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Processo nº 63/2014
(Revisão de Sentença do Exterior)

Data: 5/Março/2015

   
   Assuntos:
   
- Revisão de Sentença do Exterior
- Legítima e ordem pública

    
    SUMÁRIO :
    
I - É de confirmar uma decisão do Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul, Austrália, que homologou um testamento e do mesmo passo autorizou o executor a administrar os bens da autora da herança, que incluía um bem imóvel sito em Macau, sendo esse o único elemento de conexão com o ordenamento da RAEM, não sendo de considerar que o não acatamento das regras da legítima previstas na nossa lei interna constituam um obstáculo de ordem pública à revisão nos termos do artigo 20º, n.º 1 do CC, para mais quando não respeite a destinatários que beneficiem do regime da lei pessoal da residência em Macau, não devendo ser impeditiva do reconhecimento de decisões que no exterior a não reconheçam. Tal como no Direito da Common Law, o instituto da legítima é desconhecido do Direito Civil chinês - Lei das Sucessões da RPC, promulgada em 10/4/85 e entrada em vigor em 1/10/85.


II - Cabe ao julgador a integração do que seja ordem pública com as circunstâncias de cada caso concreto. Cabe aqui a salvaguarda dos direitos fundamentais e dos princípios estruturantes do sistema sócio-económico, a segurança do comércio jurídico e protecção de terceiros, a integridade da pessoa humana, a protecção dos incapazes e oprimidos, a defesa das instituições basilares como a família.
    
O Relator,




















Processo n.º 63/2014
(Revisão de Decisões proferidas por Tribunais do Exterior)

Data : 5/Março/2015


Requerente : A


Requeridos : - B
      - C
      - D
      - E
      - F
      - G

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    A, mais bem identificado nos autos, vem requerer
    ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO DE SENTENÇA PROFERIDA POR TRIBUNAL DO EXTERIOR DE MACAU
Contra
    - B, maior, residente em XX Street, XX, XX, XX, Austrália;
    - C, maior, residente em XX, XX, XX, XX, Austrália,
    - D, maior, residente em XX, XX, XX, XX, Austrália;
    - E, maior, residente em XX Road, XX, XX, XX, Austrália,
    - F, residente em XX Road, XX, XX, Austrália;
    - G, casada, de nacionalidade australiana, residente em XX, XX, XX, Austrália.
    O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
    1.°
    Em 11 de Março de 2012, na Austrália, Nova Gales do Sul, Estado onde tinha a sua residência habitual e último domicílio, faleceu H, mãe do ora Requerente e dos Requeridos, conforme resulta da certidão de óbito junta como Doc. 1.
    2.°
    H faleceu tendo deixado um testamento datado de 23 de Maio de 1994, conforme resulta da cópia do testamento junta como Doc. 2 (cuja tradução integral se encontra no documento 3).
    3.°
    Por conseguinte, pelo Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul ("Supreme Court of New South Wales"), em 11 de Setembro de 2012, foi proferido o "PROBATE", ou seja, a homologação sucessória do referido testamento, conforme resulta do Doc. 3 (original em inglês e respectiva tradução), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
    4.°
    Ora, tal como resulta da alínea d) do número 3 do testamento, H Ku o resto do seu património aos seus filhos B, A, D, C e E, em partes iguais.
    5.°
    Por outro lado, o ora Requerente, filho mais velho da falecida, foi nomeado Executor ou Testamenteiro da Herança.
    6.°
    Por conseguinte, o Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul pela referida decisão judicial - "Probate" datado de 11 de Setembro de 2012 - confirma a qualidade de herdeiros beneficiários a B, A, D, C e E e, ao mesmo tempo, concedeu ao ora Requerente, na qualidade de (então já único) executor da herança, autorização e poderes para administrar o património, mobiliário e imobiliário, da falecida. (Doc. 3)
    7.°
    Tal como imediatamente se retira do "Probate" datado de 11 de Setembro de 2012, os Requeridos F e G não são beneficiários do testamento de H.
    8.°
    Não obstante, por serem seus filhos, tal como resulta da certidão de óbito da mesma junta aos autos como Doc. 1, entende o ora Requerente que F e G podem ter legitimidade e interesse em contradizer a presente acção, razão pela qual foram também indicados como Requeridos nos presentes autos.
    9.°
    Ora, H Ku 5/8 (1/2 mais 1/8) do imóvel sito em Macau: Prédio urbano sito na Rua do XX n.º XX, XX, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XX31, a fls. XX do Livro BXX, e omisso na matriz (Doc. 4). ~
    10.°
    O imóvel acima referido, naturalmente, não pode ser administrado e registado em nome dos herdeiros beneficiários enquanto a referida decisão não tiver eficácia em Macau.
    11.º
    Daí a necessidade de obter a revisão e confirmação da decisão do Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul ("Supreme Court of New South Wales"), tendo em vista a sua plena eficácia na ordem jurídica de Macau.
    12.°
    Com efeito, o referido Tribunal reconheceu a validade do testamento e concedeu ao Requerente os poderes para administrar os bens da herança.
    13.°
    Nada obstando à revisão da referida decisão do Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul, preenchidos que se encontram todos os requisitos previstos no disposto no artigo 1200.° do Código de Processo Civil.
    Com efeito,
    14.º
    Dúvidas não existem sobre a autenticidade do documento de que consta a decisão, nem razões existem para que elas se suscitem.
    15.º
    Trata-se de uma decisão perfeitamente inteligível cujo sentido e fundamentos são facilmente compreendidos.
    Por outro lado,
    16.º
    A decisão cuja revisão e confirmação se requer transitou em julgado segundo as leis do Estado de Nova Gales do Sul.
    17.º
    De resto, a jurisprudência deste Tribunal é pacífica e unânime no entendimento que o trânsito em julgado se presume.
    18.º
    A referida decisão provém, por outro lado, de Tribunal cuja competência não foi provocada em fraude à lei, tanto mais que quer o Requerente, quer os Requeridos são todos residentes na Austrália, no Estado de Nova Gales do Sul.
    19.º
    Ademais, a decisão em causa foi emanada por organismo competente - o Supremo Tribunal - de acordo com a lei do Estado de Nova Gales do Sul, não versando sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau.
    20.º
    Contra a decisão, cuja revisão e confirmação ora se pretende, não podem ser invocadas também as excepções de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a Tribunal de Macau.
    21.º
    Não se colocam, no caso, questões relativas à regularidade da citação ou à observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, cumprida que foi a lei em vigor no Estado de Nova Gales do Sul - o Probate and Administration Act 1898.
    22.º
    Por último, a decisão que reconhece o testamento e que conferiu poderes de administração dos bens e haveres, móveis e imóveis, da falecida ao Requerente, cuja revisão e confirmação se requer, não conduz a qualquer resultado incompatível com os princípios de ordem pública de Macau.
    23.º
    De facto, “… a acção de revisão não se destina a julgar de novo a causa, mas apenas a obter a constatação de que aqueles requisitos se encontram satisfeitos no caso concreto. A sentença a emitir pelo tribunal não será um duplicado ou um fac-simile da decisão estrangeira, mas um acto que certifica que as condições legais do reconhecimento estão cumpridas - e que portanto, o julgado estrangeiro é susceptível de operar na ordem jurídica do foro, no todo ou em parte, os efeitos que lhe competem segundo a lei do país de origem." - in Temas de Direito Comercial e Direito Internacional Privado, Ferrer Correia, pág. 283.
    Nestes termos e nos mais de direito,
    Requer-se a V. Exas. se dignem confirmar a decisão de 12 de Setembro de 2012 proferida pelo Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul, Austrália, que homologou o testamento de H, instituindo como beneficiários da herança B, A, D, C e E e, do mesmo passo, autorizou o ora Requerente, na qualidade de executor da herança de H, a administrar os bens da mesma.

