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Processo n.º 681/2014
(Recurso Laboral)
    
Relator: João Gil de Oliveira
    
Data : 29/Janeiro/2015


ASSUNTOS:
- Impugnação da matéria de facto
- Contrato de trabalho de não residentes
- Regime mais favorável decorrente de um contrato celebrado entre empregador e uma empresa agenciadora de mão- de- obra
- Contrato a favor de terceiro
- Subsídio de alimentação
- Subsídio de efectividade
    
    
    SUMÁRIO :
    1. Há que ser muito prudente na reapreciação da matéria de facto, sendo de privilegiar a imediação vivenciada pelo Juiz do julgamento em 1ª Instância, havendo que contextualizar o depoimento da testemunha e tentar abarcar tudo aquilo que os monossílabos, se não os silêncios, encerram. Terá sido essa sensibilidade que o juiz na sua imediação não deixou de ter em relação a um certo depoimento, formalmente curto, mas substancialmente fazendo perceber toda a realidade que importaria abarcar.
    2. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de 1 de Fevereiro.
    3. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    4. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais
    5. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
    6. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
    7. Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
8. O subsídio de alimentação, vista a natureza e os fins a que se destina, deve estar dependente do trabalho efectivamente prestado.
9. Já o denominado subsídio de efectividade, não obstante a sua designação, tem uma natureza mais retributiva e, vistos os termos em que é concebido, atribuído por um mês sem faltas, as ausências autorizadas não o devem excluir.
    
O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira







Processo n.º 681/2014
(Recurso Civil)
Data : 29/Janeiro/2015

Recorrentes : A
B

Recorridos : Os mesmos

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. B, R. nos autos em epígrafe, em que é A. A, tendo sido notificada da douta sentença de fls. 310 e não se conformando com a mesma, vem dela interpor recurso para este Tribunal de Segunda Instância, com pedido de reapreciação da prova gravada, alegando, em síntese:
    a) O julgamento que incidiu sobre o ponto da matéria de facto proveniente do quesito 10° da base instrutória escorou-se no depoimento da testemunha C;
    b) Para a prova do facto acima elencado, o Tribunal recorrido louvou-se no depoimento da testemunha C, em conjugação com os registos de pagamento de fls. 277 a 281;
    c) Relativamente a estes documentos, por estarem em causa registos de pagamento que abrangem tão somente o período da sua relação laboral a partir de Julho de 1999, não se nos afigura constituam suporte seguro para adquirir por presunção judicial que, ao longo de toda a sua relação laboral com a R., o A trabalhava 12 horas por dia;
    d) Já quanto ao depoimento da testemunha C, constata-se que, quando questionada pelo Ilustre Mandatário do A a respeito do conhecimento que teria da pessoa do A, a mesma (a 01 m15s do ficheiro "Recorded on 25-Nov-2013 at 15.58.12 (0ZPNQ^EG01711270).WAV"), respondeu que "em 95 vim cá a Macau e residimos na mesma casa", acrescentando ainda (a 01 m40s do mesmo ficheiro) que tal coabitação se iniciou em Dezembro daquele ano de 1995;
    e) Por outro lado, a instâncias do Mandatário da R, a mesma testemunha afirmou que começou a trabalhar para a R em 1995 (a 02m20s do ficheiro "Recorded on 25-Nov-2013 at 16.06.51 (0ZPO2%AW01711270).WAV");
    f) A conclusão de que, mesmo antes de 1995 - período do qual não há registos de pagamento e no qual a testemunha não trabalhava para a R -, o A prestava 12 horas de trabalho extraordinário, não se afigura sustentável;
    g) Face a todo o exposto, pela reapreciação da prova constante dos autos, nomeadamente do depoimento prestada pela testemunha C, deverá ser alterada a resposta ao facto acima referido, pelo menos no tocante ao período anterior a 1995, com as devidas consequências quanto aos pedidos formulados pelo A;
    h) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
    i) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
    j) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
    k) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
    I) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
    m) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
    n) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
    o) Nesta lógica, o A apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
    p) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
    q) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R;
    r) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
    s) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
    t) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contra prestação de obrigações;
    u) A obrigação da ora R é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
    v) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
    w) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A pela R é uma prestação à qual a R ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
    x) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
    y) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A, que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
    z) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400°/2 do Código Civil (princípio res inter alias acta, aliis neque nacet neque prodest);
    aa) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
    bb) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
    cc) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A, sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
    dd) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A, de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
    ee) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400°/2 e 437º do Código Civil;
    ff) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
    gg) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
    hh) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
    ii) Por outro lado, por via da alteração da resposta à matéria de facto por que se pugna supra, sempre deverá a R. ser absolvida do pedido formulado a este título, pelo menos na parte respeitante ao período anterior a 1995;
    jj) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta a sua ineficácia para atribuir ao A qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
    kk) Acresce que, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, o pagamento de subsídio de refeição depende da prestação efectiva de trabalho;
    II) Porém, na decisão recorrida parece ter sido propugnado o entendimento de que as faltas justificadas ou autorizadas que o A tenha dado ao trabalho em nada relevam para aferição do subsídio de alimentação que lhe será devido;
    mm) Ao decidir nesse sentido, o Tribunal recorrido fez errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsídio de alimentação, violando o art. 228°/1 do Código Civil;
    nn) O devido entendimento quanto à ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade.
    
