Processo n.º 3/2015. Recurso jurisdicional em matéria cível.
Recorrente: A.
Recorridas: B, C e D.
Assunto: Revisão e confirmação da sentença do exterior. Impugnação. Privilégio dos residentes de Macau. Pessoas colectivas. Sede principal e efectiva da administração das pessoas colectivas. Ónus de alegação e prova. Artigo 1202.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Data do Acórdão: 6 de Maio de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
I - As pessoas colectivas, cuja sede principal e efectiva da sua administração seja em Macau, beneficiam do privilégio concedido pelo artigo 1202.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
II – Cabe à pessoa colectiva requerida na acção de revisão e confirmação de sentença do exterior, que impugna a acção com fundamento no disposto no artigo 1202.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o ónus da alegação e prova de que a sede principal e efectiva da sua administração é em Macau.
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
I – Relatório e factos provados
B, C e D requereram contra A, a revisão e confirmação da sentença proferida pelo United States Court of Appeals for the Ninth Circuit, em 10 de Abril de 2009, na parte em que confirmou a sentença proferida pelo District Court of District of Nevada, em 16 de Agosto de 2007. Nesta parte, esta última sentença julgou prescritas as pretensões da requerida, posteriores a 15 de Janeiro de 2002.
A mencionada acção, que correu termos no District Court of District of Nevada, foi proposta pela requerida A contra as requerentes B, C e D e outros, e nela se pedia uma indemnização compensatória e punitiva.
A sentença revidenda transitou em julgado em 6 de Maio de 2009.
O Tribunal de Segunda Instância (TSI), por Acórdão de 19 de Junho de 2014, julgou a acção procedente, tendo revisto e confirmado a sentença do Tribunal Superior norte-americano.
Recorre a requerida A, para este Tribunal de Última Instância (TUI), pedindo a revogação do acórdão recorrido, suscitando as seguintes questões:
- A sentença revidenda não produz caso julgado material;
- A sentença estrangeira não poderia ter sido revista e confirmada porque, tendo a requerida o privilégio da residência em Macau, foi vencida no processo americano e, segundo as regras de conflitos de Macau, a questão deveria ter sido resolvida pelo direito material de Macau e o resultado da acção ter-lhe-ia sido mais favorável, em virtude das regras de prescrição de Macau;
- Não houve abuso de direito da requerida porque, tanto no Tribunal do Nevada, como agora, defende a aplicação das regras de prescrição de Macau;
- O acórdão é nulo por não fundamentar a tese do abuso de direito.
II – O Direito
1. As questões a resolver
As questões a resolver são as suscitadas pela requerida, ora recorrente.
2. Tradução
Começar-se-á pela questão da tradução, questão não levada pela recorrente às conclusões da alegação.
Não há traduções perfeitas. À tradução apresentada pelas requerentes, opôs a requerida a sua tradução. A esta objectaram as requerentes. E assim poderia continuar indefinidamente a discussão sobre os méritos das traduções.
Nenhuma das questões suscitadas sobre as traduções são importantes.
O Tribunal considera que está esclarecido sobre o conteúdo da sentença revidenda e isso é o fundamental.
3. Trânsito em julgado da sentença
A requerida não contesta o trânsito em julgado da sentença, mas apenas alega que ela não constitui caso julgado material, por não ter conhecido do mérito da acção.
Aliás, sobre a questão da prova do trânsito em julgado da sentença revidenda, dissemos o seguinte no nosso Acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, no Processo n.º 43/2009:
«Para resolver qualquer das questões suscitadas importa apreciar uma outra, aliás, não tratada nas alegações das partes, que é a de saber a quem incumbe o ónus da prova dos factos na acção de revisão e confirmação de sentença do exterior.
