Processo nº 114/2013
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 05 de Março de 2015
ASSUNTO:
- Prescrição do procedimento disciplinar
- Pena unitária
- Penas parcelares
SUMÁRIO :
- Inexistindo no Código Disciplinar dos Advogados normas expressas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, é de aplicar subsidiariamente o regime previsto no Código Penal de Macau (CPM), por força da remissão da al. a) do artº 65º do mesmo Código Disciplinar.
- Assim, nos termos da al. c) do nº 1 e do nº 2 do artº 112º do CPM, a prescrição do procedimento suspende-se durante o tempo, tendo como o limite máximo de 3 anos, em que o procedimento estiver pendente a partir da notificação da acusação.
- A anulação do acto pelo qual se aplicou uma pena disciplinar unitária resultante do cúmulo das penas parcelares, faz desaparecer essas penas parcelares, impondo à entidade recorrida a sua reformulação, caso entenda que ainda subsistem os pressupostos da punição.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 114/2013
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 05 de Março de 2015
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Conselho Superior da Advocacia
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
A, melhor identificado nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o acórdão do Conselho Superior da Advocacia, de 20/04/2012, pelo qual foi lhe aplicada a pena única de multa de MOP$8,000.00, concluíndo que:
1. O acto recorrido foi praticado pelo CSA ao abrigo de uma competência própria, tratando-se de um acto verticalmente definitivo e executório.
2. O acto foi praticado em 20 de Abril de 2012 e notificado ao interessado em 5 de Fevereiro de 2013 (cfr. Doc, n.º 1), pelo que, mesmo no entendimento do CSA impugnado pelo recorrente, mostra-se tempestivo o presente recurso, sendo que o seu provimento aproveita directa e pessoalmente ao recorrente, a qual tem nele interesse legítimo e o Tribunal o competente.
3. No que ao primeiro processo respeita (n.º 10/2007/CSA) não houve recusa no recebimento dos documentos de despesas que lhe foram apresentados pelo seu então patrocinado, sendo que, o que diferentemente, aconteceu, foi que se tratava de um considerável volume de documentos, os quais implicavam o dispêndio do tempo para fazer a respectiva soma, pelo que solicitara ao seu patrocinado que o ajudasse a proceder a tal contabilização.
4. O que esteve na origem da incompatibilização surgida entre si e o seu patrocinado foi o facto de o recorrente ter já antes apresentado um requerimento de escusa do patrocínio, com fundamento na falta de preenchimento do requisito de insuficiência económica do requerente do apoio judiciário, o que levou a que ele se tenha ausentado do escritório do patrono do recorrente, recusando-se a prestar-lhe tal colaboração e afectando a relação de confiança que se deveria ter estabelecido entre o recorrente e o patrocinado.
5. O recorrente, ademais, atravessava, à data dos fatos, um período dificil, pois estivera envolvido, entre 30 de Setembro e 14 de Outubro de 2006 na preparação das provas escritas de fim do estágio - facto que não foi surpreendentemente dado por provado pelo CSA quando tal facto era um facto de conhecimento oficioso da AAM.
6. Havendo a nomeação oficiosa em questão (na sua segunda fase, após o indeferimento do pedido de escusa por si apresentado) ocorrido numa fase de alguma desconcentração do seu trabalho e em que tinha obtido dispensa de comparência no escritório do seu patrono, justamente para a preparação dos exames, o que igualmente deveria ter sido dado como provado por ser um facto notório e do conhecimento de todos os que lidam, directa ou indirectamente, com a prática forense.
7. Havendo, imediatamente após a realização das provas escritas, iniciado a preparação das orais que, inicialmente previstas para Novembro daquele ano, vieram a ser realizadas em Janeiro do ano seguinte, facto igualmente notório a nível dos advogados e que constam dos registos da AAM.
8. Não resultaram prejuízos para o seu patrocinado, o qual logrou a nomeação de outro patrono, que veio a preparar o pedido cível enxertado no processo crime, por ele pretendido.
9. Sendo embora certa a afirmação da deliberação recorrida no sentido de que a indicação do valor dos danos morais num pedido de indemnização não está dependente da vontade ou do arbítrio do lesado, antes obedecendo a critérios de natureza legal, a verdade é que isso não dispensa, na normalidade dos casos, o mandatário de colher uma perspectiva do lesado quanto a tais valores, pelo que a conclusão de facto a esse propósito atingida pelo CSA não tem qualquer significado efectivo.
10. O recorrente não tinha - como não tem - antecedentes nem, no caso, operam agravantes e soubera retirar a devida lição da situação determinativa do processo disciplinar, o que, tudo permitia equacionar, em sua defesa a questão da oportunidade da aplicação de uma pena disciplinar num quadro em que - sendo então, como é hoje, já advogado - tudo aponta para a desnecessidade daquela.
11. Uma tal solução de dispensabilidade de pena (dando-se por bons, porque por verificados, os pressupostos que se deixaram enunciados) tem assento legal face à aplicação suplectiva do direito penal vigente na RAEM (por remissão do Código Disciplinar, art.º 65.º al. a)).
12. Sendo, em consequência, subsidiariamente aplicável ao processo disciplinar as regras gerais na determinação e fixação das penas daquele ramo do direito e, por força disso - com as necessárias adaptações - o instituto da dispensa de pena regulado no art.º 68.º do Código Penal, a cuja filosofia está subjacente a ponderação de razões de prevenção em articulação com a ilicitude e culpa concretas e com a existência, extensão e reparação dos danos emergentes da infracção, instituto que permite declarar a expressão da culpa sem penalizar (para além dessa declaração) o agente da infracção.
13. Reconhece ter pronunciado, no momento e local indicados, na língua chinesa, a frase que lhe fora atribuída perante uma empregada da AAM, objecto do segundo processo (n.º 27/2007/CSA) do seguinte teor: «Qual a razão? O Dr. B acusado por um juiz por ter dito que a convicção do juiz resultara de ter atirado uma moeda ao ar. Esse caso foi arquivado. A mim acusam-me de uma coisa tão pequena. Será que quando se trata de advogados chineses, o critério é outro?».
14. Tal frase foi proferida no âmbito de uma conversa privada entre o advogado e a Exm.º funcionária da AAM, Sr.ª D. C que mais não consubstanciou do que a expressão de um desabafo pessoal, que não vale mais do que isso.
15. Ignora-se, perante o teor do extracto da acta do CSA de 08/06/2007, quem foi o participante, o que é que o participante ouviu e o modo como o facto objecto do processo disciplinar chegou ao conhecimento do Ilustre Advogado e Membro do CSA Sr. Dr. D, uma vez que da acta não transcorre quem participou o facto e os termos dessa participação, porque a referida funcionária da AAM foi chamada ao CSA apenas para «confirmar» o facto.
16. Sendo embora certo que a acção disciplinar pode ser exercida oficiosamente por iniciativa própria do Conselho, releva, para fins probatórios, saber como chegou tal facto ao conhecimento do Conselho.
17. Não podem confundir-se os estatutos processuais de participante e testemunha, que são estatutos diferentes, na medida em que quem participa tem naturalmente interesse na procedência da imputação.
18. Se o participante foi, antes, o Exm.º Advogado D, importa esclarecer como tomou conhecimento do facto, além de que, sendo participante, estaria impedido para integrar o órgão deliberativo que decidiu propôr a instauração de processo disciplinar contra o recorrente (acreditando-se que esse impedimento foi declarado), questão que releva face ao princípio da justiça e da imparcialidade por que prima o sistema administrativo da RAEM e com o princípio da defesa que deve ser assegurado ao arguido pois a identidade dos papéis de ofendido e de órgão com competência disciplinar sobre os advogados do CSA desaconselha o procedimento disciplinar, uma vez que dessa identidade resulta uma ofensa dos indicados princípios.
19. Por isso prevê, embora em diferente patamar, o estatuto disciplinar padrão da administração pública de Macau (constante do ETAPM, aprovado pelo DL87/89/M) circunstâncias justificativas da nomeação para instrutor de funcionário ou agente de serviço diverso daquele a que pertence o arguido.
20. Observa-se que a intenção injuriosa da frase produzida pelo arguido ora recorrente é, nomeadamente, aferida por aquilo que a testemunha C afirma ter sido a «voz muito alta» e um estado «exaltado e nervoso» que a levaram a integrar a frase objecto do processo no contexto de um protesto» e não de um «desabafo».
21. O recorrente afirmara, então, e provou-o através de testemunhas, ouvidas na fase de defesa, que tem características da voz muito próprias, expressando-se sempre num timbre elevado, que fazem supôr, as mais das vezes, a quem o ouve, e lhe desconhece essa característica, que está «zangado», «nervoso» ou «irritado», razão porque da altura ou tonalidade da voz se não pode inferir que estivesse num estado de perturbação emocional.
22. O exame da frase imputada no segundo processo, em si própria, o que se pode concluir é que o recorrente exprimiu uma reacção de surpresa por ter tomado conhecimento de que lhe fora instaurado um processo disciplinar por algo que, na sua visão, era incomparavelmente menos relevante, em termos disciplinares, do que a frase que constituíra tema de um outro processo disciplinar contra um colega e que o mesmo Conselho (que, então, decidira instaurar-lhe um processo disciplinar com tal fundamento) arquivara.
