Reclamação nº 3/2015/R
No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº LB1-12-0112-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a sentença julgando parcialmente procedente a acção.
A Ré, B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, inconformada com o decidido na sentença, veio recorrer da mesma sentença mediante o requerimento motivado que deu entrada por fax no Tribunal a quo em 10SET2014, em que foi pedida, inter alia, a alteração da decisão de facto mediante a reapreciação da prova gravada.
Por despacho datado de 20JUN2014, o Tribunal a quo não admitiu o recurso com fundamento na extemporaneidade.
E porque o recurso lhe não foi admitido, veio formular a presente reclamação mediante o requerimento datado de 04NOV2014, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido*.
Devidamente autuada a reclamação, o Exmº Juiz a quo proferiu o despacho mantendo a não admissão do recurso por razões já expostas no despacho ora reclamado.
II - Fundamentação
De acordo com os elementos existentes nos autos, é tida assente a seguinte matéria de facto com relevância à boa decisão da presente reclamação:
* A, trabalhador não residente, intentou a acção de processo do trabalho, registada sob o nº LB1-12-0112-LAC, que corre os seus termos no Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, pedindo a condenação da sua ex-entidade patronal B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada a pagar-lhe as diferenças salariais, os subsídios de alimentação, de efectividade e a compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal em falta;
* Por sentença proferida em 08JUL2014, foi a acção julgada parcialmente procedente e condenada a Ré a pagar ao Autor a quantia de MOP$377.546,84, acrescida dos juros de mora, à taxa legal a contar da data da sentença até ao efectivo e integral pagamento;
* Da sentença foi notificada a Ré por carta registada expedida em 18JUL2014;
* Inconformada com a sentença, veio a Ré interpor dela recurso ordinário mediante o requerimento motivado enviado por fax à secretaria do TJB em 10SET2014;
* Por despacho do Exmº Juiz a quo, o recurso não foi admitido por ser extemporâneo;
* Desse despacho que não admitiu o recurso, foi notificada a Ré por carta registada expedida em 20OUT2014; e
* Inconformada com a não admissão do seu recurso, veio a Ré formular a presente reclamação mediante o requerimento datado de 04NOV2014.
Passemos então a apreciar a reclamação.
O despacho reclamado tem a seguinte redacção:
Nos termos dos art. 1°, art. 111°, n. 1°, art. 115°, n. 1° do CPT e art. 613°, n. 6° do CPC, o prazo de recurso é, por regra, de 10 dias, e, havendo reapreciação da prova gravada, acrescido de 10 dias. Salvo melhor opinião, tendo intenção de interpor recurso com a reapreciação da prova gravada, devem as partes, conforme o princípio de boa fé, previsto no art. 9º do CPC, aplicável ex vi do art. 1° do CPT, exprimir essa vontade dentro do prazo normal, isto é, 10 dias, sob pena de se considerar o eventual recurso como fora de prazo.
Como a recorrente só exprimiu, através do requerimento de facultar cópia do registo sonoro da audiência de discussão e julgamento, a intenção de interpor recurso com a reapreciação da prova gravada fora do prazo normal, bem como os 3 dias úteis de multa que correm também nas férias judiciais de Verão, o prazo de interpor o eventual recurso é sempre de 10 dias, já expirado. Assim, não pode deixar de ser extemporâneo o referido recurso nos termos do art. 111°, n 1° do CPT.
Pelo que, nos termos do art. 594°, n. 1° do CPC, ex vi do art. 115°, n. 1 ° do CPT, não admito o recurso interposto pela Ré-recorrente.
Custas pela Ré-recorrente.
Notifique.
Ora, a única questão levantada pela reclamante é saber se o recurso foi interposto fora do prazo.
Está em causa uma questão que se prende com a tempestividade de recurso no âmbito do processo de trabalho, regulado pelo Código de Processo do Trabalho (CPT).
Por norma remissiva do artº 1º do CPT, o processo do trabalho é regulado pelo presente Código e, subsidiariamente, pelo disposto na legislação relativa à organização judiciária e na legislação processual comum civil ou penal que se harmonize com o processo do trabalho.
E na matéria de recurso, o próprio CPT estabelece normas próprias nos seus artºs 110º e s.s., sem prejuízo da aplicação subsidiária da lei processual comum – artº 115º/1 do CPT.
De acordo com o disposto nas normas próprias do CPT reguladoras da matéria de recursos no âmbito de processo de trabalho, verificamos logo que o recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a contar da data de notificação da decisão recorrida e que o requerimento de interposição de recurso e a alegação constituem uma peça única, ou seja, é no próprio requerimento de interposição que deve incluir-se a alegação – artº 111º/1 e 5 do CPT.
Ao passo que na lei processual civil, quer o prazo quer a tramitação apresentam-se algo diversos.
No processo civil, o recurso interpõe-se por meio de um simples requerimento onde o recorrente se limita a manifestar a vontade de recorrer e especificar a decisão ou a parte da decisão impugnada.
Sobre o requerimento recai um despacho a proferir pelo juiz a quo, que pode ser o de admissão do recurso ou o de não admissão do recurso.
No caso da admissão do recurso, o recorrente deve alegar por escrito no prazo de 30 dias, a contar da notificação do despacho que admite o recurso. E se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, é acrescido de 10 dias o prazo para a apresentação das alegações – artº 613º/2 e 6 do CPC.
Todavia, inexiste dentre as normas reguladoras da matéria de recurso constantes do CPT um normativo igual ou semelhante ao desse artº 613º/6 do CPC que estabelece um prazo de adicional de 10 dias.
Assim, torna-se necessário apurar se se aplica, subsidiariamente, aos recursos no processo de trabalho o artº 613º/6 do CPC, ou se o CPT é auto-suficiente, ou seja, estabelece já exaustivamente o regime próprio e suficiente para regular toda a matéria do recurso ordinário, nomeadamente no que diz respeito ao prazo e à forma para a interposição do recurso.
