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Processo nº 737/2011
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 05 de Março de 2015
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III. É de confirmar a decisão de Tribunal competente segundo a lei da República Popular da China que decreta o divórcio entre os cônjuges, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.














Processo nº 737/2011
(Revisão de sentença)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, do sexo feminino, divorciada, de nacionalidade chinesa, portadora do BIR de Macau nº XXX, emitido pelos Serviços de Identificação em 10 de Julho de 2008, residente na XXX, intentou
ACÇÃO ESPECIAL DE REVISÃO E CONFIRMAÇÃO DE DECISÃO PROFERIDA POR TRIBUNAL DO EXTERIOR DE MACAU
contra B, que foi residente na XXX, em Macau,
nos seguintes termos:
1.
B contraiu casamento civil com a requerente A em 13 de Janeiro de 1995 na Província de Shanxi, China (Anexo 2).
2.
C , filha do casal nasceu em 27 de Novembro de 2001, em Macau (Anexo 3).
3.
Segundo o Instrumento de Conciliação Civil nº 128 de Série 咸秦民初字(2004), proferido pelo Tribunal Popular do Bairro de Qindu da Cidade de Hanyang em 18 de Janeiro de 2004, B e A divorciaram-se por mútuo consentimento em 28 de Agosto de 2002 (Anexo 4).
4.
O Instrumento de Conciliação Civil acima referido passou o poder paternal (poder de tutela) da menor C para a mãe A.
5.
Conforme o conteúdo do referido Instrumento de Conciliação Civil, o acordo chegado está em conformidade com as disposições da respectiva legislação, tendo sido confirmado pelo Tribunal Popular do Bairro de Qindu da Cidade de Hanyang.
6.
A veracidade de tal Instrumento é inquestionável.
7.
Compreende-se bem o teor do Instrumento.
8.
O Tribunal Popular do Bairro de Qindu da Cidade de Hanyang, que proferiu o Instrumento, é competente, não se verificando nenhuma fraude à lei.
9.
O presente caso não está perante uma situação de litispendência ou decisão judicial transitada em julgado.
10.
O instrumento de conciliação civil não viola a ordem pública de Macau.
11.
A decisão proferida pelo Tribunal no processo sobre a apreciação das decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau vai produzir efeitos jurídicos em Macau, como por exemplo, o respectivo registo ser efectuado, por meio de averbamento, na Conservatória do Registo Civil. Segundo o artigo 52º, nº 1, al. f) do Código do Registo Civil, é preciso registar, por averbamento, no assento de nascimento da filha C, que o poder paternal se passa para a mãe A.
12.
A decisão judicial referida preenche os requisitos necessários para a confirmação das decisões proferidas por tribunal do exterior de Macau.
Pedido:
Face a tudo o exposto, solicita aos Mmºs Juízes que confirmem, nos termos dos artigos 1199º e seguintes do Código de Processo Civil, o Instrumento de Conciliação Civil nº 128 de Série 咸秦民初字(2004), proferido pelo Tribunal Popular do Bairro de Qindu da Cidade de Hanyang em 18 de Janeiro de 2004, e seja citado B, do sexo masculina, divorciado, de nacionalidade chinesa, portador do BIR de Macau nº XXX, emitido pelos Serviços de Identificação (Anexo 5).
*
Não houve contestação do requerido, tendo o tribunal apurado ter falecido em 13/03/2004 em Hong Kong (fls 107).
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Foi, então, citado o MP em representação da menor C.
Citados editalmente os herdeiros incertos (fls. 123vº /124 e 126 -135), veio, posteriormente, o MP a ser citado em sua representação (fls. 136-137).
*
Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente e também em razão da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
***
III - Os Factos
1- Requerente e requerido celebraram casamento civil em 13 de Janeiro de 1995 na Província de Shanxi, na República Popular da China.
2- Do casamento adveio o nascimento da filha C, em 27/11/2001, em Macau.
3- Em 28 de Agosto de 2002 requerente e requerido divorciaram-se por mútuo consentimento, tendo sido lavrado o Instrumento de Conciliação Civil nº 791 pelo Tribunal Popular do Bairro de Qindu da Cidade de Hanyang, nos seguintes termos:
“Instrumento de Conciliação Civil Nº 791 de Série 咸秦民初字(2002)
O autor, B, do sexo masculino, de etnia han, nascido em 3 de Outubro de 1947, habilitado com o ensino secundário complementar; originário de 梅園, Guangdong, comerciante, reside na Província de Guangdong, XXX , Zhuhai.