Esta questão de direito já foi tratada no Acórdão deste TUI, de 15 de Março de 2006, no Processo n.º 2/2006, onde se disse o seguinte:
“5. Sistemas de reconhecimento de sentenças do exterior ou estrangeiras
Ensina FERRER CORREIA1 que reconhecer uma sentença estrangeira é atribuir-lhe no Estado do foro (Estado ad quem) os efeitos que lhe competem segundo a lei do Estado onde foi proferida (Estado de origem ou Estado a quo). Esses efeitos são os próprios da sentença considerada como tal – os que derivam da sua natureza de acto de jurisdição – a autoridade de caso julgado e o efeito executivo.
É também sabido que, numa perspectiva de direito comparado, existem vários tipos de soluções possíveis no que respeita ao reconhecimento de sentenças estrangeiras2:
i) Sistemas em cujo direito não se reconhecem efeitos às decisões estrangeiras, tendo sempre de intentar de novo uma acção num tribunal do país ad quem. É o caso dos países nórdicos da Europa.
ii) Noutros países, o reconhecimento só opera mediante reciprocidade, como em Espanha.
Na Inglaterra após 1933, foi instituído um sistema de registo (registration) que permite equiparar uma sentença estrangeira a uma decisão de um tribunal inglês, com base na reciprocidade reconhecida by order in Council.
iii) Em algumas ordens jurídicas, as sentenças estrangeiras são reconhecidas sem necessidade de qualquer formalidade, é o chamado reconhecimento automático. É o que acontece em França com as sentenças estrangeiras em matéria de estado e capacidade das pessoas e com certos actos de jurisdição voluntária.
iv) Há sistemas em que o reconhecimento das sentenças do exterior ou estrangeiras se dá por via do exequatur, controlo ou revisão.
a) Este controlo pode ser de mérito, no caso de haver um controlo da aplicação do direito, ou, em certos casos, podendo ocorrer uma reapreciação da matéria de facto;
b) O controlo pode ser meramente formal, como acontece em Macau e em Portugal (em ambos os casos na generalidade das situações), na Suíça e, até há pouco tempo, em Itália.
6. O sistema de Macau de reconhecimento de sentenças do exterior
O nosso sistema é, em regra, de revisão meramente formal porque as condições da confirmação da sentença do exterior exigidas e enumeradas nas várias alíneas do n.º 1 do art. 1200.º do Código de Processo Civil - que no Código português corresponde ao art. 1096.º - “não respeitam senão à regularidade da decisão e do processo de que ela constitui o último termo”3.
Já existe, no entanto, revisão de mérito, de aplicação do direito, numa situação específica: quando a decisão tiver sido proferida contra residente de Macau, este pode impugnar o pedido de reconhecimento de sentença do exterior com fundamento em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se tivesse sido aplicado o direito material de Macau, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos de Macau (n.º 2 do art. 1202.º do Código de Processo Civil).
…
7. A prova dos requisitos do art. 1200.º do Código de Processo Civil
Vejamos, então, o que dispõe o art. 1200.º do Código de Processo Civil:
“Artigo 1200.º
(Requisitos necessários para a confirmação)
1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser”.
Se fosse apenas este o preceito do Código de Processo Civil a ter em conta para resolver a questão em apreço, teria o recorrente, possivelmente, razão na sua tese, já que, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, a prova dos factos constitutivos do direito alegado cabe àquele que invocar o direito (art. 335.º, n.º 1 do Código Civil).
Mas há que considerar ainda outro preceito, do Código de Processo Civil, que já vem, aliás, do Código de 1939, e que é o art. 1204.º:
“Artigo 1204.°
(Actividade oficiosa do tribunal)
O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200.°, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
O Código de 1961 continha um preceito semelhante a este (o art. 1101.º) e o mesmo acontecia no Código de 1939 (o art. 1105.º), com uma diferença respeitante à revisão de mérito, a que há pouco se fez referência, mas irrelevante na matéria que nos ocupa.