    2. A, Autor nos autos à margem identificados, contra-alega:

Da decisão da matéria de facto:
    1. Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a douta Sentença de que recorre procedeu a uma correcta interpretação dos factos e das normas legais aplicáveis e, bem assim, a uma correcta aplicação da Lei e do Direito devendo, em consequência, manter-se na integra;
    2. Partindo da prova testemunhal produzida em sede de audiência, discussão e julgamento, não existe um qualquer erro, contradição ou vício que possa inquinar o conteúdo da matéria de facto dada por provada;
    3. Com efeito, resulta do testemunho prestado, que a testemunha tinha um conhecimento directo no tocante às condições de trabalho do Autor, porquanto a mesma terá descrito com rigor e pormenorizadamente todo as mesmas condições especificamente no que ao período normal de trabalho e ao número de horas que o Autor se refere e que o Autor terá prestado para a Ré, porquanto a testemunha durante largos anos igualmente exerceu funções de guarda de segurança para a Ré e nas mesmas condições que o Recorrido e outras centenas de trabalhadores de origem Filipina.
    4. Ao que acresce que, se os registos juntos pela Ré abrangem tão somente o período a partir de Julho de 1999, em caso algum tal "lacuna de registos diários" poderá ser prejudicial ao Recorrente, sabido que era a Recorrida quem estava obrigada a conservar os dados relativos aos seus trabalhadores.
    5. De onde, deve improceder todo o alegado pela Recorrente a respeito da Decisão sobre a matéria de facto, não se justificando uma qualquer reapreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.
Do Direito:
    6. É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência de Macau que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes;
    7. A Recorrente tão-só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a Recorrente) e uma entidade fornecedora de mão de obra não residente (in casu, a D, Lda.);
    8. O Recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da Recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, maxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes estava sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderia ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.
    9. Por outro lado, constitui igualmente jurisprudência assente ao nível do Tribunal de Segunda Instância que os Contratos de Prestação de Serviços concluídos entre a Recorrente e a D Limitada, e ao abrigo dos quais os trabalhadores não residentes (e, in casu, o ora Recorrido) eram autorizados a prestar trabalho, juridicamente se configuram como contratos a favor de terceiros;
    10. Basta ver que do próprio conteúdo literal dos referidos contratos resulta que os mesmos - na sua grande totalidade - não se destinavam a regular as relações jurídicas dos outorgantes mas antes de terceiros, maxime dos trabalhadores que seriam recrutados pela D Lda. e que posteriormente eram cedidos à Recorrente (de entre os quais se inclui o ora Recorrido);
    11. Assim, tratando-se de um «contrato a favor de terceiro» e repercutindo-se o mesmo na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, mais do que líquido que o beneficiário da promessa (in casu, o Recorrido) adquire o(s) direito(s) - ou parte dele(s) - constantes do mesmo contrato independentemente de aceitação (art. 438.°, n.º 1 do C Civil de Macau) e, em consequência, pode exigir o seu cumprimento directamente do obrigado (in casu, da Recorrente), tal qual acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
    12. De onde, concluído que o Contrato de Prestação de Serviço celebrado entre a Recorrente e a Sociedade de Apoio Limitada juridicamente se qualifica como sendo um Contrato a favor de terceiros e, deste modo, repercutindo-se na relação jurídico-laboral existente entre a Recorrente e o Recorrido é, pois, forçoso concluir que o Recorrido terá direito a reclamar todas as condições que se mostrem mais favoráveis dos mesmos emergentes e, em concreto, reclamar e receber os montantes devidos a título de diferenças salariais, tal qual, aliás, acertadamente concluiu o Tribunal a quo.
    13. Do mesmo modo, resulta do senso comum não ser de admitir que o valor da remuneração de cada hora de trabalho extraordinário prestado pudesse ser inferior ao valor da remuneração de cada hora do trabalho normal.
    14. A Recorrente obrigou-se nos termos do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Recorrido foi autorizado a prestar trabalho a atribuir àquele um subsídio de alimentação e de efectividade;
    15. A douta Sentença limitou-se a aplicar o valor do subsídio constante do Contrato de Prestação de Serviços ao abrigo do qual o Recorrente prestou trabalho para a Recorrida multiplicando-o pelo número de dias de trabalho por que durou a relação laboral, tendo em conta o que resultou da matéria de facto provada.
    16. Nunca as faltas justificadas ou previamente autorizadas pela Recorrente podem ser aptas a justificar a não atribuição ao Recorrido dos referidos subsídios, visto não ser irrelevante ter em conta se o trabalhador falte ao serviço com ou sem motivo ou mediante motivo atendível e justificado e precedido de autorização prévia por parte da respectiva entidade patronal, isto é, da Recorrente.
    Nestes termos, devem as presentes Alegações de Resposta serem aceites e o recurso apresentado pela recorrente ser julgado totalmente improcedente.

    3. B, Autor nos autos à margem identificados, também interpõe recurso da sentença, dizendo em síntese conclusiva:

    1. Versa o presente recurso sobre a parte da Sentença na qual o Tribunal a quo procedeu a um julgamento incorrecto quanto à matéria de facto e, em consequência, julgou parcialmente improcedente a favor do Recorrente a atribuição de uma determinada compensação devida a título de subsídio de efectividade e trabalho prestado em dia de descanso semanal, em violação ao disposto nos artigos 17.º e 26.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
    2. No entender do Recorrente, o julgamento de facto que incidiu sobre os quesitos 17.º e 19.º mostra-se equivocado, porquanto uma correcta ponderação de todos os meios de prova constantes dos autos é apta a conduzir a uma outra decisão.
    3. Com efeito, resulta do depoimento prestado em audiência de discussão e julgamento que durante todo o tempo da relação laboral, nunca o Autor sem conhecimento e autorização prévia pela Ré - deu qualquer falta ao trabalho e, bem assim, que durante todo o período da relação de trabalho nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal.
    4. De onde, o Tribunal a quo deveria ter considerado como integralmente provada a matéria constante dos referidos quesitos.
    5. Trata-se, de resto, de um entendimento que é corroborado pela prática e política geral seguida pela Recorrida em matéria de (não) atribuição de dias de descanso semanal aos seus trabalhadores guardas de seguranças.
    6. De onde, se justifica que o douto Tribunal ad quem proceda à reapreciação do testemunho prestado e, em conformidade, altere a resposta aos factos contidos nos quesitos 17.º e 19.º da Base Instrutória, julgando-se os mesmos integralmente provados, com as devidas consequências quanto aos concretos pedidos formulado pelo Recorrente a tal respeito.
    7. Em concreto, e, em conformidade, a Recorrida deve ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$31,560.00, a título de subsídio de efectividade e de Mop$53,400.00, a título de descanso semanal.
    8. Sem prescindir, quanto à compensação devida ao Recorrente pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal durante a vigência do DL n.º 24/89/M, o Tribunal a quo entendeu dever proceder ao desconto do valor pago em singelo.
    9. Trata-se, porém, de uma errada aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, razão pela qual, nesta parte, a douta decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei, isto é, em dobro.
    10. Em consequência, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de Mop$53,400.00 - e não de apenas de Mop$9,590,00 - conforme resulta da decisão ora posta em crise - pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, nos termos da a) do n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    
    II - FACTOS
    
