Proc. nº 749/2014
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Fevereiro de 2015
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Contrato a favor de terceiro
- Contratação de mão-de-obra não residente
- Subsídio de alimentação
- Subsídio de efectividade
SUMÁRIO
I - A celebração de um “contrato de prestação de serviços” entre uma empresa fornecedora de mão-de-obra não residente em Macau e outra empregadora dessa mão-de-obra, no qual esta assume desde logo um conteúdo substantivo mínimo das relações laborais a estabelecer com os trabalhadores que vier a contratar, tal como imposto por despacho governativo, representa para estes (beneficiários) um contrato a favor de terceiro, cuja violação por parte da promitente empregadora gera um correspondente direito de indemnização a favor daqueles.
II - O subsídio de alimentação visa compensar uma despesa diariamente suportada pelo trabalhador quando realiza a sua actividade, e portanto, deve ser considerado como compensação pela prestação de serviço efectivo.
III - O subsídio de efectividade é um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas injustificadas.
Proc. nº 749/2014
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
B, de nacionalidade filipina, titular do Passaporte Filipino n.º XX03......, emitido pela autoridade competente da República das Filipinas, em 25 de Janeiro de 2008, com residência na Rua ......, n.º ..., ...... San Chun, Bloco ..., ....º andar, “...”, Macau, intentou no TJB (Proc. nº CV1-12-0027-LAC) acção contra C (MACAU) - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA - LIMITADA, com sede na Avenida ......, ..., Edifício Industrial ......, Fase ..., ....º Andar ..., Macau,
pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de Mop$ 241,621,00, a título de subsídio de efectividade, subsídio de alimentação, trabalho extraordinário e diferenças salariais.
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O processo prosseguiu para julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de Mop$ 194.655,03 e juros legais.
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Contra esta sentença, interpôs recurso a ré da acção, “C”, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
«a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3º e 9º;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437º do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como “contratos de prestação de serviços”;
j) Deles é possível extrair que a Sociedade “contratou” trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
l) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contra prestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º/2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A, sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A, de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º/2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A para reclamar quaisquer “condições mais favoráveis” emergentes destes Contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais;
aa) Do mesmo correcto entendimento do Despacho e dos Contratos deverá decorrer a absolvição da R. também quanto ao pedido formulado a título de trabalho extraordinário;
bb) Do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos resulta também a sua ineficácia para atribuir ao A qualquer direito a título de subsídio de alimentação;
cc) Por outro lado, está provado que a partir de 18.01.2002 o A passou a estar abrangido pelos contratos de prestação de serviços nºs 1/1 ou 14/1;
dd) No clausulado desses contratos, aplicável a partir de 18.01.2002, não existe qualquer previsão respeitante a subsídio de alimentação (cuja atribuição é remetida para o acordo individual entre as partes, sobre o qual nada se provou);
ee) Pelo que terá que considerar-se que, no âmbito de aplicação desses contratos, e neste caso até final da sua relação laboral, o A não tem direito a tal subsídio;
ff) Acresce que, como é entendimento unânime na jurisprudência e na doutrina, o pagamento de subsidio de refeição depende da prestação efectiva de trabalho;
gg) Não se provou nos autos qual o número de dias de trabalho efectivo prestados pelo A. à R;
hh) A decisão recorrida parece ter acolhido o entendimento de que os dias em que o A. não trabalhou para a R. em nada relevam para aferição do subsídio de alimentação que lhe será devido;
ii) Ao decidir nesse sentido, o Tribunal recorrido fez errada interpretação da estipulação dos Contratos sobre o subsidio de alimentação, violando o art. 228º/1 do Código Civil;
jj) O devido entendimento quanto ã ineficácia obrigacional do Despacho e dos Contratos deve igualmente conduzir à absolvição da R. do pedido formulado a título de subsídio de efectividade;
kk) Por outro lado, também neste particular a decisão recorrida não levou em devida conta o teor dos contratos de prestação de serviços nº 1/1 e 14/1, nos quais deixa de existir qualquer previsão de subsidio de efectividade, para o período posterior a 18.01.2002».
