Processo n.º 678/2014
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 23/Abril/2015
ASSUNTOS:
- Responsabilidade do proprietário
SUMÁRIO :
Se o condómino da fracção em propriedade horizontal tem infiltrações na sua casa de banho, dizendo-lhe um técnico que a água vem de cima, se o IH (Instituto de Habitação) oficia ao vizinho de cima, depois de uma vistoria, para reparar as canalizações, é de crer, com muita probabilidade, que as infiltrações provêm desse andar e, se depois de dias, meses e anos, interpelado para proceder à obras devidas, o vizinho nada faz, deve ele ser condenado a efectuar as obras de reparação dos canos e a indemnizar pelos prejuízos causados.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 678/2014
(Recurso Civil)
Data : 23/Abril/2015
Recorrente : A
Recorridos: - B
- C
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, mais bem identificada nos autos, inconformada com a sentença que absolveu os RR. B e C, em que pedia a condenação destes a repararem os canos que provocavam infiltrações na sua fracção, dela vem recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
1. O Tribunal a quo provou quase todos os factos descritos ponto por ponto na petição.
2. No acórdão recorrido entende que dos factos provados, os factos não foram suficientes para apoiar o acto lesante, razão porque a autora não cumpriu o ónus da prova disposto no artº 335º CC.
3. Entende que a autora, primeiro não indicou claramente na petição que a infiltração de água no tecto da casa de banho da fracção da autora foi por vazamento de água na fracção autónoma dos réus.
4. Por outro lado não forneceu qualquer facto sobre a posição da casa de banho da fracção da autora, nem sabemos a localização da fracção autónoma dos réus, bem como, onde se encontrava concretamente a danificação das canalizações de água.
5. Por isso, não foi possível provar que a infiltração de água no tecto da casa de banho da fracção da autora foi por causa da danificação das canalizações de água na fracção dos réus.
6. No acórdão recorrido confundiu o conteúdo do facto danoso e nexo de casualidade que constituem os elementos de responsabilidade civil extracontratual.
7. Os elementos que constituem responsabilidade civil extracontratual, basicamente, pressupõe-se: (1) facto, (2) ilicitude, (3) a imputação do facto ao lesante, (4) o dano, (5) nexo de casualidade entre o facto e o dano.
8. Facto este, significa um facto dominável ou controlável pela vontade do agente, pode consistir numa acção, mas também numa omissão. 1(479º do CC).
9. No presente processo, dos factos provados, foi bem nítido que os factos envolvidos foram provenientes da omissão dos réus; 1º foi porque as canalizações de água da fracção autónoma dos réus estavam danificadas, os quais não procederam a reparação; 2º infiltrava água no tecto da casa de banho da fracção da autora.
10. “Não conseguiu provar que a infiltração de água no tecto da casa de banho da fracção da autora foi por causa da danificação das canalizações de água na fracção dos réus”, esta afirmação não focou o elemento de nexo de casualidade.
11. O nexo de casualidade em discussão, para além de ser uma questão de facto, é também, o mais importante, uma questão de direito. Primeiro, foi através de todos os factos constantes no processo que obteve uma conclusão sobre a interpretação do facto. Por outro lado, segundo as regras da experiência sabemos que a respectiva acção ou omissão pode eventualmente causar danos, isto irá penetrar no juízo de valor subjectivo do julgador.
12. O acórdão recorrido caiu no vício de erro da sentença (erro de julgamento).
13. No acórdão recorrido, o juízo pelo facto de “na acção intentada não indicou claramente que a infiltração de água na casa de banho da fracção da autora foi causada pelo vazamento de água na fracção dos réus”, violou as regras da experiência, basta a experiência comum de uma pessoa normal para verificar onde existe esse erro de juízo.
14. Segundo o conhecimento geral, as fracções autónomas de Macau, basicamente, os quartos e as casas de banho do andar de baixo ou de cima são sobreposições (com certeza que não excluímos situações de obras de alteração pelo proprietário).
15. O Tribunal a quo reconheceu danificação das canalizações de água na fracção dos réus, é natural e do senso comum, tal danificação causou o fenómeno de vazamento de água e com certeza que tal vazamento correu ou infiltrou de cima para baixo, e por a casa de banho da autora situar-se no piso abaixo, é natural, que a autora teve que enfrentar a infiltração de água.
