmente logo de início (artigo 904 n. º 3), também o intérprete a não deve fazer. Apesar de a velha máxima, segundo a qual "ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus" já haver merecido o qualificativo de obsoleta (A. Varela in Rev. Leg. Jur., 123/30), não se vêem razões para dar ao comando da alínea b) do artigo 913º do Código de Processo Civil uma interpretação que se afaste do respeito por este axioma no caso concreto.” - Ac. do STJ, Proc. n.º JSTJ00022101, de 02/17/1994.
- “(…) O arrematante, ao arrematar bens numa praça pagando, no acto desta, apenas parte do preço, se não pagar o restante, perderá o que pagou, ficando, em princípio, sem efeito a compra que fizera. (…) O arrematante remisso ainda que tenha pago no acto da praça mais do que a décima parte do preço perderá tudo o que pagou desde que, no prazo legal, não venha a pagar o restante, ainda que seja uma quantia mínima… Toda a estrutura da venda judicial demonstra que a parte paga pelo adquirente no acto da venda não tem a natureza de sinal, tal como é considerado no direito civil nem se trata de uma compra e venda a prestações.” - Ac. da RL, Proc. n.º 0036372, de 17/1/1991.
- “I - A expressão "arrematação de bens imóveis" - utilizada no artigo 15º da Tabela Geral do Imposto de Selo, deve ser interpretada em sentido jurídico, como acto translativo de propriedade sobre esses bens imóveis, que dispensa para esse efeito qualquer escritura notarial posterior;
II - Se um município aprovar um regulamento para venda de imóveis do seu domínio privado, e nele incluir um acto de arrematação e uma escritura notarial, deve o acto de arrematação entender-se como um mero concurso para apurar o candidato que oferece lanço mais alto, a fim de com este candidato outorgar a escritura; (…)” - Ac. do STA, Proc. Procº nº 61 869, de 21/3/95 e Ac. STA, Proc. n.º 0779/03, de 22/2/2003
- “A arrematação a que alude o art. 15 da Tabela do Imposto de Selo, na versão vigente em Maio de 1996, era a arrematação que tinha por efeito imediato a transmissão da propriedade dos imóveis arrematados ou a fazia dependente, quando muito, apenas, da prolação de um acto administrativo integrativo posterior que com aquela formava um bloco constitutivo de tal efeito jurídico.
Havendo a arrematação servido como simples procedimento administrativo da formação da vontade de vender, nomeadamente para determinação, sujeita à condição de posterior aceitação do órgão autárquico competente, do contraente e do preço por que a venda devia ser feita, ela não cabe na categoria de facto tributário de facto tributário definido no art. 15 da Tabela do Imposto de Selo.” - Ac. do STA, proc. n.º 024281, de 27/10/1999
- “O termo arrematação não tem na legislação administrativa o significado restrito, jurídico- processual, de adjudicação ou compra em hasta pública, leilão ou almoeda. Antes, usa-se geralmente para designar o processo por que se faz a adjudicação de obras públicas e de fornecimentos, com emprego indiferente e simultâneo das palavras arrematação e adjudicação. Um contrato de adjudicação de fornecimentos esta, por isso, sujeito ao pagamento do imposto do selo, previsto no artigo 23 da tabela geral do imposto do selo, na redacção que lhe deu o Decreto-Lei n. 36608.” - Ac. do STA, Proc. n.º 000655, de 8/5/1952
- “Sendo a arrematação de imóveis essencialmente uma forma de venda por meio de licitação destinada a corrigir erros que se cometam na fixação do valor real dos bens, será de reconhecer que o acto não chega a preencher a tipicidade legal do art. 15 da TGIS, apostado em sujeitar ao tributo a formalização de uma verdadeira venda, quando no acto falte a adjudicação dos bens arrematados e a consequente transferência efectiva do direito de propriedade dos imobiliários”.- STA 024198, de 10/11/1999 e Ac. do STA, Proc. n.º 024369, de 2/2/2000.