    G, Requerida melhor identificada nos autos supra mencionados, vem, nos termos do disposto no artigo 1201.° do CPC, apresentar a sua CONTESTAÇAO, o que fez nos termos e com os fundamentos seguintes:
POR IMPUGNAÇÃO:
    1.º
    Vem o Requerente afirmar no artigo 13,° da p.i. que a decisão do Supremo Tribunal do Estado da Nova Gales do Sul preenche todos os requisitos previstos no artigo 1200.° do CPC.
    2.°
    Alegando, desde logo, no artigo 15.° da p.i., que a decisão é perfeitamente inteligível.
    3.°
    Porém, não pode a Requerente concordar com tal interpretação
    4.°
    Com a presente acção pretende o Requerente obter a confirmação de decisão homologatória do Supremo Tribunal da Nova Gales do Sul para desse modo poder registar junto da Conservatória do Registo Predial, em beneficio dos herdeiros testamentários, a quota de 5/8 do prédio urbano sito na Rua do XX, n.º XX, descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.° XX31.
    5.°
    Ora, não é líquido, antes pelo contrário, que a quota parte de 5/8 do imóvel sito em Macau esteja incluída na alínea d) do n.º 3 do testamento, na qual a autora do testamento Ku escrito que deixa o resto do seu património aos seus filhos B, A, D, C E E em partes iguais.
    6.°
    Desde logo porque, sendo esta uma cláusula residual, inserida depois de terem sido distribuídos a título de legado bens como um veículo motorizado, arcas de madeira de cânfora e móveis de pau-rosa, é no mínimo estranho que o bem de longe mais valioso que a testadora possuía, para mais um bem imóvel, fosse completamente ignorado no testamento e incluído numa cláusula residual.
    7.°
    Depois porque, nos termos do disposto no artigo 81A do Probate and Administration Act de 1898, para efeitos do probate, o testamenteiro tem a incumbência de elaborar um anexo com a lista completa dos bens pertencentes ao autor da sucessão que, no momento da sua morte, não estejam discriminados no testamento (cfr. Doc. 1).
    8.° No caso sub judice, foi o ora Requerente que, na qualidade de testamenteiro nomeado pela autora da sucessão, elaborou o Anexo "C" do testamento.
    9.°
    E, sublinhe-se, nessa lista elaborada pelo Testamenteiro por ocasião da morte de H não está incluída a propriedade sita em Macau.
    10.°
    Tendo em consideração o disposto no artigo 81A do Probate and Administration Act de 1898, fundadas são as dúvidas sobre se a homologação do testamento inclui também bens não discriminados no Anexo C, designadamente, a quota de 5/8 do imóvel em causa.
    11.°
    Dúvidas essas que se adensam perante o disposto na alínea (1) do artigo 81 B do Proba te and Administration Act de 1898, uma vez que, de acordo com o preceito, o testamenteiro não pode dispor dos bens do de cuius que não sejam divulgados ao tribunal competente para o probate (cf. Doc. 1).
    12.°
    Perante semelhante dúvida, será no mínimo temerário incluir no testamento a quota de 5/8 do bem imóvel sito em Macau.
    13.°
    Tudo considerado, e contrariamente ao que pretende o Requerente, a decisão revidenda é manifestamente ininteligível por dúvidas quanto ao seu escopo, não podendo desse modo ser confirmada por força do disposto na alínea a), parte final, do n.º 1 do artigo 1200.° do CPC.
    14.º
    Mesmo na hipótese remota de se considerar que o testamento inclui a quota 5/8 do imóvel sito em Macau, o que não se concede, ainda assim o probate do Tribunal da Nova Gales do Sul enfrenta um problema de violação da ordem pública de Macau.
    15.º
    Com efeito, a ser admitida a inclusão da propriedade no testamento, a confirmação da decisão revidenda enfrenta o obstáculo de ordem pública que se traduz no não preenchimento da legítima.
    16.º
    Conforme se constata nos autos, à falecida H sobreviveram 7 filhos, dois dos quais, a Requerida ora contestante e o também Requerido F, não foram contemplados pelo testamento.
    17.º
    Muito embora nos sistemas da common law vigore o princípio da liberdade de testar, o mesmo já não sucede no direito de Macau.
    18.º
    A existência da legítima é um princípio estruturante do direito de Macau, decorrente da necessidade de salvaguardar a protecção da instituição familiar.
    19.º
    Trata-se, por isso, de um princípio de ordem pública, não só interna mas também internacional, impossível de ser derrogado pela vontade do de cuius.
    20.°
    A este propósito, o Supremo Tribunal de Justiça português, no acórdão de 23.10.2008, proferido no âmbito do proc. n.º 07XXXX5, vem dizer o seguinte:
    "Do que se fala quando se fala em ordem pública internacional do Estado português é dos princípios fundamentais estruturantes da presença de Portugal no concerto das nações.
    E nesses princípios, seguramente, se encontra aquele que quer salvaguardar para os filhos ao menos uma parte da herança de seus pais.
    Pode variar essa porção, pôde haver tempos até em que se distinguiam os filhos consoante fossem nascidos dentro ou fora do casamento, podem os filhos ter ou não a companhia do cônjuge do pai, tudo isso foi possível; o que nunca foi possível foi conceber um caminho sucessório que eliminasse por completo os filhos da sucessão de seus pais ( a não ser em casos de indignidade ).
    Esse é um princípio estruturante do nossa maneira de ser português - haverá sempre ao menos uma porção da herança dos pais que aos filhos se destina.
    Não é pois possível respeitar aqui, nesta partilha, um acordo de vontades que permitiu - que permitisse - a este pai eliminar por completo a presença de seus filhos a receber a porção da sua herança a que a lei portuguesa chama de legítima".
    21.°
    Aliás, o reconhecimento de que a legítima levanta um problema de ordem pública é bem manifesta na jurisprudência e na doutrina da common law (cf., por todos, XX of Laws in Australia, 8.° ed., 2010, pp. XX, que se juntam como Doc. 2).
    22.º
    Ora, na hipótese aventada, é evidente que a não inclusão dos referidos Requeridos afecta a legítima e, desse modo, a ordem pública expressa no artigo 20.º do Código Civil.
    23.º
    E assim sendo, não restam dúvidas de que, caso se entenda que o testamento inclui a quota de 5/8 do referido imóvel, a decisão revidenda conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública, pelo que não deve ser confirmada, tal como o dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 1200.º do CPC.
    24.º
    O Requerente vem também alegar no artigo 21.º da p.i., que não se colocam questões relativamente à regularidade da citação ou à observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
    25.º
    Dispõe a alínea e) do n.º 1 do artigo 1200.º do CPC que para ser confirmada a decisão revidenda o réu tem de ser regularamente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo têm que ser observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
    26.º
    E quando a lei se refere ao réu quer também fazer referência a qualquer outro sujeito com interesse em intervir na lide.
    27.º
    Ora, a Requerida só teve conhecimento do probate e, consequentemente, do testamento, depois daquele ter tido lugar, uma vez que o testamenteiro, ora Requerente, jamais lhe deu conhecimento da situação, da qual só foi informada posteriormente pelo seu irmão B.
    28.º
    Como tal, a Requerida não só não foi regularmente citada para o probate, como também não teve aí oportunidade de exercer o contraditório.
    29.º
    Deste modo, a decisão revidenda viola de forma clara o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 1201.º do CPC, não podendo também por este motivo ser confirmada.
    Termos em que não deve a decisão revidenda ser confirmada, por manifesta violação das alíneas a), e) e f) do n.º 1 do artigo 1200.° do CPC.

