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Processo n.º 317/2014
(Recurso Cível)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 23/Abril/2015


ASSUNTOS:

- Bens a partilhar em inventário na sequência de acção de divórcio
- Artigo 1538º, n.º 1, b) do C. Civil
- Dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges
- Encargos normais da vida familiar
    
    
    SUMÁRIO :
    
    1. Em relação ao valor da venda de uma fracção bem comum, há que descontar o valor do sinal em tempo já recebido por ambos os cônjuges, havendo apenas que partilhar o valor sobrante.
    
    2. Se a mulher alega que foi obrigada a sair da casa de morada de família e pretende que seja relacionada metade do valor das rendas por si pagas, a título de dívida do casal, esse valor não se pode enquadrar como um encargo normal da vida familiar, para mais se aquela aceita essa situação e dela não reclama, vindo até a divorciar-se por mútuo consentimento, salvaguardando-se antes eventual configuração da situação como de dívida do ex-marido por facto ilícito, gerador de responsabilidade civil não descortinável nem compaginável com o processo de inventário.
    
              O Relator,
              João A. G. Gil de Oliveira

Processo n.º 317/2014
(Recurso Civil)
Data : 23/Abril/2015

Recorrente : A (Interessada)

Recorrido : B (cabeça-de-casal)

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A, mais bem identificada nos autos, vem recorrer da forma como foi fixada a relação de bens, relativamente a duas verbas, em processo de inventário para partilha de bens de casal na sequência de uma acção de divórcio.
    Para tanto, alega, em síntese conclusiva:
    
    1. Em fls. 102 a 103 dos autos, face à relação de bens, o Tribunal a quo proferiu decisões.
    2. Inconformada com as referidas alíneas 1) e 3) das decisões, a recorrente apresentou as seguintes alegações do recurso:
    3. Quanto ao valor da rubrica 1 do activo a dividir:
    4. A única rubrica discriminada na relação de bens: MOP1.547.250,00---valor do preço da venda da fracção autónoma “C4”, destinada à finalidade residencial, sita no 4º andar do “Edifício XX”, na Rua dos Colonos n.ºs XX, em Macau, cuja entrada do edifício é situada na Rua dos Colonos n.º XX.
    5. Todavia, o montante supracitado é o valor total percebido pela venda do imóvel em causa. O valor correcto do activo a dividir é a diferença entre o valor total supramencionado e o valor do sinal recebido comummente em 25 de Janeiro de 2013 pela recorrente e cabeça-de-casal, no montante de HKD200.000,00 (vide contrato-promessa de compra e venda de imóvel e recibo do sinal apresentados pelo cabeça-de-casal, constantes de fls. 10 e 11 dos autos, dos quais, o recibo do sinal, constante de fls. 11 dos autos, foi assinado por B e A), e as demais despesas, o que perfaz a importância de HKD1.170.000,00 que correspondem a MOP1.203.930,00, valor esse é justamente a quantia depositada na conta de poupança de Dólares de Hong Kong n.º 21-11-10-370096 do Banco da China, Sucursal de Macau.
    6. A aludida importância, no valor de HKD1.170.000,00, foi depositada, de uma só vez, na dita conta bancária em 25 de Fevereiro de 2013.
    7. Ora, o valor do único activo a dividir, discriminado na relação de bens, deve ser HKD1.170.000,00 que correspondem a MOP1.203.930,00.
    8. A sentença recorrida determinou o valor da rubrica 1 do activo em MOP1.547.250,00, já que considerou que “não se verifica oposição entre as partes sobre o valor total do preço da venda do dito imóvel, no montante de MOP1.547.250,00”, entretanto, ignorou as provas documentais de fls. 10 e 11 dos autos, não subtraindo do valor total percebido pela venda do imóvel o valor do sinal correspondente, pelo que violou o disposto no art.º 433º do Código de Processo Civil.
    9. Quanto às despesas feitas pela recorrente, desde Agosto de 2008, com o arrendamento de residência que não seja a da família (rubrica 3 do passivo):
    10. Em Agosto de 2008, a recorrente não abandonou voluntariamente a residência da família, como alegou o cabeça-de-casal, mas sim, foi expulsa pelo mesmo, fazendo com que a requerida despendesse dinheiro dos seus bens próprios para o arrendamento de residência. Esta conduta do cabeça-de-casal violou o dever de coabitação consagrado no n.º 2 do art.º 1534º do Código Civil, desencadeando as dívidas vedadas pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 1558º do mesmo Código, pelo que tais dívidas devem ser responsabilizadas pelos ambos os cônjuges através dos bens comuns.
    11. A metade do valor das rendas pagas pela recorrente, no período compreendido entre Agosto de 2008 e 21 de Julho de 2011, pelo abandono da sua residência da família e arrendamento de outra residência, deve ser enumerada, como passivo, na relação de bens.
    12. Ademais, na reclamação da recorrente alegou-se que o cabeça-de-casal expulsou a recorrente da residência da família, fazendo com que ela andasse à procura de outra residência. Então, a recorrente era ou não expulsa da residência e tinha ou não arrendado outra casa? A audição dos amigos da recorrente é útil para esta circunstância, visto que esta diligência de prova contribui para a descoberta da verdade pelo tribunal.
    13. Nesta conformidade, o despacho recorrido violou o disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 1558º do Código Civil e no art.º 433º do Código de Processo Civil, por ter negado a enumeração da metade do valor das rendas pagas pela recorrente, no período compreendido entre Agosto de 2008 e 21 de Julho de 2011, pelo arrendamento de outra residência, na relação de bens como passivo, bem como indeferido a diligência de inquirição das testemunhas apresentadas pela recorrente.
    
