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Processo nº 203/2015
(Autos de recurso laboral)

Data: 23/Abril/2015

Recorrente:
- A (Autor)

Recorrida:
- B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Ltd (Ré)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
  A intentou junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM a presente acção de processo comum do trabalho, pedindo a condenação da Ré no pagamento do montante de MOP$291.678,00, entretanto foi reduzido o pedido por acordo das partes até ao montante de MOP$273.817,00 em sede de audiência de discussão e julgamento.
  Realizado o julgamento, foi a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP$183.257,00, acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar da data de sentença até efectivo e integral pagamento.
  Inconformado com a sentença, dela interpôs o Autor recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
  1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
  2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto no al. a) do n.º 6 do artigo 17º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral.
  3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado.
  4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário x n.º de dias de descanso não gozados x 2).
  5. De onde, resultando provado que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$183,970.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$91.985,00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
  Conclui, pedindo a revogação da sentença que condenou a Ré a pagar ao Autor apenas o equivalente a um dia de trabalho em singelo, e substituída por outra que atenda ao pedido formulado pelo recorrente.
***
II) FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO
  A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
  Entre 15 de Junho de 1994 e 31 de Maio de 2008, o Autor prestou para a Ré funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (alínea A) dos factos assentes)
  Entre o referido período, o Autor trabalhou sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea B) dos factos assentes)
  A Ré sempre fixou o local, o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (alínea C) dos factos assentes)
  O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais indicados pela Ré. (alínea D) dos factos assentes)
  Ao longo de toda a relação laboral a Ré pagou ao Autor uma quantia fixa mensal, acrescida de uma quantia determinada em função do número de horas de trabalho extraordinário efectivamente prestadas pelo Autor. (alínea E) dos factos assentes)
  Entre 15 de Junho de 1994 a 31 de Dezembro de 2007, o Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.8, Certidão de Rendimentos – Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
Ano
Salário anual
Salário diário
1994
19018
115
1995
39334
109
1996
51324
143
1997
53972
150
1998
61157
170
1999
56447
157
2000
47661
132
2001
41273
115
2002
45088
125
2003
50508
140
2004
51955
144
2005
49911
139
2006
68978
192
2007
79299
220
  (alínea F) dos factos assentes)
  Para além das referidas quantias, o Autor não auferiu quaisquer outras por parte da Ré, ou de qualquer outra entidade patronal. (alínea G) dos factos assentes)
  Enquanto trabalhador não residente, o Autor apenas estava autorizado a exercer a sua actividade profissional para a Ré. (alínea H) dos factos assentes)
  Entre 15 de Junho de 1994 a 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (alínea I) dos factos assentes)
  Entre 1 de Julho de 1999 e 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca atribuiu ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, com excepção de 33 dias em 2000, 14 dias em 2001, 16 dias em 2004, 23 dias em 2005 e 2 dias em 2007. (alínea J) dos factos assentes)
  Entre 15 de Junho de 1994 a 30 de Junho de 1999, por solicitação da Ré o Autor prestou trabalho todos os dias da semana, de modo a garantir o contínuo e diário funcionamento da actividade da Ré. (Resposta ao quesito 1º da base instrutória)
  Entre 15 de Junho de 1994 a 30 de Junho de 1999, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (Resposta ao quesito 2º da base instrutória)
  Entre 15 de Junho de 1994 a 31 de Dezembro de 2007, a Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (Resposta ao quesito 3º da base instrutória)
  O trabalho que prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (Quesito 8º da base instrutória, aceite pelas partes)
  Corridos os vistos, cumpre decidir.

  Da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal
  
  Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
  
  Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
  
  Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a de saber qual é o multiplicador para o cálculo do trabalho prestado nos dias de descanso semanal.
  
  Tem razão o recorrente.
  
  Pois no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, a lei regula as condições do trabalho prestado em dias de descanso semanal e as diferentes formas de compensações desse trabalho consoante as variadas circunstâncias que o justificam.
  
  Diz o artº 17º deste diploma que:

1. Todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26º.
2. O período de descanso semanal de cada trabalhador será fixado pelo empregador, com devida antecedência, de acordo com as exigências do funcionamento da empresa.
3. Os trabalhadores só poderão ser chamados a prestar trabalho nos respectivos períodos de descanso semanal:
a) Quando os empregadores estejam em eminência de prejuízos importantes ou se verifiquem casos de força maior;
b) Quando os empregadores tenham de fazer face a acréscimos de trabalho não previsíveis ou não atendíveis pela admissão de outros trabalhadores;
c) Quando a prestação de trabalho seja indispensável e insubstituível para garantir a continuidade do funcionamento da empresa.

4. Nos casos de prestação de trabalho em período de descanso semanal, o trabalhador tem direito a um outro dia de descanso compensatório a gozar dentro dos trinta dias seguintes ao da prestação de trabalho e que será imediatamente fixado.
5. A observância do direito consagrado no nº 1 não prejudica a faculdade de o trabalhador prestar serviço voluntário em dias de descanso semanal, não podendo, no entanto, a isso ser obrigado.
6. O trabalho prestado nos termos do número anterior dá ao trabalhador o direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.

  Em face dos factos que ficaram provados nos presentes autos, não se mostrando que o trabalho em dias de descanso semanal foi prestado em qualquer das situações previstas no nº 3 e na falta de outros elementos fácticos, a compensação deve processar-se nos termos consagrados no nº 6, isto é, o trabalhador tem direito a ser pago pelo dobro da retribuição normal.
  
  Assim, no âmbito do Decreto-Lei nº 24/89/M, para cálculo de quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, a fórmula é:

2 X o salário diário médio X número de dias de prestação de trabalho em descanso semanal, fora das situações previstas no artº 17º/3, nem para tal constrangido pela entidade patronal.

  Como, por um lado, a sentença recorrida adoptou o multiplicador X 1 para o cálculo da quantia a pagar ao trabalho prestado em dias de descanso semanal, em vez de o multiplicador X 2 que defendemos, e por outro lado não foram objecto da impugnação quer o número dos dias de descanso semanal em que trabalhou quer o quantitativo diário do salário, é de alterar a sentença recorrida e passar a aplicar nela o multiplicador X 2 para o cálculo da compensação pelo trabalho prestado nos descansos semanais, o que nos leva a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$183.970,00, correspondente ao dobro de MOP$91.985,00, quantia fixada na sentença recorrida.
  
  Tudo visto resta decidir.
***
III) DECISÃO
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência conceder provimento ao recurso interposto pelo Autor A:

* revogando a sentença recorrida na parte que diz respeito à compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal;

* passando a atribuir ao Autor, a título da compensação pelo trabalho prestado nos dias de descanso semanal, o valor de MOP$183.970,00; e

* mantendo a condenação da Ré no pagamento ao Autor a título da compensação pelo não gozo dos descansos compensatórios, assim como a forma de cálculo de juros.

  Custas a cargo da Ré pelo decaimento da acção na parte tratada neste recurso – arº 376º do CPC e artº 2º/1-i) do RCT, a contrario.
  
  Registe e notifique.
  
  RAEM, 23ABR2015

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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Tong Hio Fong
  (Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
  Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)



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