Processo n.º 276/2015 Data do acórdão: 2015-4-16 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– medida da pena
– art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal
S U M Á R I O
1. Tidas em conta todas as circunstâncias fácticas apuradas a este respeito pelo tribunal a quo, e considerada a personalidade do recorrente nelas reflectida, a pena de quatro anos de prisão, achada por esse tribunal dentro da correspondente moldura de dois anos e três meses a oito anos e cinco meses de prisão, não é nada de pesada, aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.
2. Sendo intacta assim essa pena única, há que cair por terra a pretensão de suspensão da execução da pena, dada a inverificação do requisito formal para o efeito, exigida na parte inicial do n.º 1 do art.º 48.º do Código Penal.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 276/2015
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformado com o acórdão proferido em 30 de Janeiro de 2015 a fls. 488 a 509v do Processo Comum Colectivo n.o CR4-14-0088-PCC do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, que o condenou como autor material, na forma consumada, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 11.º, n.º 1, alínea 1), da Lei n.º 17/2009, de 10 de Agosto, na pena de um ano e seis meses de prisão, de um crime de consumo ilícito de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 14.º dessa Lei, na pena de dois meses de prisão, e de três crimes de acolhimento, p. e p. pelo art.º 15.º, n.º 2, da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de dois anos e três meses de prisão por cada um, e, em cúmulo jurídico dessas penas todas, finalmente na pena única de quatro anos de prisão, veio o arguido A, aí já melhor identificado, recorrer ordinariamente para este Tribunal de Segunda Instância (TSI) para, mediante a sua motivação de fls. 524 a 526 dos presentes autos correspondentes, pedir materialmente a redução da sua pena única de quatro anos de prisão (por ele tida como demasiado pesada), em termos de poder ser depois decretada a suspensão da execução da nova pena única de prisão à luz do art.º 48.º, n.º 1, do Código Penal (CP).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 538 a 540v, no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer a fls. 555 a 556, pugnando também pela improcedência do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Foram dados como provados os seguintes factos pelo Tribunal ora recorrido:
– <<1º
Em 19 de Março de 2013, cerca das 19H00, segundo denúncia, os agentes da PJ deslocaram-se à sala de reuniões na cave 1 da Torre de Macau, na qual interceptaram B e C para investigações e encontraram na mochila de B uma caixa plástica rectangular de cor preta, contendo um pequeno embrulho com substâncias cristalizadas de cor branca, duas folhas de estanho e duas palhinhas; na mochila de C uma caixa plástica rectangular de cor preta, contendo um isqueiro, uma folha de estanho, uma palhinha, um tubo metálico desmontável, uma cabeça de inalador e um tubo em forma de caneta. Depois, no vestiário de empregados no 61º andar da Torre de Macau, os agentes da PJ encontraram também no cacifo nº57, pertencente a B, uma caixa plástica de cor azul, contendo um saco plástico transparente, um tubo desmontável composto por tubos metálico e plástico e um tubo em forma em caneta.
2º
Após exame laboratorial, as substâncias cristalizadas de cor branca, encontradas na mochila de B, com peso líquido de 0,105 gramas, foram identificadas como contendo “metanfetamina”, substância abrangida pela Tabela II-B da Lei nº17/2009, cujo peso líquido de “metanfetamina”, segundo análise quantitativa, é de 75,18%, ou seja, 0,079 gramas; na acima referida palhinha foram encontrados vestígios de “metanfetamina”; na cabeça de inalador e no tubo em forma de caneta, encontrados na mochila de C, foram encontrados vestígios de “metanfetamina”; no acima referido saco plástico transparente e no tubo desmontável, encontrados no cacifo de B, foram encontrados vestígios de “metanfetamina”.
3º
Os acima referidos produtos estupefacientes e os vestígios de produtos estupefacientes tinham sido adquiridos por B e C junto de D, sendo as acima referidas substâncias cristalizadas de cor branca, encontradas na mochila de B, destinadas ao seu próprio consumo.
4º
As folhas de estanho e as palhinhas, encontradas na mochila de B, bem como, os tubos desmontável e em forma de caneta, encontrados no seu cacifo, eram instrumentos para seu consumo detidos pelo mesmo; o isqueiro, a folha de estanho, o tubo desmontável, a cabeça de inalador e o tubo em forma de caneta, encontrados na mochila de C, eram instrumentos para seu consumo detidos pelo mesmo.
