Processo nº 763/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 19 de Março de 2015
Assunto:
- Presunção judicial
- Remissão de dívida
SUMÁRIO:
- Uma vez que foi afastada no julgamento da matéria de facto a hipótese de que a declaração da remissão de dívida foi redigida e assinada “tendo em vista a acordada e iminente cessação da relação laboral, nunca pode o Tribunal a quo, no julgamento de direito, retirar a ilação de que “a elaboração de tal declaração foi feita na perfeita noção de que a relação laboral iria cessar em breve”, com base “numa presunção natural/judicial”.
- A remissão dos créditos resultantes da prestação de trabalho só é possível após a extinção da respectiva relação laboral.
O Relator,
Processo nº 763/2014
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 19 de Março de 2015
Recorrente: A (Autora)
Recorrida: B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. (Ré)
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
Por sentença de 10/09/2014, julgou-se a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a Ré B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. do pedido.
Dessa decisão vem recorrer a Autora A, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1. Verça o presente recurso sobre a Sentença proferida nos presentes autos, nos termos da qual o Tribunal a quo julgou totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolveu a Ré do pedido formulado pela Autora. Porém, a Recorrente, não pode conformar-se com tal Decisão, por entender que a mesma padece de erros de julgamento, em termos que comprometem seriamente a sua bondade e o respectivo conteúdo.
2. Assim, salvo o devido respeito, a Decisão ora posta em crise revelou-se uma autêntica decisão surpresa, porquanto: (i) face à matéria de facto dada como não provada, (ii) à clara e inequívoca resposta e fundamentação à "resposta negativa" a tal matéria de facto, (iii) à prova documental carreada para os autos, e (iv) ao conteúdo claro e credível dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento, não era de todo em todo expectável que a mesma viesse a ser proferida no sentido de julgar totalmente improcedente o pedido formulado pela Autora.
3. De entre outros, na douta Decisão: (i) existe uma manifesta contradição entre os fundamentos da matéria de facto e a própria decisão; (ii) o Tribunal a quo ter-se-á pronunciado sobre questões de que não podia conhecer tendo em conta o conteúdo da matéria de facto dada como não provada; (iii) verifica-se uma errada subsunção dos factos ao Direito, visto o resultado decisório se mostrar contrário e em violação ao disposto no artigo 6.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, o que o que conduz à sua nulidade nos termos das alíneas c) e d).do artigo 571.° do CPC.
4. Em concreto, existe um vício de contradição entre os fundamentos da matéria de facto e a decisão, em termos que inelutavelmente põem em causa a validade da decisão recorrida e impõem a sua alteração, porquanto analisada a decisão recorrida, não se entende qual a base factual em que se suportou o Tribunal a quo para, a final, considerar improcedente o pedido formulado pela ora Recorrente, visto o douto Tribunal a quo não ter atendido e/ou tirado as devidas consequências dos factos expressamente julgados como não provados - e que naturalmente deveriam ter conduzido a um resultado oposto ao adoptado - acabando por decidir no sentido da improcedência do pedido, mas deixando antever um vício lógico de raciocínio.
5. Na verdade, as premissas de facto e de direito apontavam num determinado sentido e a decisão acaba por seguir por um caminho totalmente oposto; ou, pelo menos, por uma direcção diferente daquela que se mostrava correcta e em conformidade com a matéria de facto, o que necessariamente compromete a bondade e razoabilidade da mesma decisão.
6. Depois, tendo presente a resposta negativa (por não provada) ao quesito 6º da matéria de facto, não se compreende e aceita com que base o Tribunal a quo, em sede de decisão final, venha consignar que, afinal, "(...) tal declaração foi feita na perfeita noção de que a relação laboral iria cessar em breve (...)".
7. Tal asserção é absolutamente contraditória e não encontra expressão na resposta à matéria de facto; ou antes encontra arrimo em matéria de facto dada como não provada, o que em caso algum se poderá aceitar.
8. De onde, para estruturar a decisão recorrida no sentido de atingir o resultado a que chegou, impunha-se ao Tribunal a quo ter dado como provado o quesito 6.º da base instrutória, no sentido de que "a declaração (...) foi redigida e assinada (pela Autora) tendo em vista a acordada e iminente cessação da relação laboral" - sendo que o ónus da prova do referido quesito cabia inequivocamente à Réu - o que manifesta e inequivocamente se não verificou.