    A estas peças seguiram-se articulados espúrios, admitidos na medida de um melhor esclarecimento da posição de ambas as partes e na medida em que se invoca a articulação de factos novos a que competia responder por uma e outra parte.
    O Exmo Senhor Procurador Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    No caso sub iudice, a decisão revidenda consiste em homologar o testamento da de cuius H. O teor do testamento e a Resposta de fls.130 a 137 dos autos fazem entender que pelo qual a de cuius H dispôs de todos os seus bens deixados.
    Por omitir, sem deserdação, dois dos sete filhos da de cuius - facto alegado no art. 16° da contestação e não impugnado pelo Requerente, tal testamento implica consigo a privação, sem justificação, dos 2 herdeiros legitimários das respectivas legítimas (arts. 1994° e 1995° ex vi 1973° do Código Civil de Macau). Facilmente se imagine que tal efeito jurídico desse testamento é dissociável da decisão revidenda.
    Nos termos do preceituado no art. 1994° do CC e da ratio deste comando legal, e em consonância com os pertinentes jurisprudências do Venerando TSI nos doutos arestos tirados nos, nomeadamente, Processos n.º 104/2002 e n.º 66/2013, afigura-se-nos que o regime de sucessão legitimária constitui, no ordenamento jurídico de Macau, ordem pública para efeitos da f) do n.º 1 do art. 1200° do CPC.
*
    Nesta linha de vista, e salvo sempre elevado respeito pela opinião diferente, propendemos por se negar o pedido da revisão e confirmação da decisão revidenda.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vem certificada a seguinte documentação relativa a decisão homologatória de testamento, proferida pelo Supremo Tribunal de Nova gales do Sul, Austrália:

“Formulário 112 (versão 2)
Normas do Supremo Tribunal, Parte 78, norma 8

HOMOLOGAÇÃO SUCESSÓRIA
DETALHES DO TRIBUNAL
Tribunal : Supremo Tribunal da Nova Gales do Sul
Secção : Equidade ["Equity"]
Lista : Sucessões
Registo : Sydney
Processo número : 20XXXXXXX509
DETALHES DO FALECIDO
Património de : H
Último lugar conhecido : Centro de XX, Waratah
Profissão : Doméstica
Data do falecimento : 11 de Março de 2012
Data do testamento 23 de Maio de 1994
DET ALHES DA SUCESSÃO
Conferido a : A, residente em XX
XX, XX
Fundamentos da concessão : Sucessão testamentária. Um dos executores foi nomeado no testamento da falecida. I, o outro executor nomeado, faleceu antes da testadora.
    O inventário anexo contém o descritivo de bens declarado ao Tribunal sob o artigo 81 A da Lei de Sucessões e Administração de 1898. É emitido pelo Tribunal por via do artigo 91, número 2 da referida Lei.
SELO E ASSINATURA
Selo do Tribunal (SELO)
Assinatura (ilegível)
Capacidade (rubrica ilegível)
Data 11 SETEMBRO 2012 (assinatura ilegível)

ESTE TESTAMENTO DATADO de 23 de Maio de 1994 é feito por H, com morada em XX Street, XX, no XX.
1 Eu J todas os meus anteriores actos testamentários
2 Eu A e I como meus Executores.
3 a Eu K o meu veículo motorizado a A e a B, em partes iguais.
b Eu K uma das minhas arcas em madeira de cânfora a B.
c Eu K todos os meus móveis de pau-rosa a D, C e E AD em partes iguais.
d Eu K o resto do meu património a B, A, D, C e E em partes iguais.