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Não houve resposta ao recurso.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A R. é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores, entre outros. (alíneas A) dos factos assentes)
A R. tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de “guarda de segurança”, “supervisor de guarda de segurança”, “guarda sénior”, entre outros. (alíneas B) dos factos assentes)
A R celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., entre outros, os “contratos de prestação de serviços”: n.º 02/94, de 03/01/1994; n.º 29/94, de 11/05/1994; n.º 45/94, de 27/12/1994. (alíneas C) dos factos assentes)
Os contratos supra identificados dispõem de forma idêntica relativamente ao regime de recrutamento e cedência de trabalhadores; de despesas relativas à admissão dos trabalhadores; à remuneração dos trabalhadores; ao horário de trabalho e alojamento; aos deveres de assistência; aos deveres dos trabalhadores; às causas de cessação do contrato e repatriamento; às outras obrigações da R; à provisoriedade; ao repatriamento; ao prazo do contrato e às disposições finais, dos trabalhadores recrutados pela Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., e posteriormente cedidos à R. (alíneas D) dos factos assentes)
O A. foi admitido ao serviço da R na sequência de Contrato de prestação de serviços n.º 2/94, celebrado com a dita Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda. (alíneas E) dos factos assentes)
Do Contrato de prestação de serviços n.º 2/94, resulta que o A., e os demais trabalhadores não residentes ao serviço da Ré, teria o direito a auferir, no mínimo, Mop$90,00 diárias. (alíneas F) dos factos assentes)
Acrescidas de Mop$15,00 diárias a título de subsídio de alimentação. (alíneas G) dos factos assentes)
Que teria direito a auferir um subsídio mensal de efectividade “igual ao salário de quatro dias”, sempre que no mês anterior não tenha dado qualquer falta ao serviço. (alíneas H) dos factos assentes)
Sendo o horário de trabalho de 8 horas diárias, e o trabalho extraordinário remunerado de acordo com a legislação de Macau. (alíneas I) dos factos assentes)
Ao longo da relação laboral, a R. utilizou dois contratos de conteúdos diferentes: o contrato celebrado com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, e cujo conteúdo foi sucessivamente objecto de fiscalização e aprovação por parte da entidade competente, a Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego (DSTE); e os concretos contratos individuais que ao longo dos anos foram assinados com o A. (alíneas J) dos factos assentes)
O A. esteve ao serviço da R., para sob as ordens, direcção, instruções e fiscalização exercer funções de guarda de segurança, mediante o pagamento de salário. (alíneas K) dos factos assentes)
Era a Ré quem fixava o local e horário de trabalho do Autor, de acordo com as suas exclusivas necessidades. (alíneas L) dos factos assentes)
A R. celebrou com a Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Lda., os denominados “contratos de prestação de serviços”: n.º 1/1 de 3 de Janeiro de 2001 e n.º 14/1, de 26 de Março de 2001, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (alíneas M) dos factos assentes)
O A. exerceu funções para a R. entre 10/03/1995 e 10/06/2006. (Quesito 1º da base instrutória, aceite pelas partes)
Após a admissão, o A. exerceu a sua prestação de trabalho para a R. ao abrigo do contrato aludido em E), até 18 de Janeiro de 2002, e após essa data ao abrigo do contrato n.º 1/1, aprovado pelo despacho n.º 3010/IMO/SEF/2001. (Quesito 2º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Março de 1995 e Setembro de 1995, a R. pagou ao A. a título de salário, quantia de MOP$1,500.00, mensais. (Quesito 3º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Outubro de 1995 e Junho de 1997, a R. pagou ao A. a título de salário, a quantia de MOP$1,700.00, mensais. (Quesito 4º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Julho de 1997 e Março de 1998, a R. pagou ao A. a título de salário, a quantia de MOP$1,800.00, mensais. (Quesito 5º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Abril de 1998 e Fevereiro de 2005, a R. pagou ao A. a título de salário, a quantia de MOP$2,000.00, mensais. (Quesito 6º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Março de 2005 e Fevereiro de 2006, a R. pagou ao A. a título de salário, a quantia de MOP$2,100.00, mensais. (Quesito 7º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Março de 2006 e Dezembro de 2006, a R. pagou ao A. a título de salário, a quantia de MOP$2,288.00, mensais. (Quesito 8º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre 10 de Março de 1995 e 30 de Junho de 1997, o A. trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 9º da base instrutória)
