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Processo nº 436/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 16/Abril/2015

Assunto: Livre apreciação da prova
Resposta explicativa a quesitos
Acidente de viação

SUMÁRIO
- Feita a reapreciação da prova produzida, não se vislumbrando a inobservância de regras de experiência ou lógica que imponham entendimento diverso do acolhido pelo Tribunal recorrido, isso implica que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia qualquer erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto.
- O Tribunal pode dar respostas explicativas a quesitos, desde que essas respostas se integrem no âmbito das questões de facto formuladas na base instrutória.
- No âmbito da responsabilidade objectiva, uma vez verificada a existência do facto ilícito, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o condutor do veículo é obrigado a indemnizar ao lesado pelos danos causados, ao abrigo do disposto no artigo 496º do Código Civil.
- Provado que a vítima de 55 anos de idade perdeu a vida num acidente de viação, tendo antes boa saúde física, capacidade de trabalho e sem qualquer doença; antes do acidente tinha uma vida alegre com os familiares os quais se davam bem um com outro e eram uma família feliz; quando receberam a notícia, os Autores ora seus herdeiros ficaram muito preocupados e com medo; e sempre que se lembram da vida passada com o marido ou com o pai, sentem tristeza pelo seu falecimento, mostram-se razoáveis e proporcionais os valores de MOP$700.000,00, pelo dano da morte da vítima, e MOP$300.000,00 e MOP$100.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores pela morte do marido e pai, respectivamente.


O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 436/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 16/Abril/2015

Recorrente:
- Companhia de Seguros da A (Macau), S.A. (Ré)

Recorridos:
- B, C,D,E (Autores)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
B, C,D e E intentaram contra a Companhia de Seguros da A (Macau), S.A. acção ordinária junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM, pedindo que se condene a Ré a pagar indemnizações no montante total de MOP$1.997.990,00, acrescido de juros de mora a contar da data de citação até efectivo e integral pagamento.
Realizado o julgamento, a acção foi julgada parcialmente procedente, tendo a Ré sido condenada a pagar aos Autores o montante de MOP$1.325.191,00, acrescido de juros à taxa legal a contar da data de sentença.
Inconformada com a sentença, dela interpôs a Ré recurso ordinário, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferido pelo douto Tribunal a quo que julgando parcialmente procedente, por provado, o pedido dos ora Recorridos, condenou a ora Recorrente a pagar-lhes a quantia de MOP$25.191,00 a título de despesas de funeral; a quantia de MOP$700.000,00 a título de perda do direito a vida; a quantia de MOP$600.000,00 a titulo de indemnização por dano não patrimonial sofrido pelos autores pela morte do seu ente querido, sendo MOP$300.000,00 para a mulher e MOP$100.000,00 para cada um dos três filhos.
II. Por via do presente recurso, pretende a Recorrente impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto vertida nos quesitos 2º, 3º, 4º, 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º porquanto da prova produzida em sede de julgamento nunca poderiam os referidos quesitos merecer as respostas que lhe foram conferidas pelo douto Tribunal a quo, pelo que a matéria de facto foi, deste modo, incorrectamente julgada pelo Douto Tribunal a quo.
III. No vertente processo, foi determinada a documentação das declarações prestadas na audiência de julgamento, existindo por isso suporte de gravação, o que permitirá ao douto tribunal de Segunda Instância melhor avaliar, e decidir, sobre o ora invocado erro na apreciação da prova, aqui expressamente se requerendo a reapreciação da matéria de facto, nos termos admitidos no art. 629º do Código de Processo Civil.
IV. Do depoimento prestado por F, condutor do veículo matricula MX-5X-X2 resulta em passagem gravada em 2.12.213, aos 04 minutos e 45 segundos ate 7 minutos e 30 segundos, aos 10 minutos e 55 segundos até 12 minutos e 30 segundos, aos 13 minutos e 00 segundos até 14 minutos e 02 segundos do cd1 tradutor 1 excerto 11.02.22, aos 00 minutos e 00 segundos até 1 minuto e 09 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 11.18.09, resulta pois que não houve embate entre o veículo MX-5X-X2 e o veículo MX-1X-X0; que o veículo ME-5X-X2 circulava pelo lado esquerdo da faixa de rodagem e conservou das barreiras metálicas que circundavam a obra o espaço suficiente até para a passagem de uma mota; que o veículo MX-5X-X2 circulava sempre pela mesma faixa de rodagem esquerda; que o veículo MX-5X-X2 nunca chegou a ver o veículo MX-1X-X0.
V. Do depoimento G em passagem gravada em 2.12.213, aos 3 minutos e 58 segundos até 4 minutos e 09 segundos, aos 6 minutos e 10 segundos até 7 minutos e 50 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 11.20.12, resulta que o veículo MX-1X-X0 circulava do lado esquerdo traseiro do veículo ML-5X-X2, que o veículo ML-5X-X2 seguiu sempre na mesma faixa de rodagem e na mesma direcção, ou seja, em frente, que não houve embate entre o veículo MX-5X-X2 e o veículo MX-1X-X0.
VI. O Agente da Polícia de Segurança Pública n. 3XXXX1 a instâncias da Meritíssima Juiz gravadas em 2.12.213, dos 00 minutos até final do excerto 12.13.01 cd 1 tradutor 1 declarou que a motorizada apresentava danos do lado direito e do lado esquerdo, ao passo que a camioneta estava já bastante suja e riscada não tendo sido possível determinar a ocorrência de qualquer embate que tivesse provocado a queda.
