Processo nº 137/2011
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção ordinária registada sob o nº CV1-08-0014-CAO, que correm os seus termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, foi proferida a seguinte sentença:
A (A.) intentou a presente acção ordinária contra B Cosmetics Limited (R.), alegando, em síntese, que em Dezembro de 2006 foi celebrado entre A. e R. um contrato, embora seja intitulado como “contrato de venda”, mas devia ser considerado como um “contrato de concessão comercial” previsto nos termos dos artigos 657º e 658º do Código Comercial de Macau, pelo que na sua opinião a R. não teria direito a rescindir o contrato antes de decorridos três anos sobre a data do seu início, entretanto tendo a R. rescindido unilateral e ilicitamente o referido contrato antes daquela data, veio causar prejuízos à A.
Concluindo, pediu, a final, que seja a presente acção julgada procedente, e seja a R. condenada a pagar à A. indemnização patrimonial no montante de MOP$3.213.947,50, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento, custas judiciais e sanção pecuniária compulsória de MOP$5.000,00 por dia.
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Citada pessoalmente a R., esta apresentou contestação, tendo suscitado excepções e impugnado os factos articulados pela A., defendendo, em síntese, que o contrato sub judice deve estar sujeito à lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong, para além de não conter o mesmo todos os elementos essenciais para se poder qualificar como um contrato de concessão comercial.
Pediu, a final, que seja julgada improcedente a acção, absolvendo a R. dos pedidos.
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Saneado o processo e seleccionada a matéria de facto pertinente para a decisão da causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
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FUNDAMENTOS
Face à prova produzida, resulta provada a seguinte matéria fáctica com interesse para a decisão da causa:
A A. A é titular da licença do estabelecimento, “C百貨公司 (C Pak Fo Cong Si)”, sito na XXX, cuja actividade principal é a de vendas de produtos de maquilhagem. (A)
A R. “D”, pessoa colectiva registada e com sede em Hong-Kong, é a distribuidora exclusiva dos produtos Shiseido para as Regiões Administrativas Especiais de Hong Kong e Macau. (B)
Em 18 de Dezembro de 2006, a A. e a R., celebraram um acordo escrito, assinado por ambas as partes que denominaram de “Contrato de Venda”, em conformidade com o teor do documento junto aos autos a fls. 23 a 27 e traduzido para português a fls. 1055 a 1056, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (C)
O contrato aludido em C) foi, por parte da R, assinado em Hong Kong e por parte da A., assinado em Macau, as respectivas facturas eram emitidas em Hong Kong e segundo a sua moeda, sendo nessa Região Administrativa feitos os respectivos fornecimentos de bens à A. (D)
Entre Dezembro de 2004 e Dezembro de 2007, e nas datas constantes das facturas juntas aos autos, a A. encomendou à R. os produtos de marca XX nelas melhor discriminados, em conformidade com o teor dos documentos de fls. 45 a 874, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (E)
A R. dava orientações à A. quanto à decoração da sua loja, quanto aos materiais a usar, a cor, o sistema de iluminação da loja, as formas, as cores e o projecto da palavra XX. (F)
As consultoras de maquilhagem responsáveis pelos produtos da marca Shiseido na loja da A. eram orientadas pela R. e usavam um uniforme por ela determinado. (G)
A R. suportou cerca de dois terços dos custos de instalação do balcão e expositores da marca XX, no estabelecimento da A. e suportou os custos dos salários, comissões e prémios de produtividade das assistentes de vendas especializadas da marca que ali trabalhavam. (H)
A R. fornecia e colocava todos os materiais e artigos publicitários da marca no estabelecimento da A. (I)
Para além do contrato aludido em C) a R., desde a data da sua celebração e até à presente data, fornece os seus produtos a outras três sociedades que revendem os produtos XX na Região Administrativa Especial de Macau: a Venetain Cotai Ltd, a Panda Sociedade de Gestão de Investimentos Limitada (New Yaohan) e a Watson's The Chemist. (J)