Tendo a R. remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$8.00, por hora. (Quesito 10º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Julho de 1997 e 30 de Junho de 2002, o A. trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 11º da base instrutória) Tendo a R. remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$9.30, por hora. (Quesito 12º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Julho de 2002 e 28 de Dezembro de 2002, o A. trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 13º da base instrutória)
Tendo a R. remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$10.00, por hora. (Quesito 14º da base instrutória, aceite pelas partes)
Entre Janeiro de 2003 e Fevereiro de 2005, o A. trabalhou 12 horas de trabalho por dia. (Resposta ao quesito 15º da base instrutória)
Tendo a R. remunerado as 4 horas diárias de trabalho extraordinário à razão de MOP$11.00, por hora. (Quesito 16º da base instrutória, aceite pelas partes)
Durante todo o período da relação laboral entre a R. e o A., nunca a R. pagou ao Autor qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (Resposta ao quesito 17º da base instrutória)
Durante todo o período da relação laboral entre a R. e o A., nunca o A. - sem conhecimento e autorização prévia pela R. - deu qualquer falta ao trabalho. (Resposta ao quesito 18º da base instrutória)
Durante todo o período da relação laboral entre a R. e o A., a R. nunca pagou ao Autor qualquer quantia a título de “subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias.” (Resposta ao quesito 19º da base instrutória)
A partir de 18 de Janeiro de 2002, os contratos de prestação de serviços, os nºs 2/94, 29/94 e 45/94, celebrados entre a A. e a sociedade comercial “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau” não mais foram renovados. (Quesito 23º da base instrutória, aceite pelas partes)
Passando o A. a estar ao serviço da R. no âmbito de autorizações concedidas em processo administrativo relativo aos contratos n.ºs 1/1 ou 14/1. (Quesito 24º da base instrutória, aceite pelas partes)
Ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.1/1, previa-se os seguintes subsídios mensais:
- Subsídio de alimentação “ food allowance per month”, de MOP$300;
- Subsídio de “conduct allowance per month”, de MOP$200;
- Subsídio de “Rank allowance per month”, de MOP$200;
- Subsídio de “transportation allowance per month”, de MOP$210. (Resposta ao quesito 25º da base instrutória)
Durante a vigência do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, o A. nunca recebeu à R. os subsídios acima referidos. (Resposta ao quesito 25º-A da base instrutória)
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III – O Direito
1 - Do regime do Despacho nº 12/GM/88 e da Qualificação dos contratos celebrados entre a “Sociedade de Apoio às Empresas de Macau Limitada “ e a “C”.
Em nossa opinião, tudo foi já dito e redito sobre o assunto.
Por comodidade, limitar-nos-emos a transcrever um acórdão deste TSI que enfrentou a mesma questão (Ac. TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 824/2010):
“1ª questão
Que tipo de relação administrativa se estabeleceu entre C e a Administração?
Quando a ora recorrida se dirigiu à Administração pedindo admissão, nos termos do Despacho nº 12/GM/88 (leia-se autorização) para contratar não residentes, fê-lo como mero interessado particular que, para ver proferido o acto permissivo, deveria observar certos requisitos.
Superados os primeiros obstáculos através dos pareceres pertinentes favoráveis (cfr. nº9, a, b, do referido Despacho), a entidade competente proferiu despacho de admissão, condicionando-a, porém, à apresentação do contrato a celebrar entre requerente (C) e entidade fornecedora de mão-de-obra não residente (Sociedade de Apoio às Empresas de Macau, Lda).
Aquele despacho disse, ainda, que a autorização implicava a sujeição da requerente a determinadas obrigações específicas: a) - manter um número de trabalhadores residentes igual à média dos que lhe prestaram serviço nos últimos três meses; b) - garantir a ocupação diária dos trabalhadores residentes ao seu serviço e manter-lhes os respectivos salários a um nível igual à média verificada nos três meses anteriores; c)- observar uma conduta compatível com as legítimas expectativas dos trabalhadores residentes).
Estamos, portanto, perante um acto administrativo cuja eficácia foi diferida para momento posterior, em virtude de os seus efeitos dependerem da verificação do requisito ulterior (arts. 117º, nº1 e 119º, al. c), do CPA): apresentação do contrato de prestação de serviço com a entidade fornecedora de mão-de-obra não residente.
Ora, este contrato é, para este efeito, um contrato-norma com estipulações vinculantes para ambas as partes.
