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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso penal
N.° 32 / 2007

Recorrente: A









1. Relatório
   No processo comum colectivo n.° CR1-06-0058-PCC do Tribunal Judicial de Base, o arguido A foi condenado pela prática de um crime de tráfico de drogas previsto e punido pelo art.° 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.º 5/91/M na pena de 9 anos de prisão e 20,000 patacas de multa, convertível em 130 dias de prisão se não for paga nem substituída por trabalho.
   Inconformado com a decisão, recorreu para o Tribunal de Segunda Instância. Por seu acórdão de 17 de Maio de 2007 proferido no processo n.º 647/2006, foi negado provimento ao recurso.
   Vem agora o arguido recorrer para este Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:
   “1. O acórdão recorrido actual do Tribunal de Segunda Instância decretou rejeitar o recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Base em 26 de Outubro de 2006 e manter a mesma decisão – que condenou o arguido, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de droga p. e p. pelo art.º 8.º n.º 1 do DL n.º 5/91/M, de 28 de Janeiro, na pena de 9 anos de prisão efetiva e multa de MOP$20.000,00, se não for paga nem substituída por trabalho, convertida em 130 dias de prisão.
   2. A decisão não foi lida pelo juiz, pessoal legalmente qualificado, ao recorrente.
   3. O acto processual violou o art.º 313.º e ss. do Código de Processo Penal e o art.º 353.º n.º 3 do mesmo Código.
   4. O vício determina a nulidade da decisão.
   5. A nulidade não é sanável nos termos do art.º 109.º do Código de Processo Penal.
   6. A decisão recorrida é baseada numa decisão nula.
   7. Razão pela qual a decisão recorrida também padeceu do vício de nulidade,
   8. O Tribunal do escalão superior deve revogar ex-officio a decisão recorrida e remetê-la para o Tribunal de 1.ª instância para cumprir o respectivo procedimento legal.”
   Pedindo a revogação do acórdão recorrido e consequentemente o reenvio do processo para continuar na primeira instância o processo de julgamento nos termos da lei.
   
   O Ministério Público emitiu a seguinte resposta:
   “O recorrente submete à apreciação de V. Excias. uma questão que havia sido suscitada oficiosamente por este Tribunal de Segunda Instância.
   Trata-se, concretamente, de saber se a ausência do mesmo, aquando da leitura do acórdão da primeira instância, integra a nulidade insanável prevista no art.º 106.º, al. c), do C.P. Penal.
   Propendemos pela negativa, na esteira da posição já assumida nos autos.
   
   A necessidade da presença do arguido, em nosso juízo, diz apenas respeito à fase da audiência propriamente dita e não também à da leitura da sentença.
   Essa necessidade, na verdade, prende-se com as garantias de defesa do arguido e, nomeadamente, com a salvaguarda do princípio do contraditório.
   E a ausência do mesmo na fase da leitura não posterga essa garantias, cabendo-lhe apenas reagir, se for caso disso, pela via do recurso.
   
   O elemento sistemático aponta, igualmente, em sentido convergente, sendo certo que o Livro VII, que trata do “Julgamento”, se subdivide em três Títulos, sendo o II da “Audiência” e o III da “Sentença”.
   E é certo que o mencionado art.º 313.º, integrado no título respectivo, se reporta à obrigatoriedade da presença do arguido na “audiência”.
   Um entendimento diferente conduziria, aliás, inevitavelmente, a situações de bloqueio e de protelação das decisões.
   E não pode olvidar-se, a propósito, que a celeridade é um desiderato primacial do processo penal.
   
   Não se verifica, em suma, a nosso ver, qualquer nulidade insanável, designadamente a referida anteriormente.
   Deve, pelo exposto, ser negado provimento ao recurso.”
   
   O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Última Instância mantém a posição tomada na resposta.
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 Pedido do recorrente sobre a nomeação do novo defensor
   Conforme as cartas subscritas pelo recorrente e remetidas pelo Estabelecimento Prisional de Macau a fls. 635 e 640 dos autos, veio o recorrente pedir a nomeação de novo defensor, alegando que não conseguiu resposta do seu defensor, apesar de ter pedido para o efeito, e é parcial e injusta a decisão de segunda instância.
   Segundo uma terceira carta do recorrente e remetido pelo Estabelecimento Prisional de Macau dias depois (fls. 647 dos autos), o recorrente afirmou que já teve encontro com o defensor nomeado.
   
