Processo n.º 514/2014 Data do acórdão: 2015-4-16 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– revogação da suspensão da pena
– prática de novo crime
– art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O
Tendo o recorrente voltado a cometer novo crime doloso pelo qual veio a ser efectivamente condenado, e chegado até a cumprir pena efectiva de prisão num anterior processo, é de revogar-lhe a suspensão da pena de prisão sob a égide do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 514/2014
(Recurso em processo penal)
Condenado recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fls. 78v a 79 dos autos de Processo Sumário n.o CR4-13-0145-PSM do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da pena de seis meses de prisão, veio o arguido condenado A, já melhor identificado nesses autos subjacentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a manutenção da suspensão da execução da pena com prorrogação do período de suspensão, através da motivação apresentada a fls. 89 a 99 dos presentes autos correspondentes, na qual, em essência, alegou, para sustentar a sua pretensão, que:
– a revogação da suspensão da pena de prisão à luz do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP não é automática, mas sim exige que o tribunal verifique que o arguido, com a nova condenação, revelou um incumprimento grave das expectativas que o tribunal nele havia depositado, aquando da decisão pela suspensão da execução da pena então aplicada;
– tendo em conta a cronologia dos factos, verifica-se que os últimos factos penalmente puníveis ocorreram no dia 13 de Setembro de 2013, e que o arguido esteve internado voluntariamente em centro que o tratou da sua dependência de drogas, e está curado;
– o Tribunal a quo, não obstante ter recebido como boa a conclusão formulada nos autos de que “o arguido tem uma personalidade boa e uma boa relação social; que cumpriu as regras do Centro e que pode acabar o curso a que se sujeitou voluntariamente”, entende que, pelo facto de o arguido “não ser primário e ter cometido factos ilícitos três dias após a data da decisão da suspensão da pena anterior, tal revela que os fins da prevenção criminal não foram alcançados”, o que significa que o Tribunal a quo não teve a menor consideração pela situação de facto do arguido antes e depois do consumo de drogas, já que se o arguido está aparentemente curado ou, pelo menos, em vias disso, afigura-se-lhe que o Tribunal a quo poderia ter avaliado que a sua actual situação diverge bem daqueloutra à data da perpetração dos crimes em apreço;
– mais valeria, pois, que o Tribunal a quo tivesse prorrogado o período de suspensão inicialmente imposto, o que resultaria de uma aplicação do art.º 53.º, alínea d), do CP, em linha, aliás, da jurisprudência recente do TSI, no Processo n.º 112/2014.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 101 a 102v, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 111 a 112v, pugnando pela prorrogação da suspensão da pena, por um período não inferior a um ano.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença do Primeiro de Agosto de 2013, proferida a fls. 32 a 34 dos subjacentes autos de Processo Sumário n.o CR4-13-0145-PSM do 4.o Juízo Criminal do TJB, e já transitada em julgado em 10 de Setembro de 2013, o arguido ora recorrente ficou condenado, pela prática, em autoria material, de um crime consumado de condução sob influência de estupefaciente, p. e p. pelo art.º 90.º, n.º 2, da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, sob condição de sujeição ao tratamento da sua toxicodependência a ser arranjado pelo Instituto de Acção Social, e condenado também na pena acessória de interdição de condução pelo período de um ano e seis meses;
– Segundo a matéria de facto descrita como provada nessa sentença, o recorrente já não é delinquente primário: em 10 de Junho de 2010, no Processo n.º CR3-09-0259-PCC, ficou condenado pela prática de um crime de detenção de estupefaciente para consumo, em quarenta e cinco dias de prisão, suspensa na sua execução por dois anos, com regime de prova e obrigação de sujeição ao tratamento de toxicodependência, suspensão de execução da pena essa que veio a ser revogada devido ao incumprimento das condições da suspensão, tendo o recorrente cumprido então a pena efectiva de prisão, com libertação ocorrida em 31 de Agosto de 2012;