A A. vendeu e vende, no mesmo estabelecimento comercial, produtos de cosmética concorrentes aos fornecidos pela Ré. (L)
A R. celebrou um contrato denominado “Exclusive Distributorship Agreement With Regard to XX Brand Cosmetic Products” (em português “Contrato de Distribuição Exclusiva Respeitante aos Produtos Cosméticos da Marca XX”) celebrado em 1 de Abril de 2004 com a Shiseido Co., Ltd., em conformidade com o teor do documento junto a fls. 1031 a 1052 e traduzido a fls. 1010 a 1030 e que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. (M)
Em 30 de Agosto de 2007, a R. enviou à A. uma carta electrónica (“e-mail”) comunicando-lhe que rescindiria o contrato aludido em C) com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2007, tendo a A. respondido pela mesma via, em conformidade com o teor dos documentos juntos a fls. 38 e 39, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. (N)
A R. deixou de fornecer os produtos de marca XX à A. a partir do início do mês de Dezembro de 2007 e mandou retirar do seu estabelecimento todos os produtos que lhe tinha fornecido. (O)
Em 4 de Outubro de 2002, A. e R. celebraram um acordo escrito, assinado por ambas as partes que denominaram de “Contrato de Venda”, em conformidade com o teor do documento junto aos autos a fls. 28 a 29 e traduzido para português a fls. 1057, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (P)
Em 2003, A. e R. celebraram um acordo escrito, assinado por ambas as partes que denominaram de “Contrato de Venda”, em conformidade com o teor do documento junto aos autos a fls. 30 a 33 e traduzido para português a fls. 1058 a 1059, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (Q)
A A., durante a vigência do acordo aludido em C), conseguiu aumentar o número dos clientes locais de produtos da marca “XX”. (1º)
E conseguiu aumentar o volume de venda desses produtos. (2º)
O estabelecimento da A. localiza-se no centro de Macau. (3º)
Num local muito procurado por turistas, especialmente da China, Hong Kong e Taiwan. (4º)
Com o desenvolvimento contínuo de Macau e dos grandes estabelecimentos de diversões e jogos a serem instalados, prevê-se um aumento dos turistas que visitam a região. (5º)
Entre 2005 e 2007, com a venda dos produtos de maquilhagem da R., o rendimento ilíquido da A. era de HKD$4.680.506,00. (6º)
Na reunião de 29 de Agosto de 2007, em Macau, foi discutida entre a A. e os representantes da R. a questão da cessação do contrato. (9º)
O encerramento dos postos de venda, a remoção do material publicitário e dos produtos da marca pela R. foram feitos perante empregados de ambas as partes. (13º)
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Em sede do enquadramento jurídico, cumpre analisar os factos e aplicar o direito.
Em primeiro lugar, convém determinar qual a lei material aplicável ao caso concreto, se é a lei de Hong Kong ou a lei de Macau, e se entender ser a última aplicável, é que indagaremos qual a natureza jurídica do contrato em causa.
Para resolver a questão, há necessidade de recorrer às regras de conflito previstos na lei civil, destinados a resolver “situações da vida privada internacional, isto é, factos susceptíveis de relevância jurídico-privada que têm contacto com mais de um sistema jurídico ou que se passaram adentro do âmbito de eficácia de uma (e uma só) lei estrangeira” - Professor J. Baptista Machado, in Lições de Direito Internacional Privado, 3ª edição, Almedina, página 12.
Determina-se nos termos do artigo 40º do Código Civil de Macau que “1. As obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos tiverem designado ou houverem tido em vista. 2. A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico atendíveis no domínio do direito de conflitos.”
Segundo a regra de conflito acima descrita, estipula-se que em matéria de obrigações provenientes de negócios jurídicos, a lei competente é a que tiver sido designada pelas partes ou estas houverem tido em vista, isto é, interessa aqui a chamada autonomia das partes.
