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Proc. nº 796/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Março de 2015
Descritores:
-Marcas
-Marca figurativa

SUMÁRIO:

I. A marca exerce uma função de garantia de qualidade não enganosa, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência.

II. Uma marca apenas composta pelo desenho pintado de um B1, assemelhando-se a um B – que de símbolo regional e há muito passou a símbolo nacional português – não tem capacidade distintiva, nem é revelador de nenhum produto ou serviço em particular e, por isso, não é registável.





Proc. nº 796/2014

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
“A Groups, Lda”, sociedade comercial com sede na Avenida XX, XX, XXº-XX, em Macau, recorreu judicialmente para o Tribunal Judicial de Base (Proc. nº CV1-14-0030-CRJ) da decisão da Ex.ma Chefe do Departamento de Propriedade Intelectual da Direcção dos Serviços de Economia de 7/03/2014, que lhe não concedeu o registo da marca que tomou o número N/7XXX5 para assinalar os produtos e serviços incluídos na classe 35.
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Por sentença de 24/06/2014 foi o recurso improcedente.
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Contra essa decisão insurge-se a autora através do presente recurso, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«Os argumentos fácticos e jurídicos alegados pelo Tribunal a quo não podem ser aceites pelas seguintes razões:
17. O B1 da Recorrente não é, nem pretende ser, “O B” enquanto conceito;
18. A marca registanda corresponde a uma obra de desenho com um forte cunho de originalidade, o que lhe confere capacidade para distinguir de forma idónea e não enganosa os produtos e serviços a que se destina, razão pela qual não se afigura necessário “a marca estar associada a outros elementos que permitissem ao público consumidor identificá-la como sendo da recorrente”;
19. São, como se disse, os seus elementos individuais que conferem eficácia distintiva à marca da Recorrente, não pretendendo a mesma apropriar-se da figura do “B”.
20. Com efeito, ao registar a marca, a Recorrente não tenciona monopolizar o conceito do B, mas tão só proteger os desenhos/decoração do “seu” B1.
Aceitando desde já que, caso os venerandos Juízes assim o entendam, seja feita essa menção no registo, como prevê o art.º 199, n.º 3 do RJPI;
21. Destarte, o registo da marca não impedirá que terceiros possam utilizar a figura do B1 desde que não utilizem os mesmos desenhos, traços e decoração que o compõem.
22. Como se demonstrou ex abundanti, parece ter havido na Sentença a quo, uma incorrecta interpretação dos art.º 214, n.º 1 al. a) e do art.199 n1 al. c), do RJPI.
Nestes termos e nos mais de direito, e contando com o douto suprimento de V. Exa., requer-se que:
i) Seja considerado procedente o presente recurso e, em consequência, revogada a Sentença recorrida;
ii) Em sua substituição, ao abrigo do art.º 630, n.º1, deverá ser proferido acórdão que conceda o registo da marca que tomou o número N/7XXX5».
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A entidade administrativa recorrida, por seu turno, respondeu ao recurso da seguinte forma conclusiva:
«i) O da Recorrente não é nem pretende ser “B” e uma obra original1 e portanto tem capacidade distintiva (nºs 17 e 18).
«Diga-se antes de mais que se considera o sinal registando um autêntico exemplar do conhecido “B”. Não colhe dizer, como a Recorrente, que o sinal registando teve modificações de designo Na verdade as semelhanças são muito mais que as diferenças e a imagem global do sinal registando é insusceptível da imagem que se tem do “B”.» Sentença CV2-14-0026-CRJ
O “B” é um dos exemplos que frequentemente a jurisprudência e a doutrina portuguesas utilizam para identificar um sinal usual descritivo de características de produtos/serviços (aliás, a par da Chaminé do Algarve2), insusceptível de registo como marca, entendimento que, a nosso ver, tem total aplicação à realidade cultural e social deste território» Sentença Recorrida.
ii) A Recorrente não tenciona monopolizar o conceito de “B” , mas tão só proteger os desenhos /decoração do seu “B1”( nºs 19 e 20)