VII. Do depoimento prestado em audiência pelo Bombeiro 4XXXX1, em passagem gravada em 2.12.213, dos 0 minutos e 00 segundos até 1 minutos e 20 segundos do cd1 tradutor 1 excerto 11.37.57, resulta que o condutor do veículo MX-1X-X0 seguia com um capacete muito frágil o qual “saltou” e estava totalmente danificado, o que terá certamente contribuído para as lesões sofridas pelo mesmo na região do cérebro, com isto quer dizer-se que não resultou provado que a infeliz vítima tivesse sido atropelada pelo veículo MX-5X-X2.
VIII. Do depoimento prestado em audiência pelo Dr. H, subscritor do relatório da autopsia junto aos autos, em passagem gravada em 2.12.213, dos 27 minutos e 25 segundos até 28 minutos e 32 segundos e dos 30 minutos e 32 segundos até 31 minutos e 00 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 15.26.57 resultou claro que a vítima não foi atropelada pois se tivesse sido atropelado e se a viatura tivesse passado por cima dele de certeza que teria marcas dos pneus, partindo-lhe ainda o crânio, declarando convictamente que não parece que tenha sido atropelado e que nem a existência do conseguiria proteger pescoço nem ombro e se tivesse passado por cima havia marcar.
IX. Sobre os factos alegados pela Ré e que o Tribunal julgou não provados não poderá deixar de se atender a seguinte passagem do depoimento prestado pela Agente da Polícia de Segurança Pública 20186 aos 02 minutos e 30 segundos até 03 minutos e 29 segundos do cd 1 tradutor 1 excerto 16.11.10 que a instância da Meritíssima Juíza presidente refere a existência de uma ultrapassagem realizada pela esquerda por parte do motociclo.
X. Também dos restantes meios de prova dos autos, com especial enfoque para fls. 37, 38, 39, 40, 90, 91, 190 a 196 e 217 a 221 documentos n.º 2 juntos pelos Recorridos com a sua petição inicial, e bem assim às imagens de vigilância captadas no local (fls 341 dos autos) resulta uma versão do acidente diversa daquela que veio a ser provada pelo Tribunal.
XI. Com base nos supra transcritos depoimentos, e nos restantes meios de prova o Tribunal a quo não poderia dar por provado que: o condutor do veículo MX-5X-X2 teve de virar para a esquerda; que o motociclo pesado MX-1X-X0 conduzido por I ao virar para a esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F, ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o automóvel pesado para prosseguir a sua marcha, fazendo com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com o automóvel pesado; que por causa disso I perdeu controlo do motociclo pesado e caiu no chão juntamente com o motociclo tendo o automóvel pesado MX-5X-X2 continuado a circular acabando por atropelar I.
XII. Face à análise crítica e concertada dos depoimentos e dos demais meios de prova, sendo incontestado que a infeliz vítima caiu do veículo que conduzia, alcança-se a convicção de que para essa queda em nada contribuiu o veículo matrícula MX-5X-X2, na medida em que o acidente ocorreu porquanto o ciclomotor circulava atrás e do lado esquerdo do veículo matrícula MX-5X-X2, a uma velocidade superior a este, tendo efectuado uma manobra de ultrapassagem deste veíulo na parte mais estreita da via e pelo lado esquerdo.
XIII. Constando dos autos todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto – quais sejam documentos, visionamento dos vídeos e depoimento das testemunhas supra transcritos – está esse Venerando Tribunal na condição de modificar a decisão do Tribunal de Primeira Instancia sobre a matéria de facto considerando não provado o quesito 2º, provado unicamente que do lado esquerdo do veículo MK circulava um motociclo pesado MX-1X-X0 conduzido por I que se aproximou deste, perdeu o controlo e caiu ao chão juntamente com o seu veículo, o que sucedeu porque procedeu a uma manobra de ultrapassagem do veículo MK, na parte mas estreita da via, e pelo lado esquerdo (num dia de chuva em que o piso se encontrava molhado).
XIV. Tendo em atenção o conteúdo das declarações acima transcritas das testemunhas conjugada com a restante prova junta aos processo – com particular incidência na certidão junta pelos autores à sua petição inicial como documento nº 2 – não se entende como é que se consignou que não se provou ter a vítima violado os regulamentos de trânsito, e tenha sido por isso desresponsabilizada pela produção do acidente dos autos, e pelo contrário tenha sido entendido “(…) que F violou a obrigação de manter uma distância entre o seu veículo e as grades que ladeavam a estrada por forma a evitar a colisão acima referida. E que, por força desse preceito, a F incumbia o dever de estar atento à situação da via de trânsito em que estava a circular designadamente a existência das referidas grades e do motociclo pesado MX-1X-X0 no seu lado esquerdo (…)”.
XV. Impôs o douto Tribunal a quo, ao arrepio das regras de circulação rodoviária, a obrigação ao condutor do veículo MK de ter de contar com a circulação do seu lado esquerdo de um outro veículo, onde apenas poderia circular uma filha única de veículos, tendo-lhe ainda sido imposto que devesse contar com a presença de um motociclo a circular pela sua esquerda!
XVI. O douto Tribunal a quo descuidou por completo de atentar à conduta estradal da infeliz vítima que, com a sua condução imprudente, violou o preceituado nos artigos 2º, alínea 14), 6º, n.º 2, 15º, n.º 3, 38º, 40º e 42º, n.º 4 da Lei do Trânsito Rodoviário.
XVII. Dúvidas não podem subsistir que a violação por parte da infeliz vítima dos referidos preceitos da Lei do Trânsito foi a única causa da produção do acidente dos autos, o qual se deu por sua exclusiva responsabilidade, sendo por isso de todo incompreensível ter o douto Tribunal a quo determinado não ter o ofendido violado qualquer regra do trânsito, e que o mesmo não tenha sido responsável pela ocorrência do acidente fatal dos autos.