Ou seja, a Administração, satisfez-se com a celebração daquele instrumento negocial em que o futuro empregador (contratante C) declarava contratar futuros trabalhadores não residentes e prometia conceder-lhes as condições e regalias a que ali mesmo, livremente, se deixou subjugar. Claro está que, em nossa opinião, deveria ser mais natural e lógico que a condição fosse mais longe ao ponto de se exigir de todo e qualquer interessado na aquisição de mão-de-obra não residente em Macau a demonstração da efectiva contratação nos moldes em que o compromisso foi assumido perante a entidade fornecedora. Faria mais sentido, realmente, que a condição do acto não se ficasse pela realização de uma mera “declaração de intenções” ou de uma simples “promessa de facere”, que podia não ser, como não foi, cumprida. Na verdade, a vinculação entre as partes contratantes iniciais (C e Sociedade de Apoio) podia bem ser quebrada sem conhecimento do Governo, o qual assim nada podia fazer para repor as condições de trabalho que estiveram na base da autorização, ou até mesmo para a cancelar. Isto é, parece absurdo que se estabeleçam requisitos de contratação, que as partes iniciais acolheram no contrato-norma para que o despacho autorizativo adquirisse eficácia, e depois o autor do acto se desligue completamente da sorte dos contratos de aplicação dando azo a toda a sorte de incumprimentos e abusos eventuais. Não se deveria esquecer que os contratos de aplicação devem obediência não só ao contrato-norma, como ao acto autorizativo. E, por isso mesmo, é de questionar quais as consequências derivadas da violação dos contratos celebrados com o trabalhadores e quais os efeitos para estes (futuros e incertos) decorrentes desse contrato-norma. À primeira questão – sem sermos muito categóricos – somos de parecer que nem o Despacho 12/GM/88, nem o contrato firmado na sequência do despacho autorizativo estabelecem sanções. À segunda questão já somos obrigados a responder, e essa é tarefa que nos ocupará já de seguida.
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2ª Questão
Quais os direitos para os trabalhadores contratados na sequência daquele contrato de prestação de serviços celebrado entre C e Sociedade de Apoio?
Tal como a sentença o afirma, ao caso não pode ser aplicável o DL nº 24/89/M, de 3/04, uma vez que este diploma se aplica aos trabalhadores residentes.
E também é certa, em parte, a ideia que emana da mesma decisão, segundo a qual o Despacho nº 12/GM/88 não visa estatuir sobre os contratos a celebrar entre empregadores e trabalhadores não residentes. Visa sim, e nessa medida reflecte-se sobre eles, determinar um conjunto de conteúdos mínimos que o empregador deve respeitar nos contratos a celebrar. Contudo, não desce ao pormenor dos direitos e regalias concretas, embora se refira no art. 9, d.2 ao dever de ser averiguado no contrato de prestação de serviços se se encontra satisfeita a garantia do pagamento do salário acordado com a empresa empregadora. Ora, como pode ser prestada esta garantia se depois do contrato com o trabalhador ninguém mais controla o cumprimento do clausulado! E como garantir no contrato-norma algo que só no contrato de aplicação pode ser constatado! Por conseguinte, só indirectamente se pode dizer que os contratos celebrados com os trabalhadores têm no referido despacho a sua regulação normativa.
A Lei nº 4/98/M, de 29/97, por seu turno, também não passa de um conjunto de normas programáticas inseridas naquilo que é uma Lei de Bases (Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais), não preenchendo as necessidades de regulação as normas que constam do art. 9º, uma vez que aí igualmente nada é estabelecido sobre o conteúdo das relações laborais entre aqueles.
Só a Lei nº 21/2009/M de 27/10, sim, define um conjunto de regras a que deve obedecer a contratação de trabalhadores não residentes, mas escapa ao nosso raio de alcance, atendendo ao momento em que surge a lume.
De qualquer modo, assentem os contratos celebrados com os trabalhadores não residentes indirectamente no Despacho nº 12/GM/88, ou derivem eles directamente do contrato firmado entre C e Sociedade de Apoio, a verdade é que ninguém se atreve a dizer que aquele instrumento contratual e o Despacho em causa são de todo inertes e indiferentes ao clausulado que viesse a integrar o contrato entre empregador e trabalhadores. A questão só se complica na medida em que se trata de pessoas que não intervieram no referido instrumento. Daí que se pergunte a que título dele nasceram direitos para a sua esfera.
Não se pode dizer com total tranquilidade que há lacuna de regulamentação, se for de pensar que a vinculação do instrumento entre C e Sociedade de Apoio é suficiente, isto é, se for de considerar que, mesmo que por causa do despacho autorizativo e do Despacho 12/GM/88, os direitos nascem com aquele instrumento. Faltaria apurar somente a que título.
A sentença em crise entende, porém, que não, por não sentir emergir daquele contrato de prestação de serviços nenhuma das figuras contratuais que costumam associar terceiros não intervenientes, como foi o caso.
Por outras palavras, a questão é a do apuramento da natureza jurídica desse contrato no que a estes terceiros concerne.
E considerando não se estar perante um contrato de trabalho, um contrato de trabalho para pessoa a nomear, ou um contrato de cedência de trabalhadores – por razões que explicita e com as quais concordamos, mas que, por comodidade e desnecessidade ao desfecho decisório do recurso nos dispensamos de reproduzir – acabou por concluir que, do mesmo modo, não se estaria em presença do contrato a favor de terceiros, mas eventualmente ante um contrato de promessa de celebrar um contrato de trabalho com pessoa a nomear (sem qualquer efeito na relação laboral contratada entre empregador e trabalhador) e que apenas permitiria à beneficiária (Sociedade de Apoio) reclamar prejuízos resultantes do incumprimento.