    Vêm provados os seguintes factos:
    “A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alíneas A) dos factos assentes)
­ Desde o ano de 1994, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de 《guarda de segurança》, 《supervisor de guarda de segurança》, 《guarda sénior》, entre outros. (alíneas B) dos factos assentes)
­ Desde 1994, a Ré celebrou com a D Lda., entre outros, os 《contratos de prestação de serviços》: n.º02/94, de 03/01/1994; n.º29/94, de 11/05/1994; n.º45/94, de 27/12/1994. (alíneas C) dos factos assentes)
­ Entre 01/04/1994 e 18/01/2002, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de “guarda de segurança”. (alíneas D) dos factos assentes)
­ Trabalhando sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alíneas E) dos factos assentes)
­ Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alíneas F) dos factos assentes)
­ Durante todo o período de tempo anteriormente referido, foi a Ré quem pagou o salário ao Autor. (alíneas G) dos factos assentes)
­ O contrato de prestação de serviço n.º2/94 foi objecto de apreciação, fiscalização e aprovação por parte da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE). (alíneas H) dos factos assentes)
­ Foi ao abrigo do Contrato de prestação de serviços n.º2/94, que o Autor foi recrutado pela D Lda. e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré (doc.2, lista nominativa anexa ao contrato de prestação de serviços n.º2/94, celebrado entre a Ré e a D Lda., que se dá por integralmente reproduzido). (Resposta ao quesito da 1º da base instrutória)
­ O horário de trabalho do A. era de 8 horas diárias. (Resposta ao quesito da 2º da base instrutória)
­ Ao longo da relação laboral, a Ré apresentou ao Autor vários contratos individuais de trabalho que forma assinados pelo Autor. (Resposta ao quesito da 3º da base instrutória)
­ A relação de trabalho entre a Ré e o Autor cessou em 18 de Janeiro de 2002. (Resposta ao quesito da 4º da base instrutória)
­ Do conteúdo do 《Contrato de Prestação de Serviço》, junto aos autos, e aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que os trabalhadores não - residentes ao serviço da Ré – e, em concreto o Autor, - teriam o direito a auferir, no mínimo, a quantia de MOP90.00 por dia, por 8 horas de trabalho diárias até 18 de Janeiro de 2000 e a quantia de MOP70.00 depois daquela data. (Quesito da 5º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Abril de 1994 e 30 de Setembro de 1995, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP1,500.00, mensais. (Quesito da 6º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Outubro de 1995 e 30 de Junho de 1997, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor a quantia de MOP1,700.00, mensais. (Quesito da 7º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Julho de 1997 e 31 de Março de 1998, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP1,800.00 mensais. (Quesito da 8º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Abril de 1998 e 18 de Janeiro de 2002, como contrapartida da actividade prestada, a Ré pagou ao Autor, a título de salário, a quantia de MOP2,000.00 mensais. (Quesito da 9º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Abril de 1994 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito da 10º da base instrutória)
­ Durante aquele período de tempo, a Ré sempre remunerou o trabalhou extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP8.00 por hora. (Quesito da 11º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Entre 1 de Julho de 1997 e 18 de Janeiro de 2002, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito da 12º da base instrutória)
­ Durante aquele período de tempo, a Ré sempre remunerou o trabalho extraordinário prestado pelo Autor à razão de MOP9.30 por hora. (Quesito da 13º da base instrutória, aceite pelas partes)
­ Do 《Contrato de Prestação de Serviço》aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré – e, em concreto o Autor, - teriam o direito a auferir a quantia de MOP15.00 diárias, a título de subsídio de alimentação. (Resposta ao quesito da 14º da base instrutória)
­ Ao longo de toda a relação de trabalho entre a Ré e o Autor, nunca a Ré pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (Resposta ao quesito da 15º da base instrutória)
­ Do 《Contrato de Prestação de Serviço》 aprovado pela DSTE, ficou expressamente estipulado que os trabalhadores não residentes ao serviço da Ré – e, em concreto o Autor, - teriam o direito a auferir um subsídio mensal de efectividade 《igual ao salário de quatro dias》, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (Resposta ao quesito da 16º da base instrutória)
­ Entre Julho de 1999 e Dezembro de 2001, nunca o Autor – sem conhecimento e autorização prévia pela Ré – deu qualquer falta ao trabalho. (Resposta ao quesito da 17º da base instrutória)
­ Durante todo o período da relação laboral entre a Ré e o Autor, nunca a Ré atribuiu ao Autor qualquer quantia a título de 《subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias》. (Resposta ao quesito da 18º da base instrutória)
­ Por solicitação da Ré, entre Julho de 1999 e Dezembro de 2001, o Autor prestou serviço em todos os seus dias de descanso semanal, durante 12 horas por dias. (Resposta ao quesito da 19º da base instrutória)
­ Pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo e não lhe foi concedido um dia de descanso compensatório. (A 1ª parte do quesito 20º da base instrutória, aceite pelas partes quanto ao pagamento de um salário diário em singelo e resposta à 2ª parte do quesito 20º da base instrutória).”
    