16. Este facto foi confirmado com outro facto reconhecido pelo Tribunal nos factos provados, isto é “detectou-se infiltração de água na casa de banho da fracção da autora”.
17. Por outro lado, o acórdão recorrido indica que a autora não apresentou provas sobre a posição da casa de banho e onde se encontrava vazamento de água nas canalizações de água da fracção dos réus, pura e simplesmente realçou em factos não importantes, ignorando o conhecimento geral básico da vida como instrumento cognitivo.
18. Se admitirmos que os factos descritos ponto por ponto pela autora, eventualmente, carece de pormenores, quanto muito, pode aplicar o artº 397º do CPC “ou quando apresente insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada”.
19. A autora já cumpriu o ónus da prova disposto no CC, mas o acórdão recorrido violou o princípio disposto no artº 335º do mesmo código.
20. Durante a fase do processo, a autora pensou que não necessitava de alegar como facto importante na acção, “a localização da casa de banho da fracção da autora e o local de vazamento de água na canalização da fracção dos réus”.
21. Se bem que o acórdão recorrido fez esse juízo e decisão ao contrário, contudo na fase de recurso, a autora poderá apresentar, nos termos do artº 616º, nº1 do CPC “a junção apenas se torna necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”, documentos necessários, para indicar o local da casa de banho.
22. Esta falta de alegações de factos irrelevantes não impede que o Tribunal reconheça a origem do acontecimento foi por omissão dos réus que causaram os danos.
23. Segundos os documentos complementares entregues, vemos claramente, o local da única casa de banho da fracção autónoma dos réus.
24. Confirmou-se a localização da casa de banho, é fácil através da regra da experiência concluir o seguinte: a danificação da canalização de água na fracção dos réus foi a causa da infiltração de água na casa de banho da fracção da autora.
25. Dado que o acórdão recorrido enferma do supracitado vício, pelo que deve ser anulado, e requeira aos Mmº Juízes do TSI que aplique directamente uma lei adequada.
26. Dito rigorosamente, a situação do presente processo não pertence ao âmbito disposto no artº 630º, nº 2, razão porque a questão a resolver no acórdão recorrido tem a ver com a procedência da indemnização civil. Assim sendo, basta o Tribunal ad quem, conforme os factos provados, tomar uma decisão adequada do mérito da causa.
27. Mesmo que o Tribunal ad quem não entende do mesmo modo, considera que o acórdão recorrido ainda não fez o reconhecimento de outros elementos que constituem a indemnização da responsabilidade civil, e que preenche a situação prevista no artº 630º, nº 2, pois o Tribunal ad quem pode ainda por “regime de substituição” proferir sentença de mérito, desde que cumpre o princípio do contraditório.
28. As entidades administrativas confirmaram a danificação das canalizações de água da fracção dos réus e foram avisados, por várias vezes, para efectuarem a respectiva reparação.
29. A fracção autónoma da autora é a única fracção que localiza-se por baixo da fracção dos réus que se verificou a danificação das canalizações de água.
30. Os réus não só impediram ao pedido para inspecção da sua fracção, bem como, mantiveram indiferentes depois da entidade administrativa ter aconselhado para resolver a questão do vazamento de água o mais cedo possível, até à presente data (finais de Novembro de 2012), os réus ainda não efectuaram obras de reparação, pelo que o problema de infiltração ainda não foi resolvida.
31. Dado que a fracção da autora, pelo facto da questão de infiltração de água, contratou, respectivamente, em Março de 2009 e Maio de 2010, operário de decoração para efectuar obras de reparação e pinturas, pelo que originaram despesas no montante de MOP$5,200.00, tais obras foram executadas pela companhia de obras de água e electricidade XX; a autora para intentar a presente acção constituiu advogado, cujas despesas de honorários foram no montante de vinte e cinco mil (MOP$25,000.00)
32. Pura e simplesmente através do supracitado nos factos provados, pôde determinar os elementos que constituem a responsabilidade civil:
- Pôde imputar aos réus pelo acto ilícito (omissão, artº 479º do CC)
- Esta conduta causou prejuízos à autora (o supracitado facto danoso), pois existe nexo de casualidade adequada entre si. Foi referido claramente os fundamentos da existência de nexo de casualidade que não torno a repetir, além disso, os Mmº Juízes do Tribunal ad quem, com certeza que irão usar a vossa sabedoria, com base nos factos provados obter esta conclusão.