E para assim concluir, arrancando da leitura do art. 437º do Código Civil, foi peremptório em afirmar que no conceito da figura do contrato a favor de terceiro avulta o requisito da “prestação”, que aqui julga não ser possível, uma vez que essa prestação apenas equivaleria à “celebração de outro contrato” (ver fls. 20 vº a 22 da sentença). Argumento a que ainda adita o de que de um contrato a favor de terceiro não podem nascer obrigações para este. Dois obstáculos, portanto, que, em sua óptica, o impediam de preencher os elementos-tipo desta espécie contratual.
A solução a dar a ambos estes impedimentos invocados pelo Ex.mo juiz “a quo” merece um tratamento em bloco.
Vejamos.
Segundo o art. 437º do CC:
“1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais”.
No contrato a favor de terceiro, como se vê, existem três elementos pessoais a considerar: dois contraentes e um beneficiário; de um lado, o promitente, a pessoa que promete realizar a prestação e o promissário, a pessoa a quem é feita a promessa; do outro, o terceiro beneficiário, estranho à relação contratual, mas que adquire direito à prestação. Eis aqui um bom exemplo de desvio à relatividade dos contratos ou ao princípio do efeito relativo (inter-partes) dos contratos1.
Claro que se poderia alvitrar que, para valer perante um qualquer terceiro, este deveria ser designado no contrato como beneficiário, o que implicava desde logo a sua identificação. Todavia, este eventual obstáculo tomba sob o peso da norma criada pelo art. 439º, ao permitir que a prestação pode ser estipulada a favor de terceiro indeterminado, bastando que o beneficiário seja determinável no momento em que o contrato vai produzir efeitos a seu favor.
Regra geral, portanto, do contrato nasce um direito a uma prestação2, a uma vantagem3, não uma obrigação4. Por isso se diz que o efeito para a esfera do “beneficiário” deva ser positivo5.
A questão está, agora, em saber duas coisas:
Uma, se esse efeito positivo ou de vantagem é incompatível com a atribuição de deveres; outra, como deve esse efeito ser conferido, isto é, qual a forma de manifestação da prestação.
A primeira questão, é respondida com relativa facilidade. É certo que através de um contrato entre duas partes não pode impor-se apenas uma obrigação a outra pessoa que nele não tenha figurado, enquanto objecto único dos efeitos pretendidos em relação a ela. Isso contraria o espírito da relatividade contratual na sua essência mais pura e escapa, pela letra do preceito transcrito, à sua mais estrita previsão. Não é disso, porém que aqui se trata.
Por outro lado, a imposição de deveres, num quadro mais alargado de uma posição jurídica que também envolva vantagens, não tem qualquer eficácia se o terceiro não os aceitar dentro da sua livre determinação e no quadro do exercício da sua vontade. De resto, é hoje pacífico que podem ser fixados ónus e deveres ao terceiro, sem que com isso resulte afectada a sua margem de liberdade. As partes atribuem-lhe vantagens, se de benefícios o negócio unicamente tratar. Mas, se a atribuição do efeito positivo carecer de uma atitude posterior do beneficiário da qual resulte a assunção de deveres, através da sua adesão por qualquer facto6, não se vê em que isso contrarie o objectivo do contrato. A vantagem é, para este efeito, cindível ou autonomizável. Por conseguinte, tudo ficará cometido ao seu livre arbítrio e alto critério pessoal: o terceiro é livre de acatar ou não os deveres, sendo certo que se a sua resposta for negativa, perderá o direito à vantagem e ao efeito positivo7 resultante daquele contrato.
A segunda pode ser mais problemática, mas a solução acaba por ser pacífica, segundo se crê, se for de entender que “dar trabalho”, isto é, conceder um posto de trabalho, proporcionar emprego a alguém nas condições estipuladas no contrato-norma é uma prestação de facere ou uma prestação de facto8, mesmo que incluída numa relação jurídica a constituir. O contrato a celebrar com o terceiro não seria o fim último da situação de vantagem reconhecida e prometida pelo contrato entre C e Sociedade de Apoio, mas sim e apenas o instrumento jurídico através do qual se realizaria o benefício, a vantagem, o direito.
De resto, também se não deve negar que, para além do efeito positivo traduzido no próprio emprego prometido oferecer, qualquer cláusula que ali o promitente assumiu em benefício do trabalhador a contratar (v.g, valor remuneratório, garantia de assistência, etc.) ainda representa uma prestação positiva a que C se obrigou.