    III - FUNDAMENTOS
    A - Recurso da decisão final da B
    1. Decisão sobre a matéria de facto
     No que à matéria do presente recurso importa, encontra-se provado o seguinte facto (resultante da resposta afirmativa ao quesito 10° da base instrutória):
    - Entre 1 de Abril de 1994 e 30 de Junho de 1997, o Autor trabalhou em turnos de 12 horas de trabalho por dia.
    Ora, considera a R. que o julgamento de facto que incidiu sobre o referido ponto se mostra equivocado, devendo a correcta ponderação dos meios de prova constantes dos autos conduzir a decisão distinta.
Atentemos no que diz a recorrente:
    “Para a prova do facto acima elencado, o Tribunal recorrido louvou-se no depoimento da testemunha C, em conjugação com os registos de pagamento de fls. 277 a 281.
    Ora, quanto a estes, cumprirá salientar que se trata de registos de pagamento relativos ao A que abrangem tão somente o período da sua relação laboral a partir de Julho de 1999,
    Pelo que, salvo o devido respeito, não se nos afigura que tais documentos constituam suporte seguro para adquirir por presunção judicial que, mais de cinco anos antes do mais remoto registo de pagamento existente, o A. trabalhava 12 horas por dia.
    Cumpre também notar, sobre a presunção judicial - extraída do depoimento da testemunha C - de que o A trabalhou sempre 12 horas por dia ao longo de toda a sua relação laboral, que a audição do depoimento prestado pela aludida testemunha infirma a conclusão que dele foi extraída pelo Tribunal recorrido.
    Efectivamente, a instâncias do Ilustre Mandatário do A. e a respeito do conhecimento que teria da pessoa do A, a testemunha C (a 01m15s do ficheiro "Recorded on 25-Nov-2013 at 15.58.12 (OZPNQ^EG01711270).WAV"), respondeu que "em 95 vim cá a Macau e residimos na mesma casa", acrescentando ainda (a 01m40s do mesmo ficheiro) que tal coabitação se iniciou em Dezembro daquele ano de 1995.
    Por outro lado, a instâncias do Mandatário da R., a mesma testemunha afirmou que começou a trabalhar para a R. em 1995 (a 02m20s do ficheiro "Recorded on 25-Nov-2013 at 16.06.51 (0ZPO2%AW01711270).WAV").
    Ora, como se vê, se relativamente ao período a partir de 1995 e não obstante a inexistência de registos de pagamento, poderá admitir-se a presunção de que o A. trabalhava nas mesmas condições que a testemunha, à época também funcionário da R.,
    Já não parece sustentável a conclusão de que, mesmo antes de 1995 - período do qual não há registos de pagamento e no qual a testemunha não trabalhava para a R. -, o A. prestava 12 horas de trabalho extraordinário.
    A este respeito, refira-se ainda que a própria testemunha C reconhece (nas declarações gravadas sob o ficheiro "Recorded on 25-Nov-2013 at 16.10.18 (0ZP06QEG01711270).WAV") que, no tocante às condições de trabalho do A. entre 1994 e 1995, apenas sabe o que o próprio A. lhe contou, o que constitui conhecimento meramente indirecto que, atento o teor da fundamentação da convicção do Tribunal, este entendeu não valorar.
O período anterior à entrada da testemunha C ao serviço da R., reitera-se, é um período com o qual a prova produzida não tem qualquer contacto ou sobreposição - não há nos autos um registo de pagamento relativo a esse período nem depôs em audiência qualquer testemunha que nesse período trabalhasse para a R..”
    Desde logo se anota que o facto não foi fixado apenas com base nos apontados documentos, mas ainda na avaliação do depoimento da referida testemunha.
    Como já temos afirmado noutros casos, à primeira vista, esta alegação parece impressionar. Mas importa colocarmo-nos na particular posição da testemunha, também ele trabalhador, naturalmente condicionado, se não fragilizado, ao depor num ambiente que lhe é estranho, sobre uma relação laboral que ele próprio vivenciou em termos próximos àqueles em que depôs, numa acção movida contra a ex-entidade patronal.
    Há que contextualizar aquele depoimento e tentar abarcar tudo aquilo que os monossílabos, se não os silêncios, encerram.
    Terá sido essa sensibilidade que o Mmo Juiz na sua imediação não deixou de ter em relação àquele depoimento, formalmente curto, mas substancialmente fazendo perceber toda a realidade que importaria abarcar.
    Realça-se essa imediação a atenção evidenciada pelo Mmo Juiz na fundamentação da sua motivação e que aqui se dá por reproduzida. A testemunha mostrou conhecer a matéria sobre a qual foi questionado, visto durante largos anos ter igualmente exercido funções de guarda de segurança para a Ré/Recorrente nas mesmas condições que o autor e as demais centenas de trabalhadores de origem Filipina.
    As dúvidas avançadas pela recorrente não se confirmam e as insuficiências não são de molde a afectar a credibilidade da testemunha. Na linha do que já noutro passo se avançou e sem querer inverter as regras do ónus da prova importa registar que também por seu lado a ré, ora recorrente, nada fez para infirmar o que se perguntava, ou sequer se dignou juntar documentação relativa a tais matérias, ou sequer apresentou uma qualquer outra testemunha que pudesse vir a infirmar o afirmado pela parte e sustentado pela testemunha ouvida, sendo que lhe cabia, ao nível da impugnação ter tomado posição marcada, definida, especificada sobre uma questão que também ela não podia ignorar.
    A forma de conhecimento retratada em Tribunal não é apenas indirecto; baseia-se ele ainda na própria experiência e conhecimento directo da política da Companhia.
    Sobre isto, passe ao exagero aparente de quanto aqui se afirma, diremos apenas que para se ter conhecimento de uma determinada prestação laboral não é preciso estar lado a lado do trabalhador em causa em todos os minutos para se ter conhecimento da situação.
    Esta alegação é muito demonstrativa do cuidado que há que pôr na reapreciação da matéria de facto..
    Aliás, a este propósito, não se deixa aqui de referir o entendimento que vem sendo sustentado neste Tribunal de Segunda Instância, a propósito da reapreciação da matéria de facto em matéria cível:1
“Ora, é certo que o princípio da livre apreciação da prova (art. 558º, do CPC) não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Mas, por outro lado, também é certo que a convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Portanto, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao trabalho do julgador, no tocante à matéria de facto, só nos casos e moldes restritos dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser feita (Ac. do TSI, de 18/07/2013, Proc. nº 50/2013).
Por isso se diz que, geralmente, o princípio da imediação e da livre apreciação das provas impossibilita o Tribunal de recurso de censurar a relevância e credibilidade que o Tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu (Ac. TSI, de 19/10/2006, Proc. nº 439/2006).”
    Razão, ainda aqui, por que, face aos dados adquiridos no caso concreto, inclusive a partir da prova testemunhal, entende-se não se decidir em sentido contrário ao seguido na 1ª Instância.
    Assim, sem mais, improcede todo o alegado pela recorrente a respeito da decisão sobre a matéria de facto.

b) Do regime aplicável à relação laboral em presença, da imperatividade do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro e da configuração de um contrato a favor de terceiros
    b.1. Sobre esta questão é conhecida a posição dominante nos Tribunais de Macau no sentido de que o Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, era um diploma com natureza e intencionalidade assumidamente normativa imperativa, destinado a definir um conjunto de requisitos tidos como mínimos e indispensáveis à contratação de trabalhadores não residentes.
    Assim, qualquer entidade interessada - e in casu a recorrente - tão só poderia celebrar contratos com trabalhadores não residentes desde que o fizesse ao abrigo do respectivo «despacho de autorização governamental», tendo por base as condições tidas por mínimas constantes do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, as quais, por seu turno, se deveriam incorporar no clausulado do «contrato de prestação de serviços» a celebrar entre a entidade interessada (in casu a recorrente) e uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (in casu, a D, Lda.).
    Daí que o recorrido nunca poderia ter sido admitido como trabalhador da recorrente (ou de qualquer outro empregador na RAEM) por via de um contrato que não tivesse obedecido ao disposto nos números 2, 3 e 9 do Despacho n.º 12/GM/88, de 1 de Fevereiro, máxime por via de um «contrato individual de trabalho», porquanto a contratação de trabalhadores não residentes está, como já se deixou dito, sujeita a um regime especial e imperativo que em caso algum poderá ser derrogado pelas partes, excepto para consagrar condições de trabalho mais favoráveis ao trabalhador.