- “A arrematação de imóveis tributável em imposto de selo, nos termos do art. 15 do RGIS, há-de necessariamente envolver, enquanto verdadeira venda judicial de bens, a respectiva adjudicação e consequente transmissão efectiva do direito de propriedade dos imóveis arrematados.” - Ac. do STA, Proc. n.º 024369, de 2/2/2000
4.15. Importa ainda abordar a questão, não descurando o sentido da natureza jurídica da arrematação, entrando ainda em linha de conta com o conceito de arrematante relapso ou remisso.
A análise desta jurisprudência comparada parece, à primeira vista, contraditória, mas logo se consegue compatibilizar com a harmonização dos princípios gerais se tivermos em conta que na maior parte dos casos, quando se afirma que o imposto de selo não é devido, estão em causa bens imóveis, em que se afigura essencial a documentação translativa corporizada no auto de arrematação.
No caso “sub judice” estão em causa bens móveis que foram indubitavelmente arrematados. O efeito adjudicativo, ou seja, constitutivo da propriedade, operou por efeito do próprio contrato, se bem que falte a entrega da coisa e da propriedade. A transferência da propriedade da coisa é efeito do contrato de alienação e não da entrega da coisa.15
Nesta conformidade não é difícil autonomizar um acto produtor ou apto a produzir efeitos próprios, gerador de responsabilidades para os adquirentes e comitentes dos alienantes que, enquanto leiloeiros, têm de se organizar e precaver de aventureiros e licitantes relapsos.
4.16. Na verdade, como bem alega a recorrente, os leiloeiros são tão só organizadores de vendas em leilão que, no âmbito da sua actividade económica, propõem a venda de um bem, em seu nome, mas por conta do comitente, nos termos de um contrato de comissão de venda, com vista à sua adjudicação em leilão; a classificação das Ocupações Profissionais de Macau (COPM), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 45/97/M de 10 de Novembro, integra os Avaliadores e os Leiloeiros no GRUPO BASE 341, definindo-os assim: "Os Avaliadores e Leiloeiros vendem em leilões diversos géneros de bens ou avaliam-nos, tais como bens imobiliários, objectos de arte, produtos agrícolas e gado e as tarefas consistem em: a) Avaliar bens imobiliários, mercadorias e outros; b) Promover a venda em hasta pública de diferentes tipos de bens; c) Apregoar publicamente diferentes tipos de bens, tendo em vista a respectiva venda; d) Executar outras tarefas similares; e) Coordenar outros trabalhadores".
Das receitas que vierem a apurar a título de comissão, terão que pagar os respectivos impostos à Autoridade Tributária; nesta sua especial actividade têm a responsabilidade de arrecadar o imposto do selo devido pelas transmissões de bens que forem realizadas e que constituem um encargo do arrematante, ou seja, do adquirente do bem.
Desta forma se responde ao argumento usado pelo recorrente, enquanto diz que “ se o facto tributário subjacente ao acto de liquidação do imposto do selo, nas arrematações feitas no âmbito de um leilão, fosse a realização da actividade económica em si, processo especial com vista à comercialização de produtos, pela melhor oferta de valores efectuada de forma aberta e aceite por um leiloeiro, não sendo decisivo o momento no qual se transmite o direito de propriedade de bens arrematados não existiria essa profissão ou, melhor dizendo, nenhuma pessoa singular ou colectiva poderia desenvolver tal actividade” pois que não se trata tão-somente uma mera oferta, mas sim o que se tributa é a arrematação ou adjudicação ao melhor ofertante. Se a venda vem a ficar sem efeito e existe uma venda, tal como se enquadrou essa actividade – aliás, o próprio requerente o admite ao reclamar contra uma venda que diz ter ficado sem efeito -, então, as responsabilidades não podem deixar de ser assacadas ao comprador relapso, como acontece também nas vendas judiciais.
Nem se diga que estaria encontrada a galinha de ovos de ouro para a Fazenda por, tal como diz o Exmo Magistrado do MP, na sua expressão feliz, ser caricata a tributação de um lance desmesuradamente excessivo “a partir da alegre martelada”, não se vendo razão para distinguir das situações reguladas nos termos das vendas judiciais e eximir esse licitante das suas responsabilidades.