Por conseguinte, os obstáculos erigidos na sentença a este respeito, salvo melhor opinião, não têm consistência. O que equivale a dizer que(…), o contrato a favor de terceiro9 será aquele que melhor se adequa à situação em apreço e é nesse pressuposto que avançaremos para as consequências daí emergentes”.
Não vemos razão para alterar o entendimento exposto no trecho transcrito, pelo que, quanto a esta parte, improcede o recurso.
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2 – Das diferenças salariais
Partiu a sentença do Contrato de Prestação de Serviços 02/94, 29/94 e 45/94, 1/01 e 14/01, para apurar a diferença entre o que foi pago e o que era devido a título de remuneração.
A sentença comparou as remunerações por períodos e, no final, contabilizou um total de diferenças no valor Mop$ 69.076,67.
Tal valor – que o autor da acção computava em Mop$ 103.477,00 - não foi directamente questionado no recurso do autor.
Ora, face à posição acima assumida, não se vê que haja qualquer motivo para divergir da sentença no que a este capítulo concerne.
Será, pois, o valor de Mop$ 69.076,67 a considerar para este efeito.
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3 - Do trabalho extraordinário
No que a este assunto respeita, o autor da acção faz o cálculo do valor de cada uma das quatro horas de serviço prestado extraordinariamente em relação ao que seria normal. Fê-lo com reporte a diversos períodos de tempo devidamente escalonados, tendo em atenção a diferença entre as sucessivas alterações do valor da remuneração horária decorrente do Contrato de Prestação de Serviço aprovado pela DSTE e o valor efectivamente pago.
E, nesse sentido, computou em Mop$ 27.159,00 o valor da indemnização a receber.
A sentença, porém, apenas contabilizou, em termos que não foram questionados no recurso e que, portanto, também não poderemos censurar, o valor de Mop$ 20.527,00.
A recorrente “C” apenas põe em causa que houvesse lugar a qualquer valor, face aos efeitos decorrentes do Despacho e dos Contratos.
Não tem, porém, razão.
Ora, de acordo com os factos provados, para aqueles períodos a ré/recorrente pagou ao autor a remuneração horária para cada uma das horas de serviço extraordinário entre Mop$ 8,00 e Mop$ 11,00 (resposta aos arts. 10º, 12º, 14º e 16º da BI), quando deveria ter recebido as quantias entre Mop$ 8,33 e Mop$ 11,25 por cada uma de acordo com os contratos de prestação de serviços celebrados e com o disposto no art. 11º, nº2, do DL nº 24/89/M.
Certo é que a lei não estabelece o modo de remunerar esse acréscimo de trabalho, conforme foi já expressado por este TSI (Ac. de 16/06/2011, Proc. nº 737/2010). Todavia, a fixação desse valor não pode ser livre, nem deixada ao arbítrio da entidade patronal. Ora, se o valor a considerar era de 90 patacas diárias, dificilmente se aceitaria que a remuneração horária a título de serviço extraordinário fosse satisfeita por valor inferior ao da prestação do serviço normal de oito horas de trabalho.
Portanto, não tendo sido fixado especificamente entre as partes esse acréscimo, então o valor a considerar deverá ser a diferença entre o valor mínimo devido e o valor pago efectivamente, como acima vimos (neste sentido, entre outros, tb. Ac. do TSI, de 28/11/2013, Proc. nº 824/2010).
É essa diferença, variável consoante o valor realmente pago, que deverá ser considerada no cálculo da indemnização, sem que se possa acolher, sequer, a ideia da imputada violação do art. 228º, nº1, do CC.
Será então o valor de Mop$ 20.527,00 a arbitrar, tal como decidido na sentença.
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4 - Do subsídio de alimentação
Recorre também a ré “C” no que respeita ao subsídio de alimentação.
O autor achou-se na petição com direito à indemnização de Mop$ 61.665,00 e a sentença computou-lho nesse exacto valor.
Sobre esta prestação, foi dito no Ac. do TSI, de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012:
“Ora, este subsídio tem uma função social radicada numa despesa alimentar efectuada por causa da prestação de trabalho efectiva10. E embora tenha havido por parte da jurisprudência alguma tendência para o considerar prestação retributiva, a verdade é que nem por isso outra a associava, mesmo assim, à noção de trabalho efectivo, tal como, por exemplo, foi asseverado no Ac. da Relação de Lisboa de 29/06/1994, Proc. nº 092324 “ Quer a Jurisprudência, quer a Doutrina têm vindo a entender que o subsídio de alimentação, sendo pago regularmente, integra o conceito de retribuição .... Porém, estando ligada essa componente salarial à prestação de facto do trabalho, só será devida quando o trabalhador presta serviço efectivo à entidade patronal…”.11.