- Os réus têm culpa; eles sabiam perfeitamente que a sua fracção tinha danificação das canalizações de água, bem como, do senso comum, tinham a certeza que isto causaria prejuízos ao andar de baixo, ou sabiam ainda que a fracção da autora que fica por baixo da sua fracção tinha infiltração de água, eles não só impediram a inspecção na sua casa, assim como, com a intervenção da entidade administrativa, advertindo para que efectuassem a reparação, mantiveram indiferentes, até à presente data ainda não efectuaram obras de reparação das canalizações de água, a fim de prevenir a continuação dos danos à fracção da autora. Esta culpa, logo no início podia entender-se como negligência grosseira consciente, finalmente, podemos concluir que se trata de dolo eventual.
33. Os réus são obrigados a indemnizar à ofendida pelos danos causados, no montante de MOP$30,200.00.
34. Além disso, são obrigados a indemnizar pelos danos não patrimoniais.
35. A autora deslocou várias vezes ao IH para pedir assistência e para fazer a vistoria (nas respostas dadas aos quesitos 4º e 7º), isto causou desperdício de tempo, além disso, com vista a pedir aos réus para proceder a reparação necessária, a fim de resolver a situação de infiltração, aplicou todos os seus esforços, tanto mental como espiritual, portanto, sofreu pressão, que por sua vez deve ser indemnizada no montante de cinquenta mil patacas (MOP$50,000.00).
36. Para além dos danos patrimoniais e morais acima referidos, a questão da infiltração também afecta a estrutura do prédio, causando perigo à segurança do edifício e risco à segurança pessoal e dos bens do público.
37. O Tribunal a quo não proferiu sentença de mérito da causa, violou o disposto nos artºs 1323º, 1331º, nº 1, 1332º, nº 2, 477º, nº 1, 479º e 489º do CC.
Sétimo, pedido
Pelo exposto, e com ilustre opinião do Tribunal Colectivo no âmbito de direito, julgue procedente o presente recurso, com base nos factos provados condene o seguinte:
1. Julgue procedente o presente recurso, anule o acórdão recorrido. Requeira ao Mmº Juiz, que condene os réus efectuar as reparações necessárias no prazo de 30 dias, com vista a pôr fim a questão do vazamento de água, garantindo a segurança pessoal e dos bens.
2. Condene os réus a pagar pelos danos patrimoniais no montante de trinta mil e duzentas patacas (MOP$30,200.00) e danos não patrimoniais no montante de cinquenta mil (MOP$50,000.00), acrescidos de juros à taxa legal, até integral pagamento.
3. Condene os réus a pagar as custas da acção e respectivos honorários.
4. Caso V. Exª é de entendimento diferente, requeira-se que seja proferida razoavelmente e justamente um outro acórdão adequado e justo.
B e C, recorridos no presente processo, contra-alegam, em síntese:
1. Os recorridos não concordam com a óptica da autora, considera que deve julgar improcedente o recurso.
2. Primeiro, a recorrente nos termos do artº 616º, nº1 do CPC, juntou nas suas alegações, a planta do prédio da referida fracção emitida pela DSSOPT, a fim de indicar a posição da casa de banho da fracção em causa.
3. Contudo, sem dúvida que este documento antes de terminar o debate da 1ª Instância, a recorrente podia ter na posse e fazer uso dele, além disso, este documento não foi a causa e que posteriormente deu origem aos factos, por isso, não pertence às circunstâncias previstas no artº 451º do CPC.
4. Ao mesmo tempo, no presente processo não existe a situação descrita no artº 616º, nº1 do CPC “a junção apenas se torna necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância” (tal como descreve nos acórdãos 844/2011 e 785/2012 do TSI, a situação acima referida significa “quando o Tribunal da 1ª Instância, conforme o princípio da sua competência previsto nos artºs 5º e 6º do CPC, inquirir e reconhecer factos que não foram formulados pela parte na sua pretensão e que foram citados como fundamento da sentença, a recorrente tem o direito de, na fase de recurso, juntar documentos complementares para denegar factos citados na 1ª Instância e que a recorrente não pôde prever para poder apresentar provas na 1ª Instância.”).
5. No presente processo, o Tribunal a quo, basicamente, reconheceu como provado maior parte dos factos alegados pela recorrente, o Tribunal a quo, não conforme o princípio da sua competência, inquiriu e reconheceu factos não formulados pela recorrente na sua pretensão.