23. Não se vislumbra que uma tal frase (no segmento que se deixou transcrito) consubstancie uma afirmação a qualquer título ofensiva.
24. A interpretação do CSA da aludida frase, no sentido de poder fazer reflectir interpretada um fundo rácico de que o recorrente admite a possibilidade de o CSA decidir um processo em função da etnia ou nacionalidade do advogado é uma interpretação excessiva.
25. Tal frase, atentas as circunstâncias em que foi proferida, não tem qualquer relevância disciplinar.
26. Não se vê como possa, com a prolacção da dita frase, ter o recorrente atentado contra a sua missão de «servidor da justiça e do direito» ou atentado contra a «honra» e «responsabilidade» inerentes à função que exerce, não compreendendo o enquadramento da sua pretensa falta disciplinar no n.º 1 do art.º 1.º do C. Deontológico.
27. Ou como possa, com a prolacção da dita frase, ter violado o «cumprimento dos deveres consignados no código» a que alude o n.º 3 da mesma disposição estatutária ou do art.º 3.° ou, ainda, do art.º 14.° do CDA.
28. Os factos apurados no processo disciplinar n.º 10/2007/CSA e que não constituem meras conclusões extraídas de factos - pois que na deliberação recorrida se observa essa confusão na descrição dos factos não permitem a integração das infracções disciplinares invocadas.
29. Ademais, apreciando o circunstancialismo que rodeou as imputadas infracções, entendeu o instrutor que o recorrente tinha a seu favor, a confissão, a delinquência disciplinar primária, que revelou irreflexão, a que não seria alheio o facto de ser ainda, ao tempo, estagiário, a inexistência de prejuízos para o participante e a ausência de agravantes, pelo que fora sugerida uma pena de advertência ou mesmo a isenção da pena de advertência que viesse a ser aplicada, o que veio a ser infundadamente desatendido pelo CSA.
30. No que se refere ao processo disciplinar n.º 27/2007/CSA, perante a norma do art.º 65.° do Código Disciplinar dos Advogados, que estabelece que são aplicáveis suplectivamente, ao processo disciplinar, em 1.ª linha, as normas do direito penal vigente na RAEM, na ausência de norma específica no CDA, o arguido tem o direito, perante uma acusação em processo disciplinar, perante a norma do art.º 79.°, n.º 1, do Código de Processo Penal, a "obter cópias, e certidões do processo, pelo que inexistia qualquer razão por parte da empregada C para lhe afirmar que "podia consultar o processo mas não podia obter fotocópias", o que tornou lagítima a reacção do recorrente.
31. A frase pronunciada pelo recorrente não tem qualquer conotação disciplinar, sabido que o advogado ou o advogado estagiário devem reagir ás ilegalidades e ao arbítrio daqueles que ofendem direitos e interesses plasmados nas leis e, embora sendo arguido no aludido processo disciplinar, tinha direito a pleitear como advogado em causa própria.
32. Aquilo que a empregada em questão percebeu da frase pronunciada pelo recorrente determinativa da instauração do 2.° processo disciplinar, ou a interpretação que dela fez - inadmissivelmente levada tal interpretação aos facos assentes tratando-se, embora, de uma mera conclusão de facto, não tem qualquer virtualidade, sequer, para determinar a instauração de um processo disciplinar, o que constituíu uma decisão fundada em abuso de direito por parte do CSA.
33. Inexiste, em consequência, qualquer infracção disciplinar do recorrente traduzida na explicitação da mencionada frase num quadro de confronto com a ilegalidade de recusa de facultação ao recorrente de acesso a cópias de peças do aludido processo disciplinar.
34. A frase inscrita na deliberação recorrida de que "um advogado que, gratuita, injusta e injustificadamente, lança críticas descabidas ao CSA, isto é, ao seu próprio órgão disciplinar, não está a defender o prestígio da sua profissão; por outro lado, um advogado que se dirige a uma colaboradora da AAM de forma exaltada, permitindo-se protestar junto dela, não está propriamente a proceder com urbanidade; e, finalmente, um advogado que põe em causa, sem qualquer fundamento, a justeza de una deliberação do CSA, não serve nem o direito nem a justiça" constitui uma frase completamente desprovida de sentido que não abona o próprio Conselho Disciplinar dos Advogados.
35. Na aplicação das penas - diz o art.º 42.º do Código Disciplinar - deve atender-se aos antecedentes profissionais e disciplinares do arguido, ao grau de culpabilidade, às consequências da infracção e a todas as circunstâncias agravantes ou atenuantes.
36. Ademais, resulta da experiência comum, que o decurso do tempo desde a prática da infracção, ainda que ela se considerasse verificada, deve ser ponderado pelos órgão com competência disciplinar na mesma medida em que é pelos nossos tribunais: decorridos que se mostram seis anos sobre os factos, num tempo em que o arguido aqui recorrente era ainda advogado estagiário, sendo hoje e há já muitos anos advogado que tem à sua responsabilidade o estágio de novos candidatos à advocacia, não tem qualquer sentido a pena aplicada na deliberação recorrida, pelo que, ianda que com grande esforço se lesse, nos casos, a prática de uma qualquer infração disciplinar, se impunha a isenção de pena, perante a mais total dispensabilidade dela, até pela inxistência de qualquer fim visível de prevenção geral ou especial, solução que tem, no caso, assento legal face à aplicação suplectiva do direito penal vigente na RAEM (face à remissão do Código Disciplinar no já indicado art.º 65.º al. a)).
37. Sendo, em consequência, subsidiariamente aplicável ao processo disciplinar, ainda e também, as regras gerais na determinação e fixação das penas daquele ramo do direito e, por força disso - com as necessárias adaptações - o instituto da dispensa de pena regulado no art.º 68.º do Código Penal, a cuja filosofia está subjacente a ponderação de razões de prevenção em articulação com a ilicitude e culpa concretas e com a existência, extensão e reparação dos danos emergentes da infracção, instituto que permite declarar a expressão da culpa sem penalizar (para além dessa declaração) o agente da infracção.
38. A deliberação recorrida é inválida nos termos gerais de direito administrativo ou, ao menos, na parte em que deu por verificadas as infrações disciplinares do segundo processo e em que procedeu ao cúmulo jurídico dessas penas com a pena de advertência aplicada no primeiro processo.
39. E violou, nomeadamente, as normas dos art.ºs 1, n.º 1, do art.º 1.º, n.º 3 e do art.º14.° do Código Deontológico dos Advogados.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 74 a 93 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
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O Recorrente apresentou as alegações facultativas nos termos constantes a fls. 142 a 177 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, suscitando a prescrição do procedimento disciplinar, para além de manter a posição já tomada na petição inicial.
A Entidade Recorrida respondeu à suscitada prescrição nos termos constantes a fls. 206 a 209 dos autos, defendendo a não verificação da prescrição do procedimento disciplinar.
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O Ministério Público é de parecer pela procedência do recurso, a saber:
“Devido ao «conhecimento oficioso» consagrado no n.º3 do Código Disciplinar dos Advogados homologado pelo Despacho n.º53/GM/95 (a seguir designe-se CDA), a prescrição do procedimento disciplinar dos advogados pode ser invocada na fase de alegações facultativas, sendo embora determinante apenas a anulabilidade do correlativo decisão final.
Determina o n.º2 do art.7º do Estatuto do Advogado aprovado D.L. n.º31/91/M: O procedimento disciplinar prescreve no prazo de três anos a contar da data da infracção. Por sua vez, o n.º1 do art.11º do CDA reproduz ipso verbis esta disposição legal.
E é de todo interesse notar-se que os TSI e TUI vêm consolidando a jurisprudência de que como acto integrativo da eficácia, a notificação não afecta (não tem a ver com) a validade do acto administrativo a notificar. Significa isto que não faz parte do procedimento constitutivo.
Nestes termos, sufragamos a brilhante tese sustentada pelo STA no Acórdão de 15/11/2012 no Processo n.º0450/09, no sentido de que para efeitos de apurar se houver a prescrição do procedimento, o terminus ad quem é a data da decisão final, e não a da respectiva notificação.
E sufragamos a douta tese sustentada pelo venerando TSI no Acórdão no Processo n.º580/2006, a saber: Inexistindo no Código Disciplinar dos Advogados normas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, é de aplicar supletivamente e mutatis mutandis o regime correspondente consagrado no direito penal, por remissão expressa operada pelo artº 65º-a) do Código Disciplinar dos Advogados.
Posto isto e voltando ao caso sub iudice, vemos que o acórdão em causa pune duas condutas do recorrente. Os documentos de fls.13 a 14 e de fls.46 do processo disciplinar comum n.º10/07/CSA referem que a 1ª teve lugar em 16 e/ou 17 de Outubro de 2006. O recorrente reconheceu que a 2ª conduta ocorreu em fins de Maio ou princípio de Junho de 2007.