– O recorrente, perante o fracasso das duas fases anteriores do tratamento da sua toxicodependência (por ter tido reacção positiva à Ketamina em diversos testes de urina), entrou em 13 de Janeiro de 2014, sob estímulo dos seus familiares, no Centro Desafio Jovem de Coloane, para receber o tratamento de toxicodependência em regime de internamento por um período de seis meses (cfr. o teor do relatório de avaliação periódica elaborado em 15 de Maio de 2014 pelo pessoal técnico do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça, a fls. 56 a 57 dos autos, e os documentos anexos a fls. 58 a 59);
– Em 23 de Maio de 2014, veio junta (a fls. 62 a 67 dos autos) a cópia da sentença proferida em 29 de Abril de 2014 no seio do Processo Comum Singular n.º CR2-14-0061-PCS do 2.º Juízo Criminal do TJB, com trânsito em julgado em 19 de Maio de 2014, segundo a qual o mesmo arguido ficou aí condenado, pela prática em 13 de Setembro de 2013, em autoria material, de um crime consumado de condução durante o período de interdição de condução, p. e p. pelo art.º 92.º, n.º 1, da Lei do Trânsito Rodoviário, na pena de nove meses de prisão (suspensa na sua execução por dois anos e seis meses com regime de prova) e com cassação da carta de condução;
– Na sequência disso, a M.ma Juíza actualmente titular dos subjacentes autos ouviu a própria pessoa do recorrente em 10 de Junho de 2014 (cfr. o auto lavrado a fls. 77 e seguintes), em cuja sede uma testemunha vinda do Centro Desafio Jovem declarou que o recorrente tinha personalidade boa e que em relação ao mesmo, depois de ingressado voluntariamente em 13 de Janeiro de 2014 no Centro para participar num curso de meio ano de tratamento da toxicodependência, não havia nenhuma situação detectada de irregularidade, pelo que tinha confiança em que o mesmo conseguiria acabar com sucesso o curso;
– Entretanto, a M.ma Juíza acabou por decidir, através do despacho proferido a fls. 78v a 79 (cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais), em revogar a suspensão da pena de seis meses de prisão do recorrente, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP, tendo a M.ma Juíza chegado a referir nesse despacho que “… apesar de o condenado já ter ingressado voluntariamente no centro de tratamento de toxicodependência para receber o curso de tratamento e ter sentido profundamente o arrepedimento”.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Por outro lado, cabe observar que do teor da fundamentação do ora recorrido despacho revogatório da suspensão da pena de prisão, não resulta que a M.ma Juíza autora do mesmo tenha chegado a receber como boa a conclusão, então declarada pela acima referida testemunha vinda do Centro Desafio Jovem, de que o recorrente tinha uma personalidade boa, com cumprimento das regras do Centro, com capacidade para acabar aí o curso de tratamento de toxicodependência.
O recorrente, para ver julgado procedente o seu pedido de prorrogação do período inicial de suspensão da execução da pena de prisão, focou muito a sua argumentação do recurso na questão do seu ingresso voluntário no Centro Desafio Jovem, tendo afirmado que ele “está curado”, ou pelo menos “está aparentemente curado” ou em vias disso.
Contudo, entende o presente Tribunal ad quem que há que louvar o entendimento da M.ma Juíza a quo, não obstante não ser automática a revogação da pena suspensa à luz da lei vigente: na verdade, tendo o recorrente voltado a cometer novo crime doloso (o de condução no período de interdição de condução) em 13 de Setembro de 2013 (pelo qual veio a ser efectivamente condenado no Processo n.º CR2-14-0061-PCS), apesar de ter sido presencialmente condenado no dia 1 de Agosto de 2013 nos subjacentes autos n.º CR4-13-0145-PSM (com decisão condenatória transitada em julgado em 10 de Setembro de 2013) em pena de prisão suspensa e com pena acessória de interdição de condução, e de ter chegado até a cumprir pena efectiva de prisão no anterior Processo n.º CR3-09-0259-PCC (na sequência da revogação da inicial suspensão da execução da pena devido ao incumprimento das condições da suspensão), já é de concluir seguramente, sob a égide do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, que os fins da prevenção criminal não puderam ser alcançadas por meio da suspensão da pena.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com três UC de taxa de justiça.
Comunique ao Processo n.º CR2-14-0061-PCS do Tribunal Judicial de Base, ao Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça e ao Instituto de Acção Social.
Macau, 16 de Abril de 2015.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 514/2014 Pág. 4/8