b.2. Vamos repetir o que já noutros acórdãos aqui se tem afirmado.2

Importa atentar no regime da contratação dos não residentes.
Não sem que se observe que, em princípio, só em relação aos residentes há liberdade negocial. A contratação dos não residentes está condicionada a uma autorização administrativa e se é assim actualmente, também o foi no passado.
Esta nota é muito importante para a abordagem do caso vertente, na medida em que os termos e condicionamentos de uma contratação como a presente não dependem ou não podem depender por e simplesmente da vontade dos contratantes, empregador e trabalhador.
    Ora, na lógica do defendido pela recorrida e de certa forma com acolhimento na douta sentença recorrida este condicionalismo é marginalizado.
    A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n.º 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n.º 30, I série, no artigo 9.° admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
    Por sua vez, o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril, vigente até 01 de Janeiro de 2009 (altura em que entrou em vigor a Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho) e aprovado para definir os condicionalismos mínimos que devem ser observados na contratação entre os empregadores directos e os trabalhadores residentes, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 2, esclareceu ele próprio que não seria aplicável a alguns conjuntos de relações de trabalho, entre os quais as relações de trabalho entre empregadores e trabalhadores não residentes, que seriam reguladas por normas especiais que se encontrem em vigor, nos termos do artigo 3.°, n.º 3, alínea d).
    Essas normas especiais foram (não se conhecem outras), até à entrada em vigor da Lei n.º 21/2009 de 27.10, no dia 25 de Abril de 2010, as previstas no Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, considerando que o Dec.-Lei n.º 101/84/M, de 25 de Agosto, onde no capítulo VII se previa a contratação de trabalhadores estrangeiros, apátridas e no capítulo VIII a de cidadãos chineses provenientes da RPC, aí se regulando os pressupostos de contratação e, em relação ao primeiro grupo ainda um conjunto de princípios que deviam enformar essa contratação, em particular a não discriminação baseada na nacionalidade (artigo 51º), foi revogado pelo já referido Decreto-lei n." 24/89/M, de 03 de Abril.
    Convém aqui fazer um parêntesis e analisar uma pretensa invalidade desse Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
    Esse Despacho foi proferido pelo então Governador no âmbito das suas funções executivas (art. 16º, n.º 2 do estatuto Orgânico de Macau - EOM - então em vigor), que a função legislativa que ao governador então incumbia e devia ser exercida por Decreto-Lei, conforme dispunha o artigo 13º e que a regulamentação das relações laborais, ainda que com não residentes não podiam caber dentro das funções executivas e ser regulada por um simples Despacho.
    O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
    Não se trata de um regime jurídico de determinadas relações laborais, antes de um prontuário procedimental a que devem obedecer as contratações de um determinado grupo de trabalhadores, traduzindo-se muitas das normas em condicionamentos e instruções dirigidas aos respectivos Serviços, não tendo a natureza normativa instituidora de direitos e obrigações para os sujeitos da relação laboral.
    As normas específicas, constantes desse Despacho normativo, vigente enquanto esteve em execução o contrato de trabalho junto aos autos, regulam o procedimento para admissão em Macau de mão-de-obra não residente, impondo, nomeadamente, à Ré, enquanto empresa empregadora as condições mínimas de contratação que estava disposta a conceder ao trabalhador não residente, para obter a necessária aprovação do Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos, mas esse Despacho nada refere quanto aos princípios, às condições, aos direitos, deveres e garantias a que fica sujeita essa relação de trabalho.
    Esta questão não se coloca na actualidade uma vez que o artigo 20.° da Lei n.º 21/2009 de 27/Out. (Lei da contratação de trabalhadores não residentes) estabelece a aplicação subsidiária do regime geral das relações de trabalho aos contratos com trabalhadores não residentes (aplicação subsidiária essa que já é consentânea com a redacção do artigo 3.°, n.º 3, 1) da Lei n.º 7/2008, Lei das Relações de Trabalho), mas no âmbito do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, não existia qualquer remissão para o Regime Jurídico das Relações de Trabalho estabelecido pelo Decreto-lei n.º 24/89/M, de 03 de Abril, sendo certo que este último diploma mesmo referia, como supra se consignou, que os contratos de trabalho celebrados entre empregadores e trabalhadores não residentes não seriam por ele abrangidos por estarem reguladas pelas normas especiais que se encontrem em vigor, como já acima dito.
    Perante este quadro, não temos grande dificuldade em superar as críticas quanto a uma pretensa ineficácia por invalidade formal do dito Despacho, uma vez que não se trata de um diploma legislativo - no sentido estrito e formal de lei, enquanto disposição genérica provinda do órgão competente no limite da sua competência legislativa3 - e não tem razão quem pretende ver nele força bastante para coarctar a liberdade negocial dos cidadãos pois que tal argumento não colhe pela razão simples de que a limitação e condicionamento do trabalho de não residentes em Macau resulta de diplomas legislativos próprios, sob pena de ter de se considerar que como não se podia limitar a liberdade contratual dos empregadores por essa via seria franqueada a porta de Macau para qualquer pessoa não residente que aqui pretendesse trabalhar. Ou seja, não é esse Despacho que condiciona a admissão de não residentes. Estes não podem trabalhar, em princípio, pela razão simples de que aqui não podem residir.
    b.3. Temos, por conseguinte, por inabalada a eficácia do Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro.
    Importa, então, apurar sobre o regime jurídico aplicável ao contrato de trabalho em presença.
    Não é difícil perceber que ele deve ser iluminado por um conjunto de fontes reguladoras do regime jurídico aplicável ao caso - contratação administrativamente condicionada -, a saber:
- o Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro;
- o contrato celebrado entre a Ré e a D, Lda.
- o contrato celebrado entre o A. e a Ré;
- o RJRL ( DL24/89/M, de 3/Abril), na medida em que remissivamente aplicável.
    