Ora, como se sabe, quando impugne a decisão de facto mediante a reapreciação da prova gravada, ao recorrente cabe o ónus de satisfazer, sob pena de rejeição do recurso, o exigido nos artºs 599º/1-b) e 2 e 629º/1-a) do CPC, à luz dos quais o recorrente deve especificar quais os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios que impunham, sobre esses pontos da matéria de facto, decisão diversa da recorrida e indicar as passagens da gravação em que se funda quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação da prova tenham sido gravados.
Por natureza das coisas, o cumprimento do tal ónus não se trata de uma tarefa simples.
É preciso portanto que faculte ao recorrente um maior prazo para as alegações.
Justamente por isso, o prazo adicional de 10 dias é estabelecido para que o recorrente dispunha de um prazo razoável para o cumprimento do tal ónus da especificação e da indicação.
Ora, a lei processual laboral nada diz quanto à reapreciação da prova gravada.
Mas é sempre legalmente possível o pedido da alteração da matéria de facto, pois como se sabe, em regra, quando funciona como tribunal de recurso, o TSI conhece de facto e de direito – artº 39º da LBOJM.
Não se vê, portanto, razão para não permitir a impugnação da matéria de facto nos recurso laborais interpostos para o TSI.
Assim, se se justificar o alargamento do prazo para a apresentação das alegações no processo civil quando o recorrente pretender solicitar a reapreciação da prova gravada, justifica-se igualmente, ou até a fortiori o mesmo nos recursos laborais cuja interposição deve ser feita no prazo muito mais encurtado e onde se exige a apresentação imediata das alegações.
Cremos portanto que se aplica subsidiariamente aos recursos laborais o disposto no artº 613º/6 do CPC, à luz do qual se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, é acrescido de 10 dias o prazo para a sua interposição.
Como no processo laboral só existe um único prazo para manifestar a vontade de recorrer, especificar a decisão ou a parte da decisão impugnada e apresentar alegações, este prazo adicional de 10 dias não pode senão ser aditado ao prazo normal de 10 dias, tornando-o num prazo único de 20 dias.
Na esteira desse raciocínio, se o recorrente pretender impugnar a matéria de facto e para o efeito requerer reapreciação da prova gravada, ele dispõe de um prazo único de 20 dias para manifestar a vontade de recorrer, especificar a decisão ou a parte da decisão impugnada, incluindo a especificação e indicação dos elementos nos termos prescritos no artº 599º/1-b) e 2 do CPC.
Não faz assim sentido exigir ao recorrente a manifestação da vontade de impugnar a matéria de facto mediante a reapreciação da prova gravada, nos primeiros 10 dias, para beneficiar do prazo adicional de 10 dias, nos termos permitidos no artº 613º/6 do CPC, que por razões supra, se aplica subsidiariamente aos recursos laborais.
Pois em lado algum a lei exige que o alargamento do prazo por mais de 10 dias seja precedido da prévia manifestação da intenção de atacar a matéria de facto mediante a reapreciação da prova gravada.
Assim, a tempestividade do recurso interposto fora do prazo normal de 10 dias e antes do termo do prazo de 20 dias ou do prazo alargado mediante o pagamento da multa nos termos autorizados no artº 95º/4, 5 e 6 do CPC dependerá apenas da efectiva impugnação da matéria de facto mediante a reapreciação da prova gravada, e não também da prévia manifestação, nos primeiros 10 dias do prazo de 20 dias, da intenção de atacar a decisão de facto mediante a reapreciação da prova gravada.
In casu, não se integrando a presente acção em qualquer das acções qualificadas como urgentes pelo artº 5º do CPT, os seus actos processuais só se praticam nos dias úteis e fora do período das férias dos tribunais.
Não sendo o acto de interposição de recurso ordinário considerado acto que se destine a evitar dano irreparável, o prazo para a interposição do recurso suspende-se nas férias judiciais – artº 93º/2 do CPC.
In casu, considerando que a sentença foi notificada à Ré por carta registada expedida em 18JUL2014 e tendo a Ré impugnado a matéria de facto e para o efeito requerido a reapreciação da prova gravada, o prazo único de 20 dias para a interposição do recurso da sentença recorrida termina em 10SET2014 – artºs 93º e 201º/2 do CPC.
Tendo sido interposto mediante o requerimento motivado enviado por fax à secretaria do TJB em 10SET2014, o recurso, cuja não admissão originou a presente reclamação, não pode deixar de ser tempestivamente interposto e portanto deve ser admitido, caso nenhum outro motivo o impeça.
Limitando-se o recorrente a exercer o direito de recorrer dentro do prazo de que dispõe, naturalmente não estão postas em causa as regras da boa-fé, cuja violação constitui fundamento do despacho ora reclamado.
Chegando à conclusão pela tempestividade do recurso, fica logo prejudicado o conhecimento das restantes questões, colocadas a título subsidiário pela reclamante.
Tudo visto, resta decidir.
Nestes termos expostos e sem necessidade de mais considerações, ordeno que, caso nenhum outro motivo impeça, seja admitido o recurso interposto pela Ré B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada mediante o requerimento motivado que deu entrada no Tribunal a quo por fax em 10SET2014.
Sem custas.
Cumpra o disposto no artº 597º/4 do CPC, ex vi do artº 1º do CPT.
RAEM, 27MAR2015
O presidente do TSI
Lai Kin Hong
* B (Macau) Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, R. nos autos em epígrafe, em que é A. A, tendo sido notificada do despacho de fls. 1085 e 1086, que que não admitiu o seu recurso de 1012 e seguintes, e não se conformando com o mesmo,
vem, ao abrigo do disposto no art. 595º e seguintes do CPC, dele deduzir RECLAMACÃO
para o Venerando Senhor Presidente do Tribunal de Segunda Instância,
nos termos e pelos fundamentos seguintes:
Vem a presente deduzida do despaho que não admitiu, por extemporâneo, o recurso de fls. 1012 e seguintes, interposto pela ora reclamante da douta sentença proferida nos autos.