6. Assim sendo, foi a recorrente que optou por não juntar o respectivo documento nos autos antes de terminar o debate da 1ª Instância, por outras palavras, foi a recorrente que não apresentou provas suficientes.
7. Deste modo, uma vez que não preenche os pressupostos previstos no artº 616º, nº1 do CPC, deve rejeitar a junção da respectiva planta, nestes termos, requeira-se a V. Exª que ordene o desentranhamento desse documento.
8. A recorrente entende que o Tribunal confundiu o conteúdo do facto danoso e nexo de casualidade que constituem os elementos de responsabilidade civil extracontratual, pelo que caiu no vício de erro da sentença (erro de julgamento), os recorridos consideram que deve julgar improcedente este entendimento.
9. Em termos de subsunção teórica, “facto danoso” e “nexo de casualidade”, de facto, são distintos e interactuam entre si, pois, esses dois elementos não podem separar um do outro, razão porque, se não existisse “nexo de casualidade” adequada entre “facto danoso” e “danos”, então esse facto já não pode pressupor como elemento de “dano”.
10. Nestes termos, a conclusão do Tribunal a quo não houve erro de lógica, nem violação da lei, portanto não existe questão.
11. Finalmente, a recorrente entende que o Tribunal violou as regras de experiência e o princípio do ónus da prova previsto na lei, os recorridos entendem que também deve julgar improcedente.
12. A recorrente na sua pretensão alega que basta as regras da experiência, suficientes para reconhecer que a danificação das canalizações de água da fracção dos recorridos foi a causa do vazamento, os recorridos consideram que foi evidente que excedeu o âmbito das regras da experiência.
13. Sendo certo que, as regras de experiência dizem-nos que a água não só corre de cima para baixo, mas também, cada fracção tem estrutura de construção diferente e as canalizações de escoamento de água também são organizadas de modo diferente, portanto não podemos considerar que é óbvio a infiltração tem de ser da responsabilidade do andar de cima (caso contrário, não necessita da vistoria da entidade administrativa).
14. Além disso, não podemos ignorar que as conclusões constantes no relatório de vistoria, os inspectores não conseguiram provar com toda a certeza que a danificação das canalizações de água foi a causa da infiltração.
15. Também não podemos ignorar que, das inspecções feitas, utilizou “pó colorido” para fazer o teste, contudo não foi detectado qualquer infiltração colorida no tecto da fracção da recorrente.
16. Deste modo, o teste diz claramente que a infiltração de água nada tem a ver com a fracção dos recorridos, podendo entender que a convicção do Tribunal a quo foi formada com base de todos os documentos constantes nos autos, foi segura, portanto não violou as regras da experiência, nem a lei.
17. Do entendimento da recorrente, uma vez que o Tribunal a quo não proferiu despacho de aperfeiçoamento nos termos do artº 397º do CPC, por isso, achou a recorrente que já cumpriu o ónus da prova, os recorridos não concordam com isto.
18. Primeiro, o despacho de aperfeiçoamento nos termos do artº 397º do CPC, é da competência do Juiz e não uma obrigação necessária, assim sendo, proferir ou não despacho de aperfeiçoamento, não deve produzir quaisquer outros efeitos.
19. Além disso, o objectivo do despacho de aperfeiçoamento, é apenas para realização do princípio da economia processual e para que o Juiz possa optar por conceder ao recorrente oportunidade para completar a petição.
20. O mais importante é, nos termos do artº 397º do CPC diz que “quando apresente insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada”, isto significa que o descrito ponto por ponto na petição houve deficiência, causou dúvidas na interpretação ou erro de escrita e cálculo, todavia, foi evidente que não foi esta a situação.
21. Neste processo também não se trata da situação prevista no artº 5º, nº 2 do CPC, portanto o Tribunal também não pode fazer a ampliação da base instrutória dos factos.
22. Pelo exposto, visto que o essencial no processo civil é a sanção civil, bem como, a competência do Tribunal e o princípio do inquisitório só podem ser exercidos em situações excepcionais, além disso, a parte é obrigada a assumir o risco do pagamento das custas se perder na acção, assim sendo, não tem razão nenhuma de considerar que o Tribunal a quo ou os recorridos têm de assumir as insuficiências dos factos alegados pela recorrente e o resultado da perda da acção.