Tanto mais que se sabe que a Ré foi autorizada a contratar trabalhadores não residentes, entre os quais o ora Autor, para a prestação de funções relacionadas com a actividade de segurança privada.
O que foi feito ao abrigo do artigo de um contrato de prestação de mão de obra com a D, Lda, conforme previsto nos artigos 3º, 7º, 8º, 9º do Despacho n.º 12/GM/88.
Isto é, o contrato com o A. só foi celebrado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9º, d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88:
“9. O procedimento para a admissão de mão-de-obra não-residente observará os trâmites seguintes:
a) O requerimento da entidade interessada será presente no Gabinete do Secretário-Adjunto para os Assuntos Económicos que despachará, mandando ouvir sobre o mesmo o Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia, ou determinará a prestação dos esclarecimentos que julgue convenientes;
b) O Gabinete para os Assuntos de Trabalho e a Direcção dos Serviços de Economia pronunciar-se-ão sobre o pedido no prazo de 10 dias úteis;
c) Obtidos os pareceres referidos na alínea anterior, será proferido despacho que decidirá da admissão solicitada, determinando à requerente que, em caso afirmativo, faça presente o contrato de prestação de serviços com entidade habilitada como fornecedora de mão-de-obra não-residente, tal como previsto no n.º 7;
d) O contrato será remetido ao Gabinete para os Assuntos de Trabalho, a quem compete verificar e informar se se encontram satisfeitos os requisitos mínimos exigíveis para o efeito, designadamente os seguintes:
d.1. Garantia, directa ou indirecta, de alojamento condigno para os trabalhadores;
d.2. Pagamento do salário acordado com a empresa empregadora;
d.3. Assistência na doença e na maternidade;
d.4. Assistência em caso de acidentes de trabalho e de doenças profissionais;
d.5. Repatriamento dos trabalhadores considerados indesejáveis. (Os deveres mencionados em d.3. e d.4. serão obrigatoriamente garantidos através de seguro);
e) Fornecidos os elementos de informação referidos na alínea anterior será proferido despacho que decidirá da aprovação das condições de contratação dos trabalhadores não-residentes, fazendo remeter o processo ao Comandante das Forças de Segurança de Macau;
f) O Comandante das Forças de Segurança de Macau proferirá despacho, determinando lhe seja presente a lista nominativa dos trabalhadores a recrutar, e decidindo, posteriormente, sobre a sua entrada e permanência no Território.”
    b.4. É assim que as condições previstas no aludido contrato ganham força, sendo, como é óbvio, vista a natureza da relação laboral e os contornos administrativos a que é sujeita, que as condições de trabalho menos favoráveis para o trabalhador, resultantes do contrato de trabalho entre este e o empregador, hão-de ceder necessariamente perante as resultantes do contrato celebrado entre o empregadora e a empresa fornecedora mão-de-obra, condição decorrente da autorização de relação laboral em causa.
    É certo que o contrato de trabalho, como negócio jurídico obrigacional, se baseia na autonomia privada, a qual engloba para além da liberdade de celebração, a liberdade de estipulação. Como ensina Pedro Romano Martinez, “como em qualquer negócio jurídico, as partes têm, liberdade de conformar as regras contratuais aos interesses que pretendem prosseguir. Todavia, no domínio laboral, a liberdade de estipulação contratual encontra-se limitada; a especial protecção do trabalhador, que o Direito do Trabalho pretende conferir, leva a que, frequentemente, se condicione a liberdade das partes na conformação das regras contratuais, até porque, não raras vezes, a situação factual de desigualdade entre as partes potenciaria o estabelecimento de regras desfavoráveis para o trabalhador”.
    Razões estas, se não apodícticas, observáveis na nota preambular do referido Despacho n.º 12/GM/88, em que para além da contemplação dos interesses protagonizados pela defesa da mão-de-obra local e dos protagonizados pelos interesses empresariais se sublinhou o seguinte:
    “Da parte do Governador há ainda a considerar um terceiro aspecto da questão, que é o de não consentir no Território situações que contendam com o padrão mínimo, ou que como tal seja aceite pela consciência social, relativamente às condições de alojamento da população trabalhadora, Entendeu-se assim que Q solução do problema passava por uma clara destrinça. entre as situações de emprego dos residentes, estas reguladas pela lei aplicável entre empregador e empregado como sujeitos autónomos de direitos e obrigações, e as situações de emprego de não-residentes, que, ao contrário das primeiras, traduzirão um vínculo de contrato de prestação de serviços com terceiras entidades. Estas têm que se responsabilizar pelo alojamento dos trabalhadores ocasionais e pelo pagamento dos salários que lhes sejam devidos, bem como pelo seu repatriamento quando os considerem dispensáveis. Fica claro, de qualquer forma, que esses trabalhadores ocasionais não têm qualquer direito de permanência em Macau. Nem de outra forma seria possível avançar, como é firme propósito do Governador, em defesa dos interesses dos trabalhadores residentes no Território. Para tal, estes hão-de constituir uma massa determinada, com peso específico próprio.
    Nesta primeira fase, tal defesa consiste na regulação das condições de oferta do mercado, pedindo que os trabalhadores sob custódia de uma terceira entidade contratados por via de contrato de prestação de serviços possam constituir-se numa pressão que resulte em prejuízo dos trabalhadores residentes, quer no que diz respeito à estabilidade do emprego, quer no que diz respeito ao nível dos salários. E trata-se, é bom que se diga, de uma solução que se aceita a título experimental, determinada pela extrema complexidade da matéria e pela urgência que havia em dar-lhe encaminhamento. Por isso, aliás, se introduz por via do simples despacho, aproveitando a feliz circunstância de não parecer que algum normativo de grau superior a tal se oponha.”
    Torna-se assim mais claro o enquadramento que deve presidir ao estabelecimento do regime jurídico da relação em apreço e que passa pela aplicação das normas mais favoráveis que de qualquer um dos contratos em referência resulte, até em nome do princípio do favor laboratoris, entendido este como um princípio geral do Direito do Trabalho, com assento na concepção das opções legislativas pro operario e não como derrogando as regras imperativas da interpretação das normas decorrentes do Direito Civil.4
     b.5. Face à defesa, por banda da empregadora, aqui recorrente, da exclusão, em termos de caracterização do contrato entre a Ré e a D, Lda., da natureza ínsita a qualquer dos contratos-tipo como contrato a favor de terceiro não nos eximiremos a algumas poucas palavras sobre o assunto.
    Antes de mais, reafirmamos que a força da vinculação a tal regime resulta das normas condicionantes da autorização de trabalho, administrativamente contempladas. Isto é, só o trabalho prestado naquele condicionalismo seria autorizado. Donde, tais cláusulas, previstas nesse contrato serem condição de concessão de autorização de trabalho para aquela situação em concreto.
    Daqui cai por terra o argumento avançado na douta alegação da recorrente quanto à falta do interesse atendível na celebração de um contrato a favor de terceiro por parte da D, sendo evidente que a sua intervenção na importação de mão-de-obra é um instrumento de condicionamento das regras a aplicar à mão-de-obra não residente, só assim sendo admitida a tal importação.
    