Com o art. 260º do Código do Trabalho Português, o panorama mudou de figura, pois o nº2, do art. 260º deixou claro que esse subsídio não devia ser considerado remuneração, salvo nos casos em que o seu valor excede o montante da despesa alimentar. E assim, terá ficado mais claro que ele só é assumido pelo empregador por causa da prestação efectiva de trabalho. Ele “visa compensar uma despesa diariamente suportada pelos trabalhadores quando realiza a sua actividade”12. Ou “…visa compensar uma despesa na qual o trabalhador incorre diariamente, sempre que vai trabalhar…” (destaque nosso)13.
Em Macau, não está regulada a atribuição destes subsídios, mas não cremos que o sentido da sua natureza que melhor se adequa à geografia local é aquele que atrás descrevemos. Por conseguinte, por não estar regulada na lei (DL nº 24/89/M), nem no referido contrato de prestação de serviços nº 45/94 (fls. 137 e sgs. dos autos), deveremos considerá-lo como compensação pela prestação de serviço efectivo.
Logo, da mesma maneira que deverá descontar-se o subsídio nos períodos de férias ou naqueles em que a pessoa está de licença de maternidade, também ele deve ser subtraído quando o trabalhador não prestou serviço por outra qualquer razão14.”
Ora, a sentença recorrida aplicou o valor do subsídio multiplicando-o pelo número de dias de trabalho por que durou a relação laboral, face ao que ficou provado nos factos dos arts. 1º e 17º, da Base Instrutória.
É claro que a ré/recorrente se manifesta contra o assim decidido, por considerar que o facto 18º da BI (relativo às faltas) contém implicitamente o reconhecimento de o autor alguns dias ter faltado com justificação ou autorização.
O acórdão deste TSI de 29/05/2014 (Proc. nº 627/2013) deu a resposta para esta questão:
«Contrariamente ao sustentado, não será de afirmar que se retira necessariamente do facto de o autor não faltar sem ser autorizado o facto implícito de ter faltado…. Esse facto pode ser compatibilizado … se dele se retirar que aí se enuncia uma regra que não deixou de ser observada: o trabalhador não podia faltar sem autorização; o trabalhador não faltou sem autorização; se faltasse tinha que ser autorizado. Daqui não se pode concluir que faltou autorizadamente, ou seja, que alguma vez tenha usado essa faculdade»
Sucede, contudo, que tal solução não responde cabalmente às situações em que tenha havido gozo efectivo dos dias de descanso anual e de feriados obrigatórios, razão por que a deixamos de sufragar. Por outro lado, estamos em crer que uma leitura mais objectiva da resposta ao quesito 18º permite pensar que o trabalhador terá dado algumas faltas ao serviço, ainda que com autorização.
Assim, a melhor solução é aquela que propende para remeter a fixação da indemnização a este título para execução de sentença (assim foi decidido, por exemplo, nos Acs. de Ac. de 13/03/2014, Proc. nº 414/2012, 24/04/2014, Proc. nº 687/2013, 29/05/2014, Proc. nº 168/2014, 24/07/2014, Proc. nº 128/2014; 23/10/2014, Proc. nº 505/2014; 23/10/2014, Proc. nº 338/2014; 30/10/2014, Proc. nº 606/2014; 6/11/2014, Proc. nº 623/2014; 11/12/2014, Proc. nº 582/2014).
Assim se fará também, neste caso, dando-se, pois, provimento ao recurso nesta parte.
Entretanto, urge acrescentar que o subsídio a considerar nessa liquidação em execução de sentença só terá que ser atendido até ao dia 17/01/2002, já que a partir do dia seguinte, ele deixou de estar previsto no contrato nº1/01, conforme alínea C) e E) dos factos assentes e resposta aos arts. 2º, 23º e 24º (cfr. tb. págs. 354 dos autos).
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5 - Do subsídio de efectividade
Como se sublinhou, por exemplo, nos Acs. deste TSI de 14/06/2012, Proc. nº 376/2012 e 25/07/2013, Proc. nº 322/2013, trata-se de um subsídio que carece de uma prestação de serviço regular e sem faltas. Com efeito, o trabalhador teria direito a um subsídio mensal de efectividade igual ao salário de 4 dias, sempre que no mês anterior não tivesse dado qualquer falta.
Resulta do facto 19 da BI na sentença recorrida que a ré nunca pagou ao autor qualquer quantia a título de “subsídio mensal de efectividade de montante igual ao salário de 4 dias”.