Ainda refere o ilustre Professor, na mesma obra e páginas 359 e 360: “Nestes termos, as leis, a jurisprudência e a doutrina dos diferentes países concordam hoje em dia que a lei competente para reger as obrigações nascidas de negócios jurídicos deve ser determinada mediante a escolha ou designação das próprias partes. Nisto consiste o princípio da autonomia em direito internacional privado. Importa, porém, ter presente a diferença que separa a autonomia privada no plano do direito material da autonomia das partes no plano do direito internacional privado. Pela autonomia privada em direito material, as partes podem determinar livremente o conteúdo do negócio, fixando as cláusulas que bem entendam, dentro dos limites impostos pelas regras imperativas que limitam aquela autonomia...Completamente diversa é a referência conflitual feita pelas partes a uma determinada lei. Agora trata-se de fixar a própria conexão relevante no plano do direito internacional privado, de “localizar” o negócio, de “escolher” a própria lei competente para regular este e, portanto, para superiormente (isto é, independentemente da vontade das partes) estabelecer os quadros legislativos dentro dos quais se insere a autonomia privada e o negócio por ela gerado, designadamente os quadros ius cogens que circunscrevem e limitam aquela autonomia negocial.”
No que respeita à questão de saber do sentido da expressão “houverem tido em vista” consagrada nos termos do artigo 40º, nº 1, in fine do Código Civil, adianta ainda o mesmo Professor (ob.cit., pág. 362) que “Cremos que a expressão “ou houverem tido em vista” se refere justamente à escolha ou designação tácita da lei aplicável. A escolha tácita deve ser inferida das particulares circunstâncias do negócio concreto. Podem resultar, designadamente, da referência das partes, durante as negociações ou no contexto do próprio negócio, aos preceitos de determinada lei; do recurso a formulários concebidos dentro dos quadros de certa lei; do acordo sobre um lugar unitário de celebração, nos contratos entre ausentes; da convenção sobre a competência da jurisdição de certo Estado para apreciar os litígios relativos a determinado contrato; de cláusula compromissória submetendo os mesmos litígios a um tribunal arbitral que funciona em certo Estado e aplica o direito aí vigente; etc. Por vezes, várias destas circunstâncias convergem no mesmo sentido, e então não será difícil determinar a vontade tácita das partes quanto à lei aplicável (a lei que elas tiveram em vista).”
Ora, no caso sub judice, segundo a matéria dada como provada, não se vislumbra que as partes tenham designado quer em termos expressos quer em termos tácitos qual a lei material aplicável para regular eventuais litígios surgidos entre A. e R. relativos à interpretação ou (in)cumprimento do contrato por elas celebrado, assim se considera por inverificados os pressupostos previstos no artigo 40º.
Face ao exposto, há necessidade de recorrer ao critério supletivo previsto no artigo 41º do mesmo Código, nos termos do qual “Na falta de determinação da lei competente, aplica-se a lei do lugar com o qual o negócio jurídico se ache mais estreitamente conexo.”
Provado está nos autos que a R. é pessoa colectiva registada e com sede em Hong Kong, tendo o contrato sido, por parte da R, assinado em Hong Kong e por parte da A., assinado em Macau, sendo as respectivas facturas emitidas em Hong Kong e segundo a sua moeda, bem como é nessa Região Administrativa que foram feitos os respectivos fornecimentos de bens à A., dúvidas não restam, salvo melhor entendimento, em considerar que o contrato em causa está mais estritamente conexo com a Lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong e não com a Lei da RAEM.
Determinada a lei aplicável ao presente caso concreto, importa agora apurar qual o conteúdo do acordo escrito celebrado entre as partes.
De acordo com o common law, “「合同」Contract,或稱「合約」,是一個具有法律約束力的協議,由兩位或多位當事人所達成。日常生活中的例子包括買賣合約、保險合約、租賃合約等等。由於「合同」是一種法律關係,即當事人通過協議締造法律上的權利和義務,因此,並非每一項協議都是合同,例如一般家庭內的安排,因為缺乏法律效力,所以並不構成有約束力的合同。” – v. http://www.pkykwong.com/big5/area/general_contract.html
Nestes termos, no que respeita aos contratos, rege-se, naquela Região Administrativa Especial, pelo princípio da liberdade contratual.