     Pelo exposto, deve julgar-se procedente o recurso interposto, anulando as decisões das alíneas 1) e 3) do Tribunal a quo, constantes de fls. 102 a 103 dos autos.
    
    B, mais bem identificado, nos autos, contra-alega, dizendo:
    1. A Recorrente A vem recorrer da douta decisão de fls. 102 e 103, restringindo o objecto do seu recurso às questões relacionadas nas alíneas 1) e 3) daquela douta decisão.
    2. Na alínea 1) foi decidido que "Sobre a reclamação, o 1.° item, a fracção foi comprada no período do casamento - art. 1583.°, al. b) CCM. Venderam a mesma pelo montante de MOP$ 1,547.250,00. Não há qualquer reclamação quanto a este valor. O valor a considerar é de MOP$1,547.250,00" e na alínea 3) foi decidido quanto ao "Item n.° 3 da reclamação, o facto do divórcio, só desde Junho de 2011 até Dezembro de 2012, a Sra. A saiu de casa e arrendou outra casa. Esse crédito não cabe no artigo 1558.° do Código Civil, não é crédito do casal. O Sr. Juiz decide cancelar o item e não autoriza os documentos fls. 60." (nossa tradução).
    3. O Recorrido considera que a douta decisão não merece qualquer reparo no seu todo, não tendo razão a recorrente A quanto aos fundamentos que alega, nos pontos n.ºs 1 e 2 suas alegações, na parte a que diz respeito às referidas alíneas 1) e 3), uma vez que,
    4. Quanto à questão da alínea 1), a Recorrente A não se opôs a que a fracção autónoma designada por "4.°", andar "C" (4樓C座), para habitação, sita em Macau, em 澳門XX XX大廈 descrita na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob o n.º XX, do Livro XX, inscrita na matriz predial sob o n.º XX, fosse vendida pelo preço de HKD$1,500,000.00, a que correspondente a quantia de MOP$1,547,250.00 (um milhão, quinhentas e quarenta e sete mil, duzentas e cinquenta patacas).
    5. No entanto, a Recorrente vem alegar que o montante a partilhar deve ser apenas de MOP$1,203,930.00 (correspondente a HKD$1,170,000.00), mas, não justifica o motivo da alegada diferença de montantes, isto é, entre o valor da venda, e o montante agora por ela alegado para partilhar.
    6. Assim, a douta decisão recorrida na parte em que diz respeito à matéria da alínea 1), em obediência ao disposto no artigo 1583.°, al. b) do Código Civil de Macau, não merece qualquer censura.
    E do mesmo modo,
    7. Quanto à questão da alínea 3), também a Recorrente não tem razão no que alega, não se esquecendo o facto, de que foi a Recorrente, por sua própria iniciativa, na constância do matrimónio com o ora Recorrido, quem abandonou a casa de morada de família, nunca tendo requerido ao Tribunal, que a mesma, na pendência da respectiva acção de divórcio (nos termos do artigo 1648.º do Código Civil), lhe fosse atribuída.
    Antes,
    8. A Recorrente, celebrou um contrato de arrendamento de habitação, por sua própria vontade, bem sabendo que essa casa não poderia servir de casa de morada de família, e assim, trata-se de uma divida da exclusiva responsabilidade da Recorrente, nos termos do artigo 1559.°, 1561.°, n.º 2, P parte, todos do Código Civil, e, assim,
    9. De tudo o que foi exposto, o recurso deve ser considerado improcedente, devendo ser mantida a douta decisão recorrida no sentido de que o montante a partilhar deve ser unicamente o montante de MOP$1,547,250.00 (um milhão, quinhentas e quarenta e sete mil, duzentas e cinquenta patacas), mantendo-se também o decidido na alínea 3).
    Nestes termos devem as presentes alegações de resposta serem aceites e o recurso apresentado pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente e, em consequência, seja confirmada a douta decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA.
    Termos em que,
    Requer a concessão de apoio judiciário na modalidade de isenção total de preparos e custas, para além dos honorários de patrocínio.
    