Na base da decisão reclamada esteve o entendimento de que, nos termos do princípio da boa fé - art. 9º do Código de Processo Civil ("CPC") - a reclamante deveria ter exprimido nos autos a sua intenção de recorrer com reapreciação de prova gravada dentro do prazo dito "normal" de dez dias, sob pena de o eventual recurso ser considerado extemporâneo.
Mais se entendeu no despacho reclamado que a reclamante não exprimiu tal intenção naquele prazo nem dentro dos "3 dias de muIta", que se considerou que "correm também nas férias judicias de Verão",
E que, em virtude dessa omissão, "o prazo de interpor o eventual recurso é sempre de 10 dias, já expirado ".
Ora, não pode a reclamante conformar-se com semelhante entendimento, pelos motivos que exporá em seguida:
Enquadramento legal
Dispõe o art. 111° do Código de Processo do Trabalho ("CPT") que "O recurso deve ser interposto no prazo de 10 dias a contar da data da notificação da decisão de que se recorre" (n° 1) e que "Com o requerimento de interposição do recurso, deve o recorrente juntar as suas alegações" (n° 5).
É entendimento pacífico que ao processo do trabalho é subsidiariamente aplicável o prazo adicional de dez dias prescrito no art. 613°, n° 5 do CPC, segundo o qual "Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores" (entenda-se, os prazos para oferecimento das alegações de recurso, resposta às mesmas e resposta ao requerimento de ampliação do objecto do recurso, quando a ela haja lugar).
Neste sentido, a decisão do Tribunal de Última Instância no seu douto acórdão de 16.04.2008 (Proc. n° 6/2008, disponível em www.court.gov.mo).
Assim, pela aplicação subsidiária daquele n° 5 do art. 613° do CPC ao processo do trabalho, resulta que, tendo o recurso por objecto a reapreciação da prova gravada, é acrescido de dez dias o prazo de interposição de recurso e simultâneo oferecimento das respectivas alegações previsto no n° 1 do art. 111° do CPT,
Daqui resultando um prazo único e contínuo de vinte dias para a prática do acto processual em causa.
Mesmo que assim não se entendesse - considerando-se existirem dois prazos sucessivos de dez dias cada -, do mesmo modo teria que concluir-se que esses dois prazos distintos haveriam de ser contados como um só, conclusão que facilmente se extrai do disposto no art. 94°, n° 1 do CPC quanto à continuidade dos prazos, e também no art. 98° quanto à contagem de prazos sucessivos de natureza diferente - regra que, por maioria de razão, haverá de aplicar-se de igual modo a prazos sucessivos de natureza idêntica.
Qualquer que seja o ângulo de análise, a conclusão não difere: a parte que recorra com reapreciação de prova gravada em matéria laboral pode interpor o seu recurso e oferecer a sua alegação no prazo de vinte dias contados da notificação da decisão recorrida.
Em corolário do que vem sendo dito, concluir-se-á que, em bom rigor, a lei estabelece dois prazos de recurso em processo do trabalho:
(i) Vinte dias, para os recursos pelos quais se pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto por meio de reapreciação de prova gravada; e
(ii) Dez dias, para os recursos de cujo objecto não faça parte tal impugnação.
Ora, como é bom de ver, a parte vencida é livre de seleccionar o meio recursório com que pretende reagir à decisão e de se prevalecer na íntegra do prazo legalmente fixado para esse meio,
Tanto mais que, como se constata pela análise supra, em matéria recursória, nem o regime especial do processo do trabalho, nem o regime geral do processo civil, subsidiariamente aplicável àquele, contêm qualquer norma que obrigue a parte que pretenda recorrer com reapreciação da prova gravada a dar qualquer pré-aviso de que tenciona interpor um tal recurso.
De facto, uma tal norma não existe no recurso em matéria civil, no qual se estabelece uma cisão entre o momento da interposição do recurso e o do oferecimento da respectiva alegação,
E não existe também no recurso em matéria laboral, no qual a interposição e a alegação do recurso são actos a praticar em simultâneo.
Neste contexto, será de interesse atentar na lição de Abrantes Geraldes (in "Recursos em Processo Civil - Novo Regime", 2ª edição, Almedina, 2008, págg. 122) a respeito do regime de recursos em processo civil introduzido em Portugal em 2008, o qual, como é sabido, introduziu um mecanismo de interposição e simultânea alegação (também com prazo alargado em caso de pedido de reapreciação de prova gravada) semelhante ao que vigora em Macau nos recursos em processo do trabalho:
"Pretendendo o recorrente impugnar a decisão da matéria de facto com invocação de meios de prova que tenham sido gravados, resulta do n° 7 um acréscimo de 10 dias ao prazo geral fixado para apresentação das alegações e das contra-alegações.
No âmbito do sistema anterior, em que na fase de recurso a apresentação das alegações era posterior ao despacho de admissão do requerimento de recurso, chegou a defender-se que o recorrente apenas beneficiaria deste prazo adicional se no requerimento de interposição de recurso anunciasse a sua intenção de impugnar a matéria de facto com base em depoimentos gravados.
Tal solução, de duvidoso apoio legal, está agora irremediavelmente arredada. Uma vez que a interposição do recurso coincide com a apresentação das alegações e inexistindo norma que vincule o recorrente a anunciar previamente a intenção de interpor recurso ou de o delimitar, mais não resta do que aguardar pelo decurso do prazo adicional, pois que, até ao último dia, será legítimo ao recorrente exercer o seu direito." (destaque nosso)
Tratamento jurisprudencial
O entendimento de que nenhum pré-aviso de recurso é exigível na circunstância em apreço tem sido repetidamente acolhido, nas suas diversas vertentes, por decisões de Tribunais superiores de Portugal,
Citando-se, a título meramente exemplificativo, as seguintes:
Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto acórdão de 18.11.2008 (Proc. n° 7266/07.3TBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt):
"Dispõe o art. 698 nº 2 do CPC que o prazo para as alegações de recurso é de 30 dias contados da notificação do despacho de recebimento, podendo o recorrido responder, em idêntico prazo, contado da notificação da apresentação da alegação do apelante. Estabelece o nº 6 do art. 698 do CPC um acréscimo de 10 dias se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada. (...)