XVIII. Mesmo que não seja entendido por banda desse douto Tribunal que merecem reparo as respostas conferidas aos quesitos 21º, 23º, 23-A, 23-B e 24º, e que por via disso não poderá ser imputada a culpa do acidente em discussão nos autos à infeliz vítima, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede, sempre se diga que a resposta ao quesito 3º não poderá de forma alguma manter-se inalterada por ter o Tribunal a quo dado por provados factos que não foram sequer alegados pelos Recorridos.
XIX. Os Recorridos alegaram que foi o motociclo MX-1X-X0 conduzido por I que se aproximou do veículo MX-5X-X2, o que fez pelo lado esquerdo e que, por I se ter aproximado do veículo MX-5X-X2, perdeu o controlo e embateu neste automóvel pesado.
XX. Já o douto Tribunal a quo deu por provado algo totalmente diferente do alegado pelos Recorridos e Autores destes autos.
XXI. Se os Autores não assacaram ao condutor do veículo matrícula MX-5X-X2 nenhum comportamento culposo, o mesmo já não o fez o Tribunal.
XXII. Foi precisamente por ter decidido indagar da culpa (não alegada pelos Recorridos) que o Tribunal entendeu que “(…) é manifesto que F violou a obrigação de manter uma distância entre o seu veículo e as grades que ladeavam a estrada por forma a evitar a colisão acima referida. É que, por força, por força desse preceito, F incumbia o dever de estar atento à situação da via de trânsito em que estava a circular designadamente a existência das referidas grades e do motociclo pesado MX-1X-X0 no seu lado esquerdo Pela análise dos factos assentes, conclui-se que F não teve isso em atenção, pois não deixou espaço suficiente para permitir que a vítima pudesse continuar a sua marcha o que evitaria o acidente. De facto, o acidente teve lugar porque faltava espaço para que o motociclo pesado MX-1X-X0 pudesse prosseguir o que fez com que a vítima perdesse controlo do motociclo, caísse no chão e fosse atropelada. Disso pode-se concluir que ocorreu o seguinte: ou F, pura e simplesmente, não deu conta da existência das referidas grades e do motociclo pesado MX-1X-X0 no seu lado esquerdo, ou deu conta mas ainda assim não deixou espaço necessário ao motociclo pesado MX-1X-X0. Há, portanto, um acto ilícito por parte de F o qual, por não haver nada que exclua a sua culpa na produção do mesmo, é também culposo.”
XXIII. Não era legítimo ao Tribunal a quo convolar o facto alegado pelos Autores, o que teve necessariamente implicação na forma como o Tribunal entendeu o acidente (já que os autores nunca alegaram factos que enformassem um comportamento culposo do condutor do veículo MK, ao passo que o Tribunal expressamente entende que tal culpa existe).
XXIV. A resposta ao aludido quesito 3º, sempre terá de ter-se como não escrita, sendo analogicamente aplicável o n.º 4 do artigo 549º do CPC.
XXV. Resulta do artigo 496º do CC a exigência de uma conexão ou nexo causal entre o dano e os riscos específicos do veículo, pois que dano indemnizável será aquele que estiver em conexão causal com o risco (cfr. Dário M. Almeida in “Manual dos Acidentes de Viação”, pág. 273), sendo pois necessário que os danos ocorram intercedendo com determinadas relações funcionais com o condutor ou que provenham dos riscos próprios do veículo.
XXVI. Não se provando qualquer atropelamento do ofendido (e quanto a este específico ponto da matéria de facto a decisão do tribunal a quo terá, com todo o devido respeito, necessariamente de ser alterada), nem que o veículo automóvel matrícula MX-5X-X2 se encostou de tal maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço suficiente entre as grades que o ladeavam a estrada e o automóvel pesado para que a mota prosseguisse a sua marcha, resta apenas que o condutor do veículo MX-1X-X0 conduzido por I se aproximou do veículo MX-5X-X2 (e não o contrário) e perdeu o controlo, pelo que, não existe nexo de causalidade entre a circulação do veículo matrícula MX-5X-X2 e a queda do veículo MX-1X-X0, pelo que, também por essa via a pretensão dos Autores senão improceder.
XXVII. Ao ter decidido de modo diverso, o douto Tribunal a quo violou o disposto no artigo 496º do Código Civil, devendo em consequência ser revogada a substituída por outra que julgue improcedentes os pedidos dos Autores e dos mesmos absolva a Ré por inexistência de nexo causal entre os danos e os riscos específicos do veículo seguro na ora Recorrente.
XXVIII. Caso venha a prevalecer a versão dos factos invocados pelos ora Recorridos, ou seja, que a responsabilidade da Ré seguradora do automóvel MX-5X-X2 conduzido por F se funda na responsabilidade objectiva deste porque houve, em primeiro lugar uma colisão deste veículo com o motociclo MX-1X-X0 e depois o atropelamento da vítima, o que não poderá proceder em virtude do supra alegado, mormente no que concerne à inexistência de qualquer atropelamento, sempre se diga que, o risco do veículo conduzido pela infeliz vítima contribuiu em maior medida para os danos sofridos.
XXIX. É que, mesmo que se entenda que o acidente não se deu por culpa do próprio lesado, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concede, sempre será de concluir que o mesmo potenciou, em muito, o risco do acidente se ter verificado, como sucedeu, na medida em que, circulava do lado esquerdo traseiro e a par do veículo MK, numa via em que era reservada a uma filha única de transito, num local onde decorriam obras na berma, e num dia em que estava a chover, e portanto, em que o piso se encontrava molhado e escorregadio, sendo por demais evidente, que foi o motociclo que contribuiu decisivamente para os danos provocados, potenciando o risco.
