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Processo nº 839/2012-II

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

O Consórcio formado por Companhia de Construção e Engenharia B, Limitada, C Construction Company, Limited e Companhia de Construção e Engenharia D, Limitada, devidamente identificado nos autos e classificado em 3º lugar do respectivo concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da ......, lotes ... e ..., publicado em 06JUN2012 no B. O., inconformado com o despacho proferido em 27AGO2012 pelo Senhor Chefe do Executivo que adjudicou a empreitada ao Consórcio formado pela Companhia de Engenharia e de Construção da F (Macau), Limitada e Companhia de Construção de Obras Portuárias G Limitada, interpôs o presente recurso contencioso pedindo a anulação desse mesmo despacho.

No âmbito dos presentes autos de recurso contencioso, tendo em conta o fundamento do recurso e por força do princípio do inquisitório consagrado no artº 67º do CPAC, o relator do processo determinou a realização da uma perícia com vista ao apuramento da seguinte matéria controvertida:

1. Se o valor limite de 0.2mm para a fendilhação, imposto pelo artº 63º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo D. L. nº 60/96/M, é aplicável ao tipo de betão para a construção da parede diafragma de acordo com o projecto de execução das fundações das peças do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da ......, Lotes ... e ...?

2. E em caso de resposta positiva ao quesito nº 1, se as quantidades de aço para as armaduras previstas no projecto aprovado para a execução da empreitada e disponibilizado pela Administração aos concorrentes podem provocar a fendilhação superior a 0.2mm no betão da parede diafragma?

E para o efeito determinou, em cumprimento do disposto no 67º do CPAC e no artº 500º do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, que notificasse o recorrente, a entidade recorrida e os contra-interessados para sugerir, querendo, em 10 dias, quesitos a aditar aos acima determinados.

A entidade recorrida, Chefe do Executivo, veio pronunciar-se sobre a projectada perícia, concordando com o quesito nº 1 e sugerindo ligeira alteração da redacção do quesito nº 2 e o aditamento de mais um quesito.

Para além de sugerir o aditamento de mais um quesito, o recorrente, por sua vez, veio reclamar para a conferência contra o quesito nº 1, com fundamento de que esse quesito versa sobre uma questão de direito insusceptível de ser objecto de prova, mediante o requerimento nos termos seguintes:

1. Nos termos do douto despacho atrás referido, o Tribunal formulou o quesito nº 1 da seguinte forma:
Se o valor limite de 0.2mm para a fendilhação, imposto pelo art0 63° do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo D.L. nº 60/96/M, é aplicável ao tipo de betão para a construção da parede diafragma de acordo com o projecto de execução das fundações das peças do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da ......, Lotes ... e ...?
2. Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que a questão formulada no quesito é uma questão de direito e não uma questão de facto que necessite prova.
3. Explicando melhor, temos que a pergunta do quesito é, se o artigo 63° do DL 60/96/M é aplicável ao betão para a construção da parede diafragma?
4. Ou dito de outra forma, se ao betão que vai servir para construção da dita parede diafragma é aplicável o artigo 63° do DL 60/96/M?
5. No fundo, se o limite 0,2 mm de fendilhação previsto num quadro do artigo 63° do dito regulamento é aplicável ao betão para a construção da parede?
6. Esclarecemos desde já que entendemos o termo betão para a construção da parede, usado pelo Tribunal no quesito é para nós o conjunto composto pela armadura mais o betão (cimento) que em conjunto formarão a dita parede.
7. Ora, para alguns autores questão de direito, é toda a questão que se resolve pela aplicação de uma norma jurídica1.
8. Também M. Teixeira de Sousa2 considera que matéria de direito refere-se a aplicação de normas jurídicas aos factos e o resultado dessa actividade pode ser avaliado segundo um critério de correcção ou de justificação (a norma x regula a situação y; a norma z é aplicável ao facto)
9. Neste sentido, tendo em conta que o que se pretende saber com o quesito é se parte da previsão do artigo 63° é aplicável ao betão para a construção da parede, isto é, se a norma X é aplicável ao facto, betão, a ser usado na construção da parede, estamos perante uma questão de direito e não perante uma questão de facto.
10. O que significa que, o Tribunal tem apenas de fazer um juízo jurídico de interpretação e aplicação a lei ao facto em concreto, e não transformar essa interpretação de direito em matéria de facto sob pena de invalidade do despacho.
11. Isto é, o Tribunal, apenas pode dizer se considera aplicável a lei ao (artigo 63° do DL 60/96/M) ao caso concreto.
12. Ou dito de outra forma, se o limite de fendilhação previsto no artigo 63° do DL 60/96/M, é aplicável às chamadas armaduras ordinárias, ou ao chamado betão, para a construção da parede, termo usado no quesito pelo douto Tribunal.
13. Aqui chegados, cumpre agora dizer porque é que o limite de fendilhação de 0.2mm, previsto no artigo 63°, é aplicável às armaduras ordinárias.
14. Como se pode ver pela epígrafe do artigo 63° do DL 60/96/M, este não distingue entre armaduras de pré-esforço e ordinárias.
15. Considera no entanto, que um dos estados limites da fendilhação é o da largura das fendas, artigo 63° nº 1, para depois, no seu nº 2, quantificar esse limite das fendas para as armaduras de pré-esforço em 0.2 mm.
16. Contudo, para a largura das fendas é aplicado também o artigo 65° do mesmo regulamento, e aí se diz claramente que A segurança em relação ao estado limite de largura de fendas considera-se satisfeita se o valor de cálculo da largura das fendas, ao nível das armaduras mais traccionadas, não exceder o valor de W especificado no artigo 63.º
17. Ora, mesmo sabendo que também existem armaduras traccionadas em pré-esforço, a previsão este artigo é claramente para as armaduras ordinárias, uma vez que o artigo 63° abrange toda e qualquer armadura em pré-esforço.
18. O que significa que, o artigo 65° do DL 60/96/M ao remeter para os limites do artigo 63° faz com que aqueles limites se apliquem as armaduras ordinárias, ou como diz o quesito, ao betão para a construção de parede.
19. Ora, as armaduras ordinárias previstas no projecto da parede diafragma são também do tipo previsto no artigo 65° do referido diploma, isto é, armaduras mais traccionadas.
20. Mais, conforme o projecto, o betão a utilizar para efeitos de construção da parede é segundo a lei, artigo 62° nº 2 do mesmo diploma, classe 3, uma vez que o betão fica exposto em contacto com água do mar e solos agressivos.
21. Como se pode ver, quer pela epigrafe, quer pelo corpo do artigo 62°, a grande questão, ou causa dos limites da fendilhação é a agressividade do ambiente e a sensibilidade das armaduras à corrosão.
22. Ora, a localização geográfica de Macau, num Delta, onde climatericamente existem grandes percentagens de humidade, associado a que muitos terrenos foram ganhos ao mar, teria de levar à exigência que limites técnicos para todo o tipo de armaduras com vista a durabilidade das estruturas construídas.
23. Pelo que, a aplicação do artigo 63° do DL 60/96/M ao betão para a construção da parede diafragma nos parece uma evidência na ordem jurídica de Macau.
24. Neste sentido, o quesito número 1 formulado pelo douto Tribunal, por se tratar de uma questão de direito não deverá ser admitido à pericia.
Adição de quesitos -
1. Se o elemento "quantidades de aço para as armaduras" previstas no projecto aprovado para a execução da empreitada e disponibilizado pela Administração aos concorrentes é suficiente para se poder calcular que tal quantidade de aço pode provocar a fendilhação superior a 0.2 mm no betão da parede diafragma ou se este elemento (quantidades de aço para as armaduras) tem de ser avaliado em conjunto com os sistemas de entivação e escoramento (conforme desenho nº 0898 - ES PE 701, e 0898.ES.PE 0702 junto às peças do procedimento) para determinar a existência de uma fendilhação superior a 0.2 mm no betão da parede diafragma? Tendo em conta que:
a. Está previsto nas peças do procedimento (projecto) a quantidade de aço para armadura de Ø25@125 que corresponde 3920 mm (vide desenho nº 0998 - ES PE 0050);
b. Está previsto nas peças do procedimento, cinco suportes para contraventamentos ou escoramentos
c. Se diz nos desenhos 0898.ES.PE0701 e 0898.ES.PE0702 do projecto de obra, junto às peças do procedimento;
i. As soluções apresentadas para a escavação e entivação são esquemáticas. O empreiteiro, caso decida seguir o proposto, deverá verificar a sua viabilidade e dimensionar os diferentes sistemas de entivação.
ii. A entivação da parede de contenção deverá ser dimensionada considerando o quadro de forças transmitidas pela parede à entivação.
iii. Nas plantas de escavação e entivação, não estão representados todos os travamentos necessários.
iv. O empreiteiro é livre de adaptar as soluções apresentadas ou adoptar outras soluções, desde que as mesmas sejam viáveis e garantam a segurança.
d. No mapa de quantidade da lista de preços unitários relativo aos preços para escavação, (vide processo instrutor ou para facilidade de leitura veja-se doc. 1 da contestação da entidade recorrida) prevê-se, a Escavação em material para implantação de todas as fundações e estruturas, incluindo transportes do material sobrante a vazadouro, considerando o necessário coeficiente de empolamento, estrutura da entivação com projecto a apresentar pelo empreiteiro, plataformas de trabalho, cravação de estacas prancha, escoramento, selagens de fundo, bombagem da agua subterrânea em excesso, todos os demais trabalhos materiais necessários à boa execução da escavação.
e. De acordo com o Programa de Concurso, um dos critérios de avaliação referidos supra é:
i. 2.2.2 - Plano de Execução
ii. 2.2.2.1 - Plano de Execução das Fundações: Fundações de estaca com grande diâmetro e PROJECTO DE ESCAVAÇÃO E SUPORTE DE CAVE.