   Nos termos do art.º 55.º, n.º 3 do Código de Processo Penal (CPP), “o juiz pode sempre substituir o defensor nomeado, a requerimento do arguido, por causa justa.”
   Ora, a simples alegação de divergência de opinião com o defensor, da falta de confiança para com este e da injustiça da decisão judicial, objecto do recurso anterior nunca constitui causa justa para o juiz substituir o defensor nomeado.
   Indefere, assim, o pedido do recorrente de nomeação do novo defensor.
   
   
   2.2 Falta do arguido na leitura da sentença
   O recorrente alega a nulidade do acórdão de primeira instância, e consequentemente também nulo o acórdão de segunda instância, por a leitura daquele acórdão ao recorrente não foi feita pelo juiz, em violação dos art.ºs 313.º e seguintes e 353.º, n.º 3 do CPP.
   A questão foi suscitada oficiosamente na segunda instância. O Tribunal de Segunda Instância julgou pela inexistência da nulidade.
   
   De acordo com a acta a fls. 431 dos autos, não há dúvida que o acórdão de primeira instância foi lido publicamente pela presidente do tribunal colectivo no dia 26 de Outubro de 2006 pelas 11:00, apesar de a leitura ter sido marcada para as 10:00 do mesmo dia. Só que o recorrente, embora preso preventivamente, não estava presente no momento da leitura, apesar de ter sido devidamente notificado para o efeito.
   Conforme ainda o termo de entrega assinado pelo recorrente, foi entregue a este cópia do acórdão de primeira instância no mesmo dia.
   
   Sobre a leitura da sentença prescreve o n.º 3 do art.º 353.º do CPP: “A sentença é lida publicamente na sala de audiência por um dos juízes, ...”. Foi o que acontece no caso.
   Por outro lado, o n.º 1 do art.º 313.º do mesmo Código dispõe assim:
   “1. É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 315.º e 316.º.”
   Aqui o termo “audiência” entende-se por audiência de julgamento no sentido de sessões de produção da prova.
   É este o sentido que a lei emprega a palavra “audiência” para fixar o momento limite de apresentação de documento e parecer técnico no “encerramento da audiência” (art.º 151.º, n.ºs 1 e 3 do CPP), isto é, antes de terminar a produção da prova.
   Outro exemplo é o momento limite para requerer a publicação da sentença absolutória pelo arguido que é fixado também para o encerramento da audiência (art.º 359.º, n.º 1 do CPP).
   E o único caso em que o Código de Processo Penal refere à “reabertura da audiência” é o seu art.º 352.º, onde prescreve a produção de prova suplementar para a determinação da sanção.
   Em bom rigor, a leitura da sentença não constitui a continuação da audiência. Nem isso resulta do Código. Verifica-se também da divisão sistemática do CPP que a “audiência” e a “sentença” são previstas separadamente nos Títulos II e III do Livro VII em que está regulado o “julgamento”. E justifica-se a diferença do regime legal da presença do arguido na audiência de produção da prova e na leitura da sentença. Pois é na audiência que se situa a maior necessidade de assegurar todos os direitos de defesa do arguido. Na leitura, o arguido limita-se a tomar conhecimento da decisão do tribunal, o que releva mais é o início do prazo para a eventual interposição do recurso. Mas esta já é outra questão.
   Portanto, independentemente da sua razão, a falta do arguido, devidamente notificado, na leitura da sentença não constitui a nulidade prevista no art.º 106.º, al. c) do CPP.
   É manifestamente improcedente o presente recurso que deve ser rejeitado.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em rejeitar o recurso.
   Nos termos do art.° 410.°, n.° 4 do Código de Processo Penal, condenam o recorrente a pagar 4 UC.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 4 UC e mil patacas de honorários ao seu defensor nomeado.



   Aos 19 de Setembro de 2007.





Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai


Processo n.° 32 / 2007 1