Tendo as partes celebrado um contrato, ora em litígio, compete-nos analisar se a rescisão anunciada pela R. foi procedida em conformidade com o contratualmente acordado.
Ora bem, segundo a previsão na cláusula 1ª do contrato em causa, acordaram as partes que o prazo do contrato era de 2 anos, com início de 1 de Dezembro de 2006 até 31 de Dezembro de 2008, podendo qualquer das partes decidir do seu prolongamento um mês antes do seu termo, para além da faculdade de cada uma das partes rescindir o contrato por forma escrita com uma antecedência de um mês.
In casu, provado que em 30 de Agosto de 2007, a R. enviou à A. uma carta electrónica (“e-mail”) comunicando-lhe que rescindiria o contrato em causa com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2007, dúvidas não restam em considerar lícita a rescisão anunciada pela R., pois a sua conduta está em cabal conformidade com o contratualmente acordado, a saber, ter a rescisão do contrato sido efectuada com a antecedência de um mês.
Assim exposto, não resta outra alternativa ao Tribunal senão julgar improcedente a acção, com a consequente absolvição da R. dos pedidos.
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Julgada improcedente a acção, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela R.
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DECISÃO
Tudo exposto e nos fundamentos acima descritos, julgo improcedente a presente acção ordinária intentada pela A. A contra a R. B Cosmetics, Limited, absolvendo-a dos pedidos.
Custas da acção pela A.
Registe e notifique.
Não se conformando com o decidido, veio a Autora A recorrer da mesma concluindo e pedindo que:
a) Recorrendo ao critério supletivo previsto no artigo 41° do Código Civil de Macau, o Tribunal a quo fez uma interpretação inadequada em considerar que o contrato em causa está mais estritamente conexo com a Lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong e não com a Lei da RAEM;
b) Para a sua fundamentação, o Tribunal a quo fez principalmente uso desses factos provados: "A R. é pessoa colectiva registada e com sede em Hong Kong"; "O contrato, assinado em Hong Kong, por parte da R. e em Macau, por parte da A."; "As facturas emitidas em Hong Kong e segundo a sua moeda"; "O fornecimento de bens à A. feito em Hong Kong" (f1s. 1165).
c) Pese embora corresponderem à verdade todos esses factos;
d) Todavia, também não é menos verdade que:
• a A., ora Recorrente, é titular da licença do estabelecimento "C Pak Fo Cong Si"(em chinês C百貨公司), sito em Macau na XXX, cuja actividade principal é a de vendas de produtos de maquilhagem (cfr. A) dos factos assentes);
• o contrato em causa - no que diz respeito à declaração negocial de aceitação - foi assinado pela A. em Macau (cfr. D) dos factos assentes);
e) Assim, é muito discutível a escolha como escolheu o Tribunal a quo, do critério da residência habitual de um só dos sujeitos (in casu, era a da R.) na determinada da lei competente;
f) O mesmo diz respeito ao do lugar de celebração, uma vez que o negócio jurídico (designado juridicamente por "contrato entre ausentes") foi celebrado em momentos e em lugares diferentes, como se pode verificar no caso sub judice;
g) Seria também insatisfatória a escolha somente dos factos como "as facturas emitidas em Hong Kong e segundo a sua moeda" e "o fornecimento de bens à A. feito em Hong Kong", em detrimento por completo o critério de lugar de cumprimento da obrigação;
h) Salvo o devido respeito, este critério deveria ser aplicado no presente caso, por ser mais objectivo em comparação com os outros já acima referidos e impugnados;
i) Pois por um lado, como resultam dos autos, as encomendas foram feitas pela A. em Macau e os produtos foram aceites contra recibos passados em Macau bem como cá vendidos em patacas, como era evidente;
j) Mesmo assim não se entenda, analisado o próprio conteúdo do contrato, chegar-se-ia a mesma conclusão de que se devesse aplicar a lei da RAEM por ser mais conexa;
k) Muito embora o contrato em litígio seja intitulado "銷售合同" (contrato de venda), as obrigações a que ambas as Partes estavam adstritas não se esgotavam no momento da entrega de produtos, vindo a maioria dessas obrigações a ser cumpridas na RAEM como:
1) A Autora, em Macau, continuava a sujeitar-se as orientações dadas pela R. quanto à "decoração da sua loja , quanto aos materiais a usar, a cor, o sistema de iluminação, as formas, as cores e o projecto da palavra XX" (cfr. F) dos factos assentes);
m) As suas empregadas, ou seja, "as consultoras de maquilhagem responsáveis pelos produtos da marca XX na luja da Autora eram orientadas pela Ré. e usavam um uniforme por ela determinado" (cfr. G) dos factos assentes);
n ) "A Ré suportou cerca de dois terços dos custos de instalação do balcão e expositores da marca XX, no estabelecimento da Autora e suportou os custos dos salários, comissões e prémios de produtividade das assistentes de vendas especializadas da marca que ali trabalhavam" (cfr. H) dos factos assentes);
o) "A Ré fornecia e colocava todos os materiais e artigos publicitários da marca no estabelecimento da Autora" (cfr. I) dos factos assentes);
p) A Autora, em Macau, tinha que manter em stock produtos suficientes à venda média de um mês e meio (cfr. cláusula 4 do contrato aludido em C) dos factos assentes);
q) A Autora tinha que concordar com a instalação de um sistema informático (POS) pela Ré na sua loja em Macau com vista à gestão da venda e à clientela por aquela (cfr. cláusula 11 do contrato aludido em C) dos factos assentes);
r) Posto isto, dúvidas não restam que a lei da RAEM seria aquela que devesse ser aplicada no presente lide por ser mais conexa, tendo em conta a aplicação de um critério mais objectivo, ou seja, o do lugar de cumprimento da obrigação e o próprio conteúdo do contrato em causa;
s ) Assim se faria a correcta interpretação do critério supletivo previsto no art.º 41° do CCM;
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ordenando o prosseguimento dos autos, nomeadamente, para conhecimento do mérito da causa.
Assim, mais uma vez, farão V. Ex.ªs a costumada Justiça!
Ao recurso respondeu a Ré pugnando pela improcedência do recurso.
II
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber qual é a lei material aplicável ao caso sub judice, de acordo com o preceituado no regime supletivo previsto no artº 41º do CC.
Ora, as tais questões já foram ai devidamente apreciadas e decididas na sentença recorrida.
Conforme se vê na Douta decisão ora recorrida, foi demonstrado, com raciocínio inteligível e razões sensatas e convincentes, que, in casu estando em causa a questão do alegado incumprimento de obrigações emergentes de um negócio celebrado entre um residente na RAEM e um residente na RAEHK, e se não aplicando o artº 40º do CC por as partes não terem designado a lei competente para regular a substância e as obrigações provenientes do negócio jurídico entre elas celebrados, nem as partes houverem tido em vista uma lei competente para o efeito, o Tribunal a quo entendeu que se aplica in casu o artº 41º do CC, à luz do qual “na falta de determinação da lei competente, aplica-se a lei do lugar com o qual o negócio jurídico se ache mais estreitamente conexo.”.
Quanto a este entendimento, ou seja, não foi acordada a lei competente entre as partes e é de aplicar o regime supletivo, a Autora não se mostra inconformada.
O que a Autora discorda é a lei da RAEHK que o Tribunal a quo considerou competente, com o recurso ao critério supletivo previsto no artº 41º do CC, para a regulação da matéria em discussão.
Para o Tribunal a quo a lei do lugar com o qual o negócio jurídico se ache mais estreitamente conexo é a lei da RAEHK, pois entende que “provado está nos autos que a R. é pessoa colectiva registada e com sede em Hong Kong, tendo o contrato sido, por parte da R, assinado em Hong Kong e por parte da A., assinado em Macau, sendo as respectivas facturas emitidas em Hong Kong e segundo a sua moeda, bem como é nessa Região Administrativa que foram feitos os respectivos fornecimentos de bens à A., dúvidas não restam, salvo melhor entendimento, em considerar que o contrato em causa está mais estreitamente conexo com a Lei da Região Administrativa Especial de Hong Kong e não com a Lei da RAEM.”.