O que legitima o alargamento do prazo das alegações por dez dias, não é o anúncio, mas a circunstância do recurso interposto ter efectivamente por objecto a reapreciação da prova gravada (cf., por ex., Ac STJ de 20/4/2004, em www dgsi.pt ).
Como os apelantes pretendem a reapreciação da prova gravada, não há dúvida de que beneficiam do acréscimo de dez dias, previsto no nº 6 do art. 698 do CPC.
Discute-se, porém, se se trata de um único prazo (tese do tribunal a quo) ou se são dois prazos distintos (tese dos agravantes), sendo este o verdadeiro cerne da questão. Para os agravantes devem contar-se como dois prazos distintos ou autónomos, em virtude de o acréscimo dos dez dias se traduzir num prazo adicional, mas esta interpretação não tem consistência jurídica.
O prazo judicial ou processual é um período de tempo fixado para se produzir um determinado efeito processual, sendo estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz (art. 144 nº 1 do CPC).
O prazo para apresentação das alegações é de natureza processual, imposto por lei, peremptório e contínuo.
Quando o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, o prazo é único (40 dias), devendo contar-se de forma contínua (art. 144 nº 1 do CPC), tanto mais que o acto processual praticado pela parte é também um só, logo não faz sentido a cindibilidade de prazos.
De resto, se para a hipótese da sucessão de prazos de natureza diferente (dilatório seguido de peremptório), a lei (art. 148 do CPC) impõe que os dois prazos se contem como um só, por maioria de razão se deve entender neste caso, já que estamos perante um prazo de natureza peremptória.
No sentido de que o acréscimo de 10 dias ao prazo de 30 dias reveste a natureza de um prazo único de 40 dias para alegar, cf. Ac do STJ de 9/2/2006 (Araújo de Barros) proc. nº 05B3592, Ac RC de 24/5/2005 (Artur Dias), proc. nº1488/05, disponíveis em www dgsi.pt.
Refere-se no Ac do STJ 9/2/2006 – “Na verdade, o acréscimo de 10 dias determinado pelo nº 6 do art. 698 ao prazo de 30 dias constante do respectivo nº 2, não pode deixar de traduzir a concessão (tanto mais quanto é certo que entre o terminus dos 30 dias e o início dos acrescidos 10 não existe qualquer solução de continuidade) de um prazo único de 40 dias sempre que o apelante pretenda impugnar a decisão recorrida sobre a matéria de facto" (destaque nosso);
Tribunal da Relação de Évora, no seu douto acórdão de 26.10.2011 (Proc. n° 1472/10.0TBLGS-A.E1, disponível em www.dgsi.pt):
"Pretendendo o recorrente a reapreciação da prova gravada, em impugnação do julgamento feito quanto à matéria de facto, o recurso interposto beneficia do prazo acrescido a que alude o art. 685º, n.º 7, do CPC, não tendo o recorrente o ónus de expressar a sua intenção dentro do prazo correspondente ao recurso apenas de direito" (destaque nosso);
Tribunal da Relação do Porto, no seu douto acórdão de 09.10.2007 (Proc, n° 0751642, disponível em www.dgsi.pt):
"De acordo com o nº2, do artº. 698º «O recorrente alega por escrito no prazo de 30 dias...» e segundo o seu nº 6 «Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores».
Como é sabido, este nº 6 destina-se a facilitar o cumprimento do ónus estabelecido no arts. 690º-A.
Da simples leitura daquele nº 6, constata-se que nele não se prevê qualquer requisito (nomeadamente o de dar conta nos autos da sua pretensão de reapreciação da prova gravada) a cumprir pelo recorrente, para beneficiar do acréscimo de 10 dias, que não seja o do recurso ter por objecto a "reapreciação da prova gravada" - e como este objecto é delimitado pelas conclusões das alegações, será pelas conclusões que se aferirá se as alegações são ou não tempestivas, o que nos leva a perfilhar a tese do Recorrente, ou seja, a de que tendo havido gravação da prova e não tendo o Recorrente, no requerimento de interposição do recurso, excluído do âmbito do recurso o decidido quanto à questão de facto, então o processo não deverá ser concluso ao Mmº Juiz antes do decurso do prazo de 40 dias, contados da notificação ao recorrente do despacho que o admitiu e, apresentadas as alegações, para além dos 30 dias, das duas uma: ou o recorrente, nas conclusões, pede a reapreciação da prova gravada, como aconteceu in casu - situação em que as alegações são tempestivas - ou não pede - hipótese em que as alegações serão tidas por intempestivas e o recurso julgado deserto.
Aliás, mesmo na tese perfilhada no douto despacho recorrido, sempre as alegações teriam de ser consideradas tempestivas, e o recurso não encontrado deserto, na medida em que o ora Agravante praticou actos inequívocos da sua intenção de requerer a reapreciação da prova gravada, nomeadamente quando requereu a gravação da audiência final e quando o II. Mandatário requereu que lhe fosse facultada cópia dos registos dos depoimentos prestados em audiência de julgamento" (destaque nosso);
Tribunal da Relação do Porto, no seu douto acórdão de 22.11.2007 (Proc. n° 0735304, disponível em www.dgsi.pt):
"Sendo certo que o art. 698, n.º 2 do CPC fixa o prazo normal de 30 dias para a apresentação de alegações no recurso de apelação, constituindo excepção poder esse prazo ser acrescido de 10 dias, quando tal recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada (n.º 6, do cit. art.), já não temos como certo que decorra do normativo em referência ou daqueles que mais directamente se relacionam com a problemática em análise (v.g., arts. 684, n.º 3, 687, n.º 1 e 690-A, n.º 1, todos do CPC) a necessidade da aludida invocação no mencionado prazo, por forma a que o recorrente beneficie do falado prazo acrescido de 10 dias.