5º
Após serem detidos, B e C manifestaram arrependimento e desejaram colaborar com as autoridades, pelo que, na presença de agentes da PJ, C telefonou a D para marcar uma transacção de produtos estupefacientes, combinando encontrarem-se perto do Estabelecimento de Comidas “XX”, situado no Largo de XX, para entrega e recepção de produtos estupefacientes.
6º
No próprio dia, cerca das 22H30, segundo indicações de C, na entrada do Estabelecimento de Comidas “E”, situado no Largo de XX, os agentes da PJ abordaram D, o qual deitou, de imediato, ao chão um pequeno embrulho com substâncias cristalizadas de cor branca. Acto contínuo, os agentes da PJ apanharam o acima referido embrulho com substâncias cristalizadas de cor branca e conduziram D a outro lugar perto do local para efectuar a revista, onde encontraram no cós das calças deste uma caixa plástica de cor azul, contendo três pequenos embrulhos com substâncias cristalizadas de cor branca, dois comprimidos de cor laranja clara, uma partícula de pasta consistente de cor acastanhada-preta, duas folhas de estanho e quatro sacos plásticos transparentes.
7º
Após exame laboratorial, as acima referidas substâncias cristalizadas de cor branca contidas no embrulho, deitado ao chão por D, com peso líquido de 0,158 gramas, foram identificadas como contendo “metanfetamina”, substância abrangida pela Tabela II-B da Lei nº17/2009, cujo peso líquido de “metanfetamina”, segundo análise quantitativa, é de 75,35%, ou seja, 0,119 gramas; as substâncias cristalizadas de cor branca contidas em dois dos três pequenos embrulhos, encontrados na acima referida caixa plástica de cor azul, com peso líquido de 1,506 gramas, foram identificadas como contendo “metanfetamina”, cujo peso líquido de “metanfetamina”, segundo análise quantitativa, é de 77,13%, ou seja, 1,162 gramas, e as substâncias cristalizadas de cor branca contidas no terceiro pequeno embrulho, com peso líquido de 0,380 gramas, foram identificadas como contendo “ketamina”, substância abrangida pela Tabela II-C da mesma lei, cujo peso líquido de “ketamina”, segundo análise quantitativa, é de 80,53%, ou seja, 0,306 gramas; a acima referida partícula de pasta consistente de cor preta (sic.), com peso líquido de 0,285 gramas, foi identificada como contendo “resina de canabis”, substância abrangida pela Tabela I-C da mesma lei; nas acima referidas folhas de estanho foram encontrados vestígios de “metanfetamina” e de “tetraidrocanabinol”, substância abrangida pela Tabela II-B da mesma lei; nos acima referidos quatro sacos plásticos transparentes foram encontrados vestígios de “metanfetamina”.
8º
Os acima referidos produtos estupefacientes foram obtidos por D com o objectivo de vender e fornecer uma parte a terceiros e destinar o remanescente ao consumo próprio.
9º
Os arguidos D, B e C tinham perfeito conhecimento das características e qualidade dos acima referidos produtos e agiram sem qualquer autorização legal para o efeito.
10º
Em 21 de Março de 2013, cerca das 14H40, por necessidade de investigação, os agentes da PJ procederam à vigilância de D, o qual, durante a vigilância, entrou no Edifício “F”, situado no Pátio da Pedra. Cerca das 18H00, do mesmo dia, D saiu do referido edifício e caminhou em direcção à Rua da Prainha. De seguida, os agentes da PJ interceptaram D e conduziram-no à Directoria da PJ para investigação.
11º
Na Directoria da PJ, os agentes da PJ encontraram num dos bolsos das calças de D um pequeno embrulho com substâncias cristalizadas; as quais, após exame laboratorial, foram identificadas, como contendo “metanfetamina”, com o peso líquido de 0,710 gramas.
12º
Ao mesmo tempo, os agentes da PJ encontraram na posse de D uma chave, que o mesmo detinha para abrir o portão do acima referido Edifício “F”.
13º
Na altura, uma vez que D recusou fornecer informações concretas para identificação da fracção onde residia, os agentes da PJ iniciaram, de imediato, investigações, apurando ter este tomado de arrendamento a fracção A do XXº andar do Edifício “F”, situado na Rua da XX.