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II – Despacho recorrido
    É do seguinte teor o despacho recorrido:
    
     “Nesta acção de inventário, na conferência declarativa de cabeça-de-casal realizada em 13 de Setembro de 2013, o cabeça-de-casal, B, apresentou a única rubrica discriminada na “relação de bens”, ou seja, o valor de MOP1.547.250,00, “proveniente da venda da fracção autónoma “C4”, destinada à finalidade residencial, sita no 4º andar do “Edifício XX”, na Rua dos Colonos n.ºs XX e Travessa dos Colonos n.º XX, em Macau, cuja entrada do edifício é situada na Rua dos Colonos n.º XX” (vide fls. 48 e 48v. dos autos).
      Face a essa relação de bens, a requerida, A, deduziu reclamação, apontando que devia proceder-se a seguintes rectificações e adesões de bens na “relação de bens”:
     
1) Rubrica 1 do activo: o valor correcto deve ser a diferença entre o valor obtido com a venda da aludida fracção autónoma e o valor do sinal pago (sic) através do bem comum do casal, no montante de HKD200.000,00, e as demais despesas com a aquisição do imóvel, o que perfaz a importância de MOP1.203.930,00, mas não a quantia de MOP1.547.250,00, apresentada pelo cabeça-de-casal;
      2) Rubrica 2 do passivo: a metade do valor total de rendas obtidas pelo cabeça-de-casal com a locação da aludida fracção autónoma, referente ao período de Agosto de 2008 a Dezembro de 2012;
      3) Rubrica 3 do passivo: a metade do valor total de rendas pagas pela requerida para o arrendamento de residência, por ser expulsa pelo cabeça-de-casal da referida fracção (residência da família), referente ao período de Agosto de 2008 a Dezembro de 2012;
      4) Rubrica 4 do passivo: a metade dos valores dos honorários advocatórios e das custas processuais emergentes da acção de divórcio entre a requerida e o cabeça-de-casal.
      *
     Pelas informações constantes dos autos, a ora requerida e o cabeça-de-casal, ambos de nacionalidade chinesa, celebraram o casamento em 9 de Setembro de 1985, no Interior da China, mas, tal casamento não foi registado em Macau. Em 21 de Julho de 2011, eles intentaram a acção de divórcio litigioso, porém, em 29 de Novembro de 2012, acordaram em passar do divórcio litigioso para o divórcio por mútuo consentimento, sendo declarada a dissolução do casamento na mesma data.
      *
     No que concerne ao regime de bens do casamento aplicável aos referidos cônjuges na constância do matrimónio, vê-se que o casamento dos mesmos foi celebrado em 1985, no Interior da China, portanto, nos termos do n.º 1 do art.º 31º e n.º 1 do art.º 53º do Código Civil de 1966 de Portugal, cuja sua aplicação era, na altura, extensiva a Macau, na falta de convenção, o regime de bens dos cônjuges na constância do matrimónio é definido pela lei da nacionalidade, ou seja, nesta ocasião, a lei da República Popular da China, bem como o regime de bens de cônjuges, previsto na Lei do Casamento da República Popular da China, vigente em 1981, é semelhante ao teor do regime de bens do casamento supletivo, previsto nos artigos 1721º a 1731º do Código Civil de Portugal que era, na altura, aplicável a Macau, ou seja, o “Regime da comunhão de adquiridos”, no qual são considerados bens comuns do casal aqueles que sejam adquiridos na constância do matrimónio, pelo que aos aludidos cônjuges é aplicável o “Regime da comunhão de adquiridos”.
     A partir da vigência do Código Civil de Macau em 1999, ao abrigo da disposição transitória vedada pelo art.º 31º do Decreto-Lei n.º 39/99/M que aprova o referido Código, se aos cônjuges for aplicável o “Regime da comunhão de adquiridos”, os bens deles serão dispostos em conformidade com o vigente “Regime da comunhão de adquiridos”, consagrado no Código Civil de 1999 de Macau.
     Assim sendo, in casu, na falta de informações que se revele a existência de qualquer convenção antenupcial, aos bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio são aplicáveis as correspondentes disposições do Código Civil vigente em Macau, respeitantes ao “Regime da comunhão de adquiridos”.
      *
      Visando resolver-se o litígio resultante da “relação de bens” elaborada nesta acção de inventário, é de salientar que:
     