Desde logo, fazendo o cotejo dos citados arts. 684, n.º 3 e 687, n.º 1, só excepcionalmente terá o recorrente de indicar o fundamento por que pretende impugnar a decisão recorrida, pois que, não vindo indicado esse fundamento, o recurso abrange tudo o que na sua parte dispositiva for desfavorável ao impugnante. Tal fundamentação deverá sim suceder em sede alegações, quer o recurso verse sobre matéria de direito (art. 690, n.º 2, do CPC) - indicando-se as normas jurídicas violadas, a incorrecta interpretação e aplicação concedida às normas jurídicas em que se fundamentou a decisão, o erro na determinação da norma aplicável, com indicação do normativo jurídico aplicável - quer tenha em vista a impugnação da matéria de facto (art. 690-A, n.º 1, do CPC) - especificando-se os concretos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórios que impõem decisão diferente da recorrida.
Assim, temos como certo que só excepcionalmente deve o recorrente com antecipação - nomeadamente no requerimento de interposição de recurso - indicar o fundamento pelo qual pretende impugnar a decisão que lhe é desfavorável, no que estarão incluídas designadamente aquelas situações em que a faculdade de recorrer pode suceder independentemente do valor da causa e da sucumbência - v., neste aspecto, Teixeira de Sousa, in "Estudos ... ", pág. 515 e Amâncio Ferreira, in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3.º ed., págs. 142 a 143, bem assim Ribeiro Mendes, ao afirmar que "o ónus de indicação do fundamento do recurso se circunscreve àquelas decisões que, em regra, são irrecorríveis", in "Os Recursos no CPC Revisto", pág. 65. Por esta via de raciocínio, o controlo da tempestividade das alegações poderá ser feito "a posteriori", ou seja, tendo a prova sido objecto de gravação e sido interposto recurso do sentenciado, sempre o tribunal poderá averiguar se o recorrente fez ou não uso indevido dum prazo acrescido para apresentação das competentes alegações, avaliando se nestas últimas é pretendida a reapreciação da prova gravada, quanto é certo, como vimos, nas mesmas (alegações) dever o recorrente objectivar os fundamentos por que pretende impugnar a decisão recorrida.
Este entendimento, segundo cremos, tem a cobertura dos princípios da adequação formal, do aproveitamento dos actos processuais praticados pelas partes, da economia e celeridade processuais que informam o direita processual civil, sendo que a dinâmica do processo introduzida pela Reforma de 1997 importa a remoção "de todos os obstáculos injustificados à obtenção de uma decisão de fundo, que opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se assim claramente a decisão de fundo sobra a mera decisão de forma" - v. Preâmbulo do DL n.º 329-A/95 de 12.12."
E, de forma absolutamente lapidar, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, no seu acórdão de 21.04.2009 (Proc. n° 09A0680, disponível em dgsi.pt):
"7. A questão suscitada é a de saber se o recorrente que pretende impugnar a matéria de facto tem o ónus de manifestar a sua intenção de impugnar a matéria de facto antes de decorrido o prazo de 30 dias a que alude o artigo 698.º/2 do C.P.C.
8. A lei não impõe ao recorrente que pretende impugnar a matéria de facto que declare a sua intenção no momento de interposição do recurso (ver artigo 687.º/1 do C.P.C.).
9. Tão pouco se descortina norma que imponha ao recorrente declarar essa intenção em qualquer outro momento.
10. O prazo para alegar é de 30 dias, contados da notificação do despacho de recebimento do recurso, podendo o recorrido responder, em idêntico prazo, contado da notificação da apresentação da alegação do apelante (artigo 698.º/2 do C.P.C)
Se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada, são acrescidos de 10 dias os prazos referidos nos números anteriores (artigo 698.º/6 do C.P.C).
11. Temos, portanto, a considerar, para os efeitos que aqui importam, dois prazos:
- 30 dias, se o recurso não tiver por objecto a reapreciação da prova gravada
- 40 dias, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada. ( cf. Ac. do S.T.J. de 9-2-2006 - Araújo de Barros - P. 3592/2005 in www.dgsi.pt.
Estamos face a dois prazos peremptórios cujo decurso implica a extinção do direito à prática do acto (artigo 145.º/3 do C.P.C.), não existindo entre eles nenhuma relação de regra/excepção porque cada um tem o seu âmbito próprio.
12. Sucede apenas que, não existindo nenhum ónus para o recorrente declarar a sua intenção de recorrer impugnando a matéria de facto, o Tribunal terá de aguardar ou a junção de alegações ou, não sendo junta a minuta de recurso no prazo de 30 dias, o decurso do prazo de 40 dias, prevenindo o caso de entretanto ser junta minuta com a impugnação da matéria de facto.
13. Repare-se que, a existir o pretendido ónus e manifestada oportunamente a intenção de recorrer, o Tribunal sempre teria, juntas as alegações, de verificar se afinal a matéria de facto foi ou não objecto de efectiva impugnação para decidir se deve ou não deve rejeitar o recurso (artigo 690.º-A do C.P.C).
14. Quer isto dizer que afinal essa declaração de intenção serviria apenas para o Tribunal, decorridos 30 dias, poder julgar logo deserto o recurso por falta de alegações Não se vê que daí resulte qualquer vantagem relevante, podendo inclusivamente gerar-se situações de manifesta incoerência: a parte que não observasse o ónus mas que viesse no prazo de 40 dias apresentar as alegações, observando o disposto no artigo 690.º-A do C.P.C, respeitando por conseguinte o comando legal constante do artigo 698.º/6 do C.P.C, veria o recurso ser rejeitado. Por intempestividade? Como assim, se foram apresentadas alegações no prazo concedido pela lei. Por falta de alegações? Como assim, se as alegações foram apresentadas? Qual, então, o objectivo desse ónus de prévia declaração de intenção, se existisse?
