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Processo n.º 496/2014 Data do acórdão: 2015-4-16 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– revogação da suspensão da pena de prisão
– prática de novo crime
– art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal
S U M Á R I O

Tendo o recorrente voltado a cometer, durante o período de suspensão da pena de prisão, o delito de consumo ilícito de estupefaciente, depois de condenado em dois processos diferentes inclusivamente pelo mesmo tipo-de-ilícito, com a agravante de não ser boa a sua postura a partir de certa altura perante o pessoal assistente social no período da suspensão da pena, é de revogar-lhe a suspensão da pena nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 496/2014
(Recurso em processo penal)
Condenado recorrente: A



ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA
REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o despacho judicial proferido a fls. 135 a 135v dos autos de Processo Comum Singular n.o CR4-13-0309-PCS do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB) que lhe revogou, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do Código Penal (CP), a suspensão da execução da pena única de nove meses de prisão, veio o arguido condenado A, já melhor identificado nesses autos subjacentes, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a manutenção da suspensão da execução da pena com prorrogação do período de suspensão, através da motivação apresentada a fls. 140 a 148 dos presentes autos correspondentes, na qual, em essência, alegou, para sustentar a sua pretensão, que:
– os maus resultados nos testes de urina foram devidos ao consumo de comprimidos comprados pelo próprio recorrente para matar insónia, causada pela preocupação com as doenças graves dos seus pais;
– a falta a alguns testes de urina foi devida às razões do trabalho como croupier no casino, com escala de turnos permanentes;
– a condenação no Processo Sumário n.º CR1-14-0086-PSM não representa necessariamente que as finalidades que estavam na base da suspensão da pena decretada nos ora subjacentes autos não puderam, por meio dela, ser alcançadas, até porque nesse novo processo foi também decretada a suspensão da pena de prisão, sendo certo que ele já estava a tratar voluntariamente das formalidades de recebimento do tratamento da toxicodependência em regime de internamento como condição da suspensão da pena desse novo processo, formalidades que ficaram, porém, suspensas por causa da audição dele no âmbito dos ora subjacentes autos penais para efeitos de decisão ou não da revogação da pena suspensa;
– o ora recorrido despacho revogatório da pena suspensa violou, assim, o disposto no art.º 54.º do CP, devendo ser revogado, com consequente prorrogação do período inicial da suspensão.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador a fls. 158 a 159v, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 176 a 177, pugnando também pela manutenção da decisão recorrida.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Com pertinência à decisão, é de coligir dos autos os seguintes dados:
– Por sentença de 29 de Outubro de 2013, proferida a fls. 81 a 86 dos ora subjacentes autos de Processo Comum Singular n.o CR4-13-0309-PCS do 4.o Juízo Criminal do TJB, e transitada em julgado em 8 de Novembro de 2013, o recorrente ficou condenado, pela prática em 20 de Março de 2013, em autoria material e na forma consumada, de um crime de consumo ilícito de estupefaciente e de um crime de condução sob influência de estupefaciente, em dois meses de prisão e seis meses de prisão, respectivamente (para além da pena acessória de inibição de condução por um ano e seis meses, aplicada para o segundo crime), e, em cúmulo jurídico dessas penas de prisão com as penas de prisão impostas no anterior Processo Sumário n.º CR3-13-0169-PSM (por prática de um crime de consumo ilícito de estupefaciente e de um crime de condução sob influência de estupefaciente), finalmente na pena única de nove meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, sob condição de sujeição ao regime de prova e ao tratamento da toxicodependência (para além da inibição de condução pelo período total de dois anos e seis meses);
– Segundo a matéria de facto descrita como provada nessa sentença dos subjacentes autos penais, o recorrente já chegou a ser condenado em 16 de Setembro de 2013, no referido anterior Processo Sumário n.º CR3-13-0169-PSM, por um crime de consumo ilícito de estupefaciente e um crime de condução sob influência de estupefaciente, na pena única de quatro meses de prisão, suspensa na execução por dezoito meses, com regime de prova e sujeição ao acompanhamento a cargo do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça;
– Em 14 de Maio de 2014, veio junto (a fls. 117 a 118v dos presentes autos correspondentes) o relatório de avaliação períodica elaborado nesse próprio dia pelo pessoal técnico do Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, segundo o qual perante a situação não estável do recorrente a partir de Setembro de 2013 sobretudo nos testes de urina, considerados fracassados, o pessoal assistente social chegou, por várias vezes, a telefonar para o recorrente, mas muitas vezes em vão (ou por a linha telefónica estar ocupada, ou por as chamadas telefónicas não serem atendidas, ou por desligamento do telemóvel), e nas vezes em que se conseguiu o contacto, com combinação de horas para encontro, o recorrente veio a faltar mesmo;