XXX. Resulta do disposto no artigo 499º, n.º 1 do CC que o fundamento da responsabilidade pelo risco leva a que a responsabilidade se reparta na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos, e na proporção dessa responsabilidade sempre será de entender que o motociclo contribuiu em maior proporção.
XXXI. Ainda que se entenda que ao presente caso não é aplicável o disposto no art. 498º do CC – exclusão da responsabilidade - a fixação do quantum indemnizatório arbitrado sempre deveria ter sido feito ao abrigo do preceituado nos artigos 489º, n.º 3, e 487º, ambos de CC, com recurso a um critério de equidade, ou seja, de justiça do caso concreto.
XXXII. O quantum indemnizatório globalmente fixado pelo Tribunal a quo não é equitativo, porque não atende a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente, não atende ao facto do acidente ser imputável ao lesado, ou, pelo menos, potenciado o risco da sua verificação pelo lesado, pelo que, com todo o devido respeito ao fixar o quantum indemnizatório a título de danos morais sofridos pelos Recorridos o tribunal violou os sobreditos preceitos legais, devendo, em consequência o quantum indemnizatório, ser fixado em montante inferior, tanto mais que poucos ou nenhuns factos foram alegados, e por consequência provados, que permitam suportar os correspondentes pedidos indemnizatórios.
XXXIII. A decisão recorrida ao decidir como decidiu fez uma incorrecta aplicação do disposto nos art. 2º, alínea 14), 6º, n.º 2, 15º, n.º 3, 18º, 38º, 40º e 42º, n.º 4 da Lei do Trânsito Rodoviário e bem assim os artigos 496º, 498º, 487º e 489º do Código Civil.
Conclui, pedindo que se conceda provimento ao recurso.
Notificados, contra-alegaram os Autores, apresentando as seguintes conclusões:
一、上訴人提交上訴理由陳述,被上訴人完全不能認同。
二、原審判決是根據卷宗內載有之所有證據和證人證言,尤其是案中錄影片段中得出獲證明事實,從而得出本案判決。
三、上訴理由陳述書提出的依據明顯沒有理由,且質疑原審法庭的自由心證原則。
四、此外,法庭審理案件時不受制於當事人的法律適用,換言之,法院不受制於當事人指出法律條文。
五、至於上訴人指被上訴判決訂定民事賠償數額過高這一問題,我們認為其亦屬無理。
六、被上訴判決沒有上訴人講的瑕疵,沒有違反法律或法律基本原則,因此,請求廢止之是沒有依據的。相反,應予支持被上訴判決。
七、上訴人的上訴理由不成立,應被駁回。
*
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
A sentença deu por assente a seguinte factualidade:
I faleceu em Macau a 10 de Abril de 2010, na idade de 55 anos (alínea A) dos factos assentes).
A 1ª Autora é cônjuge de I, os 2ª, 3º, 4ª Autores são filhos dos dois, os quatro autores são herdeiros legítimos de I (alínea B) dos factos assentes).
A ré é a companhia de seguro de responsabilidade civil a terceiro do automóvel pesado MX-5X-X2, sob a apólice nº MTV-09-0XXXX7 E0/R1 R, do prazo válido de 20 de Outubro de 2009 até 19 de Outubro de 2010, o limite de indemnização da responsabilidade civil por cada acidente é de MOP$2.000.000,00 (alínea C) dos factos assentes).
No dia 10 de Abril de 2010, cerca das 1h51m de tarde, F conduzia o automóvel pesado MX-5X-X2, tomando um passageiro G, circulando pela Estrada XX na direcção da Rotunda XX à Estrada XX (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
Quando chegou em frente do Edf. XX Garden, sito na Estrada XX, teve que virar para a esquerda porque neste local a estrada se configurava uma curva para o lado esquerdo, atento o sentido da marcha de F (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
Ao mesmo tempo e no mesmo local, no lado esquerdo do automóvel pesado MX-5X-X2, circulava o motociclo pesado MX-1X-X0 conduzido por I o qual, ao virar para a esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F, ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o automóvel pesado para prosseguir a sua marcha, fazendo com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com o automóvel pesado (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
Por causa disso, I perdeu controlo do motociclo pesado e caiu no chão juntamente com o motociclo tendo o automóvel pesado MX-5X-X2 continuado a circular e acabando por atropelar I (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
I ficou ferido e deitado no chão na parte esquerda traseira do automóvel pesado MX-5X-X2 (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
De seguida, I foi conduzido pela ambulância ao CHCSJ para tratar (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
No caminho ao hospital e por volta das 2h00 da tarde, I faleceu por grave trauma cerebral (fractura explosiva na base do crânio e contusão cerebral) (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
Quando aconteceu o acidente estava a chover, o pavimento estava molhado e a intensidade de trânsito era normal (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
Os autores pagaram o valor de MOP$27.990,00 para o funeral de I, incluindo o funeral, a caixão, artigos para rituais de adoração de deuses, e o exorcismo, etc (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
Após o acidente, I ainda tinha movimentos cardíacos e respiratórios (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
Quando aconteceu o acidente, I tinha boa saúde física, sem qualquer doença e tinha capacidade de trabalho (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
Antes de acontecer o acidente, I tinha uma vida alegre com os familiares os quais se davam bem um com outro e eram uma família feliz (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
Na data do acidente, quando recebeu a notícia, a 1ª Autora de imediato dirigiu ao hospital, muito preocupada e com medo (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
Quando os 2º, 3º e 4º Autores receberam a notícia, estavam no Interior China, ficaram muito preocupados e com medo (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
Sempre que os Autores se lembram da vida passada com o marido e pai, sentem tristeza pelo seu falecimento (respostas aos quesitos 17º e 18º da base instrutória).