15. A nosso ver, e não existindo na lei nenhuma norma a impor ao recorrente manifestar a intenção de impugnar a matéria de facto, o ponto que interessa salientar é este:
- O Tribunal deve, junta a minuta, verificar se houve ou não houve impugnação da matéria de facto com observância do disposto no artigo 690.º-A do C.P.C. É este o critério único e decisivo.
Se o aludido preceito não for observado, uma de duas:
a) ou a minuta foi apresentada no prazo de 30 dias, hipótese em que o Tribunal rejeitará o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, mas apreciá-lo-á quanto às demais questões que porventura tenham sido suscitadas;
b) ou a minuta foi apresentada entre o 30º e o 40º dias, hipótese em que o Tribunal rejeitará o recurso na totalidade.
- Não sendo apresentada a minuta de recurso no prazo de 30 dias, o Tribunal aguardará o decurso dos 40 dias e só então deve julgar deserto o recurso (artigo 291.º/2 do C.P.C)."(destaque nosso)
Putativa violação do princípio da boa fé
Como se viu supra, o entendimento do Tribunal a quo não encontra amparo no regime adjectivo dos recursos em processo laboral ou civil, tendo sido sucessivamente derrotado em decisões de Tribunais superiores de Portugal, de que os arestos citados constituem apenas alguns exemplos.
Ora, supõe-se que terá sido justamente devido à ausência de previsão adjectiva que reclame um pré-aviso de recurso que o Tribunal a quo optou por ancorar a sua decisão no princípio da boa fé previsto no art. 9° do CPC,
Considerando que tal princípio impõe que a parte que tencione interpor recurso com reapreciação da prova gravada exprima tal vontade dentro do prazo dito "normal" de dez dias.
Ora, com salvaguarda do respeito devido, a reclamante enjeita por completo o juízo de que a sua actuação processual neste caso tenha ficado aquém do padrão de conduta que lhe é exigido por lei.
O art. 9° do CPC, cuja aplicação o Tribunal recorrido convocou para o caso em apreço, estabelece, no seu n° 1, que "As partes devem agir de acordo com os ditames da boa fé".
A norma não densifica um conceito de "boa fé", mas no n° 2 do mesmo artigo o legislador fez dele um recorte pela negativa, elencando, a título exemplificativo, determinadas condutas que se considera não observarem a boa fé processual devida:
- Formulação de pedidos ilegais;
- Articulação de factos contrários à verdade;
- Requerimento de diligências meramente dilatórias; e
- Omissão da cooperação preceituada no art. 8° do CPC.
Ora, se os exemplos apontados no n° 2 do art. 9° do CPC servem para dar conta do grau de desvalor que a lei considera atentatório da boa fé processual a que as partes estão adstritas, confessa a reclamante ser com perplexidade que vê a sua actuação no caso vertente subsumida numa putativa inobservância de tal boa fé.
Na realidade, a reclamante limitou-se a fazer menção ao futuro exercício de um direito processual que indiscutivelmente lhe cabe - o de interpor e alegar, em vinte dias, um recurso de cujo objecto conste a reapreciação da prova gravada -, para enquadrar o seu pedido de que lhe fosse facultada cópia do registo sonoro da audiência;
E mais tarde, tendo constatado que possuia em seu poder aquele registo - por lhe ter sido facultado pelo Tribunal aquando da preparação de recursos anteriores, em processos cuja audiência de julgamento decorrera em simultâneo com a dos presentes autos -, a ora reclamante limitou-se a praticar aquele acto de interposição e alegação, naquele prazo de vinte dias.
A conduta processual da reclamante não causou prejuízo algum à tramitação do autos, ao Tribunal ou ao A. - o andamento dos autos não foi retardado, não deixou ser praticado qualquer acto processual, nenhum acto processual anteriormente praticado se tornou inútil, assim como a descoberta da verdade e a decisão da causa não foram embaraçadas.
Reflexamente, se a reclamante tivesse apresentado o exigido requerimento de pré-aviso dentro dos dez dias normais, não resultaria para os autos, para o Tribunal ou para o A. vantagem alguma.
Sendo que a já aludida desnecessidade do pedido do registo sonoro da audiência - visto que a reclamante até o tinha já em seu poder - deixa ver que, in casu, a reclamante poderia até limitar-se a interpor o seu recurso em vinte dias, oferecendo uma alegação preparada com base no registo da prova testemunhal que já possuia,
O que uma vez mais demonstra a desnecessidade, numa óptica de economia processual, de apresentação de qualquer declaração intercalar acerca da intenção de vir a submeter recurso com reapreciação da prova gravada.
Para uma outra demonstração da inutilidade deste pré-aviso de recurso, bastará verificar que o n° 2 do art. 82º do CPT determina que devem decorrer vinte dias desde a notificação da sentença antes que a secretaria notifique o credor para nomear bens à penhora,
O que é inteiramente coerente com o prazo de vinte dias para interposição de recurso com reapreciação da prova gravada e com a evidência de que é apenas apenas com o esgotamento desse prazo - o mais longo de entre os previstos para os meios processuais de reacção à sentença - que se produz, à luz do art. 582º do CPC, o trânsito em julgado.
Face a todo o exposto, não se vislumbra como possa erigir-se em imperativo de boa fé processual o pré-aviso, por uma parte, de que tenciona vir a interpor um recurso com determinadas características.