Cumprido o contraditório e emitido em sede de vista o douto parecer do Ministério Público no sentido de improcedência da reclamação, passemos a apreciar a reclamação apresentada pelo recorrente, e aproveitar, em prol da celeridade processual, a conferência do Colectivo para decidir a sugerida alteração do quesito nº 2 e o aditamento de mais quesitos.

1. Reclamação para a conferência

Face ao conceito legal consagrado no artº 382º do CC, a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.

Ou seja, esta prova é realizada por pessoas técnica e/ou cientificamente idóneas e conhecedoras de factos que exigem conhecimentos especiais de que em regra o julgador não dispõe.

É justamente o que sucede no caso em apreço.

Ora, o quesito nº 1 proposto pelo Relator do processo tem a seguinte redacção:
1. Se o valor limite de 0.2mm para a fendilhação, imposto pelo artº 63º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo D. L. nº 60/96/M, é aplicável ao tipo de betão para a construção da parede diafragma de acordo com o projecto de execução das fundações das peças do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da ......, Lotes ... e ...?

Ao contrário do que entende o recorrente, este quesito no fundo não versa sobre nenhuma questão de direito.

O que se pretende com a formulação desse quesito é uma resposta a ser dada por perito através da análise e exame dos elementos já existentes e integrantes do projecto de execução das fundações das peças do respectivo concurso público, sobre se a tal parede diafragma é construída com o betão armado pré-reforçado.

Tal como salienta o Relator no despacho que decidiu a realização da perícia, a percepção dos elementos existentes e integrantes do projecto não pode deixar de requerer a intervenção de pessoas idóneas, portadoras de conhecimentos científicos ou técnicos especiais na matéria da construção civil.

Portanto, não se pretende obter in casu um juízo de direito sobre uma questão de direito, mas sim um juízo técnico e científico sobre determinados factos.

Não versando assim qualquer matéria de direito, a reclamação não pode deixar de improceder.

2. Alteração do quesito nº 2

Está em causa o quesito nº2 onde se pergunta:

2. E em caso de resposta positiva ao quesito nº 1, se as quantidades de aço para as armaduras previstas no projecto aprovado para a execução da empreitada e disponibilizado pela Administração aos concorrentes podem provocar a fendilhação superior a 0.2mm no betão da parede diafragma?

Notificada nos termos e para o efeito previsto no artº 67º do CPAC e no artº 500º do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC , vem a entidade recorrida sugerir uma ligeira alteração deste quesito passando a ter seguinte redacção:

E em caso de resposta positiva ao quesito nº 1, se as quantidades de aço para as acções, esforços e armaduras previstas no projecto aprovado para a execução da empreitada e disponibilizado pela Administração aos concorrentes podem provocar a fendilhação superior a 0.2mm no betão da parede diafragma?