Em virtude das obras que à data dos factos decorriam naquela local, a Estrada XX, no troço ligeiramente antes do local em que I caiu e para o sentido de marcha em que seguiam F e I, havia apenas uma via de trânsito, que se ia alargando gradualmente a partir deste ponto ligeiramente anterior ao local em que I caiu, passando depois a haver duas vias de trânsito (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
*
Passemos então a apreciar as questões do recurso.
Da impugnação da matéria de facto constante da resposta aos quesitos 2º, 3º, 4º, 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º da base instrutória
Alega a Ré que o Tribunal a quo julgou de forma incorrecta a matéria de facto reportada naqueles quesitos, mais precisamente, entende que o Tribunal não poderia dar como provados os quesitos 2º a 4º, pelo contrário deveria dar por provados os factos descritos nos artigos 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º da base instrutória, por que eram contrariados por depoimentos e documentos juntos aos autos que apontassem em sentido oposto.
Foram dadas as seguintes respostas à matéria de facto vertida nos quesitos 2º, 3º e 4º:
Perguntava-se no quesito 2º:
“Quando conduziu em frente do Edf. XX GARDEN, perto do poste de iluminação n. 7XXC1X na Estrada XX, uma vez que na faixa de circulação em frente havia um gargalo e um obstáculo, tinha de esquivar para o lado esquerdo?”
E mereceu a seguinte resposta:
“Quando chegou em frente do Edf. XX Garden, sito na Estrada XX, teve de virar para a esquerda porque neste local a estrada configurava uma curva para o lado esquerdo, atento o sentido da marcha de F.”
Questionava-se no quesito 3º:
“Ao mesmo tempo, do lado esquerdo um motociclo pesado MX-1X-X0 conduzido por I, aproximou-se, perdeu o controlo e embateu com o automóvel pesado MX-5X-X2?”
E ficou provado que:
“Ao mesmo tempo e no mesmo local, no lado esquerdo do automóvel pesado MX-5X-X2, circulava o motociclo pesado MX-1X-X0 conduzido por I, o qual, ao virar para a esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F, ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o automóvel pesado para prosseguir a sua marcha, fazendo com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com o automóvel pesado.”
E mais se perguntava no quesito 4º:
“I caiu no chão juntamente com o veículo, o automóvel pesado MX-5X-X2 continuava a circular de forma que atropelou I?”
Tendo respondido que:
“Por causa disso I perdeu controlo do motociclo pesado e caiu no chão juntamente com o motociclo tendo o automóvel pesado MX-5X-X2 continuado a circular acabando por atropelar I.”
E em relação aos restantes quesitos impugnados, a saber, 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º da base instrutória, em que a Ré ora recorrente contou outra versão do acidente, mereceram resposta de “não provado”.
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012 (Processo 551/2012), “este princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Todos sabemos isso muito bem.
Mas, por outro lado, nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo.”
Mais se especificou naquele mesmo Acórdão que “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção (fls. xxx), atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º, nºs 1 e 2 do CPC.”
Reapreciada por este nosso Tribunal a prova produzida, nomeadamente atendendo ao visionamento dos vídeos, à documentação das declarações prestadas pelas testemunhas na audiência de julgamento e à prova documental junta aos autos, entendemos que não somos capazes de dar razão à recorrente, por que os dados permitem a conclusão a que o Tribunal a quo chegou.
Vejamos.
Para sustentar a sua tese, a Ré ora recorrente indicou algumas passagens das gravações, mais precisamente as declarações prestadas por F, condutor do automóvel de matrícula MX-5X-X2, sua mulher G que sentava ao lado do condutor, agentes da PSP nº 3XXXX1 e 2XXXX0 como sendo guardas que chegaram ao local depois do acidente, bombeiro nº 4XXXX1 que prestou assistência à vítima e médico H que subscreveu o relatório de autópsia.
É bom anotar os pontos principais de cada uma dessas testemunhas.
Referiram as duas primeiras, a saber o condutor do automóvel de matrícula MX-5X-X2 e sua esposa que antes do acidente não viram que o motociclo conduzido pela vítima estava a circular no seu lado esquerdo.
Disseram ainda que, a dada altura, ouviram um grande barulho, pelo que o condutor do automóvel fez parar o seu veículo, tendo ambas as testemunhas saído do veículo para ver o que se passava, e foi nessa altura que se aperceberam do sucedido.
Entretanto, negaram as referidas testemunhas ter ocorrido qualquer embate.
Em relação às declarações dos dois agentes policiais indicadas pela recorrente, o primeiro agente respondeu que não sabia se houve embate, por que havia riscos ou vestígios em ambos os lados do automóvel, enquanto a segunda afirmou que teve a conclusão pela imagem que o motociclo tentou fazer ultrapassagem porque o automóvel estava em circulação primeiro.
Já no concernente às declarações do bombeiro que prestou assistência à vítima, ele disse que quando chegou ao local do acidente, viu que trazia ainda na cabeça da vítima a parte interior do capacete, enquanto a parte exterior do capacete já não estava lá.
Socorreu-se ainda a recorrente do depoimento de H, médico que subscreveu o relatório da autópsia, o qual teria dito que a vítima não foi “atropelado”, pois se tivesse passado por cima dele de certeza se verificaria marca dos pneus e também partiria o crânio.
A questão que aqui se coloca é saber como ocorreu o acidente.
Salvo o devido respeito por opinião diversa, não somos capazes de dar razão à recorrente, por que segundo a prova produzida na audiência, os elementos carreados aos autos não nos permitem acolher necessariamente o ponto de vista da recorrente no tocante à forma como ocorreu o acidente.
Vejamos por partes.