Pelo exposto, requeira-se ao Mmº Juiz que julgue procedente todos os factos constantes na presente resposta, com base nisto:
1. Ordene o desentranhamento de um documento junto aos autos de recurso; e
2. Julgue improcedente a motivação do recurso, mantendo a decisão do Tribunal a quo.
Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
FACTOS PROVADOS:
- A autora A é proprietária da fracção sita na XXX, esta fracção está registada na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX e nas DSF está registado sob o nº XXX.
- Os réus B e C são proprietários da fracção sita na XXX, esta fracção está registada na Conservatória do Registo Predial sob o nº XXX e nas DSF está registado sob o nº XXX.
- A autora adquiriu a fracção em 10/03/94 (fracção sita na XXX). (foi reconhecido o facto da al. C)
Conteúdo da base instrutória:
- Por volta de Setembro de 2008, a autora detectou que o tecto da casa de banho da sua fracção havia infiltração de água. (resposta ao ponto 1 da base instrutória)
- No princípio, contratou um operário de decoração para verificar a razão da infiltração, o qual achou que a infiltração provém do 1º andar A. (resposta ao ponto 2 da base instrutória)
- Foi pedido, por várias vezes, aos Réus para que autorizassem a entrada no 1º andar A para inspecção, tendo estes recusados algumas, insistindo que tal problema de infiltração nada tinha a ver com a sua fracção, bem assim disseram que não haveriam de introduzir quaisquer obras na fracção. (resposta ao ponto 3 da base instrutória)
- Por volta do mês de Setembro de 2011, a Autora requereu ao Instituto de Habitação de Macau para efectuar vistoria relativamente à infiltração em causa, tendo esta entidade pública e a DSSOPT, após vistoria realizada em 08/08/2011, concluído a verificação da ligeira diferença na leitura do contador de água do 1º andar A, propondo uma inspecção e reparação das canalizações de fornecimento de água do 1º andar A. (resposta ao ponto 4 da base instrutória)
- O IH já tinha enviado ofício aos proprietários do 1º andar A para efecturem a inspecção e reparação. (resposta ao ponto 5 da base instrutória)
- Os Réus não efectuaram qualquer obra de reparação. (resposta ao ponto 6 da base instrutória)
- A autora voltou a solicitar ao Instituto de Habitação para dar acompanhamento a este problema de infiltração, tendo este Instituto e a DSSOPT, após vistoria realizada em 09/01/2012, concluído a verificação das danificações das canalizações de água do 1º andar A, sugerindo aos proprietários da respectiva fracção a necessidade de inspecção e reparação aos equipamentos e nas áreas afectadas pela infiltração de água, tendo essa sugestão sido enviada aos últimos por ofício. (resposta ao ponto 7 da base instrutória)
- Até à presente data (finais de Novembro de 2012), esta questão da infiltração ainda não foi resolvida, os réus ainda não efectuaram obras de reparação, os réus ignoram por completo os bens e segurança dos outros. (resposta ao ponto 8 da base instrutória)
- A fracção da autora, pelo facto da questão de infiltração de água, respectivamente, em Março de 2009 e Maio de 2010, contratou operário de decoração para efectuar obras de reparação e pinturas, que originaram certas despesas. (resposta ao ponto 9 da base instrutória)
- As despesas de reparação na própria fracção foram no montante de MOP$5,200.00, tais obras foram executadas pela companhia de obras de água e electricidade XXX. (resposta ao ponto 10 da base instrutória)
- Dado que os réus fizeram-se despercebidos pela necessidade da reparação, e por não terem cumprido a sua devida obrigação, que por sua vez causou à autora despesas de honorários para intentar a presente acção, que foram no montante de vinte e cinco mil (MOP$25,000.00). (resposta ao ponto 11 da base instrutória)
- A autora deslocou-se, por várias vezes, ao Instituto de Habitação para solicitar assistência, a fim de proceder vistoria referida nas respostas dadas aos quesitos 4º a 7º. (resposta ao ponto 12 da base instrutória)
III – FUNDAMENTOS
O objecto do presente recurso passa fundamentalmente pela reanálise do julgamento da matéria de facto.
Estamos perante uma situação que, infelizmente, poderia ser resolvida facilmente, não fora a teimosia das pessoas que não sabem conviver civilizadamente, mas que, no entanto, serão a excepção no âmbito das relações de convivência no seio dos condomínios.