4.17. Se o ordenamento jurídico da RAEM não imputa responsabilidade criminal aos arrematantes relapsos - como acontecia em Portugal, antes da publicação do Decreto-Lei n.º 368/77, de 3 de Setembro, certo sendo que o Código de Processo Civil, determinava que o arrematante remisso fosse preso, por prazo não superior a um ano, até que se encontrasse cobrada a quantia por que era responsável, já o Código de Processo Civil de Macau, como acima se disse e ora se repete, no seu art. 793.°, prevê sanções que podem ir desde o arresto de bens para garantir o pagamento do preço por si indicado (art. 740.°, n.ºs 2 e 3, com as devidas adaptações), à impossibilidade de voltar a ser admitido como arrematante, ficando ainda responsável pela diferença do preço que vier a ser licitado numa outra venda.
Ainda é o próprio recorrente que nos dá razão, ao dizer ser óbvio que estas sanções são aplicadas quando se trata de vendas no âmbito de um processo judicial de execução, situação que é muito mais grave do que aquela em que está em causa uma venda particular; porém, não se pode perder de vista que a lei processual civil prevê que as vendas de bens móveis - em certas circunstâncias - se faça em empresa de leilão (art. 800.° do CPCM), o que quer dizer que é reconhecido que as arrematações de bens móveis no âmbito de um leilão organizado por empresa particular têm carácter translativo.
Não deixaremos de reforçar este apontamento, invocando o n.º 3 desse art. 800º que prevê que a venda se faça pelo pessoal da empresa de leilões segundo as regras em uso.
Sendo certo que a previsão da base tributária - art. 5º da TIS - e a natureza do imposto em causa não implicam a realização da venda que na argumentação por nós desenvolvida não se deixa de tomar como o parâmetro mais exigente e que de acordo com as regras civilistas não se deixa de ter por verificada.
4.18. Sufraga-se o entendimento da Administração Fiscal de que no caso do imposto em causa não se torna necessária a transferência da coisa, - o que é diferente da investidura da propriedade, pois tal como acontece nas vendas judiciais, "os bens apenas são adjudicados e entregues ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e cumpridas as obrigações fiscais" (art. 795.° do CPCM).
Embora constitua uma responsabilidade da leiloeira liquidar o imposto do selo para o entregar à Autoridade Tributária, tal imposto calculado sobre o valor do bem transmitido constitui um encargo do adquirente do bem que o arrematou, após ter licitado o bem, na nossa interpretação, independentemente do pagamento do preço a que estará adstrito.
4.19. Refere ainda a recorrente que no despacho proferido pela Senhora Directora dos Serviços de Finanças que indeferiu o seu pedido de revogação do acto de liquidação, defendeu-se que "a particularidade quanto às arrematações é a de que o pagamento do imposto apenas pode ser efectuado através de estampilhas fiscais, que são apostas nos documentos e inutilizadas pela pessoa que receber o valor da transacção, no caso, por quem presidir à praça, no momento em que se pratica o acto sujeito a imposto."
Essa é uma interpretação que não significa necessariamente que seja interpretação autêntica. Não deixará ela, no entanto, de reflectir uma prática e uma normalidade, pois não será todos os dias que os arrematantes deixem de cumprir as suas obrigações, impondo-se a adaptação da conduta da Autoridade Fiscal a cada uma das situações em presença.
Prescreve o art. 5.°, in fine, da Tabela Geral do Regulamento do Imposto do Selo que "Nos documentos que titulem a arrematação, remição ou distrate é sempre mencionada a importância do imposto do selo pago". Daqui se pretende retirar o argumento de que, não tendo havido transmissão dos bens acima referidos, não houve quaisquer documentos que tivessem titulado a transmissão de bens por arrematação. Ora, não é o hábito que faz o monge, isto é, não pode ser um procedimento a condicionar a substância da cobrança fiscal. Por outras palavras, não pode ser a falta de um impresso que conduz ao não pagamento do imposto devido.
Em lado algum se diz que a empresa leiloeira, devidamente licenciada, apenas, pode cobrar o imposto do selo relativamente aos negócios realizados pelos quais recebeu o valor da transacção.
