Processo n.º 808/2014
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 19/Março/2015
ASSUNTOS:
- Marcas
- Carácter distintivo
SUMÁRIO :
A marca “C", proposta por uma Cª de Aviação para produtos de papel; lenços de papel, livros, revistas, cartões e similares e serviços de transporte aéreo; reservas de viagens e similares, afigura-se ser registável e ter carácter distintivo, não se tem como uma marca usual, de carácter genérico, não deixa, pelo seu significado, de encerrar alguma fantasia, apelo ao sonho, à viagem, à descoberta e pela justaposição das palavras assume um cunho próprio que não se reconduz ao sentido expresso pelas próprias palavras isoladamente consideradas.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 808/2014
(Recurso Civil)
Data : 19/Março/2015
Recorrente : Direcção dos Serviços de Economia
Recorrida : A Airways Corporation
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
1. A Direcção dos Serviços de Economia da Região Administrativa Especial de Macau, na pessoa do seu Director, Substituto, B, Entidade Recorrida, nos autos à margem identificados, notificada de que foi admitido o recurso jurisdicional por si interposto para o Tribunal de Segunda Instância da sentença proferida em 21 de Julho de 2014, vem apresentar as suas Alegações de Recurso, concluindo:
1. Considera que as marcas registandas "C" podem ser entendidas como "tinha viajado muitas vezes em vários países ou lugares", são sinais usuais e genéricos e tornaram usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, porque já é usada pelas empresas ou companhias aéreas para atrair mais clientes a escolher a sua avião para viajar ou deslocar mais países com maior vantagem ou oferta, assim, a empresa vai promover e encomendar aos seus clientes que possam participar o clube da sua empresa, para acumular mais pontuação de voo, até um determinado números, os clientes possam ter mais desconto na compra de bilhete de avião, ou possa obter uma oferta gratuita de uma viagem à determinada lugar, os pontos equivalem a milhagem de voo, quando tiver mais pontos podem escolher para viajar mais lugares de uma forma gratuita.
2. Assim, as pessoas possam pensar que a marca só traduz uma mensagem ao público que está a referir uma expressão de publicidade, mas, para além dessa expressão, as marcas não existem quaisquer outros sinais identificadores que possam identificar os produtos ou serviços apresentados nas marcas que sejam pertencentes à própria requerente, logo que, as marcas ora em questão não sejam adequadas para distinguir os produtos ou serviços da requerente dos de outras empresas do mesmo ramo de actividade.
3. Em consequência, as marcas registandas são sinais genéricos e de utilização comum, devem permanecer disponíveis, não podendo, ser apropriáveis para uso exclusivo de qualquer requerente ou titular, excepto se acrescentar mais outros elementos que possam distinguir da sua empresa dos de outras, tais como algumas palavras ou desenhos que mencionam o nome da empresa, ou seja, "A Airways".
4. Claro que, não podemos aceitar que o sinal "C" serve perfeitamente como marca para assinalar os produtos para que foi pedido relativamente à classe 163, porque os produtos de papeis, livros, revistas, cartões, publicações, calendário de mesa, etiquetas de papel de identificação de bagagem podem ser usados no avião ou pelas companhias aéreas para promover as suas empresas, mas, quando um cliente a receber uma revista ou calendário de mesa ou etiquetas de papel de identificação de bagagem com o nome de "C", não pode conhecê-lo logo qual é a empresa que fornece ou pertence a esses produtos.
5. Por outro lado, como a marca registanda destina-se a assinalar para os serviços de transporte aéreo; transitários de carga aérea, transporte de passageiros, movimentação de carga ou contentor, recipientes de bens ou de armazenagem, organização de viagens; reserva de viagem; reserva geração bilhetes para a indústria de transporte nacional e internacional; fornecer informações turísticas; fornecer informações sobre transporte ( ... ), incluídos na classe 39ª, e a expressão "C" já é usada frequentemente pelas empresas aéreas para promover ou atrair clientes para escolher os seus serviços de transporte aéreo, pelo que, o público em geral, especialmente o consumidor local, pode ter conhecimento que o sinal "C" corresponde um slogan ou promoção para atrair mais clientelas.