Mais ainda: porque tal acto seria, como se viu, de nula utilidade processual, com maior propriedade se diria, no cotejo com os princípios enformadores do direito adjectivo, que a exigência de pré-aviso é, ela sim, violadora do princípio da economia processual, entendida esta como a proibição da prática de actos inúteis (conforme art. 87º do CPC).
Seja como for, admitindo-se sem conceder que pudesse considerar-se exigível uma antecipada declaração da vontade de recorrer sobre a decisão de facto com reapreciação da prova gravada, sempre se dirá, com apelo à lição do já citado acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.10.2007, que o mero requerimento de gravação da prova testemunhal a produzir em audiência - formulado pela ora reclamante com o seu requerimento probatório -, constitui já, nos termos do art. 209º do Código Civil ("CC"), declaração tácita bastante dessa vontade,
Com que ficaria em qualquer caso satisfeita a exigência de pré-aviso de recurso tal como sufragada pelo Tribunal recorrido.
Em conclusão, o despacho reclamdo:
- Violou a norma resultante da interpretação conjugada dos arts. 111º, nºs 1 e 5 do CPT e 613°, n° 5 do CPC;
- Violou o disposto no art. 582º do CPC;
- Fez errada interpretação e aplicação do art. 9° do CPC;
- Violou o disposto do art. 87º do CPC; e
- Violou o disposto no art. 209° do CC.
Prática do acto para além do termo do prazo (art. 95°, n° 4 do CPC)
Cumpre ainda deixar algumas palavras sobre a questão da prática do acto nos termos previstos no art. 95°, n° 4 do CPC.
Trata-se, com efeito, de questão relevante in casu, na medida em que, expedida a notificação da sentença de fls. 924 em 18.07.2014, o signatário ficou dela notificado em 21.07.2014, com o que o décimo e último dia do prazo de recurso chamado "normal" foi o de 31.07.2014.
Como é sabido, o art. 95°, n° 4 do CPC autoriza a prática de actos processuais após o termo do respectivo prazo, mas dentro dos três dias úteis subsequentes a esse termo, mediante o pagamento de uma multa.
Ora, sendo certo que o último dia do prazo dito "normal" foi também o último dia antes de férias judiciais, coloca-se a questão de saber se a prática de actos processuais nos três dias úteis previstos no art. 95°, n° 4 do CPC deve ocorrer em férias,
Considerou o despacho reclamado que aqueles três dias "correm também nas férias judiciais de Verão", sendo que a reclamante não teria feito o exigido pré-aviso de recurso num desses três dias.
Ora, também aqui o Tribunal recorrido se equivoca.
Para assim concluir, bastará ter presente que, nos termos do disposto no art. 93°, n° 1 do CPC, os actos processuais são praticados nos dias úteis e fora do período de férias dos tribunais,
Impondo-se, como excepção a tal regra, as citações, notificações e os actos que se destinem a evitar dano irreparável (n° 2 do mesmo artigo).
Ora, é manifesto que um requerimento pelo qual se solicita a entrega cópia de uma gravação não constitui um acto processual destinado a evitar dano irreparável que deva, por esse motivo, ser praticado em férias judiciais,
Pelo que, sem embargo de o acto material de entrega do requerimento sub iudicio na secretaria do Tribunal ter ocorrido em 21.08.2014, o acto processual respectivo deverá ter-se por praticado na data de 01.09.2014, por ser esse o primeiro dia subsequente no qual, de acordo com o art. 93°, n° 1 do CPC, poderiam ser praticados actos processuais.
Face ao exposto, carece de suporte legal o entendimento de que os três dias úteis para prática do acto em causa após termo do prazo correram em férias e se mostravam esgotados aquando da prática efectiva do acto.
Como tal, e desde logo por decorrência da norma contida no n° 1 do art. 93° do CPC, haveria que considerar que, ainda que os três dias úteis para prática do acto houvessem transcorrido em férias, a data para a sua prática ficou diferida para o primeiro dia após as férias judiciais - porque, como se viu, é fora do período de férias que se praticam os actos processuais.
Isto dito, cumpre ainda dar um passo adiante na análise da questão.
Na realidade, decomposto o conteúdo da norma, o que resulta plasmado no n° 4 do art. 95° do CPC são dois prazos processuais em sentido próprio:
(i) Um prazo de um dia útil para a prática de acto após termo do prazo, contra pagamento de multa equivalente a um oitavo da taxa de justiça; e
(ii) Um prazo de dois dias úteis para a prática de acto, após o decurso do primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo, contra o pagamento de multa equivalente a um quarto da taxa de justiça.
Ora, diz-nos o art. 94°, n° 1 do CPC que os prazos processuais se suspendem durante as férias judiciais, salvo quando a sua duração for igual ou superior a seis meses ou se trate de actos a praticar em processo urgente.
Não sendo este o caso dos autos, haverá assim que concluir que os prazos para prática de acto processual após termo do prazo se suspenderam de imediato no dia 01.08.2014, o primeiro das férias judiciais, retomando a sua contagem em 01.09.2014,
Do que resultará que o acto em causa foi praticado pela ora reclamante dentro dos prazos previstos no n° 4 do art. 95° do CPC, ficando então a sua validade dependente do pagamento da multa aplicável.
O entendimento que vem sendo exposto foi integralmente acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, no seu douto acórdão de 05.06.2011 (Proc. n° 566/09.0TBBJA.E1-A.S1, disponível em www.dgsi.pt):
"Importa, deste modo, apreciar (...) se tal recurso foi tempestivamente interposto: no caso dos autos, tal questão prende-se exclusivamente com a contagem do prazo adicional decorrente da «prorrogação» consentida às partes pelo nº 5 do art. 145º do CPC, traduzindo-se em saber se tal prazo corre durante as férias judiciais, não sendo, deste modo, os dias de férias equiparados a «dias úteis».