Quanto a este aspecto, o autor pedia o valor de Mop$ 49.320,00, mas a sentença arbitrou o valor de Mop$43.387,36.
O autor conformou-se com esta decisão e não a atacou no recurso jurisdicional que interpôs. Contudo, a “C” não a aceita, em por considerar que desde 18/01/2002 o autor passou a estar abrangido pelos contratos de prestação de serviços nºs 1/1 ou 14/1 (resposta ao quesito 24º), que não previam este subsídio.
Tem razão a recorrente, quanto a este aspecto. Com efeito, o documento de fls. 354 (contrato 1/1, na sequência do Despacho nº 03010/IMO/SEF/2001) deixou de prever aquele subsídio, o qual só por negociação directa entre as partes passaria a ser admitido, negociação que no caso não se provou.
Significa, pois, que o subsídio a considerar terá como limite a data de 17/01/2002. Logo, de acordo com o quadro constante de fls. 640 dos autos (fls. 28 da sentença), o valor a considerar será apenas o de Mop$ 29.520,00.
Procede, pois, parcialmente o recurso da ré nesta parte.
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Tudo visto, a liquidação da indemnização a arbitrar ascende neste momento a Mop$ 119.123,67, sem prejuízo do que vier a ser fixado em liquidação em execução de sentença relativamente ao subsídio de alimentação.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em:
1 - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Ré, e assim:
1.1.a) - Revogando-se a parte da sentença que a condenou a pagar ao autor a quantia de Mop$ 61.665,00 a título de subsídio de alimentação; e
1.1.b) - Em consequência condenando-se a ré a pagar àquele a esse título a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença;
1.2.a) - Revogando-se a parte da sentença que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de Mop$43.387,36 a título de subsídio de efectividade;
e
1.2 b) – Em consequência, condenando-se a ré a pagar àquele a esse título a quantia de Mop$ 29.520,00.
2 – Negar provimento ao recurso na parte restante, em consequência do que vai a ré condenada a pagar de imediato a parte ora liquidada no valor de MOP$ 119.123,67 (onde se inclui já o valor referido em IV-1.2 b) supra e sem prejuízo do referido em III.4, supra e IV-1.1b)), acrescida dos juros legais, contados pela forma decidida pelo TUI no seu acórdão de 2/03/2011, no processo n. 69/2010.
Custas:
Custas pelas partes em ambas as instâncias em função do decaimento.
TSI, 05 de Fevereiro de 2015
(Relator) José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
1 Margarida Lima Rego, Contrato de Seguro e Terceiros, Estudos de Direito Civil, pag. 492.
2 Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pag. 410;
3 Digo Leite de Campos, Contrato a favor de terceiro, 1991, pag. 13.
4 Ob. cit, pag. 417.
5 Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 493. Também, E. Santos Junior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito, Almedina, pag. 165.
6 Inclusive pela forma que as partes contraentes entendam indicar: Autor e ob. cit, pag. 519. Nós entendemos que isso pode ser feito pela via do contrato a celebrar.
7 Neste sentido, por outras palavras, ver Margarida Lima Rego, ob. cit, pag. 494.
8 Neste sentido, ver Ac. do TSI no Proc. nº 574/2010, de 19/05/2011 e referências ali feitas à noção de prestar por Pessoa Jorge, in Obrigações, 1966, pag. 55, e Menezes Cordeiro, in Direito das Obrigações, 1º, pag. 336 e 338.
9 O TSI assim tem considerado de forma insistente (v.g., Ac. TSI, de 23/06/2011, Proc. nº 69/2011; 25/07/2013, 25/04/2013, Proc. nº 372/2012, 13/09/2012, Proc. nº 396/2012).
10 Neste ponto, corrige-se a posição anteriormente tomada no proc. nº 781/2011.
11 No sentido de que só deve ser pago nos períodos de prestação efectiva de serviço, ainda Ac. R.P. de 6/05/1995, Proc. nº 9411201; É por isso que ele não deve ser pago nos subsídios de férias e de Natal (Ac. R.E., de 21/09/2004, Proc. nº 1535/04-2).
12 Luis M. Telles de Meneses Leitão, in Direito de Trabalho, Almedina, 2008, pag. 349. No mesmo sentido, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pag. 547 e Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho anotado, Coimbra Editora e Wolters Kluver, pag. 662-663.
13 Pedro Romano Martinez e outros, in Código do Trabalho anotado, 5ª edição, 2007, pag. 498.
14 A não ser nas situações em que a não prestação se fica a dever a causa imputável ao empregador e em que, apesar disso, o trabalhador teve que efectuar a despesa alimentar.
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749/2014 1