      1) Nos termos do art.º 1603º do Código Civil de Macau, relativamente ao “Regime da comunhão de adquiridos”, salvo disposição em contrário na lei, são comuns os bens que sejam adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, pelo que, ao apresentar o “passivo” na “relação de bens” elaborada no inventário, deve enumerar-se as dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges, mas não as dívidas existentes entre os cônjuges;
      2) Além do mais, nos termos do art.º 1644º do Código Civil de Macau, os efeitos do divórcio retrotraem-se à data da proposição do processo quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges. Se a falta de coabitação entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio se retrotraiam à data, que a sentença do divórcio deve fixar, em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro;
      3) Sub judice, o cabeça-de-casal e a requerida intentaram, em 21 de Julho de 2011, a acção de divórcio litigioso, bem como não se indicou na sentença de divórcio, de 29 de Novembro de 2012, a data da cessação da coabitação entre os mesmos, pelo que os efeitos patrimoniais do divórcio só se retrotraem ao dia 21 de Julho de 2011, mas não a uma data mais anterior. No inventário, não faz sentido nenhum ao discutir sobre a questão de créditos e débitos feitos pelos cônjuges, na constância do matrimónio, antes da data de 21 de Julho de 2011, uma vez que todos os bens deles eram comuns naquele momento;
      *
      Nesta conformidade, face aos activo e passivo discriminados na reclamação deduzida pela requerida, cumpre especificar:
     