Por sua vez, a Autora defende que o lugar de cumprimento da obrigação é a RAEM e que assim sendo, o lugar de cumprimento que é a RAEM, deve ser elegido como a conexão relevante para a determinação da lei competente.
Para sustentar a afirmação de que é na RAEM onde se cumpriam as obrigações provenientes do negócio, a Autora alega que:
k) Muito embora o contrato em litígio seja intitulado "銷售合同" (contrato de venda), as obrigações a que ambas as Partes estavam adstritas não se esgotavam no momento da entrega de produtos, vindo a maioria dessas obrigações a ser cumpridas na RAEM como:
1) A Autora, em Macau, continuava a sujeitar-se as orientações dadas pela R. quanto à "decoração da sua loja , quanto aos materiais a usar, a cor, o sistema de iluminação, as formas, as cores e o projecto da palavra XX" (cfr. F) dos factos assentes);
m) As suas empregadas, ou seja, "as consultoras de maquilhagem responsáveis pelos produtos da marca XX na luja da Autora eram orientadas pela Ré. e usavam um uniforme por ela determinado" (cfr. G) dos factos assentes);
n ) "A Ré suportou cerca de dois terços dos custos de instalação do balcão e expositores da marca XX, no estabelecimento da Autora e suportou os custos dos salários, comissões e prémios de produtividade das assistentes de vendas especializadas da marca que ali trabalhavam" (cfr. H) dos factos assentes);
o) "A Ré fornecia e colocava todos os materiais e artigos publicitários da marca no estabelecimento da Autora" (cfr. I) dos factos assentes);
p) A Autora, em Macau, tinha que manter em stock produtos suficientes à venda média de um mês e meio (cfr. cláusula 4 do contrato aludido em C) dos factos assentes);
q) A Autora tinha que concordar com a instalação de um sistema informático (POS) pela Ré na sua loja em Macau com vista à gestão da venda e à clientela por aquela (cfr. cláusula 11 do contrato aludido em C) dos factos assentes);
r) Posto isto, dúvidas não restam que a lei da RAEM seria aquela que devesse ser aplicada no presente lide por ser mais conexa, tendo em conta a aplicação de um critério mais objectivo, ou seja, o do lugar de cumprimento da obrigação e o próprio conteúdo do contrato em causa;
Ora, as obrigações que a Autora agora alega para sustentar que o negócio está mais estreitamente conexo com a RAEM não passam de ser obrigações acessórias tendo em vista proteger a boa imagem da marca e a boa qualidade dos serviços a prestar aos clientes dos produtos de XX.
Ao passo que, tendo em conta o teor do contrato celebrado entre a Autora e a Ré, ora constante das fls. 23 a 27, cujo teor foi dado integralmente reproduzido na matéria especificada na al. C) da factualidade assente, verificamos que o negócio tem por objecto principal a venda, por parte da Ré a favor da Autora, dos produtos cosméticos da marca XX para serem revendidos pela Autora.
Estando provado na al. D) da matéria especificada que o contrato foi, por parte da R, assinado em Hong Kong e por parte da Autora, assinado em Macau, as respectivas facturas eram emitidas em Hong Kong e segundo a sua moeda, sendo nessa Região Administrativa feitos os respectivos fornecimentos de bens à Autora, o que nos é bem demonstrativo de que o lugar de cumprimento das obrigações principais do negócio é a RAEHK, em vez de RAEM, como assim defende a Autora.
Cai assim por terra toda a argumentação de que o lugar de cumprimento das obrigações é a RAEM, em que se apoia a tese avançada pela Autora de que estando o negócio mais estreitamente conexo com a RAEM, deve ser regulado pela lei da RAEM.
Assim sendo, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da requerente e confirmando a decisão recorrida.
Resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam julgar improcedente o recurso interposto por A, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
RAEM, 26MAR2015
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Ac. 137/2011-16