14º
Os agentes da PJ, acompanhados por D, deslocaram-se à acima referida fracção, onde este, por várias vezes, tocou a campainha e bateu no portão metálico, sem contudo obter qualquer resposta. De seguida, a pedido de D, os agentes da PJ solicitaram ajuda a um serralheiro para abrir o portão metálico e a porta de madeira, tendo de seguida, se iniciado, de imediato, a investigação.
15º
Os agentes da PJ encontraram por cima da cama do quarto de D um saco plástico transparente, no qual, após exame laboratorial, se encontraram vestígios de “metanfetamina”.
16º
Os produtos estupefacientes encontrados num dos bolsos das calças de D e os que foram encontrados no seu quarto foram adquiridos pelo mesmo com o objectivo da sua obtenção e detenção para consumo próprio.
17º
D tinha perfeito conhecimento das características e qualidade dos acima referidos produtos e agiu sem qualquer autorização legal para o efeito.
18º
Os agentes da PJ encontraram ainda no acima referido quarto uma mochila, que continha duas chaves, que D detinha para abrir o portão metálico e a porta de madeira.
19º
Além disso, os agentes da PJ também encontraram no outro quarto G, H e uma menor I, que, na altura, se encontravam em situação de permanência ilegal no Território. G permanecia ilegalmente em Macau pelo menos desde 06 de Janeiro de 2011, H permanecia ilegalmente em Macau pelo menos desde 12 de Julho de 2011 e I nasceu em Macau, não possuindo qualquer documento legal que lhe permitisse permanecer em Macau.
20º
D conhecia tanto G, como H. A partir de 10 de Fevereiro de 2013, D tomou de arrendamento da fracção A do 3º andar do Edifício “F”, sita na Rua de XX, mediante a renda mensal de HKD$5.500,00, e permitiu que G e H residissem na acima referida fracção, bem sabendo que os mesmos se encontravam em situação de permanência ilegal no Território, com a condição de estes lhe pagarem mensalmente HKD$5.000,00 a título de renda desta fracção.
21º
D tinha conhecimento de não poder acolher os acima referidos três indivíduos que se encontravam em situação de permanência ilegal, mas, assim o fez, recebendo a acima referida vantagem patrimonial como recompensa pelo acolhimento.
22º
D, B e C agiram livre, voluntária e conscientemente, ao porem em prática com dolo as acima referidas condutas.
23º
Os arguidos tinham perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
- Mais se provou que:
24º
No âmbito dos autos CR3-09-0020-PCS, o arguido D, por sentença de 25/02/2011, por prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo artº 14º da Lei 17/2009 e um crime de detenção indevida de utensílio ou equipamento p.p. pelo artº 15º da mesma Lei, foi condenado numa pena de 45 dias de multa por cada um dos crimes. Em cúmulo jurídico na pena de 75 dias de multa. Pena essa que foi paga e extinta em 15/01/2013.
25º
No âmbito dos autos CR4-13-0385-PCS, o arguido D, por sentença de 21/01/2014, por prática de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas p.p. pelo nº14 da Lei 17/2009, foi condenado numa pena de 2 meses de prisão. Pena essa que foi executada e extinta em 09/10/2014.
26º
O arguido D tem o 2º ano do ensino secundário complementar, vive com a mãe e padrasto e não tem rendimentos.
27º
Conforme o CRC, os arguidos B e C são primários.>> (cfr. o teor de fls. 495 a 500v dos autos).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cabe notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver apenas as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Conhecendo e decidindo nesses parâmetros, é de julgar, desde já, improcedente o pedido de redução da pena única, porquanto tidas em conta todas as circunstâncias fácticas apuradas a este respeito pelo Tribunal recorrido, e considerada a personalidade do ora recorrente nelas reflectida, a pena de quatro anos de prisão, achada pelo mesmo Tribunal dentro da correspondente moldura penal única de dois anos e três meses a oito anos e cinco meses de prisão, não é nada de pesada, aos padrões da medida da pena vertidos nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, do CP.
Sendo intacta assim essa pena única, que é superior a três anos de prisão, também há que cair por terra a pretensão de suspensão da execução da pena, dada a inverificação do requisito formal para o efeito, exigida na parte inicial do n.º 1 do art.º 48.º do CP.
IV – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam em julgar não provido o recurso.
Pagará o arguido recorrente as custas do recurso, com quatro UC de taxa de justiça, e três mil patacas de honorários ao seu Ex.mo Defensor Oficioso.
O presente acórdão já é de última instância (art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal).
Macau, 16 de Abril de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Chou Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 276/2015 Pág. 11/11