Comecemos pelos agentes policiais e bombeiro. Podemos concluir que eles não presenciaram o acidente, apenas chegaram ao local após a sua ocorrência, por isso os seus depoimentos não chegam para provar o modo como ocorreu o acidente.
Aliás, não obstante a última agente policial ter afirmado que o motociclo tentou fazer ultrapassagem porque o automóvel estava em circulação primeiro, mas não podemos deixar de assinalar que ela tirou essa conclusão apenas com base no visionamento dos vídeos, entretanto, como as gravações dos vídeos foram apresentadas como prova, não havia outra solução senão competir ao tribunal apreciar a sua relevância para a prova dos factos.
Já em relação aos depoimentos do condutor do automóvel de matrícula MX-5X-X2 e da sua mulher, em princípio são meios de prova relevantes e directos, mas também não podemos deixar de ponderar as diversas ordens de razões que poderiam afectar a credibilidade dos seus testemunhos, mais precisamente, pode acontecer que nem o condutor nem a passageira sua mulher teriam reparado que junto do seu veículo estava a circular no seu lado esquerdo o motociclo conduzido pela vítima, ou mesmo que tivessem reparado, também poderiam eles não dizer a verdade por não querer ser-lhes imputada qualquer responsabilidade pelo acidente, com vista a encobrir qualquer eventual negligência por parte do condutor.
Por último, salvo o devido respeito, também não se descortina qualquer erro na apreciação do depoimento do médico que elaborou o relatório da autópsia.
De facto, embora o médico tenha dito que o automóvel não teria passado por cima da vítima, pois se o tivesse existiria necessariamente marca dos pneus, mas o médico não excluiu a hipótese de que houve choque entre o automóvel e a vítima, daí que não se verifica a alegada contradição entre o depoimento da referida testemunha e a matéria de facto provada, pois ao dar-se como provado que o automóvel de matrícula MX-5X-X2 atropelou a vítima não significa necessariamente que teria passado por cima dela.
Na linguagem comum, o termo “atropelamento” é usado para definir um tipo de acidente, frequentemente provocado por veículos automotores, que afecta um pedestre, animal ou mesmo um usuário em condição ou veículo considerado "menor", como um ciclista atropelado por um carro ou um pedestre atropelado por um ciclista, por exemplo.1
Também segundo o Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa, o verbo “atropelar” significa derrubar, passando ou não por cima.
No vertente caso, o colectivo de primeira instância não atendeu à versão da Ré ora recorrente no que diz respeito ao modo como ocorreu o acidente de viação, ou seja, não considerou que o motociclo conduzido pela vítima de matrícula MX-1X-X0 teria procedido a manobra de ultrapassagem do automóvel MX-5X-X2 pela esquerda e que acabou por embater este último veículo, antes pelo contrário deu-se como provado que pouco tempo antes do acidente, tanto o motociclo como o automóvel encontravam-se a circular na mesma faixa de rodagem, enquanto o primeiro no lado esquerdo, o segundo estava no lado direito. Quando chegaram em frente do edifício XX Garden, os dois veículos tiveram que virar para a esquerda porque neste local a estrada se configurava uma curva para o lado esquerdo, atento o sentido da marcha. E ao virar para a esquerda, o automóvel encostou de tal maneira junto do motociclo e não deixou espaço suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o automóvel, fazendo com que a vítima perdesse controlo do motociclo e embatesse com o automóvel.
Sendo ainda evidente que o colectivo de primeira instância fez a análise de todos os dados e deu a explanação pormenorizada dos fundamentos decisivos para a sua convicção, com a qual concordamos na íntegra e que a seguir se transcreve:
“A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos juntos a fls 18 a 119, 202 a 259 e 282, no visionamento dos vídeos relativos aos acidente juntos a fls 341, no depoimento das testemunhas ouvidas em audiência que depuseram sobre os quesitos da base instrutória, cujo teor se dá por reproduzido aqui para todos os efeitos legais, o que permitiu formar uma síntese quanto aos apontados factos.
Em especial, no que se refere às circunstâncias do acidente, a convicção do tribunal resulta essencialmente do visionamento dos vídeos que captaram as imagens dos veículos conduzidos pela vítima e por F antes e depois do acidente em conjugação dos documentos juntos aos autos que lhe permitiram compreender melhor o estado do local do acidente bem como a dinâmica do acidente.
Nesse aspecto, não acolheu o entendimento de que a vítima estava a fazer uma ultrapassagem porque apesar de do visionamento do vídeo que tinha captado as primeiras imagens dos dois veículos (adiante designado por vídeo 1) na Estrada XX, se poder concluir que o motociclo pesado, pelas 1h51m18s, estava a circular no lado esquerdo do automóvel pesado, não se conseguia dizer que o automóvel pesado tinha ocupado a via de trânsito em questão antes de o motociclo pesado aparecer ao seu lado.
Isso é importante porque só se pode afirmar que o motociclo pesado tentou fazer uma manobra de ultrapassagem se tivesse sido o automóvel pesado o primeiro a ocupar e a circular na via de trânsito em questão e o motociclo pesado tivesse aparecido depois a uma velocidade mais alta para, primeiro, ficar ao lado do automóvel pesado e, depois, avançar ou tentar avançar à frente do automóvel pesado.
Ora, isso pressupõe que se pudesse ver do vídeo 1 que antes de o motociclo pesado ter ficado ao lado do automóvel pesado, aquele estava atrás deste. No entanto, isso não aconteceu com o visionamento do vídeo 1. É que, das imagens captadas, via-se que, a cerca de 1h51m10s, o automóvel pesado apareceu nas imagens captadas e, entre 1h51m10s e 1h51m18s, não se via que o motociclo pesado tinha estado a circular atrás do automóvel pesado.