A originalidade da criação artística do sinal, o “design”, porventura de criação particularmente artística, protegida pelo direito de autor, depois de introduzido na marca perde autonomia e passa a ser protegida pelo âmbito da propriedade industrial.
Neste sentido, direitos de autor e a propriedade industrial, embora pertencentes à mesma categoria de propriedade intelectual, são protegidos autonomamente pelo direito através de regimes específicos. O “design”, porventura de criação particularmente artística, depois de introduzido na marca perde autonomia e o que se passa a comparar, para efeito de confundibilidade e identidade, são as marcas entre si. Isso, porém, não quer dizer que algum elemento gráfico que compõe a marca não possa ser objecto de protecção especial em acção autónoma no quadro da violação de direitos de autor, desde que verificados certos requisitos, mas não na (anulação) de registo de marca no quadro da propriedade industriar. 3
iii) o não uso exclusivo do sinal, previsão do artigo 199 n.º 2 do RJPI (n.º 20 e 21)
A entidade Recorrida considerou que sinal misto já respeitaria o princípio da verdade e tinha capacidade distintiva em relação a outras que usem a figura do “B1” acrescida de algum elemento distintivo.
iv) A incorrecta interpretação na sentença recorrida do dos art.º 214, n.º 1 al. a) e do art. 199 n.º 1 al. c) do RJPI (n.º 22)
De tudo o que ficou dito estamos em crer que, nenhuma censura merece a Sentença recorrida, aplicam-se as normas invocadas com a motivação que lhe foi dada, pelo que, deve ser mantida a douta sentença da Mma Juíza do Tribunal a quo que manteve o despacho de recusa da marca registanda, por falta de capacidade distintiva por se tratar de um sinal usual.
Não tendo a Recorrente acrescentado facto novo ou fundamento legal que altere e sentença recorrida, deve ser negado provimento ao recurso e mantido o despacho recorrido de recusa».
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
«1. Em 12/07/2012, a Recorrente requereu o registo da marcaque tomou o n.º N/7XXX5 para assinalar serviços incluídos na classe 35.
2. O pedido de registo foi publicado no BORAEM, n.º 42 -II Série, de 16/10/2013, não tendo merecido qualquer reclamação.
3. Por despacho de 07/03/2014 foi o pedido de registo recusado pela DSE, tendo tal facto sido publicado no BORAEM, n.º 14, II Série, de 02/04/2014».
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III – O Direito
A sentença sob escrutínio apresentou a seguinte fundamentação:
«A recorrente pretende impugnar a decisão administrativa que recusou o registo da marca, para assinalar serviços incluídos na classe 35, fundamentalmente com base em dois argumentos relevantes:
- Estamos perante uma imagem nova e original de um B1, que não se confunde com o “B”, tendo elementos individuais que lhe conferem eficácia distintiva;
- Caso assim não se entenda, o investimento que fez na promoção e divulgação da mencionada marca em Macau garante-lhe capacidade distintiva pelo seu uso;
Por sua vez, a DSE, para sustentar a sua decisão de recusa, argumenta que a marca se traduz num símbolo regional português, sem qualquer capacidade distintiva e que induzirá em erro o público sobre a origem do produto ou serviço que pretende assinalar, dado que a recorrente é uma empresa de Macau e os consumidores julgarão que a marca está associada a produtos ou serviços provenientes de Portugal.
Analisemos a lei.
A espécie de direito de propriedade industrial que aqui está em apreciação é o título de marcas, tendo este como objecto o sinal ou conjuntos de sinais susceptíveis de representação gráfica (...) que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (cfr. artigo 197.º do RJPI).
O artigo 213.º do RJPI estatui que o registo é concedido se não tiver sido revelado fundamento de recusa e as reclamações, se as houver, forem consideradas improcedentes.
Como fundamentos de recusa do registo da marca encontramos, entre outros, a circunstância de a marca ou algum dos seus elementos conterem “Sinais que sejam susceptíveis de induzir em erro o público, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina”, tal como prescreve o artigo 214.º, n.º 2, a) do RJPI.