Pois bem, o art. 1200.º contém seis requisitos necessários para a confirmação da decisão proferida por tribunal do exterior. Mas o art. 1204.º faz uma nítida distinção entre os requisitos das alíneas a) e f) do n.º 1 do art. 1200.º (respectivamente, que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão e que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública) – impondo a sua verificação oficiosa pelo tribunal – e os restantes requisitos do art. 1200.º - entre os quais os dois que estão em causa, a propósito dos quais o tribunal só deve negar oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum desses requisitos.
Foi por causa desta distinção que a doutrina começou a defender que o requerente está dispensado da prova directa destes quatro requisitos, que se devem presumir verificados. Assim é que ALBERTO DOS REIS4 defendeu o seguinte na vigência do Código de 1939:
“Desde que o tribunal só deve negar oficiosamente a confirmação quando o exame do processo ou o conhecimento derivado do exercício da função o convencer de que falta algum dos requisitos exigidos nos n.os 2.º, 3.º, 4.º e 5.º do art. 1102.º, segue-se que, não se verificando os casos apontados, presume-se que esses requisitos concorrem; entendida assim a disposição, é claro que o requerente está dispensado de fazer a prova positiva e directa dos requisitos indicados”.
Também FERRER CORREIA5, na vigência do Código de 1961, se pronunciou em idêntico sentido:
“36. 2.º - Trânsito em julgado. – O segundo requisito de confirmação é o que consta do art. 1096.º, al. b): “Para que a sentença seja confirmada é necessário que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida”.
Para que a sentença possa ser confirmada é necessário, portanto, que seja uma sentença definitiva, uma sentença da qual não caiba recurso ordinário, segundo a lei do tribunal de origem.
Mas será necessário que a parte interessada faça a prova do trânsito em julgado?
O tribunal só negará oficiosamente a confirmação se pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções apurar que falta o requisito da alínea b), ou seja, se apurar que a sentença ainda não transitou em julgado.
...
O simples facto de não constar do processo a prova de que a sentença transitou em julgado não é, pois, suficiente para o tribunal recusar a confirmação. Em tal hipótese, há-de o tribunal presumir que o trânsito em julgado ocorreu”.
O mesmo autor, nas recentes lições do ano 20006, mantém o mesmo entendimento:
“O simples facto de não constar do processo a prova do trânsito em julgado não constitui impedimento à confirmação; tal impedimento existirá, contudo, se o tribunal, por conhecimento derivado do exercício das suas funções, chegar à conclusão de que no caso vertente esse requisito falta. É esta a solução mais consentânea com o preceito do art. 1101.º”.
Também RODRIGUES BASTOS 7 se pronuncia no mesmo sentido.
E da mesma opinião é a restante doutrina internacional privatista.
Assim, MARQUES DOS SANTOS 8abonando o entendimento de Alberto dos Reis e Ferrer Correia, já mencionados, escreve:
“Tal doutrina parece-nos ser aceitável, na medida em que se entenda que, só por si, a não existência, no processo, de prova de que a sentença estrangeira transitou em julgado não é bastante para ser recusada a confirmação, podendo, porém, esta vir a ser negada sem que a parte contrária tenha de provar que não houve trânsito em julgado, desde que o tribunal português de revisão, por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta o requisito da alínea b) do artigo 1096.º do Código”.
LUÍS DE LIMA PINHEIRO9 emitiu idêntica opinião.
Em contrário só se conhece a doutrina de MACHADO VILELA10, expressa na vigência do Código de Processo Civil de 1876, para quem deve ser o requerente a provar todos os requisitos de confirmação de sentença estrangeira. Mas neste Código (arts. 1087.º a 1091.º) não havia preceito semelhante ao actual art. 1204.º, pelo que se aceita que, nesse caso, valessem as regras gerais do ónus da prova. Não é o caso do direito vigente, como já se disse”.
Em conclusão, é de sufragar o entendimento tomado pelo nosso anterior Acórdão, na sequência da jurisprudência do Tribunal Superior de Justiça (expressa, por exemplo, no Acórdão de 25 de Fevereiro de 1998, no Processo n.º 78611) e abonado pela doutrina, de que se devem considerar verificados os requisitos das alíneas b), c), d) e) do n.º 1 do art. 1200.º, na falta de prova em contrário, por parte do requerido, sem prejuízo de o tribunal dever negar a confirmação quando pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções apure que falta algum deles».