9. Existe, assim, na douta Decisão uma evidente contradição nos seus termos e no seu próprio raciocínio lógico, porquanto se não entende como pode o Tribunal a quo ter concluído na resposta aos quesitos como não provado que "a declaração (...) foi redigida e assinada (pela Autora) tendo em vista a acordada e iminente cessação da relação laboral" e, de seguida, venha concluir que "(...) tal declaração foi feita na perfeita noção de que a relação laboral iria cessar em breve (...)".
10. Fazendo tal contradição com que a Decisão, para além de inconsistente, se mostre profundamente injusta para a Recorrente, na medida em que, sem qualquer suporte fáctico (ou antes, com base em matéria de facto expressa e justificadamente julgada como não provada), acaba por considerar improcedente o pedido da Autora, mediante uma manifesta oposição entre os fundamentos e a decisão, o que em caso algum poderá deixar de conduzir à declaração da sua nulidade, nos termos do art. 571.°, n.º 1, al. c) do CPC, o que para todos os legais e devidos efeitos se invoca e requer.
Acresce que,
11. Resultando de forma muito clara da resposta (negativa) ao conteúdo do quesito 6.° da Base Instrutória que "a declaração (...) (NÃO) foi redigida e assinada (pela Autora) tendo em vista a acordada e iminente cessação da relação laboral", não podia depois o Tribunal a quo vir tirar ilações sobre a mesma declaração e, em especial, concluir que "(...) a elaboração de tal declaração foi feita na perfeita noção de que a relação laboral iria cessar em breve, numa presunção natural (...) que permite dar o devido enquadramento à declaração em causa, cujo teor é aliás bem esclarecedor (...)", pois que "(...) a Autora ao momento em que viu cessada a sua relação laboral (poucos dias depois) não logrou demonstrar, tal como lhe competia, que a aludida declaração foi emitida em erro essencial sobre os respectivos pressupostos (...)".
12. Salvo o devido respeito, com tal juízo conclusivo e decisório o Tribunal a quo acabou por vir dizer mais do que o que resulta da própria matéria de facto e, bem assim, a dizer mais do que a própria Ré o fez, porquanto se debruça sobre matéria que inequivocamente cabia à Ré alegar e provar - o que manifestamente não o fez - o que, salvo melhor entendimento, consubstancia uma clara violação ao Princípio do dispositivo, nos termos constantes do art. 5.° do CPC, o que igualmente conduz à sua nulidade nos termos da al. d) do art. 571.° do CPC, nulidade cuja apreciação e declaração desde já e para todos os legais efeitos se invoca e requer.
Sem prescindir,
13. Tendo por base a matéria de facto assente e, em concreto, o ponto G) da mesma, nos termos da qual se dispõe que: "Em 19.12.2006, a A. subscreveu declaração de quitação de todas as quantias que lhe eram devidas pela R. em decorrência da relação laboral, desobrigando a R. de qualquer pagamento adicional (nomeadamente a título de "subsídios") e sabido que a relação de trabalho entre a Ré e a Autora apenas cessou em 26.12.2006, salta à vista que a referida "declaração" foi assinada pela Recorrente no decurso da relação laboral com a Recorrida, e sem que tivesse ficado provado que a mesma (declaração) havia sido redigida e assinada tendo em conta a acordada e iminente cessação da relação laboral!
14. Ora, é por demais sabido - conforme tem vindo a ser sublinhado pela doutrina e jurisprudência da RAEM e de Portugal - que os créditos laborais do trabalhador apenas se tornam disponíveis, uma vez cessada a relação laboral, pelo que a consequência será, in casu, a da plena existência do direito de crédito invocado pela Autora, ora Recorrente, contra a Recorrida, sabido que aquando da assinatura da referida "declaração" a Autora ainda prestava trabalho para a Ré.
15. De onde se teria de concluir - contrariamente ao sufragado pela Decisão ora posta em crise - que a "declaração" assinada pela ora Recorrente, no decurso da sua relação laboral com a Ré (e sem que se tenha demonstrado de tal relação laboral iria cessar em breve) apenas prova que a Recorrida recebeu a importância na mesma "declaração" descriminadas, mas não prova que nenhumas outras não lhe sejam devidas, sabido que em caso algum poderão ser admitidos acordos ou convenções, estabelecidos entre os empregadores e trabalhadores, dos quais resultam condições de trabalho menos favoráveis para os trabalhadores do que as que resultariam da aplicação da Lei, nos termos do disposto nos artigos 5.° e 6.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
16. Assim, dada a natureza imperativa dos referidos preceitos, a "declaração" assinada pela ora Recorrente na vigência da sua relação laboral com a Recorrida é nula, por força do disposto no art.° 287.° do Código Civil, visto serem nulos os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo, porquanto se mostra muito aquém do mínimo de protecção que a Lei das Relações de Trabalho dispensa(va) aos trabalhadores da RAEM, o que desde já e para todos os legais efeitos se invoca e requer.