6. Porque, no nosso entendimento, as marcas registandas não possuem capacidade distintiva, porque o sinal "C" só significa um slogan de publicidade, que seja usada frequentemente na área de turismo e na área de transporte aéreo, e tornou usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio.
7. Assim, o Tribunal a quo fez uma interpretação errada dos elementos de facto que foram levados para os autos, considerando que o sinal ""無限萬哩遊"" em conjunto é uma expressão de fantasia criada pela ora Recorrida, mas, com as nossas próprias opiniões, aquela expressão é um slogan de publicidade, que seja usada frequentemente na área de turismo e na área de transporte aéreo, e tornou usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio. Pelo que, quer a expressão ""無限萬哩遊"" quer as palavras chinesas ""無限" , "萬哩" e "遊", ambas são sinais genéricos, usuais e descritivos que não possuem o carácter distintivo.
Pelo exposto, deverá ser dado provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença do Tribunal a quo, mantendo o despacho de recusa que a Entidade Recorrente proferiu ao considerar que as marcas registandas são consideradas como sinais tornando usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, enquanto indicações genéricas, constituem fundamento de recusa, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 214.° aplicável ex vi da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.°, conjugado com a alínea c), do n.º 1, do art. 199.° do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 93/99/M, de 13 de Dezembro.
2. Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
a) Em 12/03/2013 a Recorrente requereu o registo da marca N/XXX e N/XXX, para produtos da classe 16ª e serviços da classe 39ª, respectivamente, consistindo a marca no seguinte sinal: "C";
b) Os produtos para que foi requerido o registo da marca são os referidos supra nas notas de rodapé números 1 e 2; ( Produtos de papel; lenços de papel, livros, revistas, cartões; registos, publicações impressas, calendário de mesa; molduras; recipientes de papel, sacos de plástico, porta canetas, caixas de notas; cartões para serem colocados no assento; material de escritório; pastas; canetas; materiais de decoração em papel não incluídos em outras classes; etiquetas de papel de identificação de bagagem. – Serviços de transporte aéreo; transitários por via área; transporte de passageiros; movimentação de carga ou contentores; carga ou recipiente de armazenamento; expresso; mercadorias transportadas; prestação de serviços de recolha de objectos para serviço de correio, logística e transporte; planos de viagem; reservas de viagens; gestão de reserva bilhetes do sector de transporte nacional e internacional; fornecimento de informações turísticas, fornecendo informações sobre o transporte; computador para acompanhar o trânsito de mercadorias e serviços.)
c) Por despacho de 23/01/2014 proferidos nos autos de Processo Administrativo apensos, foi recusado o registo.
d) Tal despacho foi publicado no Boletim Oficial da RAEM, n.º 8, II Série, de 19/02/2014.
e) Em 19/03/2014 foi apresentado neste tribunal o presente recurso.
III – FUNDAMENTOS
1. A questão é muito simples e reconduz-se a saber se a expressão “C” tem ou não carácter distintivo.
2. A sentença proferida mostra-se irrepreensível e dá já resposta à questão que vem colocada.
Por isso, ao abrigo do disposto no artigo 631º, n.º 5 do CPC, remetemo-nos para os fundamentos aí invocados, aqui damos por reproduzidos e transcrevemos:
“Tendo a decisão de recusa sido fundamentada na falta de carácter distintivo da marca registanda, é por esta questão que se deve começar.
A DSE entendeu que a marca registanda não pode receber a protecção advinda do registo por ser integralmente composta por sinais sem capacidade distintiva. E entende que a falta de capacidade distintiva do sinal "C" lhe advém do facto de se tratar de um sinal usual.
2. O que é um sinal usual?
Resulta do disposto no art. 197°, que só são susceptíveis de registo como marcas os sinais, designadamente palavras, adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Temos, pois, um primeiro limite para que os sinais possam ser registados como marca de comércio: a sua adequação para distinguir bens em função da respectiva fonte ou origem comercial.
E resulta da al. c) do n.º 1 do art. 199° que não são susceptíveis de protecção os sinais ou indicações que se tenham tomado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio. Trata-se do que a doutrina designa de sinais usuais.