Bom, a sugerida redacção no fundo não altera, mas sim completa e pormenoriza o que já está redigido na versão originária proposta pelo Relator do processo.

Não se vê portanto razão para não acolher a tal sugestão e determinar a alteração nos termos sugeridos.

3. Aditamento de mais quesito

Tanto o recorrente como a entidade recorrida sugeriram que fossem aditados mais quesitos.

O recorrente pretende que seja aditado o seguinte quesito:

Se o elemento "quantidades de aço para as armaduras" previstas no projecto aprovado para a execução da empreitada e disponibilizado pela Administração aos concorrentes é suficiente para se poder calcular que tal quantidade de aço pode provocar a fendilhação superior a 0.2 mm no betão da parede diafragma ou se este elemento (quantidades de aço para as armaduras) tem de ser avaliado em conjunto com os sistemas de entivação e escoramento (conforme desenho nº 0898 - ES PE 701, e 0898.ES.PE 0702 junto às peças do procedimento) para determinar a existência de uma fendilhação superior a 0.2 mm no betão da parede diafragma?

Ao passo que a entidade recorrida pede o aditamento desse quesito:

Durante a fase construtiva, escavação, poderá a maior rigidez do sistema de entivação interior reduzir os esforços máximos na parede diafragma e, consequentemente, a quatidade de armadura necessária na mesma para o controlo da fendilhação?

Quanto ao quesito sugerido pelo recorrente, cremos que a resposta negativa a este sugerido quesito é o que esperado pelo recorrente.

Todavia, para nós, o tal quesito não é senão um pleonasmo.

Pois de acordo com o teor do quesito nº1, a resposta por parte do(s) perito(s) não será obtida com base apenas no exame da quantidade de aço em si, mas sim “de acordo com o projecto de execução das fundações das peças do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da ......, Lotes ... e ...”, critério esse que, para nós, sendo muito abrangente, torna desnecessário o aditamento do quesito proposto pelo recorrente.

Em relação ao quesito sugerido pela entidade recorrida, podemos dizer que, tendo em conta o seu teor, afigura-se-nos que se trata de uma pergunta sobre factos instrumentais que visam clarificar, completar e até reforçar os factos essenciais que comportam os dois quesitos inicialmente propostos pelo Relator do processo.

Assim e nesta fase processual em que estamos, não se vê inconveniente algum para aceitar a tal sugestão.

Tudo visto, resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência:

* Julgar improcedente a reclamação deduzida pelo recorrente;

* Determinar a realização a perícia com vista ao apuramento da seguinte matéria controvertida:

1. Se o valor limite de 0.2mm para a fendilhação, imposto pelo artº 63º do Regulamento de Estruturas de Betão Armado e Pré-esforçado, aprovado pelo D. L. nº 60/96/M, é aplicável ao tipo de betão para a construção da parede diafragma de acordo com o projecto de execução das fundações das peças do concurso público para a empreitada de construção de habitação pública no bairro da ......, Lotes ... e ...?

2. E em caso de resposta positiva ao quesito nº 1, se as quantidades de aço para as acções, esforços e armaduras previstas no projecto aprovado para a execução da empreitada e disponibilizado pela Administração aos concorrentes podem provocar a fendilhação superior a 0.2mm no betão da parede diafragma?

3. Durante a fase construtiva da escavação, poderá a maior rigidez do sistema de entivação interior reduzir os esforços máximos na parede diafragma e, consequentemente, a quatidade de armadura necessária na mesma para o controlo da fendilhação?

Custas pelo recorrente, com taxa de justiça fixada em 4UC.

Registe e notifique.

RAEM, 18DEZ2014

Lai Kin Hong
(Relator)

João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto)

Ho Wai Neng Fui presente
(Segundo Juiz-Adjunto) Mai Man Ieng

1 Paulo Cunha, Processo comum de declaração, 22 - 38 e 41; Palma Carlos, Direito Processual Civil, Dos Recursos, 1956, 120.
2 APUD, Viriato Manuel Pinheiro de lima, Manual de Direito Processual Civil, 2ª edição, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, Macau, 2010 p. 395.
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