Na verdade, no caso dos autos, o prazo peremptório para recorrer terminou no dia 20/12/10, sendo o último dia de funcionamento dos tribunais antes das férias de Natal (o dia 21/12) o «primeiro dia útil seguinte»: deveria o recorrente ter praticado o acto de interposição do recurso em plenas férias judiciais (ou seja, nos dias 22 ou 23 subsequentes) - sendo, consequentemente, manifestamente extemporâneo o acto de interposição do recurso apenas no dia 5/1/11 ?
Ou, pelo contrário, suspendendo-se este prazo adicional ou complementar, nos termos genericamente previstos na lei de processo (art. 144º, nº 1), durante as férias judiciais, será ainda de considerar tempestiva a prática do acto no 2º dia útil posterior ao reinício da actividade judiciária?
Note-se que, em rigor, a questão concretamente suscitada na presente reclamação envolve resposta a duas questões:
- poderia ou deveria ser praticado em férias o acto de interposição de recurso, nos termos previstos nos nºs 1 e 2 do art. 143º do CPC?
- não podendo sê-lo, suspendeu-se tal prazo adicional no decurso das férias judiciais (tidas para este efeito plenamente como «dias não úteis»), nos termos do art. 144º, nº 1 - ou, pelo contrário, correu tal prazo no decurso das férias, transferindo-se apenas o direito a praticar o acto com multa para o primeiro dia útil seguinte ao termo das férias em causa - e exaurindo-se, desse modo, irremediavelmente esse prazo adicional no próprio dia de reabertura da actividade judiciária (o dia 4 de Janeiro)?
O art. 143º, atrás citado, regula, em termos claros, a matéria da oportunidade da prática dos actos processuais, afirmando expressamente que não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais, prevendo como única excepção que poderia ser tida como convocável e aplicável ao acto de interposição de recurso os «actos que se destinem a evitar dano irreparável». Ora, não se vê como seria possível aplicar este segmento normativo a um mero acto de interposição de recurso de revista, em processo não urgente, visando tão-somente fazer reapreciar pelo STJ o sentido decisório do acórdão proferido pela Relação, sem que se veja ou seja invocada qualquer especial necessidade de tutela urgente, susceptível de preencher a parte final do nº 2 do referido art. 143º.
Não havia, deste modo, fundamento legal para o recorrente praticar o acto de interposição de recurso, mesmo ao abrigo do nº 5 do art. 145º do CPC, durante os dias que integraram as férias judiciais de Natal, por a tal se opor claramente a norma constante do art. 143º do CPC.
Resta saber se tal prazo adicional ou suplementar para a prática de actos processuais após o termo do respectivo prazo peremptório beneficia da excepção à regra da continuidade dos prazos que está prevista no art. 144º, cujo nº 1 determina que os prazos processuais (inferiores a 6 meses) se suspendem durante as férias judiciais, salvo se se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes.
Também aqui parece evidente a inviabilidade de configurar a acção de condenação em que se insere o recurso de revista como um processo «urgente» por força de lei - o que naturalmente conduz à directa aplicação do princípio da suspensão do prazo durante as férias judiciais, como sustenta a reclamante ...
Saliente-se que não vemos fundamento bastante para isentar a contagem do prazo especial do art. 145º, nº 5, da aplicação das regras gerais claramente estabelecidas pela lei de processo para todos os prazos processuais: apesar da sua natureza peculiar e especialíssima, visando facultar à parte, como contrapartida do pagamento de uma sanção processual pecuniária, o afastamento de uma preclusão que decorreria do não cumprimento de um prazo peremptório, não parece que possa deixar de aplicar-se a tal prazo adicional ou complementar o regime processual em vigor - e que, como se viu, comporta uma equiparação quase total - ressalvadas as situações excepcionalíssimas, associadas às necessidades de uma tutela urgente - das férias judiciais aos dias de encerramento dos tribunais.
Como se disse, a exposição supra quanto ao regime dos chamados dias de multa é feita por cautela de patrocínio, porquanto o firme entendimento da reclamante é o de que não estava obrigada a consignar nos autos, no prazo de dez dias, qualquer pré-aviso da sua intenção de recorrer e do fundamento desse recurso.
E por ser esse o seu entendimento, ao apresentar nos autos o requerimento mandado desentranhar pelo despacho a quo, não considerou a reclamante que estivesse a praticar acto posteriormente ao termo do respectivo prazo, razão por que não requereu a emissão de guia para pagamento da multa a que alude o n° 4 do art. 95° do CPC.
Não obstante, dispõe o n° 5 do mesmo artigo que, praticado o acto em qualquer dos três dias seguintes ao termo do prazo e não sendo paga de imediato a multa respectiva, a própria secretaria oficiosamente notificará o interessado para pagar uma multa agravada.
Como tal, ainda que se entendesse que a reclamante deveria de facto ter pré-avisado da sua intenção de recorrer sobre a matéria de facto por meio de reapreciação da prova grava, e quer se considerasse que (i) os três dias de multa haviam transcorrido em férias judiciais, diferindo-se o último dia para prática do acto para o primeiro dia após férias, ou que (ii) os dias de multa haviam ficado eles próprios, enquanto prazo processual, suspensos durante férias, apenas iniciando a sua contagem após o termo destas, o certo é que sempre a secretaria deveria ter notificado a reclamante para pagar de imediato a multa considerada em falta, tudo como dispõe o art. 95°, n° 5 do CPC.
Assim não tendo sucedido, a decisão a quo incorreu em violação do art. 95°, nºs 4 e 5 do CPC.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, ser admitido o recurso de fls. 1012 e seguintes.
Nos termos e para os efeitos do disposto no art. 596°, n° 2 do CPC, requer que a presente reclamação seja instruída com certidão das seguintes peças processuais:
- Notificação à reclamante da sentença de fls. 924 seguintes;
- Requerimento da reclamante de fls. 964;
- Despacho de fls. 965;
- Recurso da reclamante de fls. 1012 e seguintes;
- Despacho de fls. 1085 e 1086.
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Recl. 3/2015-28