Marcar um bem (produto ou serviço) é apor-lhe um sinal, uma marca que o distinga. A função inicial da marca terá sido a de melhor permitir provar a propriedade do objecto marcado, provar a quem pertencia1, nomeadamente os animais, que eram marcados na própria pele com uma cicatriz feita por um ferro em brasa com determinada forma. Hoje, porém, a função principal da marca é permitir distinguir a origem comercial dos bens com ela assinalados. Por exemplo, ao contactar-se com um determinado sinal aposto num determinado produto, deverá entender-se que esse produto tem a mesma origem comercial que outro que tem o mesmo sinal aposto. O sinal não deve enganar nem deixar dúvidas quanto a tal aspecto. Portanto, designadamente, não serve para marcar todo o sinal que possa ser entendido como o nome, a função, a qualidade ou outra(s) característica(s) do bem marcado, nem o sinal que tenha um outro significado próprio no comércio. Se o sinal serve para distinguir os bens pelo seu nome ou pelas suas características não serve para os distinguir pela sua origem comercial, uma vez que quem com ele contactar vai entendê-lo como esclarecedor do género ou das características dos bens onde se encontra aposto e nada vai poder concluir quanto à respectiva origem comercial. Do mesmo modo, se o sinal serve para comunicar ou transmitir determinada mensagem comercial, também não será entendido como distintivo de origem comercial, pelo que também não serve como marcador. Por exemplo, se no comércio um determinado sinal é usualmente entendido como querendo significar a composição de determinado produto, ou que determinado produto é frágil, não será entendido com outra significação, designadamente querendo mostrar a origem comercial dos bens onde for aposto. Se tais sinais forem apostos num determinado produto, quem com eles contacta vai receber a mensagem que pretendem transmitir e nada vai apreender quanto a origens comerciais. Por mero exemplo concreto, se a imagem de um copo de vidro quebrado for inscrita na parte de fora da embalagem de dois produtos do mesmo comerciante, as pessoas que contactam com este sinal vão apreendê-lo como querendo informar que os dois produtos são frágeis e não que os dois produtos têm a mesma origem comercial. Aquele sinal foi incapaz de cumprir a função de marca de comércio porque na linguagem corrente e nos hábitos do comércio é usual ser outro o seu significado e função.
Mas como classificar um sinal de usual, ao ponto de concluir que é inábil para comunicar a origem comercial?
Tem-se constatado alguma instabilidade na jurisprudência e na doutrina.
Como regra primeira para recortar com rigor o conceito de sinal usual, temos que ter em conta que estamos a operar no âmbito do direito comercial, onde se quer que haja iniciativa e que esta seja o mais livre possível2. Assim, a restrição à escolha e composição dos sinais distintivos deve ser apenas a necessária a garantir que os sinais em causa cumpram a sua função de marca de comércio dentro do espírito do sistema. Deve ser esta a perspectiva do intérprete e do aplicador de forma a qualificar de usuais apenas os sinais que não possam servir como marca por falta de capacidade distintiva relativamente aos bens para que foi pedido o registo.
Em primeiro lugar, para ser classificado de usual, o sinal tem de ser usado no comércio da RAEM3, sendo irrelevante o uso noutras áreas, como sejam as desportivas, as académicas, religiosas, políticas, etc .. Por mero exemplo, pense-se que num determinado desporto muito popular em que é comum no início de cada prova identificar os intervenientes em grandes painéis electrónicos e para se significar o árbitro se apresenta a imagem de um apito seguida do nome do árbitro. Neste caso, quem se deslocar ao estádio onde decorre uma prova, entenderá o símbolo do apito como significando que o nome que se lhe segue é o nome do árbitro, pois este sinal é usual. Porém, se um espectador, no final da prova, for adquirir um qualquer objecto em cuja embalagem esteja desenhado um apito, idêntico ao que viu no painel electrónico a indicar o árbitro, por certo não vai entender esse apito como significando que dentro da embalagem "está um árbitro". Portanto, apesar de o apito ser um sinal usual na linguagem corrente e nos hábitos leais e constantes do desporto mais popular no âmbito territorial de uma determinada jurisdição, nem por isso deixa de ser adequado a distinguir a origem comercial dos bens.