A própria lei impõe limites à protecção da propriedade industrial, referindo no artigo 199.º, n.º 1, alíneas b) e c) do citado regime legal que não são susceptíveis de protecção os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar (...) a proveniência geográfica (...) e sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais do comércio; sendo certo que quando esses elementos genéricos entram na composição de uma marca não serão considerados de utilização exclusiva do requerente - cfr. n.º 2 do citado preceito legal.
Ora, no vertente caso, ressalvando sempre melhor opinião, consideramos que a marca que a recorrente pretende registar constitui simultaneamente um símbolo geográfico e um sinal usual, vulgarizado, na linguagem corrente e nos hábitos leais e constantes do comércio para identificar produtos ou serviços portugueses e que, por isso, deve estar acessível a todos os comerciantes ou produtores que os pretendem divulgar.
A marca, ressalvando sempre melhor juízo, corresponde à figura do B, originariamente moldado em cerâmica e decorado com cores mais vivas e tradicionais, conhecido de todos os portugueses, e que corresponde, sem grandes alterações, à seguinte imagem original:.
A marca da recorrente tem outro design, outra “roupagem”, mas é ainda um B, pelo que não será capaz de distinguir os produtos ou serviços desta empresa dos de outras, tendo em mente a quantidade de imagens que actualmente o B1 assume ou pode assumir.
Para poder ter capacidade distintiva, a marca teria de estar associada a outros elementos que permitissem ao público consumidor identificá-la como sendo da recorrente, dado que, ao contrário do que a mesma defende, o seu uso em Macau não foi susceptível de a consolidar como marca distintiva. O consumidor médio e avisado não a identifica como pertencendo à recorrente.
O “B” é um dos exemplos que frequentemente a jurisprudência e a doutrina portuguesas utilizam para identificar um sinal usual descritivo de características de produtos ou serviços (aliás, a par da Chaminé do Algarve), insusceptível de registo como marca, entendimento que, a nosso ver, tem total aplicação à realidade cultural e social deste território.
Assim, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, aderindo integralmente aos fundamentos de facto e de direito utilizados pela DSE, decide-se julgar improcedente o recurso apresentado e manter a decisão sob recurso que recusou o registo da marca N/7XXX5».
Estamos em pleno acordo com esta fundamentação, pelo que a fazemos nossa, com a devida vénia, ao abrigo do disposto no art. 631º, nº5, do CPC.
Acrescentaremos, somente, um ou dois aspectos mais.
Em primeiro lugar, a figura que a marca pretendida representa não é um “B1 qualquer”. É uma imagem representativa de um símbolo que, de regional (região de Barcelos), se transformou em nacional. Portugal é frequentemente representado em qualquer parte do mundo por esse macho galináceo.
A sua figura estilizada, os seus diferentes recortes ao nível da crista, da pelanca ou barbela, do corpo e da cauda, não escondem a intenção que por detrás dela está. Aliás, só assim se compreende que a recorrente pretenda utilizar essa figura como marca: precisamente para induzir o público consumidor que ali, nos seus estabelecimentos, se vendem produtos com origem, directa e indirecta, em Macau e Portugal. Ele mesmo o reconhece nas suas peças processuais.
Efectivamente, com mais ou menos traços, curvas ou pontos, o público que conhece esta figura e a relaciona com Portugal, não irá decerto deixar de mais uma vez fazer a associação desta marca ao famoso “B”, sem estar a fazer comparações com um modelo que necessária ou provavelmente não terá à mão ou à vista. O que importa é, quanto a este tema, a primeira impressão. Aliás, o próprio “B”, o genuíno, o proveniente da região minhota, nem sempre é representado da mesma maneira.
Em segundo lugar, o que está em causa nem sequer é a distinção entre um B1 e outro. Quer dizer, não é pelo facto de este poder ser interpretado como um “B1 português” que a marca lhe é recusada. Como sabemos, e as partes já se lhes referiram, há em várias partes do mundo produtos e serviços que se apresentam com esta mesma simbologia representativa de marca. O caso “ C” é paradigmático (encontramo-lo, por exemplo, em Hong Kong e em Vancouver, no Canadá), mas muitos outros há.