4 As disposições do Anexo ao presente Testamento serão aplicáveis.

ANEXO
1 Neste Testamento, a expressão "os meus executores" inclui os administradores fiduciários nomeados ao período a que se refere este Testamento e o património fiduciário que resulte do mesmo.
2 Se algum filho meu falecer antes de mim ou antes de atingir determinado interesse próprio, deixando filhos, então esses filhos, quando atingirem a respectiva maioridade, receberão a quota proporcional respectiva que de outro modo caberia aos seus progenitores.
__ (assinatura ilegível) __
Testadora
( assinatura ilegível) (assinatura ilegível)
Testemunha Testemunha

L
NEWCASTLE: ADVOGADO

3 Os meus executores poderão livremente:
a exercer os poderes de um administrador fiduciário para a venda de quaisquer bens do meu património e os meus executores poderão:
i adiar a venda, sem serem responsáveis por qualquer prejuízo causado pela sua actuação;
ii reter sob a forma de investimento à data da minha morte qualquer parte do meu património, sem serem responsáveis por qualquer prejuízo causado pela sua actuação;

b requerer o sustento, educação, adiantamento ou beneficio, a favor de um beneficiário, de toda ou de parte do capital e rendimento, da parte do meu património que o beneficiário tem direito ou venha a ter direito no futuro.
c para as finalidades do parágrafo c –
   i efectuar pagamento ou pagamentos aos pais de um beneficiário menor ou tutor ou a pessoa com quem o beneficiário menor resida; e
   ii aceitar o recibo daquele beneficiário como uma quitação absoluta;

d investir e mudar de investimentos como livremente entenderem, como se fossem os próprios beneficiários;
e vender, alugar, trocar ou dispor de outra foram dos activos do meu património nos termos que entenderem expeditos, como se fossem os únicos e exclusivos proprietários.

ASSINADO PELA Testadora na nossa ) (assinatura)
presença e certificado por nós na )
presença dele e de cada um dos ) Testadora
outros )
(assinatura) (assinatura)
Testemunha Testemunha
    
L
NEWCASTLE : ADVOGADO
(assinatura ilegível)

***
ANEXO "C"
INVENTÁRIO DE PROPRIEDADE
do Património de H do
Centro de XX, XX no Estado da Nova Gales do Sul, XX

BENS DA PROPRIEDADE EXCLUSIVA DA FALECIDA
Descrição Estimado ou
valor conhecido
M Ltd (obrigações de alojamento para locação) 90,746.22
N - National Mutual Funds Management Limited
(conta bancária número TA 0XXXX9 XX) 65,795.78
O Bank Limited 51,697.70
P Holdings Limited 3,915.00
R Bank - conta bancária número 76 XXXX XX5 5,732.09
R Bank - conta bancária número 76 XXXX XX19 612.11
Q - conta número 8XXXXXX5 2,032.67
Total $220,531.57

PROPRIEDADE DA FALECIDA
CONJUNT AMENTE COM OUTRO OU OUTROS
Descrição Estimado ou
valor conhecido
Total
Este é o Anexo "C" do Depoimento de ..... ajuramentado em Newcastle
em (ilegível) perante mim: (Selo)
       S x (assinatura ilegível)
       (assinatura ilegível) ADVOGADO
Advogado XX Street, XX Street XX (assinatura ilegível)

Eu pelo presente certifico que
o documento no verso e nas quatro páginas precedentes é uma verdadeira
cópia do original.
Data: 30 / 4 /2013

(assinatura ilegível)

T
Notário Público
XX Street (SELO)
Newcastle XX
Austrália
A MINHA COMISSÃO EXPIRA EM VIDA


***

Form 112 (version 2)
Supreme Court Rules Port 78 rule 8
PROBATE
COURT DETAILS
Court Supreme Court of New South Wales
Division Equity
List Probate
Registry Sydney
Case number 201212509
DECEASED´S DETAILS
Estate of: H
Late of: XX, XX
Occupation: Home Duties
Date of death: 11 March 2012
Date of will: 23 May 1994
PROBATE DETAILS
Granted to: XX, XX
Basis of grant: Probate of will. One of the executors appointed under the deceased I s will. I, the other executor predeceased the testator.

The attached inventory lists property disclosed to the Court under s.81 A of the Probate
and Administration Act 1898. It is issued by the Court under s.91 (2) of that Act.

SEAL AND SIGNATURE
Court seal
Signature
Capacity
Date 11 SEP 2012

THIS WILL DATED the 23rd day of May 1994 is made by H of XX Street, XX in the State of XX.
1 I all former testamentary acts.
2 I APPOINT A and I as my Executors.
3 a I GIVE my motor vehicle to A and B, equally.
b I GIVE one of my camphorwood chests to B.
c I GIVE all my rosewood furniture to D, C and E equally.
d I GIVE the rest of my Estate to B, A, D, C and E equally.
4 The provisions of the Schedule to this Will shall appIy.

SCHEDULE
1 In this will the expression "my executors" includes the trustees for the time being of this Will and the trusts arising under it.
2 If any child of mine dies before me or before attaining a vested interest leaving children then those children

Testatrix
       Witness Witness


2
shall on attaining their respective majorities take equally the share which their parent would otherwise have taken.
3 My executors may in their discretion:
  a exercise the powers of a trustee for sale in respect af any assets in my estate and my executors may:
     i without being liable for any loss caused by so doing, postpone sale;
     ii without being liable for any loss caused by 80 doing, retain in its form of investment at my death any part of my estate;
  b apply for the maintenance, education, advancement or benefit of a beneficiary the whole or any part of the capital and income af that part of my estate to which that beneficiary is entitled or may in future be entitled;
  c for the purposes of paragraph c –
     i make a payment or payments to a minor beneficiary's parents or guardian or a person with whom the minor beneficiary resides; and
     ii accept the receipt of that payee as an absolute discharge;
  d invest and change investments as freely as if they were beneficially entitled;
  e sell, lease, exchange or otherwise dispose of assets in my estate on the terms they consider expedient as though they were absolute beneficial owners.