Encontram-se muitas referências doutrinais e jurisprudenciais interpretando a expressão do art. 199°, n° 1, al. c) ("sinais usuais na linguagem corrente", ou equivalentes em diplomas de outras jurisdições ou de tratados internacionais) com referindo-se à linguagem comum e não à linguagem corrente do comércio4. Mas não pode ser. Mais à frente se dirá porquê quando se fizer referência à transformação ou vulgarização do sinal. Do que se trata é da linguagem corrente no comércio e dos hábitos do comércio e não da linguagem comum ou própria de outras áreas da intervenção humana.
O uso do sinal tem de ser permanente e consistente, sem hiatos de tempo e espaço.
O sinal tem de ser efectivamente usado, não bastando a adequação para servir para ser usa o no comércio5.
O uso que releva não é o que ocorre em qualquer aspecto especial ou extraordinário da actividade do comércio, mas no comércio em geral. Por exemplo uma expressão utilizada com frequência entre as pessoas que tratam da contabilidade dos comerciantes, mas que não é de utilização "vulgar" ou comum do comércio não é um sinal usual. Trata-se, pois de uso ordinário e comum (na linguagem corrente e nos hábitos constantes) da actividade comercial e não na linguagem e hábitos específicos.
Releva também a finalidade do uso do sinal. Neste particular, há até quem entenda que só é usual o sinal que venha sendo usado com a finalidade de designar produtos e serviços6. Porém, não nos parece que seja acertada esta restrição, sendo certo, no entanto, que o sinal usual por excelência é aquele que no uso corrente e generalizado passou a identificar-se com o nome de determinado produto ou serviço. Crê-se que a referida restrição advém da proximidade da questão dos sinais usuais com a questão da vulgarização da marca. É necessário, porém, ter em conta as diferenças existentes: a vulgarização da marca implica a sua caducidade, logo deve colocar-se mais exigência nos requisitos de extinção do sinal a que já foi concedida protecção, razão porque o art. 231°, n.º 2, al. a) exige, entre outros requisitos, que o sinal tenha passado a ser a designação usual no comércio do produto ou serviço para que foi registado. Já quanto ao sinal usual, que nunca antes teve protecção como marca, deve haver menos exigências quanto aos requisitos, devendo as exigências ser maiores na "fiscalização" da sua capacidade distintiva. Deve bastar que tenha um uso próprio no comércio, desde que vulgarizado, sendo desnecessário que o sinal seja a designação dos bens que se destina a assinalar. De outra forma, seriam admitidos como marca sinais que nada dizem no comércio quanto a origens comerciais por terem outro significado pelo qual são generalizadamente apreendidos, não devendo ser apropriados por ninguém para que possam continuar a cumprir livremente a sua função no comércio. Bastaria que, sendo usuais e não distintivos, não consistissem na designação de bens nem se lhes aplicasse qualquer outro motivo de recusa do registo7.
No entanto, como atrás se referiu, a sintonia e a proximidade das duas questões deve levar a concluir que é apenas na linguagem e nos usos do comércio que a vulgarização dos sinais releva e não na linguagem comum ou de outras actividades humanas e nos hábitos alheios ao comércio. Com efeito, a caducidade por vulgarização só ocorre, se a vulgarização, ou use corrente e constante, se der no comércio (linguagem e hábitos - art. 231°) De outra forma dificilmente se harmonizariam os motivos de recusa com as causas de invalidade8.
Os sinais destinam-se a servir no comércio determinada função, pele que a sua aptidão e inaptidão só no comércio devem ser sindicadas. A este conclusão se chega também se se considerar que a questão foi colocada n2 revisão da Convenção de Paris de 1925 (Haia) em termos uniformes: "só poderá ser recusado ou invalidado o registo..." e referindo-se ao "comércio do país em que a protecção é requerida". São, pois, a linguagem e os hábitos do comércio que relevam.
Por outro lado, no caso de se tratar de um sinal que sirva no comércio para designar determinados produtos e/ou serviços, só deve estar impedido de servir como marca no caso de esta se destinar a assinalar tais bens que o sinal designa. E esta conclusão impõe-se também pela comparação dos regimes do sinal usual e da vulgarização da marca, sendo que a primeira se coloca antes de concedido o registo e a segunda se coloca depois.