4. Caso julgado material
Como dissemos, a requerida alega que a sentença não constitui caso julgado material, por não ter conhecido do mérito da acção. E que no direito norte-americano a prescrição não é um instituto de direito substantivo, como no direito de Macau ou Portugal, mas de direito processual, que não impede a propositura de outra acção no mesmo tribunal ou noutro.
Mas, como demonstra o Parecer do Professor DÁRIO MOURA VICENTE, junto aos autos, a sentença revidenda constitui caso julgado material:
«a) Em primeiro lugar, é isso o que resulta da própria sentença revidenda.
Lê-se, com efeito, na decisão proferida pelo United States District Court of Nevada de 16 de Agosto de 2007, que a sentença proferida pelo United States Court of Appeals for the Ninth Circuit em 10 de Abril de 2009 confirmou parcialmente:
«It is hereby ordered that the Plaintiff's Complaint be dismissed on the merits and with prejudice. This is a final order for purposes of appeal.»
Ou seja:
«Determina-se por este meio que a Pretensão da Autora seja julgada improcedente quanto ao mérito e com prejuízo. A presente decisão é final para efeitos de recurso.»
…
A sentença do Tribunal de Apelação do 9.° Circuito não modificou a decisão apelada quanto ao alcance do juízo de improcedência da acção proferido pelo Tribunal de 1ª Instância, tendo-se assim consolidado, nesta parte, a dismissal on the merits and with prejudice anteriormente proferida por este Tribunal.
Ora, o sentido de uma dismissal on the merits and with prejudice acha-se perfeitamente definido no Direito norte-americano. Respigamos aqui algumas definições jurisprudenciais e doutrinais desse conceito:
«As a general precept of law, a "dismissal with prejudice" normally bars further litigation by the same claimant for the same claim […]. Normally, a dismissal with prejudice is an adjudication on the merits. As such it is entitled to finality so as to further the underlying policy of res judicata, namely, the refusal of the law to tolerate needless litigation. A dismissal with prejudice thus is not only a bar to those issues adjudicated, but also to those issues that should have been litigated.»12 13
«Dismissal with prejudice [is] usually considered an adjudication upon the merits and will operate as a bar to future action.»14 15
«Dismissal with prejudice. A dismissal with prejudice is a judgment rendered in a lawsuit on its merits that prevents the plaintiff from bringing the same lawsuit against the same defendant in the future. It is a harsh remedy that has the effect of canceling the action so that it can never again be commenced. A dismissal with prejudice is Res Judicata as to every issue litigated in the action. »16 17
«Dismissal with prejudice is a final judgment and the case becomes res judicata on the claims that were or could have been brought in it; dismissal without prejudice is not […] A civil matter which is "dismissed with prejudice" is over forever. This is a final judgment, not subject to further action, which bars the plaintiff from bringing any other lawsuit based on the claim. The dismissal itself may be appealed. It is done when the judge determines that the plaintiff has brought the case in bad faith, has failed to bring the case in a reasonable time, has failed to comply with court procedures, or on the merits after hearing the arguments in court. »18 19
«A dismissal with prejudice is dismissal of a case on merits after adjudication. The plaintiff is barred from bringing an action on the same claim. Dismissal with prejudice is a final judgment and the case becomes res judicata on the claims that were or could have been brought in it.» 20 21
A dismissal on the merits with prejudice das pretensões da AASD, decretada pelo tribunal de l.a instância e confirmada pelo tribunal de apelação na sentença revidenda nestes autos, é assim uma decisão de improcedência da acção, que preclude a propositura de uma acção idêntica no mesmo ou noutro tribunal. Tornou, por isso, imodificável a sentença que a decretou.