    Não se pode proceder a uma análise desgarrada desse enquadramento e desse condicionalismo, donde o regime jurídico aplicável resultar desse acervo clausulado.
    Não poucas vezes a realidade da vida é mais rica do que a realidade conceptualizada e, assim, as soluções do legislador não são bastantes para abarcar toda a factualidade.
    Isto, para enfatizar que, por isso mesmo, os institutos previstos pelo legislador não são o bastante para regular toda a realidade negocial e daí que se devam conjugar, até em nome da liberdade contratual, diferentes contratos, surgindo-nos as situações de negócios mistos ou inominados.
    É a partir desta constatação que nos damos a perguntar a nós próprios o que impede, em termos meramente de autonomia privada e de liberdade contratual, que alguém assuma perante outrem a obrigação de dar trabalho a um terceiro, mediante certas condições e estipulações. Sinceramente que não nos ocorre nenhum obstáculo.
    Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um benefício a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.5
    Esta noção está plasmada no artigo 437º do CC, aí se delimitando o objecto desse benefício que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
    O objecto imediato do contrato a favor de terceiro pode ter, na verdade, diversa natureza jurídica e os mais diferentes conteúdos económicos, bastando que a aquisição pelo terceiro seja de um benefício ou de uma vantagem.6
    A Ré compromete-se com uma dada Sociedade a dar trabalho ao A. e assume o compromisso de o fazer em determinadas condições.
    Sinceramente que não vemos onde não exista aqui a assunção de uma prestação, qual seja a de dar trabalho a A, a de contratar com ele e a de lhe pagar X.
    Prestação é a conduta a que o devedor está obrigado ou seja o comportamento devido, na expressão lapidar do Prof. Pessoa Jorge.7
    Ora o facto de a Ré ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de facere. Uma prestação de facto, na verdade, pressupõe o desenvolvimento, em prol do credor, de determinada actividade e pode até traduzir-se numa prestação de um facto jurídico quando as actividades desenvolvidas são jurídicas.8
    As coisas, postas assim, tornam-se agora mais claras e o instituto em referência mais se encaixa no nosso caso.
    Nem o facto de a Ré se ter comprometido a celebrar um contrato exclui o enquadramento que se persegue.
    O benefício para o terceiro está, como bem se alcança, não só na chance de obter trabalho (para mais enquanto não residente) e das utilidades e vantagens materiais que daí decorrem para o trabalhador, parte terceira nesse contrato, bem como das condições que a Ré se compromete a observar em benefício do trabalhador.
    Aliás, esta possibilidade de acoplação entre o contrato primitivo e o contrato de trabalho posteriormente celebrado entre A. e Ré resulta como uma decorrência das obrigações primitivamente assumidas. É a primeira relação contratual, a relação de cobertura, que origina e modela a segunda relação, a relação entre o promitente e o terceiro.9
    Ora, nada obsta que desta relação entre o promitente e o terceiro, para além do assumido no primitivo contrato entre o promitente e o promissário, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).10
    Esta aproximação encontramo-la também em Pires de lima e A. Varela, enquanto anotam que “o artigo 443º(leia-se 437º) trata não só dos casos em que todo o contrato estabelecido a favor de terceiro, como daqueles em que o contrato ou negócio a favor de terceiro se insere no contexto de um outro contrato, ao lado dele, sem prejuízo de um e outro se integrarem unitariamente na mesma relação contratual. É o que sucede, por exemplo, na doação ou no legado com encargo a favor de terceiro que pode ser um direito de preferência sobre a coisa doada ou legada, ou ainda na instituição de uma fundação com encargo a favor de pessoa ou pessoas determinadas.”11
    Quanto ao argumento que do contrato a favor de terceiros não podem nascer obrigações para o terceiro beneficiário, como está bem de ver, elas não resultam desse contrato, mas sim do contrato de trabalho entre o patrão e o empregado.
    
    b.6. Nem se diga que esta posição contraria o sufragado por este Tribunal quando chamado a decidir sobre a excepção relativa à competência do Tribunal, nos termos da qual a ré propugnava pelo cometimento ao tribunal arbitral.
    Como nessas decisões já se afirmou, configurar uma ou mais cláusulas do referido contrato, estranho ao trabalhador, como estipuladas a favor de terceiro (neste caso o A.), daí não decorre que essa qualificação se projecte, sem mais, sobre todo o contrato (cfr. art. 400.°, n.º 2 e 437º, n.º 1 do Código Civil).
    O Código Civil, no artigo 438.°, n.º 1, dispõe que "O terceiro a favor de quem for convencionada a promessa adquire direito à prestação, independentemente de aceitação"
    Ora o direito que se estabelece traduz-se num concreto direito à prestação, independentemente de aceitação; nada mais.
    Nem outros direitos a favor de outrem estabelecidos no contrato, muito menos deveres, encargos ou sujeições integrarão a esfera jurídica do terceiro a favor de que tenha sido concretamente instituído um determinado direito.
    Para além de que será de entender que essa cláusula compromissória de competência abrange apenas a relação de cobertura ou de provisão entre o promitente e o promissário e não já relação provisionada entre o promitente e o terceiro, ou a relação de valuta entre o promissário e o terceiro.
    Posto isto, somos a sufragar o entendimento acolhido na douta sentença recorrida.

c) Das diferenças salariais
Face à posição acima assumida, as diferenças salariais levadas em conta na sentença recorrida não merecem qualquer reparo.

d) Do trabalho extraordinário
    Ainda aqui não merece reparo a quantia arbitrada, não se podendo admitir que o trabalhador ganhasse pelo serviço extraordinário menos do que pelo serviço normal.
    Serve aqui a posição expressa no acórdão 737/2010, deste TSI:
“O Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, não prevê sobre a forma ou o modo de fixação do acréscimo de salário pela prestação de trabalho extraordinário, nem sobre o montante mínimo desse acréscimo salarial, mas isto não representa que a “livre” fixação, em sede do art. 11.º, n.º 2, desse diploma legal, do valor remuneratório de cada hora extra de trabalho possa nomeadamente prejudicar as condições de trabalho mais favoráveis já observadas e praticadas entre a própria sociedade comercial arguida e os trabalhadores ofendidos então ao seu serviço (cfr. A norma do n.º 1 do art. 5.º do próprio Decreto-Lei).
Na verdade, não se pode admitir, ao arrepio do senso comum das pessoas, como fosse concretamente mais favorável a esses trabalhadores o facto de o valor da remuneração de cada hora extra do trabalho ser ainda inferior ao valor da remuneração de cada hora do trabalho normal.”

e) Do subsídio de alimentação e de efectividade
    Não se abalando a matéria dada como provada, de que o trabalhador prestou serviço todos os dias por que perdurou a relação laboral, ainda aqui não merece qualquer censura o que foi decidido, reafirmando-se a posição já anteriormente assumida neste TSI de que o subsídio de alimentação só é devido quando o trabalhador presta serviço12 e já não assim com o serviço de efectividade13.
    O subsídio de alimentação ou de refeição depende da prestação efectiva de trabalho, fazendo todo o sentido que assim seja, tendo até em vista a sua natureza e os fins a que se propõe. Destinar-se-á a fazer face a um custo suplementar a suportar por quem trabalha e por quem tem de comer fora de casa ou com custos acrescidos por causa do trabalho.
    É esta a Jurisprudência deste Tribunal, concretizada no acórdão n.º 376/2012, de 14/6, onde se fez constar:
    “Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva.14
    E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.
    Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”.15 Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso).16
    Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (…), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
    Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão.17”
    Não será assim de sufragar o decidido, realizando apenas os dias de desconto dos dias de descanso anual e feriados obrigatórios legais, pois, tendo o autor faltado autorizadamente, incorrectos estarão os cálculos no sentido de se terem contabilizado todos os dias por que perdurou a relação laboral para esse efeito. O trabalhador não podia faltar sem autorização; o trabalhador faltou sem autorização; se faltasse não tinha o subsídio de alimentação. Importa computar esses dias e, à míngua dos indispensáveis elementos, esse cálculo terá de ser relegado para execução de sentença.18
    Quanto ao subsídio de efectividade, trata-se de um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas, pois assim o dizem os contratos.Com efeito, o trabalhador teria direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta.
    Em relação a este subsídio, vista a sua natureza e fins - já não se manifestam as razões que levam a considerar que a sua atribuição esteja excluída numa situação de não assiduidade justificada ao trabalho. Se o patrão autoriza uma falta seria forçado retirar ao trabalhador uma componente retributiva da sua prestação laboral, não devendo o trabalhador ser penalizado por uma falta em que obteve anuência para tal e pela qual o patrão também assumiu a sua responsabilidade. 19
    