Coloquemo-nos na posição da A.
Um belo dia começa a correr água na sua casa de banho, vinda do andar de cima.
Desde logo, muito naturalmente, pensa-se que essa infiltração provém da canalização da casa de banho que fica por cima.
A A. vai a casa do vizinho e este nega a infiltração, recusa qualquer colaboração, recusa a entrada de técnicos.
A água continua a escorrer.
A A. contacta um técnico que lhe diz que, muito provavelmente, a infiltração é da canalização do andar superior.
A A. continua a insistir com os RR. e estes nada.
Se desesperada, não sabemos, a A. recorre ao Instituto de Habitação, que efectua uma vistoria e conclui no sentido da necessidade de reparação da canalização do andar de cima, oficiando aos RR. nesse sentido.
Estes continuam inertes.
Passam os dias, passam meses, passam anos e a situação mantém-se na mesma.
A A. remedeia o que pode, tem despesas e preocupações, não sabemos.
Recorre a tribunal.
E este o que decide?
Que não há a certeza da causa da inundação, que uma opinião não confirma os factos, que nem se sabe se a casa de banho dos réus fica por cima da da A. porque não foi junta uma planta do prédio.
Se assim era, se se mostrava essencial esse documento, não se vê razão para que o Tribunal o não tivesse solicitado ao abrigo do disposto no artigo 556º, n.º 1 do CPC.
Cremos estar perante uma situação clara de erro de julgamento, porventura perante um excesso de formalismo, entendendo-se que os autos contêm todos os elementos para se proferir decisão da matéria de facto no sentido de considerar que a causa da infiltração reside no andar de cima, de acordo com as regras da experiência comum, da lógica, da vida e do senso comum, sob pena até de a água começar a correr ao contrário.
É verdade que essa infiltração até podia vir do exterior, de um outro andar mais acima, que esta e aquela razão podiam obstar a uma conclusão lógica que vai naquele sentido. Mas continuam a funcionar aqui as regras da experiência comum, factos e elementos probatórios que, com muita razoabilidade, inculcam no sentido para que propendemos: é o técnico que diz que a água deve vir de cima; é o IH (Instituto de Habitação) que conclui da mesma forma, denota desperdício de água e oficia aos RR. para que reparem as canalizações; é a própria posição dos RR. que, numa atitude de muito pouco civismo, em nada colaboram, também não imputando a outrem a responsabilidade por qualquer infiltração de que eles próprios fossem vítimas.
Estamos, pois, na posse de dados que nos permitem concluir pela responsabilidade dos RR, mostrando-se comprovado o facto ilícito que lhes é imputável, pela não reparação da sua propriedade, conduta manifestamente lesiva, causadora de danos à A., não havendo dúvidas sobre o nexo causal entre aquela conduta omissiva e estes mesmos danos.
Responsabilidade civil que decorre do disposto nos artigos 477º, n.º 1 e 486º, n.º 1 do CC.
Para além da responsabilidade, o proprietário é obrigado a manter a sua fracção habitacional e respectivas canalizações em condições que não causem danos aos vizinhos.
Quais os danos sofridos?
Comprovam-se tão-somente os danos patrimoniais: os danos que a A. realizou na sua própria fracção, no montante de MOP$5.200,00 e interposição da acção com os custos do patrocínio que vêm comprovados já em MOP$25.000,00.
Quanto aos danos morais, como está bem de ver, esta é uma situação que exaspera, atormenta qualquer pessoa.
A A., embora tenha alegado os factos pertinentes, o facto é que não vêm comprovados. Trata-se de matéria que vinha quesitada no artigo 12º.
Também no recurso a A. não se insurge quanto a este eventual erro de julgamento.
Pelo que não se arbitrará indemnização a este título.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, e, em consequência, alterando a matéria de facto nos termos acima fixados, revoga-se a decisão proferida e, em consequência, condenam-se os RR. a efectuar as reparações das áreas afectadas de forma a impedir que a água não escorra para o andar da A., condenando ainda os RR. a pagar à A. a quantia de MOP$30.200,00 (trinta mil e duzentas patacas), a título dos danos patrimoniais sofridos.
Custas pelas partes na proporção do decaimento, em ambas as instâncias.
Macau, 23 de Abril de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Idem
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