Ainda no que diz respeito à finalidade do uso do sinal, ocorrem dificuldades de delimitação no que diz respeito aos sinais banais. De facto os que passaram a designar um produto ou um género, como as expressões "prego" "galão" "bica" "jet ski" "cotonete" "querosene" "gilete", "velcro", têm a função de designar essas mesmas realidades, sendo fácil a qualificação como usuais e a escolha dos bens em relação aos quais são distintivos. Mas quanto aos sinais banais, que são usados no comércio relativamente a qualquer produto ou serviço, mas não para designar nenhum deles, como "extra", "premium", "light" ou o supra referido na nota 6, a sua finalidade tão diversificada, designadamente publicitária, causa dificuldades quando o uso é apenas relativo a alguns produtos ou serviços. De facto o sinal que serve para todos os bens, quando é utilizado apenas para alguns, lança dificuldades na sua qualificação como usual, pois se serve para todos ou muitos, deveria ser utilizado em todos para ser qualificado de usual (pense-se no sinal "extra virgem" para azeite extraído apenas por processos mecânicos e sem intervenção química ou em "lã virgem", com significado no comércio de produto natural e puro).
Por fim, é necessário que o sinal se tenha transformado (que se tenham tornado usuais, na expressão do art. 199°). Isto é, que antes não fosse usual. Trata-se da vulgarização do sinal. Neste aspecto particular, cabe dizer que a questão do sinal usual diz respeito apenas a sinais que já tiveram capacidade distintiva e que a perderam pelo fenómeno da vulgarização. O sinal usual é um sinal originariamente distintivo, mas transformado em descritivo pelo uso que dele foi feito9. O que separa a questão da denominada vulgarização da marca é que, nesta, o sinal já teve protecção anteriormente, ao passo que na questão do sinal usual, o sinal ainda não teve tal protecção. Em ambos os casos se trata de sinais que, pelo uso, perderam o seu carácter distintivo originário10. No primeiro caso, o sinal teve protecção e vai perdê-la por caducidade, uma vez que também perdeu a sua capacidade distintiva. No segundo caso, o sinal nunca teve protecção e esta é-lhe recusada, ab initio, logo que solicitada, em reconhecimento de que, no momento coevo, não tem capacidade distintiva.
O sinal usual é, pois, aquele que, relativamente aos bens para que foi pedido o registo da marca, é usado, no comércio (linguagem e hábitos) da jurisdição onde se pretende a protecção, de forma permanente, generalizada, e efectiva, com um sentido próprio do comércio que não seja distinguir a origem comercial e que resultou da transformação, devido ao uso, de um anterior sentido distintivo.
Não interessa o sentido em que o sinal é utilizado relativamente a outros bens11 nem se exige que o sinal seja a designação dos bens para que foi pedida a marca ou que seja a designação do respectivo género, exigindo-se apenas que, relativamente a estes tenha um sentido próprio do comércio que não seja distintivo da origem comercial. Portanto, o sinal usual é aquele que, devido ao uso que dele se fez no comércio, perdeu, relativamente aos bens para que se pede o registo da marca, o sentido distintivo que originariamente tinha.
Também não releva quanto à caracterização do sinal como usual se o seu sentido pode ser enganoso, pois que este aspecto diz respeito a outro motivo de recusa do registo e aí deve ser considerado.
Os sinais genéricos que não têm capacidade distintiva são os descritivos e os usuais. Os descritivos são originariamente descritivos, os usuais são originariamente distintivos mas tomados descritivos pelo uso que deles foi feito. Quer uns quer outros, poderão ser distintivos se na prática comercial abandonarem o seu significado descritivo e alcançarem um outro que seja distintivo, o chamado secondary meaning.
Voltemos ao caso concreto dos autos.
Relativamente ao pedido de registo para a classe 16ª (produtos de papel; lenços de papel, livros, revistas, cartões; registos, publicações impressas; calendário de mesa; molduras; recipientes de papel, sacos de plástico, porta canetas, caixas de notas; cartões para serem colocados no assento; material de escritório; pastas; canetas; materiais de decoração em papel não incluídos em outras classes; etiquetas de papel de identificação de bagagem).