Sem prescindir,
17. A Recorrente em caso algum pode concordar com a fundamentação jurídica constante da decisão ora posta em crise, porquanto a premissa de que terá partido o Tribunal a quo é frágil e não encontra apoio na matéria de facto dada como provada!
18. Depois, o Acórdão do STJ convocado pelo Tribunal a quo em muito se diferencia e distingue da situação dos presentes autos, (i) porquanto a "declaração" assinada pela Autora não se traduz ou consubstancia num "acerto de contas" e ocorreu dentro do normal período da relação laboral (e não após a cessação do contrato, conforme vem pressuposto no referido Acórdão de Portugal); (ii) em caso algum se fez prova de que a referida "declaração" terá sido assinada "quando as partes se dispõem a negocial a cessação do vínculo", mas antes que "semelhante declaração foi igualmente assinada por muitos outros trabalhadores da Ré (e que ainda hoje trabalham para a Ré)", o que por si só deixa claro que a "declaração" não foi redigida nem negociada entre a Autora e a Ré sabendo que a relação de trabalho iria cessar em breve!
19. Como se deixa ver, para estruturar a decisão recorrida no sentido de atingir o resultado a que chegou, impunha-se ao Tribunal a quo ter dado como provado o quesito 6.º da base instrutória, no sentido de que "a declaração (...) foi redigida e assinada (pela Autora) tendo em vista a acordada e iminente cessação da relação laboral" - sendo que o ónus da prova do referido quesito cabia inequivocamente à Réu - o que manifesta e inequivocamente se não verificou e/ou decidiu, razão pela qual deverá cair por terra toda a fundamentação jurídica convocada pelo Tribunal a quo.
Por último,
20. Com especial importância para os presentes autos, importa recordar que a "declaração" assinada pela Autora em 19 de Dezembro de 1996 já foi alvo de apreciação expressa pelo Tribunal de Segunda Instância no douto Acórdão n.º 210/2013, de 31 de Outubro de 2013, nos termos do qual já terá ficado assente que: "Na pendência de uma relação laboral não é válida a declaração do trabalhador que renuncia ao percebimento de determinadas quantias que lhe são devidas por trabalho prestado e que não foram pagas ou que foram insuficientemente pagas, o que viola o princípio da efectividade mínima, segundo o qual a retribuição deve ser concretizada mediante a entrega do seu valor real ao trabalhador".
21. De onde, não tem razão o Tribunal a quo ao distanciar-se do que já foi expressamente decidido a tal respeito pelo Tribunal de Segunda Instância e sobre o conteúdo da mesma "declaração" e entre as "mesmas partes" nos presentes autos.
22. Pelo exposto, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser declarada nula e de nenhum efeito e substituída por outra que atenda ao concreto pedido formulado pela Autora na sua Petição Inicial, o que uma vez mais e para todos os legais efeitos se invoca e requer.