SIGNED BY the Testatrix in our )
presence and attested by us in )
the presence of him and of each ) Testatrix
other

           Witness Witness


***

ANNEXURE "C"
INVENTORY OF PROPERTY
of the Estate of H of XX, XX in the State of XX, Deceased.

PROPERTY OWNED SOLEL Y BY THE DECEASED
Description Estimated or known value
M Ltd (rental accommodation bond) 90,7 46.22
N - National Mutual Funds Management Limited
a/c no. TA 0XXX9 59) 65,795.78
O Bank Limited 51,697.70
P Holdings Limited 3,915.00
R Bank account no. 76XXXXXX15 5,732.09
R Bank account no. 76XXXXXXXX19 612.11
Q account no. XX . :
9XXX05 2,032.67
Total $220,531.57
    

PROPERTY OWNED BY THE DECEASED AS
JOINT TENANT WITH ANOTHER OR OTHERS
Description Estimated or known value
Total

This is the Annexure "C" to the Affidavit of sworn at Newcastle
on __________ before me:

Solicitor
XX Street, XX “
    
    III - FUNDAMENTOS

    1. Com a presente acção pretende o Requerente obter a confirmação de decisão homologatória do Supremo Tribunal da Nova Gales do Sul para desse modo poder registar junto da Conservatória do Registo Predial, em beneficio dos herdeiros testamentários, a quota de 5/8 do prédio urbano sito na Rua do XX, n.º XX, descrito na Conservatória do Registo predial sob o n.° XX31.
O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida pelo Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul (Supreme Court of New South Wales) em 11 de Setembro de 2011 - de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Ausência do contraditório;
- Compatibilidade com a ordem pública.

Não obstante a contestação do pedido de revisão importará analisar as questões acima referidas, não havendo qualquer obstáculo à revisão de uma decisão do Tribunal Arbitral do Exterior que só terá eficácia no ordenamento da RAEM depois de aqui confirmada tal como resulta do artigo 1199º, n.º 1 do CPC.
O pedido é contestado nas seguintes vertentes:
- Interpretação do testamento e inteligibilidade da disposição de última vontade;
- contrariedade à ordem pública.


2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.” (sublinhado nosso).
    Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, Ku de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
    A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades exteriores, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
     Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a decisão do exterior satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
    
    3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Não parecendo haver dúvidas de que a sentença objecto de revisão - a existir - encontrar-se-ia corporizada por um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se um procedimento que correu seus termos por um Tribunal da Austrália.

    4. Sobre o alcance do conteúdo da decisão e inteligibilidade da disposição do testador
    Defende a requerida G não ser líquido que a quota parte de 5/8 do imóvel sito em Macau esteja incluída na alínea d) do n.º 3 do testamento, na qual a autora do testamento Ku escrito que deixa o resto do seu património aos seus filhos B, A, D, C E E em partes iguais.
    Isto, porque estranha que, depois de um detalhe tão minucioso em relação aos restantes bens, tenha feito o imóvel (parte do imóvel) no resto do património. Depois porque, nos termos do disposto no artigo 81A do Probate and Administration Act de 1898, para efeitos do probate, o testamenteiro tem a incumbência de elaborar um anexo com a lista completa dos bens pertencentes ao autor da sucessão que, no momento da sua morte, não estejam discriminados no testamento (cfr. Doc. 1), o que não acontece no caso sub judice, relativamente à quota de 5/8 do imóvel sito em Macau.
    Pelo que, contrariamente ao que pretende o Requerente, a decisão revidenda será manifestamente ininteligível por dúvidas quanto ao seu escopo, não podendo desse modo ser confirmada por força do disposto na alínea a), parte final, do n.º 1 do artigo 1200.° do CPC.
    Afigura-se-nos que não assiste razão à requerida, a única interessada a deduzir oposição à presente revisão, mais se anotando que a ora oponente não impugnou o testamento de H junto dos tribunais competentes de Nova Gales do Sul.
    Ressalva-se aqui a posição de B que, em carta dirigida ao processo, se vem opor, mas em termos tais que não se podem admitir, porquanto essa carta não se pode atender, por não ser formalmente o meio próprio para se deduzir oposição que sempre teria de ser subscrita por advogado e demais formalidades previstas na lei do processo. Para além de se estranhar que esse mesmo interessado não o tenha feito no processo na Austrália, apenas manifestando agora a sua posição decorridos mais de dois anos sobre a homologação judicial.
    