Quanto ao registo para a classe 16ª (produtos de papel, cartão, material de escritório, etc.), cabe concluir, do que ficou dito, que o sinal registando não tem qualquer uso próprio no comércio relativamente aos produtos para que foi requerido o registo da marca. Assim, se um passageiro de um avião receber durante uma viagem um guardanapo, uma caneta, uma revista, etc., com a inscrição do sinal registando, "C", por certo que não vai entender o sinal com qualquer sentido que não seja distintivo, designadamente com um sentido próprio e vulgar do comércio da RAEM que não seja distintivo, mas publicitário ou promocional como refere a entidade recorrida, ou outro. Não irá entender o sinal como promoção do guardanapo ou da caneta através do apelo à característica de infinito, quer de tempo, quer de lugar. Por isso, o sinal registando serve perfeitamente como marca para assinalar os produtos para que foi pedido relativamente à classe 16ª, procedendo o recurso nesta parte.
Quanto aos serviços da classe 39ª (serviços relacionados com transporte aéreo, viagens e turismo).
A entidade recorrida afirma que o sinal registando é utilizado muitas vezes como slogan publicitário pelas empresas de turismo para promover os seus produtos e serviços com o sentido de milhagem e destinos infinitos.
Crê-se que também aqui não tem razão a DSE. Por um lado, nada nos autos permite concluir que se verifique no comércio da RAEM aquele uso publicitário. Por outro, para que um sinal seja qualificado de usual não basta que seja utilizado muitas vezes com um determinado sentido. É necessário que seja esse o sentido com que é apreendido pelo público. E isso também não está demonstrado. Não está demonstrado que o sinal seja apreendido como promocional através do apelo a uma característica de excelência, como "extra" "premi um" "ideal" "excelente" "infinito", etc..
Mas, tratando-se de um sinal que não é a designação de nenhum produto ou serviço, nem de nenhum género (nem a entidade recorrida assim o afirma), só poderia ser qualificado de usual se se tratasse de um sinal banal. E é inegável que não o é. Na verdade, por exemplo, se "extra", "premium", "platinum", etc. têm um uso no comércio claramente identificado para todo e qualquer bem, já "infinito" e "milhagem e destinos infinitos" ou "C", não tem, a característica de sinal banalizado pelo uso como reportado a uma característica ou qualidade elevadas no tempo e no espaço assemelhadas a infinito ou infinidade.
Conclui-se, pois, que o sinal registando não pode ser qualificado de usual, razão porque terá de lhe ser reconhecida capacidade distintiva relativamente aos bens da classe 39a para que foi requerido o registo.
Não se vê que outros motivos de recusa possam ocorrer, designadamente o carácter descritivo do sinal.
Conclui-se, assim, que merece procedência o recurso, devem ser revogadas as decisões recorridas e deve ser concedido o registo recusado. “
3. Foca-se agora a recorrente na falta de capacidade distintiva da marca.
Sem razão, porém.
A marca é um sinal distintivo de produtos ou serviços propostos ao consumidor.12
É essa noção para que aponta o Regime Jurídico da Propriedade Industrial, doravante designado por RJPI, no seu artigo 197º, ao prescrever que “só podem ser objecto de protecção ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.”
Traduz-se, pois, a marca num sinal apto a diferenciar os produtos ou serviços, distinguindo-os de outros da mesma espécie, possibilitando assim a identificação ou individualização do objecto da prestação colocado no mercado. A partir de tal conceito, enquanto fenómeno sócio-económico, retirar-se-ão as sua funções e, assim, desde logo, se alcança a primordial função distintiva relativamente ao seu objecto.
Nesta função divisam-se duas vertentes: uma, que se traduz na diferenciação, na destrinça em relação aos outros produtos da concorrência; a outra, qual seja a da individualização por referência a uma origem, à sua proveniência, à fonte da sua produção.13
Serve ainda a marca para sugerir o produto e angariar clientela. Procura-se através dela, cativar o consumidor por via de uma fórmula que seja apelativa e convide ao consumo.