Precisamente por isso, entendeu o tribunal que, durante o período em que o automóvel pesado foi captado nas imagens, o motociclo já estava a circular ao lado deste o qual só tinha aparecido quase no final das imagens porque o ângulo da câmara não permitia captá-lo mais cedo (dada a dimensão do automóvel pesado). Como das imagens não se conseguia ver como é que os dois veículos passaram a circular lado a lado, se era o motociclo pesado que estava inicialmente atrás do automóvel pesado mas depois, por ter acelerado, posicionou-se ao lado deste ou vice versa, nem se podia dizer que tinha sido o motociclo pesado que estava a tentar fazer uma ultrapassagem nem o contrário.
No que se refere à dinâmica do acidente, novamente foi do visionamento dos vídeos, especialmente o da 2ª câmara (vídeo 2) em conjugação dos mesmos dados que o tribunal deu as suas respostas aos quesitos 1º a 5º da base instrutória. As imagens captadas, apesar de não serem de boa qualidade, permitiram ver claramente que o automóvel pesado tinha encostado muito para a esquerda ao fazer a curva, circulando até sobre a linha descontínua branca esquerda da via de trânsito, quando simultaneamente o motociclo pesado estava a circular no seu lado esquerdo, deixando um espaço manifestamente insuficiente para o motociclo prosseguir a sua marcha. Além disso, via-se das imagens que, antes da queda, o motociclo pesado tinha travado, pois a luz de travão deste tinha chegado a acender, para evitar qualquer embate mas não tinha conseguido evitá-lo.
Quanto ao estado do local de acidente e da respectiva via do trânsito, os documentos juntos aos autos permitiram ao tribunal responder ao quesito 19º nos termos constantes da resposta dada o que exclui a descrição feita no quesito 2º.”
Aqui chegados, através do visionamento dos vídeos que captaram as imagens dos dois veículos antes e depois do acidente, e em conjugação com alguns documentos juntos aos autos, mormente o croquis elaborado pela respectiva entidade policial, podemos verificar que todos esses elementos permitem chegar à conclusão a que o Tribunal a quo chegou.
Nesta conformidade, por não se vislumbrar ter havido erro na apreciação da matéria dos factos, improcede o recurso nesta parte.
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Da culpa do lesado
Uma vez que lograda não ficou a alteração das respostas conferidas aos quesitos 21º, 23º, 23º-A, 23º-B e 24º da base instrutória, improcedem, pois, as conclusões das alegações da recorrente quanto à violação pela vítima das regras de circulação rodoviária.
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Da resposta ao quesito 3º da base instrutória – Alegada violação do princípio do dispositivo e do excesso de pronúncia
Invoca a recorrente que o Tribunal a quo deu por provado algo totalmente diferente do alegado pelos Autores ora recorridos, constituindo, deste modo, violação do princípio do dispositivo, pedindo que se considere como não escrita a resposta ao quesito 3º.
Segundo o disposto no artigo 556º do Código de Processo Civil, encerrada a discussão da matéria de facto, o tribunal colectivo reúne para decidir, cabendo-lhe declarar quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
Como observa Viriato de Lima, “a decisão da matéria de facto pode ser restritiva (Provado apenas que…) ou explicativa relativamente aos factos da base instrutória, mas tem de manter-se dentro da matéria articulada pelas partes”2.
No caso vertente, questionava-se no quesito 3º o modo como ocorreu o acidente, nos seguintes termos:
“Ao mesmo tempo, do lado esquerdo um motociclo pesado MX-1X-X0 conduzido por I aproximou-se, perdeu o controlo e embateu com o automóvel pesado MX-5X-X2?”
E o colectivo deu a seguinte resposta:
“Ao mesmo tempo e no mesmo local, no lado esquerdo do automóvel pesado MX-5X-X2, circulava o motociclo pesado MX-1X-X0 conduzido por I o qual, ao virar para a esquerda, foi obrigado a abrandar a sua marcha porque F, ao virar para a esquerda, encostou o seu automóvel de tal maneira junto do motociclo que não lhe deixou espaço suficiente entre as grades que ladeavam a estrada e o automóvel pesado para prosseguir a sua marca, fazendo com que I perdesse controlo do motociclo e embatesse com o automóvel pesado.”
Em boa verdade, embora a resposta seja mais extensa do que o próprio quesito, mas salvo o devido respeito por opinião contrária, somos a entender que o colectivo de primeira instância limitou-se a dar uma resposta explicativa ao referido quesito.
A nosso ver, pretendia-se com aquele quesito indagar se naquela altura, o motociclo de matrícula MX-1X-X0 conduzido pela vítima se aproximou, perdeu o controlo e embateu com o automóvel de matrícula MX-5X-X2.
E o colectivo de primeira instância deu uma resposta mais detalhada sobre o modo como o motociclo MX-1X-X0 conduzido pela vítima se aproximou e perdeu o controlo, isso significa, no fundo, que a resposta dada pelo colectivo ainda estava dentro do âmbito das questões de facto formuladas naquele quesito da base instrutória, embora tenha um conteúdo bastante explicativo.
Com efeito, por não se descortinar que a resposta tenha excedido o âmbito do quesito, improcedem as razões da recorrente quanto à alegada violação do princípio do dispositivo.
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Da responsabilidade pelo risco – artigo 496º do Código Civil
Defende a recorrente a falta de nexo de causalidade entre a circulação do automóvel de matrícula MX-5X-X2 e a queda do motociclo MX-1X-X0, razão pela qual entende que a pretensão dos Autores não poderia deixar de improceder.
Ora bem, estatui no nº 1 do artigo 496º do Código Civil que “aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação.”