    Temos para nós que o referido testamento não oferece dúvidas, sendo claro que H Ku o resto do seu património aos seus filhos B, A, D, C e E, em partes iguais.
    A redacção utilizada não oferece dúvidas, sendo que a testadora referiu que em relação a todos os bens restantes que não foram descriminados eles também estavam abrangidos pela sua disposição de última vontade. Presumir que a falta de descriminação do imóvel no Anexo C do Testamento significa excluí-los da deixa testamentária viola a letra do testamento, não importando agora divagar sobre as razões dessa não identificação descritiva desse bem, nomeadamente, se foi por o bem se situar fora da Austrália, se foi por falta de elementos para se proceder a essa identificação, tratando-se de um prédio que implicava o domínio dos respectivos elementos identificativos - 5/8 do o imóvel sito em Macau - o Prédio urbano sito na Rua do XX n.º XX, Freguesia da Sé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XX31, a fls. XX do Livro BXX, e omisso na matriz - não foi discriminado no anexo C do "Probate".
“A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário” - art. 59ºº do Código Civil.
Importa ter presente que a interpretação das disposições por morte são reguladas pela lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração, sendo de relevar aqui a lei australiana aplicável - cfr. art. 61º, a) do CC - e o certo é que nenhuma dificuldade foi ali levantada quanto à inclusão desse bem pelo Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul. As disposições por morte são válidas se corresponderem às prescrições da lei do lugar onde o acto foi celebrado, ou às da lei pessoal do autor da herança, quer no momento da declaração, quer no momento da morte ou ainda às prescrições da lei para que remeta a norma de conflitos da lei local, estando-se aqui perante uma regra de conflitos com uma conexão alternativa com a finalidade de promover o favor testamenti.
    Tanto assim que, não tendo sido num primeiro momento descrito o imóvel em conformidade com a lei local, oportunamente não Ku de ser feito o respectivo aditamento ao referido anexo do testamento, com inclusão do imóvel sito em Macau, tal como resulta da documentação junta aos autos, pese embora a contestação da requerida, ao invocar que esse aditamento não passa de uma declaração unilateral e identifica todo o prédio quando se trata apenas de uma quota do mesmo.
    Trata- se de argumentos que não colhem, na medida em que não se vê que haja um procedimento em relação a esse bem diferente em relação aos demais. Por outro lado, em relação à exacta descrição do alcance do direito integrante da herança, totalidade do prédio ou parte do mesmo, trata-se de um detalhe, na medida em que o objecto integrante da herança nunca pode exceder aquilo que realmente existe e não deixará de poder ser comprovável.
5. Requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório.
Dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior2, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam3.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.4
    De todo o modo, sobre a questão de saber se essa decisão dita final é efectivamente uma decisão definitiva e transitada ou se a sua validade foi de algum modo posta em crise, sempre se refere que não há elementos que permitam duvidar de que a sentença revidenda esteja transitada e também não há elementos que comprovem que o requerido foi duplamente accionado pelos mesmos fundamentos, importando atentar que estamos perante uma decisão proferida no âmbito da Common Law, onde não é usual tal certificação, não obstante a existência de um regime da res judicata condition.
Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Maca
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, ainda aqui se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice.


6. Importa darmos atenção à questão do contraditório que vem posto em crise.
A sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão – art. 59º do CC – e as disposições por morte são válidas, quanto à forma, se corresponderem ás prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado – art. 62º, n.º 1 do CC.
Em ambas as situações a lei aplicável será a lei australiana.
    Por último, não corresponde igualmente à verdade o que a Requerida alega sob os artigos 27.º a 29.º da contestação.
    Tal como alegado na petição inicial, no caso, não se colocam questões relativas à regularidade da citação ou à observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, cumprida que foi a lei em vigor no Estado de Nova Gales do Sul - o Probate and Administration Act 1898 e Sucession Act 2006, Act 80 of 2006, sendo que a homologação sucessória do testamento não impõe a citação dos interessados, sendo os seus interesses satisfeitos pelo executor testamentário, tal como resulta das disposições legais aplicáveis, em particular artigos 92º a 95º.
    Não obstante, nos termos do artigo 58º do Succession Act 2006 (NSW) quaisquer reclamações ou impugnação das disposições testamentárias deverão ser apresentadas no prazo de 12 meses após o falecimento do de cujus.
    A Requerida tem pleno conhecimento – conhecimento esse que não impugna - que o falecimento de H, sua mãe, ocorreu em 11/03/2012 e desde essa data não levantou qualquer obstáculo, só agora o fazendo nesta sede.


7. Da ordem pública
Defende a requerida que é evidente que a não inclusão dos referidos Requeridos afecta a legítima e, desse modo, a ordem pública expressa no artigo 20.º do Código Civil.
    E assim sendo, não restam dúvidas de que, caso se entenda que o testamento inclui a quota de 5/8 do referido imóvel, a decisão revidenda conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública, pelo que não deve ser confirmada, tal como o dispõe a alínea f) do n.º 1 do artigo 1200.º do CPC.

Pensamos que ainda aqui não tem razão a requerida.

Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”5

E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar é uma sentença homologatória de um testamento, em que a única conexão com a RAEM é a localização de parte de um imóvel sito em Macau.
Tirando isso, nada se conexiona com a nossa ordem interna, não se invocando qualquer conexão de ordem pessoal cujos interesses houvesse que defender à luz de justas e legítimas expectativas face ao direito interno.
A decisão proferida mostra-se transitada e os seus efeitos ainda não foram destruídos por nenhuma outra decisão que tenha sido proferida até ao presente momento.
Como referia Ferrer Correia6, o que importa é saber se o reconhecimento da pretensão, alicerçada na lei estrangeira competente, traduz em si um resultado imoral ou atentatório da ordem pública. Pode essa lei mostrar-se inspirada em ideias manifestamente contrárias à ordem pública da lex fori - e todavia não ser inadmissível o resultado a que leva a sua aplicação ao caso concreto. E dava até o exemplo de não repugnar o reconhecimento de certos efeitos jurídicos (por exemplo patrimoniais) a um matrimónio celebrado na América (Estado de Nova Iorque) entre dois americanos, padrasto e enteada, ao abrigo da respectiva lei nacional (que não reconhece o impedimento da afinidade em linha recta.
Mota Pinto entende por ordem pública “o conjunto dos princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam e que têm uma acuidade tão forte que devem prevalecer sobre as convenções privadas.” - TGDC, 3ª ed., 5517, numa abordagem semelhante à de Galvão Telles para quem ordem pública “é representada pelos superiores interesses da comunidade” - Dto das Obrigações, 5ª ed., 44.8
O legislador, ainda que se lhe refira no art. 20º do CC, não define o que seja ordem pública (ainda aqui se depara o intérprete com um conceito em branco) e parece alterar o âmbito do conceito que deixa de confinar à ordem pública internacional do ordenamento interno, ficando-se exactamente sem perceber se essa alteração se fica a dever ao facto da RAEM se integrar no ordenamento plurilegistativo que é o da RPC ou se se visa uma alteração daquele âmbito. Tanto mais que a doutrina - cfr. Baptista Machado,9- assinala claramente a diferença entre ordem pública internacional da ordem pública interna., para enfatizar que a ordem pública de DIP tem uma função de excepção, se situa ao nível do caso concreto, se há-de aferir pelos resultados a que se chega com a aplicação da lei estrangeira, não comporta um juízo de desvalor sobre a lei estrangeira por parte do julgador da lex fori, se atinge um resultado intolerável que atropele grosseiramente a concepção de justiça do direito material interno e abale os fundamentos dessa ordem jurídica; donde não integraria a excepção de ordem pública internacional o reconhecimento para efeitos de alimentos de uma situação poligâmica regularmente constituída no estrangeiro, sendo o que acontece com o reconhecimento de certos divórcios celebrados no estrangeiro com causa não contempladas na lex fori, sendo que nos termos da lei, em princípio, na revisão e confirmação não se aprecia de meritis.
Sobre a aludida disposição, Marques dos Santos diz que ela é mais restritiva do que o preceito português, no que toca ao alcance da reserva de ordem pública (por causa do advérbio manifestamente), e, ao mesmo tempo, mais flexível, visto não estar limitada aos princípios fundamentais da ordem pública. “Com a excepção da utilização do conceito de lei exterior a Macau em vez do de lei estrangeira, o teor do artigo 20.º do Código Civil de Macau corresponde, em grande parte, ao disposto no artigo 22.º do Código Civil Português. Há, no entanto, duas importantes diferenças entre os dois artigos: Por um lado, enquanto o preceito português trata da"ordem pública internacional do Estado português", a disposição correspondente de Macau menciona apenas a "ordem pública", pelas mesmas razões que já foram acima mencionadas. Por outro lado, o sentido da expressão "manifestamente incompatível com a ordem pública" difere da formulação portuguesa "ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado português". A disposição do Código Civil de Macau é mais restritiva do que o preceito português, no que toca ao alcance da reserva de ordem pública (por causa do advérbio manifestamente), e, ao mesmo tempo, mais flexível, visto não estar limitada aos "princípios fundamentais da ordem pública". - in Estudos de DIP e Dto Público, Almedina, 2004, 32210