      1) Quanto à rubrica 1 do activo constante da reclamação, tendo em conta que o bem imóvel em causa faz parte do bem previsto na alínea b) do art.º 1583º do Código Civil de Macau, por ser adquirido na constância do matrimónio, além disso, não se verifica oposição entre as partes sobre o valor total do preço da venda do dito imóvel, no montante de MOP1.547.250,00, por conseguinte, este Juízo decide manter o preço do bem mencionado pelo cabeça-de-casal, no valor de MOP1.547.250,00;
      2) Quanto à rubrica 2 do passivo constante da reclamação, é indispensável indicar que, em primeiro lugar, os efeitos do divórcio só se retrotraem ao dia 21 de Julho de 2011, mas não ao mês de Agosto de 2008, como foi referido pela requerida; em segundo lugar, os frutos derivados, no período compreendido entre Julho de 2011 e Dezembro de 2012, do arrendamento do bem imóvel dos cônjuges na constância do matrimónio são patrimónios comuns do activo, mas não do passivo; em terceiro lugar, será que a renda a dividir, surgida no período acima referido, é percebida só pelo cabeça-de-casal? Quanto a esta questão, com a excepção do contrato de arrendamento assinado e entregue pela requerida (vide fls. 61 dos autos) e da contestação elaborada pelo cabeça-de-casal, referente à locação comum do imóvel dos ambos os cônjuges por quatro meses e à divisão equitativa das respectivas rendas feita entre as partes (vide fls. 97 dos autos), já não há mais outra prova relevante. Atendendo ao factor de que o assunto em apreço é complexo e pode causar redução das garantias das partes, este Juízo considera que é inconveniente resolver o assunto em forma de incidente do processo de inventário, pelo que, nos termos do n.º 1 do art.º 987º e n.º 2 do art.º 971º do Código de Processo Civil de Macau, com a manutenção do direito de agir adequadamente, determina a exclusão da rubrica supracitada da relação de bens e indefere a diligência de prova deduzida pela requerida em fls. 60 dos autos;
      3) Quanto à rubrica 3 do passivo constante da reclamação, além da supracitada questão que também se trata da data retroactiva dos efeitos do divórcio, no período compreendido entre Julho de 2011 e Dezembro de 2012, a requerida abandonou a fracção habitacional em causa e arrendou outra residência, portanto, conforme a declaração da requerida e a contestação do cabeça-de-casal, as dívidas resultantes do arrendamento efectuado naquele período não fazem parte das dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges, indicadas no art.º 1558º do Código Civil de Macau, por consequência, este Juízo determina a exclusão da rubrica supracitada da relação de bens e indefere a diligência de prova deduzida pela requerida em fls. 60 dos autos;
      4) Quanto à rubrica 4 do passivo constante da reclamação, tendo em conta que as despesas pagas pela requerida no processo de divórcio não são dívidas que responsabilizem ambos os cônjuges na constância do matrimónio, este Juízo determina a exclusão da rubrica supracitada.
      *
     Por força do n.º 5 do art.º 986º do Código de Processo Civil de Macau, decreta-se a nova elaboração da “relação de bens” em conformidade com o teor do despacho.
      *
     Notifique e diligências necessárias.”
    
    III – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa apenas pelo apuramento do valor das verbas n.º 1 e n.º 3.
    2. Quanto à verba n.º 1
    Afigura-se que a recorrente tem razão, pois, não obstante a casa ter sido vendida pelo preço de MOP1.547.250,00, esse valor corresponde ao valor total da venda, importando levar em conta com o dinheiro do sinal que foi recebido por ambos os cônjuges, conforme documentação que se mostra junta aos autos.
Na verdade, em 25 de Janeiro de 2013 pela recorrente e cabeça-de-casal, foi recebido o montante de HKD200.000,00 (vide contrato-promessa de compra e venda de imóvel e recibo do sinal apresentados pelo cabeça-de-casal, constantes de fls. 10 e 11 dos autos, dos quais, o recibo do sinal, constante de fls. 11 dos autos, foi assinado por B e A), e as demais despesas, o que perfaz a importância de HKD1.170.000,00 que correspondem a MOP1.203.930,00, valor esse é justamente a quantia depositada na conta de poupança de Dólares de Hong Kong n.º 21-11-10-370096 do Banco da China, Sucursal de Macau.
A aludida importância, no valor de HKD1.170.000,00, foi depositada, de uma só vez, na dita conta bancária em 25 de Fevereiro de 2013, devendo ser esse o valor do único activo a dividir, a descriminar, a que correspondem MOP1.203.930,00.

     3. Quanto à verba n.º 3
     Já aqui a razão não assiste à recorrente.
     Vale aqui a posição assumida pelo Mmo Juiz: “Quanto à rubrica 3 do passivo constante da reclamação, além da supracitada questão que também se trata da data retroactiva dos efeitos do divórcio, no período compreendido entre Julho de 2011 e Dezembro de 2012, a requerida abandonou a fracção habitacional em causa e arrendou outra residência, portanto, conforme a declaração da requerida e a contestação do cabeça-de-casal, as dívidas resultantes do arrendamento efectuado naquele período não fazem parte das dívidas que responsabilizam ambos os cônjuges, indicadas no art.º 1558º do Código Civil de Macau, por consequência, este Juízo determina a exclusão da rubrica supracitada da relação de bens e indefere a diligência de prova deduzida pela requerida em fls. 60 dos autos.”
    