De acordo com o disposto na alí. b) do n.º1 do art.112º do Código Penal, a prescrição do processo disciplinar comum n.º10/07/CSA ficava suspensa a partir de 25/05/2007 – data da notificação da acusação contra o recorrente (fls.92 a 100 e 104 desse processo), até a 25/05/2010 – altura em que terminou o prazo de três anos previsto n.º2 deste art.112º.
E a prescrição do processo disciplinar comum n.º27/07/CSA ficava suspensa a partir de 06/01/2008 – data da notificação da acusação contra o recorrente (fls.29 a 32 e 36 desse processo), até a 06/01/2011 – altura em que terminou o referido prazo de três anos.
Nestes termos, e dado que o acórdão em questão foi aprovado pelo Conselho Superior da Advocacia na reunião de 20/04/2012, afigura-se-nos que nessa data, não se completou o prazo de três anos consagrado no n.º2 do art.7º do Estatuto do Advogado aprovado D.L. n.º31/91/M, para efeitos de prescrição de qualquer dos dois procedimentos disciplinares.
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Os factos reconhecidos pelo recorrente na acareação constante do Auto de declarações de fls.52 a 54 do dito processo disciplinar comum n.º10/07/CSA mostra que a 1ª conduta sancionada no acórdão recorrido consiste em o recorrente, patrono oficioso nomeado do indivíduo E, exigir a este calcular e indicar o montante concreto da indemnização a título de dano patrimonial e moral.
Ponderando, acompanhamos o douto juízo do ilustre instrutor, no sentido de «A indicação do valor dos danos morais não está dependente da vontade ou do árbitro do ofendido.» e «Antes, a determinação desse valor terá de ser feita ...... mas tomando-se um linha de conta os critérios de natureza legal (v.g. artigo 489º do Código Civil) e as diversas orientações que a Jurisprudência, designadamente da R.A.E.M., tem vindo a adoptar nessa matéria, questões essas as quais um leigo em direito é estranho.»
Nesta linha de consideração e atento ainda ao alegado na defesa do recorrente (cfr. fls.116 a 120 do processo disciplinar comum n.º10/07/CSA), afigura-se-nos adequada a qualificação jurídica efectuada no acórdão recorrido da conduta do recorrente, e justa e inatacável a pena disciplinar aplicada – a de advertência, que é a mais leve (art.8º, n.º3, alínea a) do Estatuto do Advogado).
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Os dados constantes do processo disciplinar comum n.º27/07/CSA demonstram que a 2ª conduta do recorrente sancionada pelo acórdão ora em crise consiste em: nas instalações da sede da AAM, perante as duas funcionárias identificadas a fls.15 e 17 do dito processo, o recorrente preferiu em voz alta a seguinte frase: «有咩理由,B比個法官告,佢話法官心證係擲銀仔形成,都可以歸擋,我咁小事都告,係咪針對D中國人律師啊?»
No Acórdão recorrido, o Conselho Superior da Advocacia acolheu a qualificação jurídica efectuada pelo ilustre instrutor no Relatório Final do processo disciplinar comum n.º27/07/CSA, no sentido de a conduta do recorrente supra mencionada infringir o disposto nos arts.1º, n.ºs 1 e 3, 3º e 14º-a) do Código Deontológico de Advogados.
No Relatório Final, o ilustre instrutor entendeu que o recorrente não defendia o prestígio da profissão por lançar, de forma gratuita, injusta e injustificada, críticas descabidas ao Conselho Superior da Advocacia; não agiu com urbanidade, dado manifestar exaltadamente protesto perante uma colaboradora da AAM; e pôs em causa, sem qualquer fundamento, a justeza duma deliberação do Conselho Superior da Advocacia, não serve nem o direito nem a justiça.
Repare-se que é apenas de interrogação a frase de «係咪針對D中國人律師啊?» proferida depois de saber que tinha sido acusado e recusado de tirar fotocópias do processo disciplinar, não asseverando o recorrente que o ilustre Conselho Superior da Advocacia cometeu discriminação racial contra os advogados chineses.
Por sua vez, as 4 testemunhas do recorrente acharam, uniforme e peremptoriamente que ele não tinha intenção de ofender quem quer que fosse, a citada frase não tinha qualquer destinatário certo e foi proferida sem qualquer intenção ofensiva, e garantiam tais testemunhas, também de modo uniforme e peremptório, que o recorrente não nutrisse qualquer sentimento de diferença em função da etnia. (vide. fls.61 a 71 do Processo Disciplinar Comum n.º27/07/CSA)
E não pode olvidar-se que sendo única pessoa quem ouviu e compreendeu aquela frase, a Sra. C nunca apresentou queixa por sentir ofendida ou injuriada pelo recorrente, embora afirmando a sua opinião de tal frase representar o protesto, não um mero desabafo.
Ponderando em harmonia com a regra de senso comum, afigura-se-nos mais razoável e acreditável que a referida frase representa apenas um desconforto ou sentimento descontente com a acusação no processo disciplinar, sem intenção de desafiar, protestar ou injuriar a AAM ou o Conselho Superior da Advocacia.
Nesta medida, somos levados à impressão de que não é correcta a qualificação jurídica daquela frase pela entidade recorrida – ilustre Conselho Superior da Advocacia, e assim deverá ser anulado o acto recorrido nesta parte por erro de direito.
***
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso contencioso.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem personalidade e capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- Em 15/12/2006, o Conselho Superior da Advocacia deliberou instaurar processo disciplinar contra o Recorrente sob a forma de inquérito sob o nº 10/07/CSA.
- Em 06/02/2007, o Recorrente foi notificado da abertura da instrução do processo disciplinar.
- Em 21/03/2007, o Recorrente prestou declarações na qualidade de arguido.
- Em 22/05/2007, o instrutor do processo deduziu acusação contra o Recorrente.
- O Recorrente foi notificado da acusação por carta registada de 25/05/2007 para, querendo, apresentar a defesa por escrito no prazo de 10 dias.
- Em 18/06/2007, a Recorrente apresentou defesa por escrito.
- Em 03/07/2007, o instrutor do processo disciplinar elaborou o relatório final, submetendo-o à aprovação do Conselho Superior da Advocacia.
- Em 08/06/2007, o Conselho Superior da Advocacia deliberou instaurar processo disciplinar contra o Recorrente sob a forma de inquérito sob o nº 27/07/CSA.
- Por carta registada de 26/06/2007, notificou-se o Recorrente da abertura da instrução do processo disciplinar.
- Em 17/12/2007, o instrutor do processo deduziu acusação contra o Recorrente.
- O Recorrente foi notificado da acusação por carta registada de 03/01/2008 para, querendo, apresentar a defesa por escrito no prazo de 10 dias.
- Em 14/01/2008, o Recorrente apresentou defesa a por escrito, requerendo a inquirição de 4 testemunhas arroladas.
- Em 23/01/2008, foram inquiridas as testemunhas arroladas.
- Em 13/02/2008, o instrutor do processo disciplinar elaborou o relatório final, submetendo-o à aprovação do Conselho Superior da Advocacia.
- Em 20/04/2012, o mesmo Conselho deliberou por unanimidade o seguinte acórdão:
“ ACÓRDÃO
Acordam os membros do Conselho Superior de Advocacia no processo disciplinar comum n.º 10/07/CSA e apenso n.º 27/07/CSA, em que é arguido o Dr. A, advogado-estagiário (actualmente advogado), ora com escritório em Macau, na Avenida da XXXX, XXXXXXXXXXXX.
PROCESSO N.º 10/07/CSA
I
Instrução
O presente processo teve origem na queixa, identificada nos presentes autos a fls. 13 e seguintes, apresentada contra o Sr. Dr. A pelo interessado E.
Analisada a participação que lhe foi dirigida, deliberou este Conselho instaurar processo de inquérito, nos termos do artigo 51.º do Código Disciplinar dos Advogados.
Oportunamente deu o Exmo. Senhor Instrutor cumprimento ao disposto no artigo 21.º do Código Disciplinar dos Advogados (fls.13).
Notificado para se pronunciar, a fls. 29, sobre a matéria dos autos, o participado apresentou a resposta de fls. 38 e seguintes, onde negou os factos.
Finda a instrução, o Exmo. Senhor Instrutor emitiu o PARECER, de fls. 80 e seguintes, no sentido da dedução de acusação, o qual mereceu acolhimento por parte deste Conselho, como resulta de fls. 89 e 90.
II
Acusação
Em cumprimento do deliberado por este Conselho, foi proferido o despacho de acusação, a fls. 92 e seguintes:
Despacho de Acusação
Seguirá aforma de Processo Comum.
Proceda à necessária alteração.
- X -
Contra o arguido Sr. Dr. A, Advogado Estagiário, com domicílio profissional na Rua de XXX, XXXX, XXXXXX, Macau, profiro o seguinte despacho de Acusação:
1º
Por despacho judicial proferido no dia 5 de Julho de 2006 no âmbito do Processo CR1-0S-0153 PCS do 1º Juízo Criminal, (acidente de viação) o Colega arguido Advogado Estagiário foi nomeado patrono oficioso do participante, ofendido nesses Autos, com o fim de deduzir pedido cível em representação deste.