O que está em discussão é saber se a marca é, em si mesma, distintiva de produtos ou serviços em relação a outros porventura existentes. Ora, um simples B1 não representa nada em especial. O que podem as pessoas associar a essa marca? Tudo e nada; depende. Então é possível que um investidor use a marca para comidas e bebidas, outro para esferográficas, outro ainda para “lingerie” ou brinquedos? A resposta é sim. Quer dizer, o interessado no registo poderá em princípio utilizar a marca para produtos da mais variada ordem, com a subjacente intenção de efectuar a sua ligação ao país de origem desses produtos.
Ora, isso quer dizer que a simbologia extraída do bicho não pode ser utilizada por ninguém em particular; isto é, não pode ser de uso exclusivo de nenhum interessado. E, assim sendo, ainda que esta figura em particular possa ter um desenho algo estilizado, não há dúvida que isoladamente ele é visto como um B. E então, se ela fosse concedida à recorrente em exclusivo, obviamente se poderia opor a que futuramente outrem viesse a utilizar o “B1” em marca própria em produtos seus, mesmo que com outra crista, outra pelanca ou barbela, com outra cauda ou outro corpo, com mais ou menos corações desenhados com pintas brancas.
Em terceiro lugar, não se pode dizer que esta marca, que ainda não existe na RAEM, tenha aqui adquirido capacidade distintiva pelo uso, ao contrário do que o afirma a recorrente. E se essa mesma marca foi registada em Taiwan, isso não permite extrair desse facto – cujo registo pode até assentar em requisitos diferentes, próprios de um diferente universo jurídico – uma capacidade distintiva em diferente latitude geográfica, como é Macau.
Em quarto lugar, e como assevera a entidade recorrida, as restrições postas ao registo desta marca isoladamente assim representada, deixariam de se colocar, se com o sinal, com o símbolo do animal, algo mais lhe pudesse ser aditado, de forma a compor uma marca complexa. Podia a marca ser constituída, como diz a DSE, pela reunião da palavra A com o sinal, mediante a disposição que a parte lhe quisesse dar. Mas, isoladamente - só o sinal - não pode constituir a marca porque não tem capacidade de identificação do produto que o conceito visa caracterizar.
Como se sabe, a marca exerce uma função de garantia de qualidade não enganosa4, visando associar um produto ou serviço a determinado produtor ou prestador e evitar no consumidor o erro e a confundibilidade de origem e proveniência.
E é por tudo isto, e mais o que disse a sentença referida, que entendemos que só esse elemento desenhado - por não distinguir nenhum produto em particular, por não ter adquirido em Macau ainda nenhum efeito distintivo, por sugerir apenas a proveniência geográfica de algo que se não conhece ou por constituir um elemento usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais do comércio – é insusceptível de protecção (art. 199º, nºs1, al. b) e 3 e 214º, nº1, al. a), do RJPI).
Para terminar, importa acrescentar que o facto de poder ser eventualmente dado por não exclusivo tal sinal não está em causa neste recurso. Realmente, o uso não exclusivo desse sinal não foi pedido, embora a recorrente aceite que qualquer interessado poderá fazer o uso de outro B1, desde que não utilize o mesmo desenho, os mesmos contornos e linhas que compõem este. Ora, se esta marca fosse registável, mesmo sem uso exclusivo, e se fosse possível que outrem pudesse utilizar uma marca simples idêntica – apenas formada por um B1, ainda que com outro formato, outras linhas, outros recortes, outros corações – estar-se-ia a abrir a porta a uma confusão marcária inaceitável, porventura a uma concorrência desleal, e não é difícil adivinhar que a recorrente nesse momento se viesse opôr ao registo dessa eventual marca por qualquer outro interessado.
Improcede, pois, o recurso.
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IV – Decidindo
Nos termos expostos, acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
TSI, 05 / 03 / 2015

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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong

1 No que respeita a protecção de obra original ver nota 3.
2 Neste sentido, ver nota 4.
3 Acordão do TSI de 12-1-2012 Processo n.º-494/2011, Disponível online no site http://www.court.gov.mo
4 Luis M. Couto Gonçalves, Função da Marca, na obra colectiva «Direito Industrial, Vol. II», Almedina, pág. 99 e sgs.
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