Pode até constituir uma garantia14, procurando-se assim atestar a qualidade ou a excelência do produto oferecido, bastando pensar nas denominadas “marcas de grande prestígio”.
Daqui decorre que a marca, como sinal distintivo, deve, acima de tudo, ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
4. Mas os interessados no registo de uma marca não podem deixar de gozar, na sua constituição, de uma grande liberdade que terá, contudo, como limite a margem de manobra e de iniciativa que os outros operadores do mercado não podem perder através do registo de uma "marca" de tal forma genérica e abrangente de atributos ou qualidades comuns que restrinjam uma livre e sã concorrência.
É certo que um sinal, para poder ser registado, como marca, como já se disse, deve possuir a necessária eficácia ou capacidade distintiva, não sendo admissíveis o que a doutrina designa normalmente como sinais descritivos, tais como denominações genéricas que identificam os produtos ou os serviços, expressões necessárias para indicação das suas qualidades ou funções e que, em virtude do seu uso generalizado, como elementos da linguagem comum, não devem poder ser monopolizados. E não fosse este o entendimento unânime na doutrina e na Jurisprudência,15 o disposto no nº 1, al. a) e b) e c) do artigo 199º supra-citado não deixa de ser claro: “ Não são susceptíveis de protecção: a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto; b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos; c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva. 2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não são considerados de utilização exclusiva do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.”
Donde decorre, importando reter, como pertinente ao caso “sub judice”, a conclusão de que o registo de uma marca tem como restrição o não ter, ela própria, carácter distintivo.
5. Em face destes considerandos afigura-se-nos que a pretendida marca não deixa, pelo seu significado, de encerrar alguma fantasia, apelo ao sonho, à viagem, à descoberta e pela justaposição das palavras assume um cunho próprio que não se reconduz ao sentido expresso pelas próprias palavras isoladamente consideradas.
Não estará sequer posta em causa a lealdade – a marca não pode dar indicações falsas16 -, na medida em que um consumidor médio não se deixaria enganar, tomando à letra a referida expressão e mesmo que o tomasse, o que é que se retiraria daí? Não se vê qualquer indicação enganosa, susceptível de causar confusão, genérica e sem capacidade distintiva de um determinado produto ou serviço que pudesse induzir em erro qualquer consumidor.
Até porque não se proíbe a inclusão na marca de expressões ou elementos genéricos que podem até ser utilizados por terceiros para compor outras marcas, mas sim que a marca seja exclusivamente constituída por expressões ou elementos genéricos.17 Mesmo enquanto sinal distintivo fraco - ou seja, o que não tem força suficiente para distinguir o produto18-, no limite, o uso, na prática comercial, de um sinal originariamente não distintivo podia determinar a aquisição do substrato suficiente para o registo19.
Para além de que a marca deve ser apreciada “pela semelhança que resulte do conjunto de elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que poderiam oferecer os diversos pormenores considerados isolada ou separadamente.” 20Ou seja, é “por intuição sintética e não por dissecção analítica que deve proceder-se à comparação de marcas, já que o que importa ter em conta é a impressão global, de conjunto, própria do público consumidor que, desvalorizando os pormenores se concentra nos elementos fundamentais dotados de maior eficácia distintiva”, assim se prevenindo qualquer imitação que deve “ser apreciada pela semelhança que resulta do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas diferenças que poderiam resultar dos diversos pormenores considerados isolados e separadamente” 21
Não, deixará, pois de improceder o recurso.
IV – DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Sem custas.
Macau, 19 de Março de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 Cfr. Ferrer Correia, Lições de Direito Comercial, Vol. I, 1973, p. 313, nota (2).
2 Lê-se na decisão proferida nos autos que correram neste tribunal com o número CV2-09-0092-CAO-A: "a interpretação da lei comercial nada tem de específico, aplicando-se os critérios do direito civil (art. 8° do C.C.), subsidiário do direito comercial (Cfr. Brito Correia, Direito Comercial, I ° volume, 1987/88, p. 118). Há, no entanto que ter em conta, como pano de fundo da interpretação da lei comercial que o direito comercial é direito privado com preocupação especial de promover um regime jurídico onde a iniciativa privada se possa desenvolver num âmbito de liberdade de iniciativa, podendo as partes regular os seus interesses da forma que julgarem mais conveniente, embora dentro de certos limites (Cfr. Pupo Correia, Direito Comercial, Direito da Empresa, 10a edição, 2007, p. 28 e 29)".