2°
Notificado desse despacho, o Colega arguido consultou aqueles autos.
3º
Todavia em vez de deduzir o pedido cível em vista do qual tinha sido nomeado patrono, o Colega arguido entendeu requerer ao Meritíssimo juiz do processo que fosse revogado o patrocínio concedido e liberto do encargo que lhe havia sido cometido.
4º
1) Fundamentou esses pedidos nas seguintes razões:
a) "Lida a certificação da situação económica da vítima constante da página 74 dos autos, julgo que não se deve dar apoio judiciário à vítima;"
b) "Na referida certificação, obviamente se lê que a vítima é funcionário público, com um rendimento líquido mensal no valor de MOP$14,768.80, ele tem 14 meses de remuneração mensal como é funcionário público, além disso, o depósito de todas as contas da vítima totaliza-se no valor de MOP$40,000.00;"
c) "Entretanto, na referida certificação da situação económica, não se revela que a vítima tem grande encargo económica, por isso, ele, absolutamente, tem capacidade económica suficiente para pagar todas as custas processuais deste processo."
5°
O respectivo requerimento acabou por ser indeferido. No respectivo despacho judicial escreveu-se, o seguinte:
"Segundo as informações constantes destes autos, a família do Requerente E é composta por três membros, ele próprio, um filho e uma filha, com 6 anos e 10 anos respectivamente. A família tem um rendimento mensal total no valor de MOP14,768.80, destinado a sustentar a vida familiar. Segundo os informações sabre as despesas familiares fornecidas pelo Requerente E (cf. P. 82 a P.100), o Requerente gasta mensalmente, em média, cerca de MOP$7,000 para alimentar os filhos e para sustentar a própria vida. Além disso, o Requerente paga MOP$4,500 para empregar uma criada para cuidar os filhos, paga mensalmente a quantia de MOP$2,800 para a amortização de encargos com a moradia. Assim, as despesas gerais da familia totalizam-se no valor de MOP$14,300 por mês, Tendo em vista da actual situação económica de Macau, o Juízo entende que as despesas atrás enumeradas são razoáveis e adequadas.
Pelo exposto, pode-se saber que todos os rendimentos mensais do Requerente podiam apenas cobrir as despesas gerais da família.
Toda a gente sabe que os honorários de advogados para proceder a acção cível não são baixos, geralmente, os honorários de advogados chegam mais de dez mil, se o caso for complicado ou o montante requerido for elevado, os honorários de advogados serão mais elevados.
Assim, tendo em vista que as feridas do Requerente descritas na acusação são graves, estima-se que o valor de indemnização requerida será elevado, pelo que os honorários de advogados serão, correspondentemente, elevados.
Tendo em consideração que o Requerente tem apenas mais de 40 mil patacas de depósito e os seus rendimentos mensais podem apenas sustentar as despesas gerais da familia, este Juízo entende que o Requerente, realmente, tem insuficiência de capacidade económica, relativamente à contratação de advogado para proceder a acção cível.
Por isso, este Juízo não aceita o requerimento de escusa do Dr. A Advogado Estagiário e a decisão sobre a concessão de apoio judiciário ao Requerente mantém-se."
6°
Este despacho de indeferimento foi notificado ao Colega arguido (fls. 62 - 5) e também ao participante (fls. 11 e 25).
7º
Recebida a notificação, o participante apressou-se a entrar em contacto com o Escritório do Colega arguido, o que fez no dia 9 de Outubro de 2006.
8º
Fê-lo com o objectivo de ter oportunidade de conferenciar com o Colega arguido o qual, porém, informou-o, através dum empregado do Escritório, que, por falta de tempo, só o podia receber no dia 16 do mês seguinte, ou seja numa data muito próxima do termo do prazo de 10 dias, destinado a dedução do pedido cível.
9º
Na data aprazada, o participante conferenciou, efectivamente, com o Colega participado no Escritório deste.
10°
O participante fazia-se acompanhar de vários documentos justificativos de alguns danos patrimoniais por ele sofridos, entre os quais vários recibos das despesas médicas e medicamentosas e as tidas com a hospitalização a qual teve que se socorrer, tudo isso em consequência do acidente de viação de que foi vítima.
11°
O Colega arguido, porém, recusou-se a receber essa documentação, exigindo que o participante fizesse a soma dos valores constantes desses recibos e lhe indicasse o total dessas despesas.
12°
No dia 17 de Outubro, o participante deslocou-se, novamente, ao Escritório do Colega arguido a fim de proceder a entrega desses documento, o que não conseguiu concretizar, por terem sido novamente rejeitados.
13°
Além da exigência referida não artigo 11º, o Colega arguido entendeu exigir também que o participante indicasse o montante certo que pretendia fosse pedido ao Tribunal a título de indemnização por danos não patrimoniais.
14°
A essas duas determinações respondeu o participante, esclarecendo que não possui conhecimentos suficientes para dar satisfação as exigências feitas.
15°
Esta resposta deixou insatisfeito o Colega arguido o qual por isso teve uma pequena discussão com o participante.
16°
Um advogado ou patrono oficioso que tem a seu cargo a dedução dum pedido cível no âmbito dum processo-crime por acidente de viação tem o dever de, antes de mais, conhecer as circunstâncias em que ocorreu o sinistro.
17º
O Colega arguido cumpriu esse dever consultando o processo em causa e conversando com o participante chegando a conclusão de que o acidente era da responsabilidade do outro interveniente.
18°
Além disso, para estar habilitado a deduzir um pedido dessa natureza, um advogado ou patrono oficioso tem de diligenciar no sentido de obter informações que permitam determinar o valor dos danos patrimoniais sofridos pelo lesado, ocupando nelas um lugar de destaque as constantes de quaisquer documentos respeitantes a essa matéria, designadamente de recibos relativos às despesas médicas, medicamentosas e de hospitalização.
19°
Ora o Colega arguido, recusando-se a aceitar esses documentos e transferindo para o participante a obrigação de encontrar o total dessas despesas, desprezou, por completo, algumas informações úteis e até necessárias que o habilitariam a proceder ao cômputo desses danos, colocando-se, por outro lado, na situação de vir a ficar privado de produzir a necessária prova no prazo legal, dado o disposto no artigo 68° do Código de Processo Penal.
20º
A indicação do valor dos danos morais não está dependente da vontade ou do arbítrio do ofendido.
21º
Antes, a determinação desse valor terá de ser feita de harmonia com as situações experimentadas, fisica e psicologicamente, pelo lesado em consequência do sinistro mas tomando-se em linha de conta os critérios de natureza legal (v. g. artigo 489 do Código de Processo Civil) e as diversas orientações que a jurisprudência, designadamente da R.A.E.M., tem vindo a adoptar sobre a matéria, questões essas as quais um leigo em direito é estranho.
22º
O comportamento do Colega arguido, atrás descrito, provocou a quebra da relação de confiança que deve existir entre o patrono e o patrocinado e levou o participante a requerer ao Meritíssimo juiz daqueles autos que fosse designado novo patrono em substituição do Colega arguido, pedido que veio a ser deferido.
Com o mesmo comportamento, violou o Colega arguido os deveres previstos nos artigos 3º, 11°, nº. 1 e 16°, nº. 2 do Código Deontológico.
-X-
Notifique o colega arguido, enviando cópia.
-X-
Prazo para a defesa: 10 dias
-X-
Solicite e junte o extracto do registo disciplinar do colega arguido.
- X -
Dê-se conhecimento antecimento à Exma Presidente do C.S.A., enviando cópia.
(a) F
III
Defesa
Notificado da acusação, como resulta de fls. 101 a 104, que se dá por integralmente reproduzida. o arguido veio a defender-se, nos termos constantes de fls. 116 e seguintes.
IV
Relatório Final
Não havendo mais diligências a realizar, o Exmo. Senhor Instrutor elaborou o seguinte Relatório Final de fls. 123:
Foi com base numa queixa apresentada pelo interessado E, identificado a fls. 47 que o presente processo disciplinar foi mandado instaurar contra o colega-Estagiário Sr. Dr. A.
Finda a instrução foi emitido o necessário Parecer o qual mereceu a concordância desse Conselho Superior da Advocacia.