A dita dismissal é pois, sem margem para dúvidas, uma decisão que produz o efeito de caso julgado material visado no art. 1200.°, n.º 1, alínea b), do CPC de Macau, devendo por isso considerar-se preenchido, no caso vertente, este requisito da confirmação da sentença estrangeira.
b) É esta, de resto, a solução reclamada pelo Direito vigente no Nevada. Com efeito, de acordo com a secção 41 (b) das Nevada Rules of Civil Procedure:
«Unless the court in its order for dismissal otherwise specifies, a dismissal under this subdivision and any dismissal not provided for in this rule, other than a dismissal for lack of jurisdiction, for improper venue, or for failure to join a party under Rule 19, operates as an adjudication upon the merits.» 22 23
No mesmo sentido, dispõe a regra 41 (b) das Federal Rules of Civil Procedure, que regem as acções cíveis nos Federal District Courts:
«Unless the dismissal order states otherwise, a dismissal under this subdivision (b) and any dismissal not under this rule - except one for lack of jurisdiction, improper venue, or failure to join a party under Rule 19 - operates as an adjudication on the merits.» 24 25
Ou seja, uma decisão de improcedência da acção é em princípio, quer segundo o Direito Processual Civil do Estado do Nevada, quer segundo o Direito federal norte-americano, uma decisão de mérito, que impede a repetição da causa no mesmo ou noutro tribunal.
O que bem se compreende à luz da política, prosseguida nos Estados Unidos da América em geral e no Nevada em particular, de promoção da economia processual e de prevenção do risco de decisões contraditórias inerente à multiplicação de processos atinentes ao mesmo litígio; outro tanto se dirá, tendo em conta a necessidade de evitar as vantagens injustificadas que um litigante menos escrupuloso pode extrair da propositura das mesmas acções em diferentes foros (forum shopping)26.
A decisão revidenda constitui, assim, caso julgado material, quer à luz do seu próprio dispositivo, quer por força das disposições legais do Nevada e do Direito Federal norte-americano que lhe são aplicáveis».
Também o Parecer do Professor JEFFREY W. STEMPEL é categórico: “Nos termos da Lei do Nevada, resulta claro que o indeferimento com base em prescrição tem o efeito de adjudicação sobre o mérito e tem efeito preclusivo”.
Improcede, assim, a questão suscitada pela recorrente.
5. Decisão proferida contra residente de Macau ou contra pessoa colectiva com sede efectiva em Macau
Trata-se de saber se o acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 do artigo 1202.º do Código de Processo Civil, onde se dispõe:
“Se a decisão tiver sido proferida contra residente de Macau, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se tivesse sido aplicado o direito material de Macau, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as normas de conflitos de Macau”.
Sub-questões, eventualmente, a abordar:
- Se a norma se aplica a pessoa colectiva que tenha sede em Macau;
- Se a decisão foi proferida contra a requerida;
- Se o resultado da acção teria sido mais favorável à requerida se tivesse sido aplicado o direito material de Macau, e se seria este o aplicável, segundo as normas de conflitos de Macau;
- Se a requerida violou os princípios da boa-fé e abuso de direito (venire contra factum proprium), ao invocar em sua defesa o disposto no n.º 2 do artigo 1202.º do Código de Processo Civil, por ter sido ela quem intentou a acção onde foi proferida a sentença a rever.
Comecemos pela primeira sub-questão.
Como se sabe, o fundamento de impugnação em apreço constitui uma das duas situações, no nosso direito, em que a revisão e confirmação de sentença do exterior não é formal, mas incide sobre o mérito da causa [a outra é a do n.º 1 do artigo 1202.º, na pare em que remete para o artigo 653.º, alínea c) do Código de Processo Civil].
Na mencionada situação, em acção no exterior em que o residente de Macau ficou vencido, e em que não foi aplicado o direito material de Macau, mas em que este seria aplicável, segundo as normas de conflitos de Macau, o tribunal de Macau onde é pedida a revisão e confirmação, apura se o resultado da acção teria sido mais favorável ao residente se tivesse sido aplicado o direito material de Macau. Se concluir positivamente, nega a revisão.