Cabe, assim, ao julgador a integração do que seja ordem pública com as circunstâncias de cada caso concreto. Cabe aqui a salvaguarda dos direitos fundamentais e dos princípios estruturantes do sistema sócio-económico, a segurança do comércio jurídico e protecção de terceiros, a integridade da pessoa humana, a protecção dos incapazes e oprimidos, a defesa das instituições basilares como a família.
Nesta conformidade, estamos em crer que o instituto da legítima, para mais quando não respeite a destinatários que beneficiem do regime da lei pessoal da residência em Macau não deve ser impeditiva do reconhecimento de decisões que no exterior a não reconheçam.
Tal como no Direito da Common Law, o instituto da legítima é desconhecido do Direito Civil chinês - Lei das Sucessões da RPC, promulgada em 10/4/85 e entrada em vigor em 1/10/85.
A Prof.ª Isabel Magalhães Collaço também já em 1959 defendia que a ordem pública portuguesa não se opunha em regra à aplicação dos preceitos da lei inglesa nesta matéria.11

Também no Jurisprudência Comparada encontramos esta posição que vai no sentido de que o direito dos filhos à legítima não é um princípio de ordem pública internacional do direito local.12

Nesta mesma linha e a propósito de um caso corrido nos Tribunais de Macau, o Prof. Marques dos Santos desenvolve a seguinte reflexão:
     “A jurisprudência portuguesa já teve ensejo, por diversas vezes, de precisar o sentido e o alcance da reserva de ordem pública internacional, nomeadamente distinguindo-a da ordem pública interna, em que estão em causa tão-somente normas imperativas ou injuntivas, inderrogáveis pela vontade das partes nas relações puramente internas - isto é, nas situações jurídico-privadas desprovidas de elementos de estraneidade -, mas susceptíveis de cederem nas relações privadas internacionais sujeitas a uma lei estrangeira.
    Quanto ao ponto ora em discussão, isto é, o de saber se as normas da lei portuguesa relativas à legítima são de ordem pública internacional ou apenas de ordem pública interna, não há dúvida de que elas não podem ser postergadas pelos indivíduos nas relações puramente internas, tendo indubitavelmente a natureza de normas de ordem pública interna. Mas constituirão elas "princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português", que levem, nos termos do artigo 22.° do Código Civil Português, à não aplicação, in concreto, dos "preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de conflitos"?
    O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.6.1978, já citado, embora tenha respondido a esta questão que tais normas relativas à reserva hereditária representam "princípios fundamentais e últimos da comunidade portuguesa, fruto de uma concepção de fundo das relações paterno-filiais, imanentes ao nosso direito, sendo apenas transitória a sua regulamentação técnica, o seu quanto, etc., etc,?", fê-lo num caso em que, não só estava, ademais, em causa o princípio constitucional de igualdade dos filhos nascidos dentro e fora do casamento (…) e em que a lei estrangeira competente (a lei espanhola) não reconhecia, na altura, quaisquer direitos sucessórios aos filhos ilegítimos, mas tão-só o direito a alimentos, mas também havia conexões particularmente fortes com a ordem jurídica do foro (…)
    Talvez de um modo ainda mais impressivo, o já referido Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 28.10.1993, num caso em que se debatia a questão de saber se as normas do direito material inglês que admitem a absoluta liberdade de testar e não consagram, portanto, o instituto da legítima são contrárias aos princípios de ordem pública internacional do Estado português, declarou que "a disposição testamentária do pai dos requerentes instituindo - validamente face ao direito interno britânico (sic) - sua viúva como sua única e universal herdeira (...), que, levando embora à exclusão dos requerentes como sucessores mortis causa de seu pai, nem por isso ofende princípio de ordem pública internacional do direito português, pois que, 'in casu', não poderá ser um princípio assim, ou constituir expressão dele, o direito dos filhos à legítima.
    É que (...), 'mesmo nas situações a constituir, a ordem pública intervirá mais ou menos consoante a maior ou menor proximidade dos interesses a regular pela ordem jurídica do foro.
    No caso “sub iudice” os requerentes são de nacionalidade britânica e residem em Inglaterra; a requerida é também de nacionalidade britânica; o 'de cuius', igualmente de nacionalidade britânica, fez testamento válido à luz da lei inglesa ... Resultado: o único nexo que existe com a ordem jurídica portuguesa é ser Portugal a “lex rei sitae”
    (…)mesmo que se entenda que a legítima dos filhos é um princípio de reserva de ordem pública internacional, a situação 'sub iudice' tem um nexo que, de tão extremamente débil com a ordem jurídica portuguesa, não justifica de modo algum a intervenção da ordem pública internacional do Estado do foro', 'in casu' a de Portugal'.
    Esta importante decisão, que revelou uma grande abertura à aplicação de um direito estrangeiro diferente do direito do foro", foi, no essencial, confirmada pelo já mencionado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.9.1994, no qual se afirmou designadamente: "(…) não podemos esquecer que estamos perante um testamento feito por um inglês, em Inglaterra, a instituir sua única e universal herdeira a esposa, também inglesa, e já tendo ele filhos de anteriores casamentos - os Requerentes - e que são igualmente de nacionalidade inglesa.