Na sequência do deliberado por esse Conselho Foi então proferido o despacho de acusação, nos termos constantes de fls. 92 a 99. Na sua defesa, o colega arguido alega "não ser verdade que tenha havido recusa no recebimento dos documentos de despesas que lhe foram apresentados pelo seu então patrocinado" e adianta a seguin te justificação:
a) O que realmente aconteceu foi que, porque se tratava de um considerável volume de documentos, os quais implicavam o dispêndio do tempo para fazer a respectiva soma, o ora contestante solicitou ao seu patrocinado que o ajudasse a proceder a tal contabilização;
b) Quiçá porque o contestante tinha já antes apresentado um requerimento de escusa do patrocínio, com fundamento na falta de preenchimento do requisito de insuficiência económica do requerente do apoio judiciário, este, mal disposto, ausentou-se do escritório do patrono do contestante, recusando-se a prestar-lhe tal colaboração;
c) O que afectou, de algum modo, a relação de confiança que se deveria ter estabelecido entre o contestante e o patrono;
d) O contestante atravessava, à data dos fatos, um período difícil, pois esteve envolvido, entre 30 de Setembro e 14 de Outubro de 2006 na preparação das provas escritas de fim do estágio-conforme se pode comprovar na A.A.M.;
e) Havendo a nomeação oficiosa em questão (na sua segunda fase, após o indeferimento do pedido de escusa por si apresentado) ocorrido numa fase de alguma desconcentração do seu trabalho e em que tinha obtido dispensa de comparência no escritório do seu patrono,justamente para a preparação dos exames;
f) Havendo, imediatamente após a realização das provas escritas, iniciado a preparação das orais que, inicialmente previstas para Novembro daquele ano, vieram a ser realizadas em Janeiro do ano seguinte.
Não obstante as explicações que ficam referidas, as quais não vieram a ser confirmadas, por nenhuma diligência probatório ter sido requerida, o Colega arguido reconhece que "a factualidade apurada permite a identificação de falta de cuidado e de zelo no modo como agiu, não tendo preparado o pedido cível para que fora oficiosamente mandatado ".
Invocando a seu favor:
a) "O quadro de ocupação em que se encontrava, por virtude da proximidade das provas de exame final de estágio e alguma inexperiência que lhe não permitiu ter dado um tratamento diferente à incumbência que lhe foi atribuída;"
b) A ausência de prejuízos para o participante;
c) O facto de a falha observada estar absolutamente em contraste com o modo de estar do contestante no exercício da profissão pois, alvo de considerável número de nomeações oficiosas, nunca ocorrera uma situação idêntica, que tenha conduzido à rotura na relação advogado/patrocinado;
d) A circunstância de não ter antecedentes nem circunstâncias agravantes.
e) O facto de ter sabido retirar a devida lição da situação determinativa do presente processo disciplinar, pede que lhe seja dispensada a aplicação da pena.
- X -
A prova existente nos autos permite confirmar o teor da acusação.
Assim dá-se como estabelecido o seguinte:
Por despacho judicial proferido no dia 5 de Julho de 2006 no âmbito do Processo CR1-05-0153 PCS do 1º Juízo Criminal, (acidente de viação) o Colega arguido Advogado Estagiário foi nomeado patrono oficioso do participante, ofendido nesses Autos, com o fim de deduzir pedido cível em representação deste.
Notificado desse despacho, o Colega arguido consultou aqueles autos.
Todavia em vez de deduzir o pedido cível em vista do qual tinha sido nomeado patrono, o Colega arguido entendeu requerer ao Meritíssimo juiz do processo que fosse revogado o patrodnio concedido e liberto do encargo que lhe havia sido cometido.
Fundamentou esses pedidos nas seguintes razões:
a) "Lida a certificação da situação económíca da vítima constante da página 74 dos autos, julgo que não se deve dar apoio judiciário à vítima;"
b) "Na referida certificação, obviamente se lê que a vítima é funcionário público, com um rendimento líquido mensal no valor de MOP14,768.80, ele tem 14 meses de remuneração mensal como é funcionário público, além disso, o depósito de todas as contas da vítima totaliza-se no valor de MOP40,000.00;"
c) "Entretanto, na referida certificação da situação económica, não se revela que a vítima tem grande encargo económica, por isso, ele, absolutamente, tem capacidade económica suficiente para pagar todas as custas processuais deste processo."
O respectivo requerimento acabou por ser indeferido. No respectivo despacho judicial escreveu-sei o seguinte:
"Segundo as informações constantes destes autos, a fanúlia do Requerente E é composta por três membro, ele próprio, um filho e uma filha, com 6 anos e 10 anos respectivamente. A familia tem um rendimento mensal total no valor de MOP14,768.80, destinado a sustentar a vida familiar.
Segundo as informações sobre as despesas familiares fornecidas pelo Requerente E (c.f p.82 a p.100), o Requerente gasta mensalmente, em média, cerca de MOP7,000 para alimentar os filhos e para sustentar a própria vida, Além disso, o Requerente paga MOP4,500 para empregar uma criada para cuidar os filhos, paga mensalmente a quantia de MOP$2,800 para a amortização de encargos com a moradia. Assim, as despesas gerais da familia totalizam-se no valor de MOP14,300 por mês, Tendo em vista da actual situação económica de Macau, o juízo entende que as despesas atrás enumeradas são razoáveis e adequadas.
Pelo exposto, pode-se saber que todos os rendimentos mensais do Requerente podiam apenas cobrir as despesas gerais da fanulia.
Toda a gente sabe que os honorários de advogados para proceder a acção dvel não são baixos, geralmente, os honorários de advogados chegam mais de dez mil, se o caso for complicada ou o montante requerido for elevado, os honorários de advogados serão mais elevados.
Assim, tendo em vista que as feridas do Requerente descritas na acusação são graves, estima-se que o valor de indemnização requerida será elevado, pelo que os honorários de advogados serão, correspondentemente, elevados.
Tendo em consideração que o Requerente tem apenas mais de 40 mil patacas de depósito e os seus rendimentos mensais podem apenas sustentar as despesas gerais da família, este juizo entende que o Requerente, realmente, tem insuficiência de capacidade económica, relativamente à contratação de advogado para proceder a acção cível.
Por isso, este juizo não aceita o requerimento de escusa do Dr. A Advogado Estagiário e a decisão sobre a concessão de apoio judiciário ao Requerente mantém-se."
Este despacho de indeferimento foi notificado ao Colega arguido (fls. 62 - 5) e também ao participante (fls. 11 e 25).
Recebida a notificação, o participante apressou-se a entrar em contacto com o Escritório do Colega arguido, o que fez no dia 9 de Outubro de 2006.
Fê-lo com o objectivo de ter oportunidade de conferenciar com o Colega arguido o qual, porém, informou-o, através dum empregado do Escritório, que, por falta de tempo, só o podia receber no dia 16 do seguinte, ou seja numa data muito próxima do termo do prazo de 10 dias, destinado a dedução do pedido civel.
Na data aprazada, o participante conferenciou, efectivamente, com o Colega participado no Escritório deste.
O participante fazia-se acompanhar de vários documentos justificativos de alguns danos patrimoniais por ele sofridos, entre os quais vários recibos das despesas médicas e medicamentosas e as tidas com a hospitalização a qual teve que se socorrer, tudo isso em consequência do acidente de viação de que foi vitima.
O Colega arguido, porém, recusou-se a receber essa documentação, exigindo que o participante fizesse a soma dos valores constantes desses recibos e lhe indicasse o total dessas despesas.
No dia 17 de Outubro, o participante deslocou-se, novamente, ao Escritório do Colega arguido a fim de proceder a entrega desses documento, o que não conseguiu concretizar, por terem sido novamente rejeitados.
Além da exigência atrás referida, o Colega arguido entendeu exigir também que o participante indicasse o montante certo que pretendia fosse pedido ao Tribunal a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A essas duas determinações respondeu o participante, esclarecendo que não possuía conhecimentos suficientes para dar satisfação as exigências feitas.
Esta resposta deixou insatisfeito o Colega arguido o qual por isso teve uma pequena discussão com o participante.
Um advogado ou patrono oficioso que tem a seu cargo a dedução dum pedido cível no âmbito dum processo crime por acidente de viação tem o dever de, antes de mais, conhecer as circunstâncias em que ocorreu o sinistro.
O Colega arguido cumpriu esse dever consultando o processo em causa e conversando com o participante chegando a conclusão de que o acidente era da responsabilidade do outro interveniente.
Além disso, para estar habilitado a deduzir um pedido dessa natureza, um advogado ou patrono oficioso tem de diligenciar no sentido de obter informações que permitam determinar o valor dos danos patrimoniais sofridos pelo lesado, ocupando nelas um lugar de destaque as constantes de quaisquer documentos respeitantes a essa matéria, designadamente de recibos relativos às despesas médicas, medicamentosas e de hospitalízação.
Ora o Colega arguido, recusando-se a aceitar esses documentos e transferindo para o participante a obrigação de encontrar o total dessas despesas, desprezou, por completo, algumas infracções úteis e até necessárias que o habilitariam a proceder ao cômputo desses danos, colocando-se, por outro lado, na situação de vir a ficar privado de produzir a necessária prova no prazo legal, dado o disposto no artigo 68° do Código de Processo Penal.
A indicação do valor dos danos morais não está dependente da vontade ou do arbítrio do ofendido.
Antes, a determinação desse valor terá de ser feita de harmonia com as situações experimentadas, física e psicologicamente, pelo lesado em consequência do sinistro mas tomando-se em linha de conta os critérios de natureza legal (v. g. artigo 489º do Código Civil) e as diversas orientações que a Jurisprudência, designadamente da R.A.E.M., tem vindo a adoptar nessa matéria, questões essas as quais um leigo em direito é estranho.