    B - Recurso do Autor
    1. Discordância da matéria de facto.
     Pretende o A. retirar apenas da testemunha a factualidade que pretende seja dada por assente.
    Damos aqui por reproduzida a alegação do recorrente.
    Mostram-se, ainda aqui, válidas as considerações supra desenvolvidas quanto à apreciação da prova.
    Na parte que vem impugnada, o Mmo Juiz foi muito claro na explicitação da sua motivação, tal como se alcança de fls 30 e v.:
    “No que se refere à factualidade dada como provada, tal como resulta das respostas dadas aos quesitos 10" e 12° valorámos o teor do documento junto pela Ré (fls. 277 a 281 dos autos, donde resulta que o Autor recebia sucessivamente compensações de trabalho extraordinário durante Julho de 1999 e Janeiro de 2002). Conjugando com o depoimento de C, ex-trabalhador ao serviço da Ré com o mesmo posto, que também trabalhava 12 horas por dias entre 1995 e 2008, podemos presumir judicialmente que o Autor trabalhava sempre 12 horas diariamente ao longo de toda a relação laboral entre ele e a Ré.
    Encontra-se o mesmo raciocínio quanto à resposta dada aos quesitos 15° e 18°.
    A resposta restritiva e explicativa dada aos quesitos 17º e 19º fundamenta-se nos registos informáticos de remunerações do Autor de fls. 279 a 281 juntos pela Ré, em que os salários efectivamente pagos pela Ré eram sempre de MOP$2,Ooo durante Julho de 1999 e Dezembro de 2001. Conjugando com os quesitos 9º e 20º provados, o que significa somente que naquele período o Autor trabalhava todos os dias, mesmo nos dias de descanso semanal, sob pena de fazer desconto dos salários do Autor, o que não se acontece no caso. Dos montantes das compensações de trabalho extraordinário de fls. 281 resulta ainda que, conjugado com o quesito 13° que se considera como provado por acordo das partes, o Autor trabalhava em média mais ou menos 133 horas (MOP$1,236.9/ MOP$9.3 por hora) mensalmente, o que equivale a 4.43 horas por dia de trabalho extraordinário, incluindo os dias de descanso semanal. Todavia, não vale aqui muito o depoimento de C[r. porque ele não consegue presenciar, mesmo um dia, que o Autor trabalhava durante descanso semanal. Segundo a experiência de vida, é menos provável que uma pessoal trabalha sempre durante 5 anos sem pelo menos um dia de falta ou descanso! Assim, é o Autor quem suportar o risco de non liquet por se trata aqui do facto consitutivo do direito invocado por ele. (...)”
    Ora, não foi apenas com base na prova testemunhal que o Mmo Juiz formou a sua convicção e sobre isso nem uma linha que possa fazer inverter eventual incorrecção do julgamento.
    Somos, pois, a manter o decidido quanto à matéria de facto.
    2. Mantendo-se a matéria de facto não há que alterar a compensação apurada quanto ao subsídio de efectividade.
    3. Compensação pelo não gozo dos descansos semanais.
    Tem razão o Autor na questão relativa à fórmula de cálculo.
    Igualmente na esteira das posições anteriormente assumidas a fórmula correcta deve ser x2 para o cálculo das compensações pelo não descanso semanal.
    Considerando que se trata de matéria mais do que analisada e decidida na Jurisprudência deste TSI, vamo-nos remeter para a Jurisprudência quase uniforme deste Tribunal, com a redacção que foi dada no acórdão deste TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011, onde aquela uniformidade sofreu apenas uma ligeira inflexão.
    Resta, pois, proceder aos cálculos em função do pedido e dos valores que lhes servirão de padrão, a partir dos montantes definidos, tendo em conta o aludido contrato entre a Ré e a D, Lda.
    Ou seja, o cálculo apurado deve ser pelo dobro: MOP$ MOP$9,590.00 x 2= MOP$19.180,00.
    
    Tudo visto e ponderado, resta decidir
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, quanto ao recurso interposto pela Ré B acordam em conceder parcial provimento ao recurso, apenas no que respeita à compensação do subsídio de alimentação, relegando-se para execução de sentença o que aí vier a ser apurado em função dos dias de trabalho efectivo e, no mais, julgando-se improcedente o recurso.
     Quanto ao recurso interposto por A, revogando parcialmente o decidido, condena-se agora a Ré a pagar ao A. a quantia de MOP$19.180,00 (dezanove mil cento e oitenta patacas), acrescida dos juros a contar da presente data, relativamente ao período levado em conta na sentença recorrida, sentença esta que em tudo o mais se confirma.
    Custas por A. e Ré na proporção dos seus decaimentos, em ambas as instâncias.
Macau, 29 de Janeiro de 2015,
  João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
    José Cândido de Pinho
1 - Ac. do TSI, Proc. n.º 562/2013, de 8/5/2014

2 - V.g., A. do TSI, Proc. 574/2010, de 12/5/2011
3 - Cfr. art. 1º do CC; Oliveira Ascensão, IAED, AAFDL, 1970, 241
4 - Pedro Romano Martinez, ob. cit., 220
5 - Diogo Leite Campos, Contrato a favor de terceiro, 2ª ed., 1991, 13
6 - Leite de Campos, ob. cit., 17
7 - Obrigações, 1966, 55
8 - Menezes Cordeiro, Dto Obrig., 1980, 1º, 336 e 338
9 - Leite de Campos, ob. cit.27
10 - Leite Campos, ob. cit. 79 e 115
11 - CCAnot. 4ª ed.,1987, vol I, 426
12 - Ac. 376/2012, 322/2013, 78/2012 e 414/2012
13 - Ac. 322/2013
14 - Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
15 - Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
16 - Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
17 - A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
18 - Assinala-se aqui uma evolução, em nome de um maior rigor probatório, em relação à posição assumida no proc. n.º 627/2013, de 29/5/14, onde se ficcionava que o trabalhador trabalhara todos os dias

19 - Ac. deste TSI, Proc. n.º 322/2013, de 2577/2013
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681/2014 47/47