    (…) Que inferências poderão extrair-se desta jurisprudência para o caso que ora nos ocupa? É o que vamos tentar averiguar agora, procurando indagar qual a intensidade das conexões entre a situação em causa e a ordem jurídica portuguesa.
    (…) Em tal hipótese, a intensidade das conexões entre os interessados e a ordem jurídica do foro seria consideravelmente reduzida, em virtude de a nacionalidade relevante passar a ser uma nacionalidade estrangeira, em vez da cidadania portuguesa.
    Mas, mesmo que os interessados não tenham - ou, no caso da testadora, não tivesse - outra nacionalidade para além da portuguesa, entendemos que, no caso concreto que temos perante nós, a cidadania portuguesa dos interessados não constitui um vínculo suficientemente forte com a lex fori para que a lei de Hong Kong - aplicável à sucessão em causa por força dos artigos 62.°, 31.°, 3 e 16.° do Código Civil Português - devesse ceder, no tocante à legítima do direito interno português, por força da intervenção, in casu, da reserva de ordem pública internacional do Estado português.
    Com efeito, que sentido tem para indivíduos que são sociologicamente chineses - embora formalmente tenham a cidadania portuguesa -, que vivem há várias décadas em Hong Kong, não conhecem a língua portuguesa, não têm qualquer vivência cultural portuguesa nem qualquer conexão estreita com Portugal ou com Macau, uma instituição tão típica das ordens jurídicas do sistema romano-germânico, isto é, dos países de civil law, como é a instituição portuguesa da legítima ou da reserva hereditária, sendo certo que nem o direito chinês nem o direito (inglês) de Hong Kong - as outras duas ordens jurídicas em contacto com a situação - conhecem o instituto da legítima?
    Não se trata da nossa parte de estabelecer uma discriminação entre estes portugueses e os demais - que seria inconstitucional perante o disposto no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa -, mas tão-só, no caso concreto que temos perante nós, de considerar que a cidadania portuguesa dos interessados, nestas circunstâncias, não é um elemento suficientemente ponderoso para afastar a aplicação da lei normalmente competente para regular a validade substancial do testamento, que é a lei de Hong Kong, como já se viu, em favor da aplicação da lei portuguesa, isto é, dos artigos 2168.° e seguintes, maxime 2169.°, 2171.° e 2172.° do Código Civil Português (cf. supra, n.º 21). ~
    Como já se viu, a intervenção da ordem pública internacional é casuística, isto é, ocorre em função das circunstâncias concretas de um caso em que o resultado da aplicação da lei estrangeira - conflitual e abstractamente competente - choca gritantemente com valores ético-jurídicos fundamentais do foro.
    O órgão de aplicação do direito não deve ceder à tentação de brandir com demasiada frequência a arma da ordem pública internacional, como aconteceu em certos momentos e em certos lugares, nem deve fazer "prevalecer as suas concepções pessoais, subjectivas, acerca do funcionamento da reserva de ordem pública internacional", mas tem tão-somente de assumir "a responsabilidade de, por si, definir qual a solução que melhor corresponde aos valores objectivados na própria ordem jurídica".
    Temos sérias dúvidas de que, no caso que ora nos ocupa, a intervenção da reserva de ordem pública internacional do Estado português para impor o respeito da legítima do direito português, de que a testadora manifestamente não curou, constitua uma solução judiciosa para o conflito de interesses que aqui se nos depara.
    Mas é ao órgão de aplicação do direito que cabe a responsabilidade, inarredável, de dizer se, nas circunstâncias concretas do caso, no momento em que seja proferida a sentença final, deve ou não ser aplicado aqui o artigo 22.º do Código Civil Português. “13

As preocupações que perpassam por este estudo relevam com acentuada acutilância no nosso caso, onde, para além do local da situação do imóvel, mais nada se conexiona com a nosso ordenamento, como tivemos o ensejo de salientar.

Em face do exposto, somos a rever e a confirmar a dita decisão.


V - DECISÃO

Pelas apontadas razões, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão de 11 de Setembro de 2012 proferida pelo Supremo Tribunal de Nova Gales do Sul, Austrália, que homologou o testamento de H, instituindo como beneficiários da herança B, A, D, C e E e, do mesmo passo, autorizou o ora Requerente, na qualidade de executor da herança de H, a administrar os bens da mesma.

Custas pela requerida contestante.
Macau, 5 de Março de 2015

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002

2 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
3 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
4 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
5 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
6 - BMJ 24º, 66.
7 - TGDC, 3ª ed., 551
8 - Dto das Obrigações, 5ª ed., 44.
9 - Lições de DIP, 3ª ed., Almedina, 256, 258
10 - Estudos de DIP e Dto Público, Almedina, 2004, 322.

11 - DIP, II, 1959, 429
12- Ac. da RE, Proc. n.º 345, de 28/10/1993, CJ, ano XVIII-1993, V, 276; Ac. do STJ, Proc. n.º 832/07.9TBVVD.L2.S2, não reconhecendo a deixa, não por ofensa da ordem pública, mas por fraude à lei; Ac. STJ, Proc. n.º 85405, de 27/9/1994; Ac. da RL, Proc. n.º 0012720, de 22/2/1978.


13 - Lei Aplicável a Uma Sucessão por morte aberta em Hong Kong, Estudos de DIP e DIPúbl., Almedina, 2004, 347 e segs
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63/2014 43/43