O comportamento do Colega arguido, atrás descrito, provocou a quebra da relação de confiança que deve existir entre o patrono e o patrocinado e levou o participante a requerer ao Meritíssimo Juiz daqueles autos que fosse designado novo patrono em substituição do Colega arguido, pedido que veio a ser deferido.
Com o mesmo comportamento, violou o Colega arguido os deveres previstos nos artigos 3°,11°, nº.1 e 16°, n°. 2 do Código Deontológico.
A favor do Colega arguido, a confissão (fls. 54).
É primário.
O seu comportamento revela alguma irreflesão, à qual não será alheia o facto de ser ainda Advogado-Estagiário.
A falta cometida pelo arguido é de média gravidade e dela não resultaram prejuízos para o participante.
In existem agravantes.
Tomando em linha de conta o condicionalismo que fica referido e o critério a que se reporta o artigo 42º do Estatuto Disciplinar dos Advogados afigura-se não dever ser imposta ao arguido pena mais grave do que a prevista na alínea a) do artigo 1º do artigo 41º do mesmo diploma a não ser que se entenda isenta-lo da pena.
V
Factos Provados
Face ao relatório final do Exmo.Instrutor e demais elementos dos autos, julga-se provada toda a matéria acusatória nos precisos termos do Relatório do Exmo. Instrutor.
O arguido é primário e confessou os factos.
PROCESSO N.º 27/07/CSA
I
Instrução
O presente processo foi instaurado junto do Conselho Superior de Advocacia, tendo tido origem nas declarações do membro D, que chamou a atenção para o grave incidente provocado pelo Dr. A nas instalações da sede da AAM, o qual terá proferido palavras desrespeitosas e injuriosas para com este Conselho.
Na reunião de 8 de Junho do 2007 deliberou este Conselho instaurar processo de inquérito, nos termos do artigo 51.º do Código Disciplinar dos Advogados.
Oportunamente deu o Exmo. Senhor Instrutor cumprimento ao disposto no artigo 21.º do Código Disciplinar dos Advogados. (fls.4)
Notificado para se pronunciar, a fls. 6, sobre a matéria dos autos, o participado apresentou a resposta de fls. 10 e seguintes, onde negou os factos.
Finda a instrução, o Exmo. Senhor Instrutor emitiu o PARECER, de fls. 22 e seguintes, no sentido da dedução de acusação, o qual mereceu acolhimento por parte deste Conselho, como resulta de fls. 29 a 31.
II
Acusação
Em cumprimento do deliberado por este Conselho, foi proferido o despacho de acusação, de fls. 29 e seguintes:
Despacho de Acusação
Seguirá a forma de Processo Comum.
Proceda à necessária alteração.
- X -
Contra o arguido Sr. Dr. A, Advogado, com domicílio profissional na Rua de XXXX.XXXX, XXXX, Macau, profiro o seguinte despacho de Acusação:
1º
Em fins de Maio ou principios de Junho do corrente ano, o Colega arguido deslocouse à Associação dos Advogados de Macau a fim de consultar um processo disciplinar instaurado pelo Conselho Superior da Advocacia no qual figurava como arguido e no âmbito do qual havia sido proferido despacho acusatório.
2º
Foi ali atendido pela funcionária daquela Associação, C a qual explicou ao Colega arguido que podia consultar esses autos mas que não lhe era permitido fotocopiar as peças que o integravam, como o mesmo pretendia.
3º
A mesma explicação foi dada ao Colega arguido pela testemunha Celeste Costa, também [uncionária dequela Associação e que se encontrava ali presente.
4°
Reagiu mal o colega participado, que entendeu protestar em voz muito alta dizendo que não compreendia porque é que não podia fotocopiar o processo uma vez que já tinha sido deduzida a acusação.
5º
Como a sua pretensão não fosse atendida, o Colega arguido, bastante exaltado e nervoso proferiu então a seguinte frase: "點解Dr. B被法官投訴,話佢話法官用擲銀來決定案之結果都無事,投訴被歸檔,點解我就要收起訴書,係唔係我係中國人" que pode ser traduzida nos termos seguintes: "O Dr. B, que foi queixado pelo Juiz como ele disse que alguns juizes tomam decisões com uma moeda, mas o processo acabou por arquivamento, mas a gente recebeu a petição inicial (foi pronunciada), porquê? Será porque sou chinês?"
6°
A funcionária C ouvindo esta frase, percebeu que o Colega arguido tinha pretendido "significar que o Conselho Superior da Advocacia fazia diferença entre Advogados Chineses e Portugueses, arquivando os processos disciplinares respeitantes a estes e acusando aqueles."
7°
O Dr. B referido pelo Colega arguido é o Colega Sr. Dr. B cujo processo disciplinar, instaurado com base numa denúncia feita por um dos Juizes do Tribunal Judicial de Base.foi mandado arquivar por esse Conselho Superior da Advocacia.
Com o comportamento que descrito fica, violou o Colega participado os deveres consignado nos artigos 1º, nº. 1 e 3, 3º e 14º, a) do Código Deontológico.
- X-
Notifique - a partir do dia 3/11/2008 - enviando cópia de extracto
Prazo para a defesa: 10 dias
Solicite e junte o extracto do registo disciplinar do colega arguido.
17/17/2007
(a) F
III
Defesa
Notificado da acusação, como resulta de fls. 33 a 36, que aqui se dá por integralmente reproduzida, o arguido veio defender-se, nos termos constantes de fls. 42 e seguintes.
IV
Relatório Final
Não havendo mais diligências a realizar, o Exmo. Senhor Instrutor elaborou o seguinte Relatório Final de fls. 76:
Consta da Acta da Reunião desse Conselho Superior da Advocacia de 8 de Junho de 2007 o seguinte:
"Logo de imediato, pediu a palavra o membro D que chamou a atenção dos membros do CSA para o grave incidente provocado pelo Dr. A nas instalações da sede da MM, o qual terá proferido, em voz alta de forma pouco urbana, e perante as duas funcionárias da AAM, palavras desrespeitosas e injuriosas para com este CSA. Chamada a esta reunião a Srª. C, funcionária da AAM, confirmou o incidente e informou que o Dr. A proferiu as seguintes palavras: "O Dr. B foi participado por um juiz por ter afirmado que a decisão do Tribunal era pôr moeda ao ar e o seu processo disciplinar foi arquivado, enquanto que em relação a ele o CSA estava a acusá-lo, pelo que o CSA discriminava racialmente contra os advogados Chineses".
Após breve discussão entre os membros presentes foi deliberado por unanimidade instaurar processo comum de inquérito contra o Dr. A, nos termos do artigo 51º do Código Disciplinar dos Advogados, com vista ao cabal esclarecimento dos factos".
"Igualmente por aprovação unânime dos membros presentes, foi decidido dispensar a designação dos instrutores por ordem alfabética e nomear instrutor o ilustre Advogado Dr. F para instruir o respectivo processo de inquérito, tendo em conta a vasta experiência, isenção e competência com que tem vindo a desempenhar a função de instrutor nos outros processos, com a consequente estabilidade e seriedade".
Instaurado, assim, o inquérito e cumpridas as formalidades prescritas no Código Disciplinar dos Advogados, foi deduzida contra o arguido Sr. Dr. A a necessária acusação.
Notificado dela, apresentou o Colega arguido a sua defesa.
Oportunamente.foram inquiridas as testemunhas arroladas nessa fase processual. Cabe agora apreciar algumas questões suscitadas nessa defesa.
Do estatuto da testemunha e de participante
Sustenta-se na defesa que "para avaliar da credibilidade que pode atribuir-se ao depoimento da "confirmante" importaria "para fins probatórios saber como chegou tal facto ao conhecimento do Conselho", até por que "não podem confundir-se os estatutos processuais de participante e testemunha que são estatutos diferentes na medida em que quem participa tem naturalmente interesse na procedência da imputação"
Em princípio terá relevância "para fins probatários" apurar as vias pelas quais uma determinada denúncia chega ao conhecimento do Conselho Superior da Advocacia quando este órgão Disciplinar toma a iniciativa de instaurar o procedimento disciplinar. Porque em causa pode estar a idoneidade moral e o perfil psicológico do denunciante, o mesmo é dizer a sua credibilidade.
No caso dos autos, porém, tal problema não se coloca.
A "confirmante" é a testemunha C na qual o Colega arguido afirma depositar a maior das confianças.
Ora, foi precisamente dirigindo-se a esta "confirmante" que o colega arguido proferiu a frase referida na acusação nas circunstâncias ali descritas. Confirmou pois ela o que havia ouvido da boca do arguido. Consequentemente ainda que se admita que quem deu conhecimento ao Conselho foi pessoa diferente da "confirmante" a verdade é que a credibilidade desta não pode ser posta em dúvida. Aliás a própria defesa vem depor a favor da credibilidade da referida testemunha.
Por outro lado, não encontramos qualquer razão válida para distinguir o estatuto de denunciante do da testemunha.
O Código de Processo Penal, aplicável subsidiariamenle ao Processo Disciplinar, não inclui os denunciantes no leque dos que sofrem da incapacidade testemunhal ou dos que estão impedidos de depor.