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A Ré respondeu à motivação do recurso da Autora, nos termos constantes a fls. 341 a 347, cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do mesmo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
1. Em 15 de Outubro de 1993, a Autora celebrou com a Ré um contrato de trabalho (Cfr. Doc. 1, que corresponde à cópia e tradução junta pela Ré no âmbito do Processo Comum de Trabalho n.º CV3-09-0075-LAC, que corre os seus trâmites junto do 3.º Juízo Cível e que se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos). (A)
2. O referido contrato de trabalho vigorou até ao dia 26 de Dezembro 2006. (B)
3. A antiguidade da Autora ao serviço da Ré foi de 13 anos, 1 mês e 24 dias. (C)
4. Do ponto 1 – SALÁRIO – do contrato de trabalho supra referido resulta, entre outros, que a Autora teria direito a auferir um “subsídio diário de Mop$200,00”. (D)
5. A Ré nunca pagou à Autora o referido “subsídio diário” (Cfr. o Doc. 3, que corresponde ao «Mapa de pagamento de salários» - Payment History Report - da Autora relativo ao período compreendido entre Março de 2000 e Junho de 2006). (E)
6. O valor do salário mensal efectivamente acordado entre as partes foi de MOP$1,800.00. (F)
7. Em 19.12.2006, a Autora subscreveu declaração de quitação de todas as quantias que lhe eram devidas pela Ré em decorrência da relação laboral, desobrigando a Ré de qualquer pagamento adicional (nomeadamente a título de “subsídios”). (G)
8. A Autora não prestou trabalho efectivo para a Ré durante 243 dias (Cfr. doc. 2, que corresponde aos «Registos de presenças diárias – Daily Timesheet Report by Employee Number) relativo ao período compreendido entre 07/1999 a 11/2007. (1º)
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III – FUNDAMENTAÇÃO
Para a Recorrente, a sentença recorrida é nula porque “existe um vício de contradição entre os fundamentos da matéria de facto e a decisão, em termos que inelutavelmente põem em causa a validade da decisão recorrida e impõem a sua alteração, porquanto analisada a decisão recorrida, não se entende qual a base factual em que se suportou o Tribunal a quo para, a final, considerar improcedente o pedido formulado pela ora Recorrente, visto o douto Tribunal a quo não ter atendido e/ ou tirado as devidas consequências dos factos expressamente julgados como não provados - e que naturalmente deveriam ter conduzido a um resultado oposto ao adoptado - acabando por decidir no sentido da improcedência do pedido, mas deixando antever um vício lógico de raciocíni”.
Pois, na sua óptica, “tendo presente a resposta negativa (por não provada) ao quesito 6º da matéria de facto, não se compreende e aceita com que base o Tribunal a quo, em sede de decisão final, venha consignar que, afinal, “(...) tal declaração foi feita na perfeita noção de que a relação laboral iria cessar em breve (...)””.
Quid iuris?
O quesito 6º da Base Instrutória tem a seguinte redacção:
“A declaração referida em G) dos factos assentes foi redigida e assinada tendo em vista a acordada e iminente cessação da relação laboral?”
O Tribunal a quo considerou-o como não provado, justificando a sua convicção nos seguintes termos:
“A resposta negativa ao facto 6 decorre da circunstância de a prova a seu respeito produzida ser de natureza circunstancial (a Autora efectivamente começou a trabalhar poucos dias depois de ter cessado a sua relação laboral com a Ré para uma outra empresa e a desempenhar funções no mesmo local, isto é, no Hospital XX), mas que se revelou escassa, atendendo à circunstância de semelhante declaração ter sido assinada por muitos outros trabalhadores da Ré (e ainda hoje trabalharem para a Ré), tal como foi afirmado pelas testemunhas apresentadas pela Autora e cujo depoimento se mostrou claro e credível e aliás é comprovado por documentos juntos aos autos, inclusivamente em sede de audiência de discussão e julgamento.” (fls. 297 dos autos)
Como se vê, resulta do teor da fundamentação da convicção acima transcrito que o Tribunal a quo afastou (ou pelo menos tinha dúvida) a hipótese de que a declaração em referência foi redigida e assinada “tendo em vista a acordada e iminente cessação da relação laboral”.
Uma vez que esta possibilidade já foi afastada no julgamento da matéria de facto, nunca pode o Tribunal a quo, no julgamento de direito, retirar a ilação de que “a elaboração de tal declaração foi feita na perfeita noção de que a relação laboral iria cessar em breve”, com base “numa presunção natural/judicial”.
Assim, é de concluir pela existência de contradição insanável nos termos da al. c) do nº 1 do artº 571º do CPCM, o que conduz à nulidade da sentença.
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Nos termos do nº 1 do artº 630º do CPCM, este Tribunal conhece do objecto do recurso, mesmo que a sentença proferida no Tribunal a quo seja declarada nula ou contrária a jurisprudência obrigatória.
Antes de nos substituir ao Tribunal recorrido para conhecimento do mérito da causa, modificaremos, ao abrigo da primeira parte da al. a) do nº 1 do artº 629º do CPCM, a matéria de facto constante do quesito 1º da Base Instrutória.
Foi considerado como provado, com base no documento nº 2 junto à p.i. (Registos de presenças diárias – Daily Timesheet Report by Employee Number), o facto de que “A Autora não prestou trabalho efectivo para a Ré durante 243 dias relativo ao período compreendido entre 07/1999 a 11/2007”.
