Processo nº 341/2014
(Revisão de Sentença do Exterior)
Data: 5/Março/2015
Assuntos:
- Revisão de Sentença do Exterior
SUMÁRIO :
É de confirmar uma decisão dos Tribunais de Hong Kong, na exacta medida dos termos em que foi proferida a sentença condenatória do requerido, tendo este sido condenado a pagar uma certa quantia à requerente, sendo que a acção não foi contestada em qualquer dos Tribunais, fosse em Hong Kong, fosse em Macau.
O Relator,
(João Gil de Oliveira)
Processo n.º 341/2014
Data : 5/Março/2015
Requerente : A
Requerido : B
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
A, mais bem identificada nos autos , vem requerer contra B, também ele aí mais bem identificado, Revisão de decisões proferidas por tribunais do exterior da RAEM, nos seguintes termos:
1.º
O requerente A possui uma sentença n.º HCA XXXX/2012 proferida pelo Tribunal de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong em 30 de Abril de 2014 que condenou B a pagar ao requerente a quantia de três milhões e quinhentos e quarenta mil dólares de Hong Kong (HKD3.540.000,00), acrescida dos juros à taxa anual de 8% durante o período entre 10 de Dezembro de 2012 e a data da sentença acima referida até ao seu integral pagamento e o custo fixo no montante de onze mil e quarenta e cinco dólares de Hong Kong (HKD11.045,00) (Anexo 2 – pública-forma da sentença e tradução para a língua chinesa da aludida sentença certificada pelo Advogado Dr. Leong Chak Po).
2.º
A aludida sentença confirmou que a requerida B deve reembolsar ao requerente A o empréstimo e os juros.
3.º
Isto é, até à data da propositura da presente acção de revisão (4 de Junho de 2014), o capital e os juros que a requerida B ainda não reembolsou ao requerente A são no montante de três milhões, novecentos e sessenta mil e quinhentos e trinta e três dólares de Hong Kong (HKD3.540.000,00 + HKD3.540.000,00*8%/365 x 542 dias = HKD3.960.533,00), equivalente ao montante de quatro milhões, setenta e nove mil e trezentas e quarenta e nove patacas (HKD3.942.687,00*1,03 = MOP$4.079.349,00), acrescido do custo fixo no montante de onze mil e quarenta e cinco dólares de Hong Kong (HKD11.045,00), equivalente ao montante de onze mil e trezentas e setenta e seis patacas (HKD11.045,00*1,03 = MOP$11.376,00), perfazendo um montante total de quatro milhões, noventa mil e setecentas e vinte e cinco patacas (MOP$4.090.725,00).
4.º
O teor da aludida sentença revela que a mesma foi proferida com observância das respectivas disposições legais e a sua eficácia foi confirmada pelo Tribunal de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong.
5.º
Não há dúvida sobre a autenticidade da aludida sentença.
6.º
Sendo clara a inteligibilidade da mesma.
7.º
A referida sentença provém do Tribunal de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong cuja competência não foi provocada em fraude à lei.
8.º
Quanto ao presente processo não se verifica a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau.
9.º
A aludida sentença é completamente compatível com a ordem pública de Macau.
10.º
No processo de revisão e confirmação da sentença proferida por tribunal do exterior de Macau, a respectiva sentença produzirá eficácias jurídicas em Macau, incluindo a propositura da acção de execução a título executivo.
11.º
Isto quer dizer que a aludida sentença já reúne os requisitos necessários para a confirmação da sentença proferida por tribunal exterior de Macau.
Pedidos
Nestes termos, solicita que os MM.ºs Juízes:
Confirmem, nos termos do artigo 1199.º e s.s. do Código de Processo Civil, a sentença n.º HCA XXXX/2012 proferida pelo Tribunal de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça da Região Administrativa Especial de Hong Kong em 30 de Abril de 2014.
E citem a requerida para contestar no prazo de 15 dias.
Citado o requerido, nada veio dizer.
O Digno Magistrado do MP não levanta obstáculo à revisão.
Foram colhidos os vistos legais.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
O Tribunal é o competente internacionalmente, em razão da matéria e da hierarquia.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
Inexistem quaisquer outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer.
III - FACTOS
Nos autos vem certificado o seguinte:
“HCA XXXX/2012
Tribunal de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça
da Região Administrativa Especial de Hong Kong
Processo n.º XXXX do Ano de 2012
Partes
Autor:
A
Ré:
B
Decisão Final
30 de Abril de 2014
Não tendo a Ré do presente processo apresentado qualquer declaração para contestação, hoje é condenada a Ré a pagar ao Autor uma quantia de três milhões e quinhentos e quarenta mil dólares de Hong Kong (HKD3.540.000,00), acrescida dos juros à taxa anual de 8% durante o período entre 10 de Dezembro de 2012 e a data da sentença acima referida até ao seu integral pagamento e o custo fixo no montante de onze mil e quarenta e cinco dólares de Hong Kong (HKD11.045,00).
O Juiz
HCA XXXX/2012
Tribunal de Primeira Instância do Tribunal Superior de Justiça
da Região Administrativa Especial de Hong Kong
Processo n.º XXXX do Ano de 2012
Partes
Autor:
A
Ré:
Noronha Vasco Horácio
***
Decisão Final
***
Arquivada em 30 de Abril de 2014
Pauline Wong & Co.,
Advogada
Endereço: Suite 2515, L25, Office Tower Langham Place, 8 Argyle Street, Mok Kok Kowloon, Hong Kong
Telefone: 35833083
Fax: 35831805
Referência n.º: CIV/14/3406/PW”
III - FUNDAMENTOS
1. O objecto da presente acção - revisão de sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China, proferida em 30 de Abril de 2014- de forma a produzir aqui eficácia, passa pela análise das seguintes questões:
- Requisitos formais necessários para a confirmação;
- Colisão ou não com matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau;
- Compatibilidade com a ordem pública;
Não obstante a não contestação do pedido de revisão importará analisar as questões acima referidas, não havendo qualquer obstáculo à revisão de uma decisão do Tribunal Arbitral do Exterior que só terá eficácia no ordenamento da RAEM depois de aqui confirmada tal como resulta do artigo 1199º, n.º 1 do CPC.
2. Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública.
2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.” (sublinhado nosso).
Com o Código de Processo Civil (CPC) de 1999, o designado privilégio da nacionalidade ou da residência - aplicação das disposições de direito privado local, quando este tivesse competência segundo o sistema das regras de conflitos do ordenamento interno - constante da anterior al. g) do artigo 1096º do CPC, deixou de ser considerado um requisito necessário, passando a ser configurado como mero obstáculo ao reconhecimento, sendo a sua invocação reservada à iniciativa da parte interessada, se residente em Macau, nos termos do artigo 1202º, nº2 do CPC.
A diferença, neste particular, reside, pois, no facto de que agora é a parte interessada que deve suscitar a questão do tratamento desigual no foro exterior à R.A.E.M., facilitando-se assim a revisão e a confirmação das decisões proferidas pelas autoridades exteriores, respeitando a soberania das outras jurisdições, salvaguardando apenas um núcleo formado pelas matérias da competência exclusiva dos tribunais de Macau e de conformidade com a ordem pública.
Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a decisão do exterior satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade1, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.
3. Vejamos então os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Não parecendo haver dúvidas de que a sentença objecto de revisão - a existir - encontrar-se-ia corporizada por um documento autêntico devidamente selado e traduzido, certificando-se um procedimento que correu seus termos por um Tribunal de Hong Kong.
É verdade que o conteúdo da decisão facilmente se alcança, em particular no que respeita à consubstanciação da condenação do ora requerido a pagar à requerente uma determinada quantia.
4. Quanto aos requisitos relativos ao trânsito em julgado, competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, dispõe o artigo 1204º do CPC:
“O tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito”.
Tal entendimento já existia no domínio do Código anterior2, entendendo-se que, quanto àqueles requisitos, geralmente, bastaria ao requerente a sua invocação, ficando dispensado de fazer a sua prova positiva e directa, já que os mesmos se presumiam3.
É este, igualmente, o entendimento que tem sido seguido pela Jurisprudência de Macau.4
De todo o modo, sobre a questão de saber se essa decisão dita final é efectivamente uma decisão definitiva e transitada ou se a sua validade foi de algum modo posta em crise, sempre se refere que não há elementos que permitam duvidar de que a sentença revidenda esteja transitada e também não há elementos que comprovem que o requerido foi duplamente accionado pelos mesmos fundamentos, importando atentar que estamos perante uma decisão proferida no âmbito da Common Law, onde não é usual tal certificação, não obstante a existência de um regime da res judicata condition.
5. Já a matéria da competência exclusiva dos Tribunais de Macau está sujeita a indagação, implicando uma análise em função do teor da decisão revidenda, à luz, nomeadamente, do que dispõe o artigo 20º do CC:
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Maca
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau.”
Ora, ainda aqui se observa que nenhuma das situações contempladas neste preceito colide com o caso sub judice.
6. Da ordem pública.
Não se deixa de ter presente a referência à ordem pública, a que alude o art. 273º, nº2 do C. Civil, no direito interno, como aquele conjunto de “normas e princípios jurídicos absolutamente imperativos que formam os quadros fundamentais do sistema, pelo que são, como tais, inderrogáveis pela vontade dos indivíduos.”5
E se a ordem pública interna restringe a liberdade individual, a ordem pública internacional ou externa limita a aplicabilidade das leis exteriores a Macau, sendo esta última que relevará para a análise da questão.
No caso em apreço, em que se pretende confirmar é uma sentença de condenação no pagamento de uma determinada quantia à requerente, obrigação essa que não foi contestada nem nos tribunais de Hong Kong nem nesta Instância.
Situação banal e comum em qualquer ordenamento jurídico.
A decisão proferida mostra-se transitada e os seus efeitos ainda não foram destruídos por nenhuma outra decisão que tenha sido proferida até ao presente momento.
O pedido de confirmação de decisão arbitral do Exterior não deixará, pois, de ser procedente
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder a revisão e confirmar a sentença proferida pelo COURT OF FIRST INSTANCE OF THE HIGH COURT da Região Administrativa Especial de Hong Kong, em 30 de Abril de 2014, no Processo n.º XXXX do Ano de 2012, nos seus exactos termos, a que correspondem os documentos traduzidos de fls. 29 a 31 v. juntos aos autos com a petição.
Custas pela requerente.
Macau, 5 de Março de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Alberto dos Reis, Processos Especiais, 2º, 141; Proc. nº 104/2002 do TSI, de 7/Nov/2002
2 - cfr. artigo 1101º do CPC pré-vigente
3 - Alberto dos Reis, ob. cit., 163 e Acs do STJ de 11/2/66, BMJ, 154-278 e de 24/10/69, BMJ, 190-275
4 - cfr. Ac. TSJ de 25/2/98, CJ, 1998, I, 118 e jurisprudência aí citada, Ac. TSI de 27/7/2000, CJ 2000, II, 82, 15/2/2000, CJ 2001, I, 170, de 24/5/2001, CJ 2001, I, 263 de 11/4/2002, proc. 134/2002 de 24/4/2002, entre outros
5 -João Baptista Machado, Lições de DIP, 1992, 254
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341/2014 14/14