Acresce que, no caso em apreço, estão em jogo apenas interesses públicos, confiados por lei à Associação dos Advogados de Macau o que afasta imediatamente a hipótese aventada de existir "interesse na procedência da imputação".
Assim, a impugnação do depoimento da referida testemunha esboçada na defesa não pode, pois, ser considerada em termos do seu acolhimento.
- X -
DA GARANTIA DA IMPARCIALIDADE
Nada permite afirmar que o Ilustre membro do Conselho Sr. Dr. D tenha sido participante nos presentes Autos.
É que, como consta da Acta que atrás ficou transcrita, aquele colega limitou-se a "chamar a atenção dos membros do Conselho Superior da Advocacia para o grave incidente...".
Uma mera "chamada de atenção" não pode ser confundida nem com denúncia nem com participação. Quem instaurou o processo disciplinar foi o Conselho Superior da Advocacia e fê-lo oficiosamente (artigo 4º do C. D.)
Não se vê, portanto, que a suspeição e o impedimento deduzidos na defesa tenham alguma justificação.
Em qualquer caso, caberá a esse Conselho pronunciar-se e tomar posição definitiva sobre estes pontos.
Finalmente, quanto ao problema também suscitado da instauração prévia dum processo crime, caberá recordar que na nossa ordem jurídica o procedimento disciplinar goza de autonomia relativamente ao procedimentos criminal.
- X -
A prova produzida nos Autos não possui a virtualidade dealterar a posição assumida na acusação.
Nenhuma das testemunhas arroladas pela defesa presenciou o incidente protagonizado pelo Colega arguido. Depuseram elas sobre o perfil psicológico e moral do arguido e confirmaram que, dadas as características das suas cordas vocais, ele expressava-se num timbre elevado.
Nada, porém disseram, nem podiam fazê-lo, dado não terem estado presentes, sobre os concretos factos atribuídos ao Colega arguido.
Ora, considerando o contexto no qual a frase: referida na acusação foi proferida, dificilmente se pode sustentar que se tratou dum desabafo como pretende a defesa.
Reconhecendo-se é certo que frases como aquela que consta da acusação "só são possíveis de ser pronunciadas quando se tem absoluta confiança nos presentes e tem conhecimento antecipado dessa confiança", ocorre perguntar se no caso em apreço existia a invocada confiança.
A resposta é negativa.
Da circunstância de os Advogados depositarem muita confiança na pessoa da testemunha C (fls. 62. 63 68) não decorre necessariamente que entre o Colega arguido e aquela houvesse alguma particular familiaridade. O relacionamento entre ambos era "estritamente profissional no sentido de que as conversas entre eles, assim como com quaisquer outros estagiários "versavam" apenas sobre os assuntos da Associação ... " (fls.16).
Procurando reconstituir o cenário no qual ocorreu o incidente referido nos Autos prestou aquela testemunha o seguinte depoimento:
"A matéria dos autos disse que no mês de Maio ou Junho do este ano apareceu nas instalações da Associação dos advogados o Advogado e não estagiário Sr. Dr. A. Vinha ele consultar um processo disciplinar no qual tinha sido deduzida acusação. Pretendia ele não só consultar esses autos mas também fotocopia-los. Tanto a D. Celeste como a depoente explicaram aquele Advogado que tal não era permitido. Reagiu maio mesmo Advogado que começou a falar em voz muito alta dizendo que não compreendia porque é que não podia fotocopiar o processo uma vez que já tinha sido deduzida a acusação. Foi-lhe explicado que essas eram ordens superiores e que para fotocopiar o processo devia falar com alguém do Conselho Superior da Advocacia. O referido Advogado, muito exaltado e nervoso disse então mais o menos o seguinte: "點解Dr. B被法官投訴,話佢話法官用擲銀來決定案之結果都無事,投訴被歸檔,點解我就要收起訴書,係唔係我係中國人". A depoente ouvindo as frases que ficam referidas percebeu que o referido Advogado queria significar que o Conselho Superior da Advocacia fazia diferença entre os Advogados Chinese e Portugueses arquivando os processos respeitantes a estes e acusando aqueles. Foi este o sentido que a depoente captou daquelas frases e acha que o mesmo sentido seria apreendido por qualquer outra pessoa que soubesse chinês e estivesse presente. A depoente está convencida que o referido Advogado quis apenas protestar e não desabafar até porque apresentava um ar de pessoa muito zangada".
Este testemunho permite, pois, concluir que o Colega arguido "zangou-se" por não ter sido autorizado a extrair as fotocópias que pretendia. E foi com o ar zangado que lançou a frase em questão que rematou com uma interrogação, sem que tivesse tido sequer o cuidado de prestar quaisquer esclarecimentos sobre o seu conteúdo.
Colocou, assim, aquela testemunha, sem mais e inopinadamente, perante determinados factos mas também perante um juízo de valor negativo, sem lhe dar a possibilidade de formular de forma objectiva o seu próprio juízo sobre o conteúdo da mensagem que lhe era transmitida, o que é censurável. Assim, impõe-se que se dê como estabelecido o seguinte:
1) - Em fins de Maio ou princípios de Junho do corrente ano, o Colega arguido deslocou-se à Associaçã.o dos Advogados de Macau a fim de Consultar um processo disciplinar instaurado pelo Conselho Superior da Advocacia no qual figurava como arguido e no âmbito do qual havia sido profundo despacho acusatório.
2) - Foi ali atendido pela funcionária daquela Associação, C a qual explicou ao Colega arguido que podia consultar esses autos mas que não lhe era permitido fotocopiar as peças que o integravam, como o mesmo pretendia.
3) - A mesma explicaçã.o foi dada ao Colega arguido pela testemunha Celeste Costa, também funcionária daquela Associação e que se encontrava ali presente.
4) - Reagiu mala colega participad.o, que entendeu protestar em Voz muito alta dizendo que não compreendia porque é que não podia fotocopiar o processo uma vez que já linha sido deduzida a acusação.
5) - Como a sua pretensão não fosse atendida, o Colega arguido, bastante exaltado e nervoso proferiu então a seguinte frase: "點解Dr. B被法官投訴,話佢話法官用擲銀來決定案之結果都無事,投訴被歸檔,點解我就要收起訴書,係唔係我係中國人" que pode ser traduzida nos termos seguintes: "O Dr. B, que foi queixado pelo Juiz como ele disse que alguns juízes tomam decisões com uma moeda, mas o processo acabou por arquivamento, mas a gente recebeu a petição inicial (foi pronunciada), porquê? Será porque sou chinês?"
6) - A funcionária C ouvindo esta frase, percebeu que o Colega arguido tinha pretendido "significar que o Conselho Superior da Advocacia fazia diferença entre Advogados Chineses e Portugueses, arquivando os processos disciplinares respeitantes a estes e acusando aqueles."
7) - O Dr. B referido pelo Colega arguido é o Colega Sr. Dr. B cujo processo disciplinar, instaurado com base numa denúncia feita por um dos juízes do Tribunal judidal de Base, foi mandado arquivar por esse Conselho Superior da Advocacia.
Com o comportamento que descrito fica violou o Colega participado os deveres consignado nos artigos 1º, nº. 1 e 3, 3° e 14°, a) do Código Deontológico.
E nem se diga - como o faz o arguido na sua defesa - que não se compreende o enquadramento dos factos constantes da acusação naqueles normativos.
Não se deve esquecer que o Conselho Superior da Advocacia não é uma entidade datada de personalidade jurtdica. Quem a possui é a Associação dos Advogados de Macau a qual é servida por detemúnadas órgãos. O Conselho Superior da Advocacia não figura no elenco desses órgãos. Antes foi-lhe conferido um tratamento privilegiado: é o órgão de disciplina profissional dos Advogados.
E parece óbvio que, quando se fala de Advogados, está-se a reportar a Advogados inscritos na Associação dos Advogados de Macau.
Ora, convenhamos que um Advogado que gratuita, injusta e injustífícadamente lança críticas descabidas ao Conselho Superior i.e. ao seu próprio órgão disciplinar não está a defender o prestígio da sua profissão.
De mesma maneira, haverá que aceitar que um Advogado que se dirige a uma colaboradora da Associação dos Advogados de forma exaltada, permitindo-se protestar junto dela, não está propriamente a proceder com urbanidade.
Finalmente não será difícil admitir que um Advogado que põe em causa, sem qualquer fundamento, a justeza duma deliberação do Conselho Superior da Advocacia, não serve nem o direito, nem a justiça.
Mantém-se, por isso, a qualificação jurídica adoptada na acusação.
O Colega arguido é primário e confessou parcialmente os factos.
As faltas cometidas são de média gravidade. Está a dar os primeiros passos na profissão que escolheu. Tem pendente contra si um outro processo disciplinar ----- 10/07/CSA ---- no âmbito do qualfoi proposta a aplicação da pena de advertência.
Pelo exposto e tomando em consideração o critério consagrado no artigo 43º do Código Disciplinar dos Advogados, afigura-se que se lhe deve aplicar, por cada uma das infracções atrás referidas a pena da alínea c) do nº. 1 do artigo 41º do mesmo diploma, graduada em $2.000.00 patacos, impondo-se-lhe, feito o cúmulo, a pena única de 6,000 patacas.