4.20. A afirmação da recorrente (artigo 30º da sua petição de recurso) de que “os bens acima referidos - que foram licitados e tudo indicava que seriam arrematados, ou seja, comprados em leilão - continuam a pertencer aos respectivos proprietários, isto é, não foram transmitidos, sendo certo que poderão ir novamente à praça - se os proprietários assim o desejarem - e, caso venham a ser transmitidos, então, serão tributados com o imposto do selo” não deixa de entrar em contradição quando noutro passo defende que a venda fique sem efeito, tal como por nós também já referido.
4.21. Não é o Tribunal que tem de ensinar os agentes económicos a actuarem e a precaverem-se num mercado muito específico, especializado, reservado e que exige uma adequação e alta preparação técnica, seja em função do tipo do mercado, das peças que são transaccionadas, dos valores envolvidos, da discrição requerida e dos clientes frequentadores desses mercados, tudo apontando para um profissionalismo que tem de prever e responsabilizar quem ali actua.
4.22. A facilitar-se no sentido da pretensão que vem aos autos, poderia - não é que seja o caso - abrir-se a porta a vendas que, por essa via, fugissem aos impostos devidos, bastando pensar em conluios entre alienante e adquirente, com pagamentos no exterior, mesmo à revelia da própria leiloeira.
Tudo na mesma linha que leva o legislador a consagrar que, mesmo no caso de acto inválido, ineficaz ou ilícito. Assim o art. 52º, n.º 1 do RIS: “O imposto do selo é devido ainda que o documento, papel ou acto seja inválido, ineficaz ou ilícito, sem que o pagamento sane a invalidade, a ineficácia ou a ilicitude.” E que nos termos do n.º 2 só “ a apresentação pelo sujeito passivo de sentença transitada em julgado, que reconheça a invalidade ou ineficácia do documento, papel ou acto que titulou a transmissão, impede a cobrança do imposto do selo e, se já tiver sido pago, confere direito à sua restituição.
5. Por todas estas razões o recurso não deixará de improceder.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao presente recurso contencioso.
Custas pela recorrente, com 10 UC de taxa de justiça.
Macau, 5 de Fevereiro de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Presente
Vitor Coelho
1 Os preços de arrematações de lotes nºs 11 (HKD172,500), 14 (HKD11,500.00), 15 (HKD7,300.00), 22 (HKD21,850.00), 33 (HKD34,500.00), 66 (HKD36,800.00), 94 (HKD51,750.00), 130 (HKD34,500.00), 133 (HKD9,200.00), 272 (HKD230,000.00), 348 (HKD138,000.00), 399 (HKD11,500.00), 400 (HKD3,450.00), 401 (HKD9,200.00) e 464 (HKD5,750.00) totalizam o valor de HKD777,620.00 (HKD777,620.00 x 1.03 = MOP800,949.00 ).
2 Os lotes nºs 34, 38 e 447 foram licitados respectivamente no valor de HKD46,000.00, HKD48,300.00 e HKD57,500.00, segunda a informação facultada pela recorrente.
3 Herculano Madeira Curvelo e José Cardoso dos Santos, in Imposto de Selo, Notas e Comentários ao Regulamento e à Tabela, Rei dos Livros, 1987
4 Herculano Madeira Curvelo e José Cardoso dos Santos, in Imposto do Selo, Notas e Comentários ao Regulamento e à Tabela, Rei dos Livros, 1987, p. 279
5 - Ac. do TUI 33/2011, e do TSI, Proc. n.º 230/2001, 102/2002, 222/2003, 579/2011, 792/2012, entre outros
6 - A. TSI 88/2003, de 11/12/03; 222/03, de 4/12/03; 26/2001, de 17/5/01; 70/2000, de 24/10/02
7 - cfr. CPA de Macau, Anotado e Comentado, 430.
8 - Ac. TSI, proc. 26/2001, de 17/5/2001
9 - Ac. deste TSI, Processos n.º 222/2003, 150/2007 e 764/2011.
10 - Saldanha Sanches, Man. Dto Fiscal, Coimbra Editora, 3ª ed., 432
11 - Ma. Dto Fiscal, LisboaManuais da FDL, 1974, 85 e 87
12 - José Rato Rainha, Impostos de Macau, UM, FDM, FM, 1997, 220
13 - Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4ª ed., Almedina, 123
14 - Autora e ob. acima citada, 49
15 - Galvão Telles, Obrigações, 3ª ed., 60
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18/2014 71/71