A ré, A, do sexo feminino, de etnia han, nascida em 29 de Abril de 1974, habilitada com o ensino secundário complementar, originária de Hanyang, Shanxi, sem emprego, reside em XXX.
Trata-se de um caso de divórcio litigioso.
O autor e a ré conheceram-se em Fevereiro de 1993 e casaram-se civilmente em 13 de Julho de 1995. O casal não tem filhos. Uma vez que não se conheceram bem um a outro antes do casamento e devido à divergência nas personalidades, os dois discutiram sempre sobre coisas sem importância, o que conduziu à quebra da relação conjugal. O autor intentou processo junto deste Tribunal em 27 de Agosto de 2002 para pedir divórcio. Inquirida a ré, esta concorda com o divórcio.
Com a conciliação deste Tribunal, ambas as partes chegaram ao seguinte acordo:
1. O autor B e a ré A divorciam-se.
2. Os bens comuns - a ré A fica com o apartamento residencial sito no Edifício XXX Gongbei, Guangdong. O autor B fica com o apartamento residencial sito no Edifício XXX, Zhuhai, Guangdong.
3. As duas partes não têm outro argumento sobre o caso.
Fixam-se as custas de admissão do processo e outras custas em RMB350. O autor manifestou a vontade de as pagar. O acordo mencionado está em conformidade com as disposições da respectiva legislação, assim, confirma-se o acordo.
Este instrumento de conciliação produz efeitos jurídicos logo após assinado por ambas as partes”.
4- Posteriormente, em 18/01/2004, pelo mesmo tribunal foi lavrado novo Instrumento de Conciliação Civil, com o nº 128 de Série 咸秦民初字(2004), do seguinte teor:
“O autor, B, do sexo masculino, de etnia han, nascido em 3 de Outubro de 1947, habilitado com o ensino secundário complementar, originário de 梅園, Guangdong, comerciante, reside na Província de Guangdong, XXX, Zhuhai.
A ré, A, do sexo feminino, de etnia han, nascida em 29 de Abril de 1974, habilitada com o ensino secundário complementar, originária de Hanyang, Shanxi, sem emprego, reside em XXX.
O autor e a ré divorciaram-se por mútuo consentimento em 28 de Agosto de 2002, ficando o autor com o poder paternal da filha legítima do casal C. Agora o autor não tem a capacidade de criar a filha por causa da sua má saúde, por isso, veio, em 6 de Janeiro de 2004, intentar processo junto deste Tribunal, em que requereu a alteração de regulação do exercício do poder paternal da filha. Após inquirida a ré, esta concorda em criar a filha.
Com a conciliação deste Tribunal, ambas as partes chegaram ao seguinte acordo:
1. O poder paternal da filha legítima C passa para a ré A e esta irá suportar sozinha a pensão alimentícia.
2. As duas partes não têm outro argumento sobre o caso.
Fixam-se as custas de admissão do processo e outras custas processuais em RMB350. O autor manifestou a vontade de as pagar. O acordo mencionado está em conformidade com as disposições da respectiva legislação, assim, confirma-se o acordo. Este instrumento de conciliação produz efeitos jurídicos logo após assinado por ambas as partes”.
5- O teor deste Instrumento de Conciliação nº 128, em língua chinesa, é o seguinte:
咸阳市秦都区人民法院 民事调解书
(2004)咸秦民初字第128号
原告B,男,汉族,1947年10月3日出生,高中文化,广东梅园人,商人,住广东省XXX。
被告A,女,汉族,1974年4月29日出生,高中文化,陜西咸阳人,无业,住XXX。
原、被告2002年8月28日协议离婚,婚生女C由原告B抚养,现因原告身体状况,无力抚养孩子,于2004年1月6日诉至本院,要求变更孩子的抚养关系,经询被告同意抚养孩子。
本案在审理的过程中,经本院主持调解,双方当事人自愿达成如下协议:
一、生女C变更由被告A抚养,抚养费自理。
二、双方其它无争议。
案件受理费及其它诉讼费用350元,原告自愿承担。
上述协议,符合有关法律规定,本院予以确认。
本调解书经双方当事人签收后,及具有法律效力。
代理审判员 XXX
二00四年元月十八日
书记员 XXX
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IV - O Direito
1. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pela requerente. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente por mútuo consentimento, bem como a atribuição dos filhos do casal a um dos progenitores.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, o referido instrumento de conciliação produziu efeitos logo que assinada.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor na República Popular da China e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Código Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal, que decretou o divórcio entre A e B, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pela requerente.
TSI, 05 / 03 / 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong

737/2011 13