    Vem a recorrente dizer que, em Agosto de 2008, não abandonou voluntariamente a residência da família, como alegou o cabeça-de-casal, mas sim, foi expulsa pelo mesmo, fazendo com que despendesse dinheiro dos seus bens próprios para o arrendamento de residência. Esta conduta do cabeça-de-casal violou o dever de coabitação consagrado no n.º 2 do art.º 1534º do Código Civil, desencadeando as dívidas vedadas pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 1558º do mesmo Código, pelo que, por tais dívidas, devem ser responsabilizados ambos os cônjuges através dos bens comuns, pelo que metade do valor das rendas pagas pela recorrente, no período compreendido entre Agosto de 2008 e 21 de Julho de 2011, pelo abandono da sua residência da família e arrendamento de outra residência, deve ser descrita, como passivo, na relação de bens.
    
    Pensamos que a situação não se enquadra na al. b) do n.º 1 do art. 1558º do CC. Essa despesa não se pode considerar um encargo normal da vida familiar, antes se afigura como um encargo anormal e que contraria até a vida comum do casal, dela se aparta, e se a recorrente a tanto foi obrigada, como diz, não se percebe a consensualidade com que pôs termo ao casamento, tendo desprezado uma eventual violação dos deveres conjugais por parte do marido. Mas, mesmo entendendo que o facto de se divorciar por mútuo consentimento nada tem que ver com a responsabilidade pelas despesas a que se viu obrigada, sempre fica por explicar por que razão só agora as reclama ou porque pactuou com essa alegada “imposição”, abrindo mão da casa de morada de família a que tinha direito.
    Para além de que, no limite, o direito que teria seria o valor a metade do valor arrendatício de metade da casa de morada de família, usufruída na totalidade pelo marido, e isto depois do divórcio, retroagindo os efeitos deste ao início da propositura da acção, não vindo comprovado quando cessou a coabitação.
    Quanto muito, estaremos perante uma eventual situação geradora de responsabilidade civil e que, como tal, deve ser configurada e tratada, se se verificarem os respectivos pressupostos, o que nada tem a ver com uma dívida de despesas do casal, com os encargos da vida familiar, não se compaginando a sua abordagem incidental em sede de inventário para partilha de bens do casal e só em acção própria pelos meios comuns devendo ser tratada.
    
    Em suma, se a recorrente alega que foi obrigada a sair da casa de morada de família e pretende que seja relacionada metade do valor das rendas por si pagas, a título de dívida do casal, esse valor não se pode enquadrar como um encargo normal da vida familiar, para mais se aquela aceita essa situação e dela não reclama, vindo até a divorciar-se por mútuo consentimento, salvaguardando-se antes eventual configuração da situação como de dívida do ex-marido por facto ilícito, gerador de responsabilidade civil não descortinável nem compaginável com o processo de inventário.
    Tudo visto e ponderado, resta decidir, concluindo-se apenas pela procedência do primeiro dos pedidos
    
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso, determinando-se que o valor da verba n.º 1 da descrição de bens seja o activo no valor de MOP1.203.930,00, no mais se confirmando o despacho recorrido.
    Custas pela recorrente e pelo recorrido na proporção dos decaimentos.
Macau, 23 de Abril de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho (vencido, conforme declaração que anexa)


Proc. nº 317/2014

Voto de Vencido

Com o devido respeito, não acompanho a solução que fez vencimento no presente aresto, pelas seguintes razões.
Tal como decorre do Ac. do TSI de 31/07/2014 (Proc. nº 107/2013), a despesa decorrente das rendas em virtude de um contrato de arrendamento celebrado por um dos cônjuges na sequência de uma separação de facto, porque assumida no seio de um casamento ainda não dissolvido, é da responsabilidade de ambos, na medida em que continua a comungar da noção de “encargo normal da vida familiar” (nesse sentido, ainda, a doutrina citada no referido acórdão).
Independentemente disso, e mesmo que a tese do acórdão acolha a ideia de que só a saída “forçada”, em consequência de expulsão da casa de morada de família de um dos membros do casal pelo outro, permitiria a comunicabilidade dessa despesa, então deveria ter sido dada a possibilidade às partes de fazerem a respectiva prova – uma vez que essa matéria foi objecto de alegação e estava controvertida nos autos – ou no próprio inventário, ou em processo autónomo através dos meios comuns (arts. 971º, nº2 e 987º, do CPC), suspendendo-se o curso normal do inventário para partilha para o efeito (art. 970º, do CPC), o que este tribunal de recurso deveria ter determinado.
TSI, 23 de Abril de 2015

___________________
José Cândido de Pinho
    
317/2014 20/20