O âmbito subjectivo da letra da norma são os residentes de Macau. Não as pessoas que residam em Macau, mas os residentes de Macau, com o sentido que a expressão tem no artigo 24.º da Lei Básica e também na alínea b) do artigo 15.º do Código de Processo Civil27. Quer isto dizer que os residentes de Macau até podem não residir efectivamente em Macau.
Ao contrário, por exemplo, na alínea a) do artigo 17.º do mesmo diploma, prevê-se a atribuição de competência aos tribunais de Macau quando o réu resida em Macau, ainda que não seja residente de Macau, para efeitos da Lei Básica28. Por exemplo, um trabalhador não-residente.
Pretende a recorrente que, onde se diz residente de Macau, devem considerar-se abrangidas, igualmente, as pessoas colectivas com sede em Macau.
Vejamos se é assim.
Na vigência do Código de Processo Civil português de 1961, na redacção anterior a 1996, que vigorou, também, em Macau, até 1999, para que a sentença estrangeira pudesse ser confirmada era necessário, além do mais “que tendo sido proferida contra português, não ofenda as disposições do direito privado português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as regras de conflitos do direito português” [alínea d) do artigo 1096.º].
Uma das questões discutidas foi a de saber se este preceito se aplicava às pessoas colectivas de nacionalidade portuguesa.
Na Reforma portuguesa de 1995/96, do Código de Processo Civil, a norma passou a ser fundamento de impugnação do requerido, com a seguinte redacção (artigo 1100.º, n.º 2):
“2. Se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa”.
O preceito passou, então, expressamente a aplicar-se também às pessoas colectivas de nacionalidade portuguesa, o que anteriormente era duvidoso, embora a maioria da doutrina se inclinasse no sentido positivo.
Como é sabido, o Código de Processo Civil de Macau, de 1999, inspirou-se no Código português de 1961, na versão da Reforma de 1995/96.
A norma do Código de Processo Civil português, em que legislador de Macau se inspirou (artigo 1100.º, n.º 2), fala em pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa.
Ora, a norma de Macau apenas refere residente de Macau, que é na Região Administrativa Especial de Macau o elemento correspondente à nacionalidade.
Face à Lei Básica, só as pessoas singulares podem ser residentes de Macau. As pessoas colectivas não gozam do estatuto de residente.
A favor da tese de que as pessoas colectivas com sede em Macau não gozam do privilégio concedido pelo n.º 2 do artigo 1202.º do Código de Processo Civil, pode invocar-se o elemento literal do preceito e defender que, sendo o legislador de Macau conhecedor da norma portuguesa onde se inspirou, e não tendo incluindo no seu âmbito as pessoas colectivas com sede em Macau, quis que a mesma não se aplicasse a estas pessoas.
Mas não tem necessariamente de ser assim.
Em sentido contrário, afigura-se-nos que o legislador do Código de Processo Civil de Macau apenas se preocupou na adaptação directa do privilégio da nacionalidade constante do Código português ao instituto de Macau correspondente àquele, que é o da residência, previsto na Lei Básica. Não teve, assim, intenção de excluir as pessoas colectivas com sede em Macau do âmbito do preceito.
E, em boa verdade, não há nenhuma razão para que só em relação às pessoas singulares de Macau se proceda à mencionada protecção. Também as pessoas colectivas com sede em Macau merecem a mesma protecção.
Por outro lado, no n.º 2 do artigo 1202.º do Código de Processo Civil de Macau, também está em causa um regime de protecção do direito de Macau, quer material, quer conflitual29. Ora, este aplica-se tanto às pessoas singulares como às pessoas colectivas.
Em conclusão, entende-se que as pessoas colectivas com sede em Macau também gozam do privilégio concedido pelo n.º 2 do artigo 1202.º do Código de Processo Civil.
Mas serão todas as pessoas colectivas com sede em Macau?