Sugere-se que se proceda ã apensação dos presentes Autos ao referido processo 10/07/CSA.
É esta a nossa proposta.
V. Exciªs. Porém, melhor decidirão.
O Instrutor
F
V
Factos Provados
Face ao relatório final do Exmo. Instrutor e demais elementos dos autos, julga-se provada toda a matéria acusatória nos precisos termos do Relatório do Exmo. Instrutor.
DECISÃO
Tudo analisado e ponderado, este Conselho delibera:
I - Quanto à matéria do Processo n.º 10/07/CSA - julgar provada a acusação, nos precisos termos do Relatório Final do Exmo. Senhor Instrutor, como acima consta provado, e ao qual este Conselho adere como seu e aqui integrante, e nessa conformidade, de acordo com o proposto pelo Exmo. Instrutor, condena-se o arguido na pena de Advertência prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código Disciplinar dos Advogados, por infracção ao disposto nos artigos 3.º, 11.º, n.º 1, e 16.º, n.º 2 do Código Deontológico.
II - Quanto à matéria do Processo n.º 27/07/CSA - julgar provada a acusação, nos precisos termos do Relatório Final do Exmo. Senhor Instrutor, como acima consta provado, e ao qual este Conselho adere como seu e aqui integrante, salvo quanto à medida da pena proposta, e nessa conformidade, condena-se o arguido na pena de MOP$6,000.00 (seis mil Patacas) de multa prevista na alínea c) do nº. 1 do artigo 41.º do Código Disciplinar dos Advogados, por infracção ao disposto nos artigos 1.º, nºs. 1 e 3, 3.º e 14.º, alínea a) do Código Deontológico.
Cúmulo jurídico
Em cúmulo jurídico, este Conselho acorda punir o arguido com a pena única de MOP$8,000.00 (oito mil Patacas) de multa, nos termos da 2.ª parte do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, conjugado com o n.º 1 do mesmo artigo e Código, aqui aplicável ex vi artigo 65.º do Código Disciplinar dos Advogados.
Registe-se e notifique-se, nos termos do artigo 40.º do Código Disciplinar dos Advogados.
Macau, 20 de Abril de 2012.”
- Em 30/03/2006, o Advogado Dr. B foi disciplinarmente participado pelo Mmº Juíz titular do processo nº CR1-05-0117-PCC por ter escrito na motivação do recurso da sentença final proferido no referido processo, entre as outras, a seguinte frase: “o princípio da livre apreciação da prova não consente soluções de tipo “de moeda ao ar””.
- Por deliberação do Conselho Superior da Advocacia de 23/11/2006, foi determinado o arquivamento dos autos por entender que a conduta do referido advogado não constituía em qualquer infracção disciplinar.
*
III – Fundamentação:
1. Da prescrição do procedimento disciplinar:
Cumpre agora apreciar a excepção da prescrição do procedimento disciplinar invocada pelo Recorrente, já que a sua procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa.
Entende o Recorrente que, tendo em conta a data da decisão da sua punição (20/04/2012) e as datas da prática dos factos susceptíveis de incorrer em infracção disciplinar (Outubro de 2006 e Junho de 2007), encontra-se já verificada a prescrição do procedimento disciplinar, que é de 3 anos, a contar da data da prática da infracção, nos termos do nº 1 do artº 11º do Código Disciplinar dos Advogados (CDA).
Quid iuris?
Uma vez que inexistem no referido Código Disciplinar normas expressas reguladoras da matéria da suspensão e da interrupção do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, é de aplicar subsidiariamente o regime previsto no Código Penal de Macau (CPM), por força da remissão da al. a) do artº 65º do mesmo Código Disciplinar.
Dispõe o artº 112º do CPM que:
1. A prescrição do procedimento penal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento penal não puder legalmente iniciar-se ou continuar, por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal ou da suspensão provisória do processo;
b) O procedimento penal estiver pendente, a partir da notificação da acusação, salvo no caso de processo de ausentes; ou
c) O agente cumprir fora de Macau pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão.
No âmbito do Proc. Disciplinar nº 10/07/CSA, o Recorrente foi notificado da acusação por carta registada de 25/05/2007, facto esse que determina a suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar nos termos da al. b) do nº 1 do artº 112º do CPM.
Nos termos do nº 2 do mesmo preceito legal, a suspensão não pode ultrapassar 3 anos, ou seja, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar voltou a correr em 25/05/2010.
Assim, ressalvando o período de suspensão de 3 anos, entre a data da prática dos factos susceptíveis de punição disciplinar (em Outubro de 2006) e a data do acto punitivo (em 20/04/2012), ainda não se completou o prazo de 3 anos para efeitos de prescrição.
O mesmo acontece em relação ao Proc. Disciplinar nº 27/07/CSA, tendo em conta os seguintes factos:
a) O Recorrente foi notificado da acusação por carta registada de 03/01/2008;
b) A data da prática dos factos susceptíveis de punição disciplinar ocorreu em finais de Maio ou princípios de Junho de 2007; e
c) A data do acto punitivo foi em 20/04/2012.
Pelo exposto, é de julgar improcedente este argumento do recurso.
2. Da questão de fundo:
O Recorrente foi punido disciplinarmente na pena única de MOP$8.000,00, resultante do cúmulo das penas parcelares de advertência e da multa de MOP$6.000,00, aplicadas, respectivamente, à infracção prevista nos artºs 3º, nº 1, 11º e 16º, nº 2 e à prevista nos artºs 1º, nºs 1 e 3, 3º e 14º, al. a), todos do Código Deontológico (CD).
A segunda infracção disciplinar consiste no facto de o Recorrente ter proferido, nas instalações da Associação dos Advogados da RAEM, a seguinte frase: “O Dr. B, que foi queixado pelo Juiz como ele disse que alguns juízes tomam decisões com uma moeda, mas o processo acabou por arquivamento, mas a gente recebeu a petição inicial (foi pronunciada), porquê? Será porque sou chinês?”.
Na óptica do Recorrente, a referida frase não constitui matéria de infracção disciplinar, por a ter proferido sem qualquer intenção de injuriar a Associação dos Advogados.
Melhor analisado o teor da frase em questão e tendo em conta as circunstâncias em que a mesma foi proferida, entendemos que aquela frase não constitui matéria injuriosa que põe em causa o prestígio da Associação dos Advogados.
Vejamos a sua razão de ser.
Em primeiro lugar, a frase em causa foi dita na forma interrogativa pelo que não existe qualquer afirmação directa no sentido de que a Associação dos Advogados da RAEM trata discriminadamente a favor dos advogados portugueses em prejuízo dos advogados chineses.
Em segundo lugar, achamos que, em certo ponto, é compreensível esta interrogação do Recorrente, face ao facto do arquivamento do processo disciplinar do seu colega Dr. B, pois, na sua perspectiva, era possível admitir que uma vez participado pelo magistrado judicial, a conduta do colega fosse mais grave do que sua. Assim sendo e desconhecendo as razões concretas que determinaram o arquivamento do processo, surgiu consequentemente tal dúvida.
Pelo exposto, fica demonstrado que a Entidade Recorrida ao enquadrar a dita frase como uma infracção disciplinar nos termos dos artºs 1º, nºs 1 e 3, 3º e 14º, al. a), do Código Deontológico cometeu um erro de facto e uma má aplicação do direito, o que gera a anulabilidade do acto.
Em relação à outra infracção disciplinar, o Recorrente não põe em causa a ilicitude da sua conduta, pois admitiu expressamente na defesa escrita apresentada no âmbito do respectivo processo disciplinar que “a factualidade apurada permite a identificação de falta de cuidado e de zelo no modo como agiu, não tendo preparado o pedido cível para que fora oficiosamente mandatado” (artº 9º da defesa escrita, fls. 117 do P.A. – Processo Disciplinar nº 10/07/CSA).
Apenas questiona a necessidade da pena, pois para ele, deveria aplicar o instituto da dispensa da pena previsto no CPM, por remissão da al. a) do artº 65º do Código Disciplinar dos Advogados.
Sobre esta questão, cumpre-nos dizer que a pena de advertência deixou de ter a sua autonomia após o cúmulo das penas parcelares, pois já integrou na pena única aplicada pelo acto recorrido.
Nesta conformidade, torna-se inútil a apreciação da questão em causa face à anulação do acto recorrido nos termos acima expendidos, já que uma vez anulado o acto recorrido, deixa de existir tal pena única resultante do cúmulo das penas parcelares, impondo à Entidade Recorrida, em consequência desta anulação, a reformulação da pena relativamente a essa infracção, caso entenda que ainda não se encontra verificada a prescrição do procedimento.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam conceder provimento ao recurso interposto, anulando o acto recorrido.
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Sem custas por a Entidade Recorrida gozar da isenção subjectiva.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 05 de Março de 2015.
Ho Wai Neng Presente
José Cândido de Pinho Victor Manuel Carvalho Coelho
Tong Hio Fong
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114/2013