Melhor analisado o documento em causa, o qual evidencia sem qualquer margem de dúvida de que se trata do período compreendido entre 01/07/1999 a 25/12/2006, e tendo em conta o facto assente no sentido de que a relação laboral entre a Autora e a Ré vigorou até 26/12/2006, entendemos que existe uma incorrecta indicação do período de tempo de trabalho, que deve ser entre 01/07/1999 a 25/12/2006, e não entre 07/1999 a 11/2007.
Nesta conformidade, a resposta ao quesito 1º da Base Instrutória passa a ser alterado nos seguintes termos:
“A Autora não prestou trabalho efectivo para a Ré durante 243 dias relativo ao período compreendido entre 01/07/1999 a 25/12/2006”.
A Autora pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de MOP$915.600,00, respeitante a 4821 dias de subsídio diário a que alegava ter direito nos termos do contrato de trabalho, à razão diária de MOP$200,00.
De acordo com os factos considerados assentes e provados, a Autora, em 19.12.2006, subscreveu a declaração de quitação de todas as quantias que lhe eram devidas pela Ré em decorrência da relação laboral, desobrigando a Ré, de qualquer pagamento adicional, nomeadamente a título de “subsídios”.
Esta declaração produzirá o efeito jurídico da remissão de dívida tal como é pretendido pela Ré?
A resposta, para nós, não deixa de ser negativa, na medida em que aquela declaração foi assinada na constância da relação laboral e foi afastada a possibilidade de que era feita em vista a cessão da relação laboral.
O artº 33º do DL nº 24/89/M proíbe de forma expressa a cedência, a qualquer título, de créditos resultantes da prestação de trabalho por parte do trabalhador, salvo a favor de fundo de segurança social, desde que os subsídios por este atribuídos sejam de montante igual ou superior ao dos créditos.
É certo que tanto o TUI1 como este TSI2 têm vindo a decidir no sentido de que a remissão de créditos resultantes da prestação de trabalho é possível após extinção da respectiva relação laboral.
Contudo, no caso sub justice, a declaração de quitação não foi feita após extinção da relação laboral, mas sim na constância da relação laboral.
Assim sendo e uma vez afastada a possibilidade de que era feita em vista a cessão da relação laboral, não pode produzir o efeito jurídico da remissão de dívida, sob pena de violar o artº 33º do DL nº 24/89/M.
Nos termos da cláusula nº 1 do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, aquela auferia o salário base mensal de MOP$1.800,00, mediante a prestação mínima de 215 horas de trabalho, com horas extras a MOP$10/hora. Além disso, um subsídio de transporte de MOP$150,00 e subsídio diário de MOP$200,00.
Como o próprio nome indica e tendo em conta a sua natureza, o subsídio diário é determinado em função de cada dia de trabalho efectivo, cuja atribuição, nos termos do contrato de trabalho, depende da verificação da condição da prestação mensal mínima de 215 horas de trabalho.
No caso em apreço, não sabemos o número total dos dias de trabalho efectivo prestado pela Autora durante a relação laboral, visto que o facto provado de que ela “não prestou trabalho efectivo para a Ré durante 243 dias relativo ao período compreendido entre 01/07/1999 a 25/12/2006” não significa que tenha trabalhado nos restantes dias em que durou a relação laboral.
Por outro lado, também não se sabe se a Autora, ao longo da relação laboral, sempre prestou o número mínimo mensal de horas de trabalho estipulado no contrato de trabalho, que é condição indispensável para atribuição do subsídio diário.
Contudo, a falta desses elementos não implica a improcedência do seu pedido, já que não temos qualquer dúvida de que a Autora tem esse direito, desde que prove, na execução da sentença, o número total dos dias de trabalho efectivo e a prestação mensal das horas mínimas.
Nesta conformidade e tendo em conta o disposto do nº 2 do artº 564º do CPCM, ex vi do artº 1º do CPT, a Ré deve ser condenada no que se liquidar em execução da sentença.
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Tudo visto, resta decidir.
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IV – DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida;
- modificar a matéria de facto constante do quesito 1º da Base Instrutória nos termos acima consignados; e
- julgar a acção procedente e condenar a Ré a pagar à Autora, a título de subsídio diário, a quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença.
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Custas pela Ré em ambas as instâncias.
Notifique e D.N.
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RAEM, aos 19 de Março de 2015.
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
1 Ac. de 17/04/2013 proferido no Proc. nº 13/2013.
2 Ac. de 24/07/2014 proferido no Proc. nº 710/2013.
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