Nesta matéria terá de se aplicar o critério de conexão que corresponde à residência, no que toca ao estatuto das pessoas colectivas, em termos de direito de conflitos de Macau. E esse é o da “sede principal e efectiva da sua administração” (artigo 31.º, n.º 1, do Código Civil).
Para o Direito Internacional Privado de Macau, tal como para o direito português, a sede da pessoa colectiva é a sede principal e efectiva da sua administração, “não uma simples sede estatutária que não seja a sede efectiva”.30
A sede principal e efectiva da administração das pessoas colectivas é, como explica LUÍS DE LIMA PINHEIRO31, o lugar onde normalmente, se forma a vontade dos órgãos de direcção, o lugar onde se reúnem os administradores e onde as assembleias de membros são realizadas. A menos que estejam em causa grupos de sociedades; neste caso, a sede da administração é “o lugar onde as decisões fundamentais da direcção são convertidas em actos de administração corrente”, o lugar onde a sociedade tem o centro principal da sua direcção e da gestão dos seus negócios, mesmo se as decisões que aí são tomadas obedecem a directivas emanadas de accionistas que residam noutro lugar, como se expressa o artigo 5.º da Resolução, do Instituto de Direito Internacional, sobre as sociedades anónimas, citado pelo mesmo autor.
Pois bem, na sua impugnação a requerida nunca alegou factos donde decorresse qual a sede principal e efectiva da sua administração. Apenas alegou que a sua sede estatutária era em Macau.
O ónus da alegação e prova de tais factos cabia à requerida, como requisito de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 1202.º do Código de Processo Civil.
Não o tendo feito, cai pela base a pretensão da requerida de ver apreciado o mérito da decisão revidenda, com fundamento na mencionada norma.
Improcede o recurso.
Está prejudicado o conhecimento das outras questões e sub-questões.
III – Decisão
Face ao expendido, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
Macau, 6 de Maio de 2015.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
1 FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, I, Coimbra, Almedina, 2000, p. 454 e Lições de Direito Internacional Privado, Aditamentos, Coimbra, lições policopiadas, 1973, p. 4.
2 Nesta matéria seguimos o texto de ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, Revisão e confirmação de sentenças estrangeiras no novo Código de Processo Civil de 1997 (alterações ao regime anterior), em Estudos de Direito Internacional Privado e de Direito Processual Civil Internacional, Coimbra, Almedina, 1998, p. 310 e seg. e em Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 107 e seg.
3 FERRER CORREIA, Lições..., p. 466.
4 ALBERTO DOS REIS, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 1982, reimpressão, p. 163.
5 FERRER CORREIA, Lições... Aditamentos, p. 105 e 106.
6 FERRER CORREIA, Lições..., p. 477.
7 J. RODRIGUES BASTOS, Notas..., Volume IV, 2.ª ed., 2005, p. 256.
8 ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, Revisão..., em Estudos..., p. 324 e em Aspectos ..., p. 119.
9 LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, Volume III, Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, Coimbra, Almedina, 2002, p. 364 e 365.
10 MACHADO VILELA, Tratado Elementar (Teórico e Prático) de Direito Internacional Privado, Livro I, Coimbra, Coimbra editora, 1921, p. 666 e 667.
11 Tribunal Superior de Justiça de Macau, Jurisprudência, 1998, I Tomo, p. 118.
12 Cfr. International Philantropic Hospital v. The United States, United States Court of Claims, 621 F.2d 402 (1980).
13 Tradução: Como um princípio geral de Direito, “improcedência com caso julgado material” normalmente impede a propositura de novas acções pelo mesmo autor com a mesma pretensão […]. Normalmente, improcedência com caso julgado material é uma decisão quanto ao mérito. Como tal, ela tem carácter definitivo, para dar corpo à política subjacente ao caso julgado, isto é, a lei recusa-se a tolerar litígios desnecessários. Portanto, improcedência com caso julgado material preclude não só as questões já decididas, como também as questões que poderiam ter sido suscitadas.