– Por outro lado, veio junta em 20 de Maio de 2014 (a fls. 125 a 129v dos presentes autos) a certidão da sentença proferida na audiência de julgamento realizada em 24 de Abril de 2014 no âmbito do Processo Sumário n.º CR1-14-0086-PSM (com o respectivo texto decisório disponibilizado em 28 de Abril de 2014), com trânsito em julgado em 19 de Maio de 2014, dela constando que o recorrente ficou aí condenado, pela prática em 23 de Abril de 2014, em autoria material, de um crime consumado de consumo ilícito de estupefaciente, na pena de dois meses e quinze dias de prisão, suspensa na execução por dois anos, sob condição de ingresso voluntário em internamento destinado ao tratamento de toxicodependência;
– Em 3 de Junho de 2014, a M.ma Juíza titular dos presentes autos em primeira instância ouviu a própria pessoa do recorrente (cfr. o auto de fls. 134 a 136), em cuja sede este declarou que a reacção positiva à substância estupefaciente detectada em testes de urina era devida ao consumo, por ele, de comprimidos para matar insónia, e que quanto à condenação no Processo Sumário n.º CR1-14-0086-PSM, ele já estava preparado a entrar em internamento para tirar o vício de droga, tendo-se demitido já do seu emprego em Abril desse ano;
– Entretanto, a M.ma Juíza acabou por decidir (através do despacho proferido a fls. 135 a 135v, cujo teor se dá por aqui integralmente reproduzido para todos os efeitos legais) em revogar a suspensão da pena única de nove meses de prisão do recorrente, nos aí citados termos do art.o 54.o, n.o 1, alínea b), do CP.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O recorrente, para ver julgado procedente o seu pedido de prorrogação do período inicial de suspensão da execução da pena única de nove meses de prisão aplicada nos ora subjacentes autos penais n.º CR4-13-0309-PCS, focou muito a sua argumentação do recurso na questão da sua preparação já no ingresso voluntário em internamento para tratamento da sua toxicodependência, como condição da suspensão da pena de prisão decretada no último dos seus processos penais acima referidos (com o n.º CR1-14-0086-PSM).
Entretanto, esqueceu-se o recorrente da sua postura assumida nos subjacentes autos n.º CR4-13-0309-PCS (visto que de acordo com o teor do acima identificado relatório de avaliação periódica feito em Maio de 2014 pelo Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça, o recorrente ficava em situação não estável a partir de Setembro de 2013 sobretudo nos testes de urina, considerados fracassados, na sequência do que o pessoal assistente social chegou, por várias vezes, a telefonar para o recorrente, mas muitas vezes em vão, ou por a linha telefónica estar ocupada, ou por as chamadas telefónicas não serem atendidas, ou por desligamento do telemóvel, e nas vezes em que se conseguiu o contacto, com combinação de horas para encontro, o recorrente veio a faltar mesmo), e do facto de que no pleno período de suspensão da pena de prisão aí decretada (e concretamente, em 23 de Abril de 2014, data aliás materialmente abrangida pelo período de tempo a que se reporta o relatório acima referenciado), voltou a cometer novo crime doloso (de consumo ilícito de estupefaciente) pelo qual veio a ser efectivamente condenado (no Processo n.º CR1-14-0086-PSM).
Entende, pois, este Tribunal ad quem que ante os elementos acima coligidos dos autos (e elencados na parte II do presente aresto de recurso), há que manter a decisão ora recorrida, revogatória da pena suspensa: na verdade, tendo o recorrente voltado a cometer, durante o período de suspensão da pena de prisão, o delito de consumo ilícito de estupefaciente, depois de ter sido condenado em dois processos diferentes inclusivamente pelo mesmo tipo-de-ilícito, com a agravante de não ser boa a sua acima mencionada postura a partir de Setembro de 2013 perante o pessoal assistente social no período da suspensão da pena (sendo certo que as alegadas razões de turnos permanentes de trabalho como croupier no casino nunca dão para justificar pelo menos a sua falta ao encontro em hora previamente combinada com o pessoal assistente social, por um lado, e, por outro, a sua condenação efectiva pela prática, em 23 de Abril de 2014, do novo crime de consumo ilícito de estupefaciente dá também para infirmar a sua tese de ter tomado comprimidos para matar insónia), já é de concluir seguramente, sob a égide do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, que os fins da prevenção criminal não puderam ser alcançadas por meio da suspensão da pena.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo recorrente, com quatro UC de taxa de justiça.
Comunique aos Processos Sumários n.º CR3-13-0169-PSM e n.º CR1-14-0086-PSM do Tribunal Judicial de Base, ao Departamento de Reinserção Social da Direcção dos Serviços de Justiça e ao Instituto de Acção Social.
Macau, 16 de Abril de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



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