3 No comércio do país onde se pede a protecção, diz-se no art. 6°_ quinquies, B, 2°, in fine da Convenção de Paris. Pode, pois, ser indutor de erro procurar na internet, nos motores de busca, uma vez que os resultados encontrados a partir da digitalização do sinal registando, correspondentes aos conteúdos existentes na internet, poderão não coincidir com a ambiência comercial da jurisdição onde se pede o registo.
4 A título de exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 09/10/2009, proferido no processo n.º 118/09.4YFLSB, podendo consultar-se em www.dgsi.pt.
5 Repare-se que os sinais usuais têm de ser efectivamente utilizados no comércio para perderem capacidade distintiva, ao passo que aos sinais descritivos basta a sua aptidão para servirem no comércio para designar características dos bens a assinalar, pois que nunca tiveram capacidade distintiva.
6 Pode ler-se no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 4/10/2001, proferido no processo número C-517/99: "O artigo ... deve ser interpretado no sentido de que apenas se opõe ao registo de uma marca quando os sinais ou as indicações de que essa marca é exclusivamente constituída se tenham tomado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio para designar os produtos ou os serviços relativamente aos quais é apresentado o registo da referida marca" (in http://curia.europa.eu/juris).
7 Couto Gonçalves, op. cit., p. 80 e 81, refere os sinais usuais que designam produtos e serviços como constituindo apenas um de três grupos de sinais usuais, a par dos que designam um género de produtos ou serviços e dos que não designam nada, mas que têm um uso banal para todo e qualquer bem de comércio.
8 Sobre a relação entre os motivos de recusa do registo e as causas de invalidade, Carvalho Fernandes, A Nova Disciplina das Invalidades dos Direitos Industriais, Revista da Ordem dos Advogados, ano 63 (2003), I e II, p. 149 e seguintes.
9 Pode, com propriedade, dizer-se que os sinais a que se reportam as alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 199º são sinais descritivos, os primeiros originariamente e os segundos depois de transformados pelo uso.
10 Assim, Couto Gonçalves, Direito de Marcas, 2ª edição, p. 81.
11 Se for pedido o registo do sinal usual no comércio de determinado produto, mas para distinguir outro produto diferente, em relação a este último, o sinal mantêm a sua capacidade distintiva originária, podendo, no entanto, ser recusado o registo se a utilização do sinal for susceptível de induzir o público em erro relevante (art. 214°, n° 2, al. a)).
12 - Carlos Olavo, in Propriedade Industrial, 1977, pág.37
13 - António Corte Real Cruz, in Dto Industrial I, 2001, pág.81
14 - Oliveira Ascensão, in Dto Comercial II, Dto Industrial, 1988, pág.142; contra, Carlos Olavo, ob. cit. pág. 39
15 - cfr. Pinto Coelho in Lições de Dto Comercial, I, pág. 443 e Ferrer Correia, in Lições de Dto Comercial, 1973, pág..312; Ac STJ de 14/11/79 in BMJ 291,250, de 16/11/93 e 12/12/92 in www. dgsi. pt,;Ac. TSJ, CJ1998, II, pág.110 e TSI, proc. 94/2001 de 21/6/01
16 - Oliveira Ascensão, ob. cit., pág. 160
17 - Ac. STJ de 26/5/92, http://www.dgsi.pt
18 - Ferrer Correia, in ob. cit., pág.327
19 - É a teoria do secondary meaning de origem anglo-saxónica que aflora no art. 6º - quinquies, C) –1) da Convenção de Paris e no artigo 3º,nº3 da 1ª Directiva do Conselho de 21 de Dezembro de 1988 que harmoniza as legislações dos Estados membros da UE em matéria de marcas
20 - Ac. TSI,, de 22/Março/2012, Proc. n.º 436/2011
21 - Ac. STJ, de18/3/2003, Proc. n.º PROC: n.º 03A545
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