14 Cfr. Steven H. Gifis, Law Dictionary, 5.a ed., Nova Iorque, 2003.
15 Tradução: Improcedência com caso julgado material [é] normalmente considerada como uma decisão sobre o mérito e funcionará como um impedimento a acções futuras.
16 Cfr. http://legal-dictionary.thefreedictionary.com/dismissal.
17 Tradução: Improcedência com caso julgado material. Uma sentença de improcedência com caso julgado material é uma decisão proferida numa acção judicial sobre o seu mérito, que impede o autor de intentar a mesma acção contra o mesmo réu no futuro. Trata-se de uma solução severa que tem por efeito anular a acção de tal maneira que a mesma jamais possa ser iniciada. A improcedência com caso julgado material é caso julgado para toda e qualquer questão litigada na acção.
18 Cfr. http://en.wikipedia.org/wiki/Prejudice_(legal_procedure).
19 Tradução: Improcedência com caso julgado material é uma decisão final e forma caso julgado quanto às pretensões que foram ou poderiam ter sido formuladas no processo; já não é assim com improcedência com caso julgado material [...] Uma matéria civil que é “julgada improcedente com caso julgado material” fica definitivamente resolvida. Trata-se de uma decisão final, que não está sujeita a mais acções, ficando o autor impedido de intentar qualquer outra acção judicial baseada na mesma pretensão. A sentença de improcedência em si pode ser alvo de recurso, quando o juiz decide que o autor intentou a acção com má fé, ou não conseguiu intentar a acção num prazo razoável, ou não agiu em conformidade com os procedimentos dos tribunais, ou sobre o mérito depois de ouvir os argumentos em audiência.
20 Cfr. http://definitions.uslegal.com/d/dismissed-with-prejudice.
21 Tradução: Improcedência com caso julgado material é uma decisão de improcedência da acção quanto ao mérito após julgamento. Fica o autor impedido de intentar uma acção com a mesma pretensão. Improcedência com caso julgado material é uma decisão final e forma caso julgado quanto às pretensões que foram ou poderiam ter sido formuladas no processo.
22 Cfr. http://www.leg.state.nv.us/courtrules/nrcp.htrnl.
23 Tradução: Salvo se o tribunal na sua decisão declarar o contrário, a improcedência prevista nesta subdivisão e qualquer outra não prevista nesta norma, que não seja a improcedência por falta de jurisdição, por incompetência do tribunal em razão do lugar, ou por falta de intervenção de alguma parte segundo o artigo 19.º, funciona como uma decisão quanto ao mérito.
24 Cfr. http://www.law.comell.edulrules/frcp/rule_41.
25 Tradução: Salvo se a decisão declarar o contrário, uma decisão de improcedência prevista nesta subdivisão b) e qualquer outra não prevista nesta norma – excepto a improcedência por falta de jurisdição, por incompetência do tribunal em razão do lugar, ou por falta de intervenção de alguma parte segundo o artigo 19.º – funciona como uma decisão quanto ao mérito.
26 Veja-se, neste sentido, o parecer do Professor JEFFREY W. STEMPEL, junto aos autos, p.20.
27 “Os tribunais de Macau são competentes quando se verifique alguma das seguintes circunstâncias:
…
b) Ser réu um não residente e autor um residente, desde que, se idêntica acção fosse proposta pelo réu nos tribunais do local da sua residência, o autor pudesse ser aí demandado;
…”
28 “Sem prejuízo da competência que resulte do disposto no artigo 15.º, os tribunais de Macau são competentes para apreciar as acções não previstas no artigo anterior ou em disposições especiais, quando:
a) O réu tenha domicílio ou residência em Macau;
…”
29 ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras no Novo Código de Processo Civil de 1997 (Alterações do Regime Anterior), em Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, p. 144 e 145.
30 JOÃO BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, Coimbra, Almedina, 3.ª edição, 1992, p. 344.
31 LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, Coimbra, Almedina, 2.ª edição, 2002, p. 81 e 82.
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