Trata-se de situação em que o responsável pelos perigos envolvidos na utilização de um veículo de circulação terrestre, por ter o domínio real ou de facto sobre esse mesmo veículo, deve assumir a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos resultantes da concretização dos riscos decorrentes da sua utilização.
No caso vertente, provado que o atropelamento se deu porque o automóvel de matrícula MX-5X-X2 conduzido por F fechou demasiado a via onde a vítima prosseguia, fazendo com que a mesma perdesse o controlo e embatesse com o referido automóvel.
Quanto ao nexo de causalidade, é fora de dúvida que a morte da vítima é consequência directa e necessária do embate.
De facto, apurou-se que depois do embate, a vítima ora condutor do motociclo ficou ferido e deitado no chão, de seguida, foi conduzido ao Hospital Conde São Januário tratar receber tratamento, mas veio a falecer ainda no caminho ao Hospital.
Aqui chegados, podemos concluir que, no âmbito da responsabilidade objectiva, uma vez verificada a existência do facto ilícito, do dano e do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o condutor do automóvel de matrícula MX-5X-X2 fica obrigado a indemnizar aos Autores pelos danos causados.
Entretanto, por que a responsabilidade por danos causados a terceiros pelo automóvel de matrícula MX-5X-X2 havia sido transferida para a recorrente, torna-se esta responsável pelo pagamento dos respectivos valores indemnizatórios.
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Da responsabilidade pelo risco – artigo 499º do Código Civil
Argumenta a recorrente que, mesmo que se entenda que o acidente se não deu por culpa do próprio lesado, sempre será de concluir que o mesmo contribuiu decisivamente para a produção dos danos, na medida em que o próprio lesado circulava do lado esquerdo traseiro e a par do veículo de matrícula MX-5X-X2, numa via em que era reservada a uma fila única de trânsito, num local onde decorriam obras na berma, e num dia em que estava a chover.
Salvo o devido respeito, não podemos deixar de afirmar que o disposto no artigo 499º do Código Civil não é aplicável ao caso concreto, por não estar em causa a colisão dos dois veículos, conforme se referiu na sentença recorrida.
Sucede que o atropelamento se deu porque o automóvel de matrícula MX-5X-X2 conduzido por F encostou-se demasiado ao motociclo conduzido pela vítima, fazendo com que a mesma perdesse o controlo e embatesse com o referido automóvel, ou seja, não se verifica qualquer colisão entre os dois veículos.
Mesmo que se admitisse ter havido colisão, também não se vislumbra como pode o próprio lesado ter contribuído para a produção dos danos, por alegada violação das regras estradais.
Quanto a essa questão, face à matéria de facto que ficou provada, sem necessidade de delongas considerações, julgamos que o lesado nada contribuiu para o acidente, mormente para a produção dos danos.
É por esta razão que subscrevemos o entendimento consubstanciado na sentença recorrida, com o qual concordamos inteiramente e que se transcreve a seguir:
“Ora, tendo em conta que os veículos estavam a circular lado a lado numa mesma via de trânsito, pode-se colocar a questão de saber quem é que violou a regra prevista no artigo 2º, 14) da citada Lei que impõe que na mesma via de trânsito apenas circule uma fila de veículos.
Não se provou que a vítima estava a fazer uma ultrapassagem quando se deu o acidente. Pelo que, não se pode afirmar que o automóvel pesado MX-5X-X2 estava inicialmente em frente do motociclo pesado MX-1X-X0. Afastada essa hipótese, e por não haver outros factos que permitam dilucidar essa questão, não se sabe qual dos veículos é que se colocou ao lado do outro em violação da regra prevista no artigo 2º, 14), da citada Lei.
     Daí que, não se pode imputar a nenhum dos condutores a violação dessa regra e, eventualmente, daí tirar qualquer ilação quanto à imputabilidade objectiva do acidente.”
Posto isto, improcedem as razões da recorrente.
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Do quantum indemnizatório
Pugna a recorrente que o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo não é equitativo, por entender que não atendeu a todas as circunstâncias do caso concreto, designadamente, não atendeu ao facto do acidente ser imputável ao lesado, ou pelo menos, potenciado o risco da sua verificação pelo lesado.
Resulta da sentença recorrida que os Autores ora recorridos têm direito a ser indemnizados pelos seguintes danos patrimoniais e não patrimoniais:
- MOP$25.191,00, de despesas do funeral suportadas pelos Autores;
- MOP$700.000,00, pelo dano da morte da vítima;
- MOP$300.000,00, pelos sofrimentos da 1ª Autora pela morte da vítima;
- MOP$100.000,00, pelos sofrimentos da 2ª Autora pela morte da vítima;
- MOP$100.000,00, pelos sofrimentos do 3º Autor pela morte da vítima; e
- MOP$100.000,00, pelos sofrimentos da 4ª Autora pela morte da vítima.
Tomando em consideração a matéria provada, nomeadamente tinha a vítima 55 anos de idade à data do acidente, tinha boa saúde física, sem qualquer doença e tinha capacidade de trabalho; antes do acidente tinha uma vida alegre com os familiares os quais se davam bem um com outro e eram uma família feliz; quando receberam a notícia, os Autores ficaram muito preocupados e com medo; e sempre que se lembram da vida passada com o marido ou com o pai, sentem tristeza pelo seu falecimento, mostram-se razoáveis e proporcionais os montantes arbitrados pelo Tribunal a quo por estarem em consonância com os critérios firmados a nível jurisprudencial.
Tudo aponta para se negar provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela Ré Companhia de Seguros da A (Macau), S.A., confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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Macau, 16 de Abril de 2015

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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira

1 in Wikipédia
2 Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, página 504
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Processo 436/2014 Página 35