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Processo nº 675/2013
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 23 de Abril de 2015
Descritores:
-Revisão de sentença
-Divórcio

SUMÁRIO:

I. Não se conhecendo do fundo ou do mérito da causa, na revisão formal, o Tribunal limita-se a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito.

II. Quanto aos requisitos relativos à competência do tribunal do exterior, ausência de litispendência ou de caso julgado, citação e garantia do contraditório, o tribunal verifica oficiosamente se concorrem as condições indicadas nas alíneas a) e f) do artigo 1200º, negando também oficiosamente a confirmação quando, pelo exame do processo ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, apure que falta algum dos requisitos exigidos nas alíneas b), c), d) e e) do mesmo preceito.

III. É de confirmar a decisão de Tribunal competente segundo a lei do Reino da Bélgica que decreta o divórcio entre os cônjuges, desde que não se vislumbre qualquer violação ou incompatibilidade com a ordem pública da RAEM ou qualquer obstáculo à sua revisão.















Processo nº 675/2013
(Revisão de sentença)

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, divorciado, de nacionalidade portuguesa: residente em Macau, na XXXXXX, n.º XX, Edifício XXX, XX.º andar “XX”, ---
Intentou, ao abrigo do disposto nos artigos 1199.º e seguintes do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), ---
acção com processo especial de revisão e confirmação de decisão proferida por tribunal ou árbitro do exterior de Macau, ---
contra:
B, divorciada, de nacionalidade portuguesa, ora ausente em parte incerta, e com última residência conhecida em Bélgica, XXXX, XXX街XX號XX樓 (XXXX XXXX, XXXX XX/XX).
*
Após citação edital da requerida, foi o MP citado em sua representação, não tendo, porém, contestado.
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Cumpre decidir.
***
II - Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente internacionalmente e também em razão da matéria e da hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciária, dispondo de legitimidade ad causam.
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III – Os Factos
1.º - O Autor e a Ré casaram no dia 8 de Janeiro de 2002, na Bélgica, na Conservatória do Registo de Casamentos da City of Gent (cfr. assento de casamento (doc. fls. 6 e 7).
2.º - Desse matrimónio nasceram na Bélgica, em 25 de Maio de 2003 a sua filha menor C e em 30 de Março de 2006 a filha menor D (docs. fls. 8 a 12).
3.º - No âmbito de um processo de divórcio por mútuo consentimento requerido por ambos os cônjuges que correu termos pelo 3B Juízo Cível do Tribunal de Antwerpen de Bélgica, foi decretada, por sentença de 2 de Junho de 2009, a dissolução do casamento entre aqueles (doc. fls. 13 a 16).
4.º - A aludida sentença determinou ainda a homologação dos acordos respeitantes à regulação e ao exercício do poder paternal relativamente às referidas filhas menores do casal dissolvido, e bem assim à prestação de alimentos às mesmas (cfr. fls. 17 a 24).
5.º - A supra referida sentença que decretou o divórcio entre o Autor e a Ré transitou em julgado em 3 de Julho de 2009 (doc. fls. 25e 26).
6º - O acordo referido tem o seguinte teor:
«…. 1. Sra. B, empregada de mesa, nascida em Macau aos 11 de Julho de 1974, de nacionalidade portuguesa, residente em XXXX, XXXXX XX.
2. Sr. A, cozinheiro, nascido em Macau aos 31 de Março de 1972, de nacionalidade portuguesa, residente em XXXX, XXXX XX.
Em virtude de novas situações após o divórcio, tendo decretado o divórcio por mútuo consentimento, os dois decidiram fazer as seguintes alterações ao antigo acordo relativo às duas filhas:
1. Apresentação anterior
A. Sra. B, nascida em Macau aos 11 de Julho de 1974, de nacionalidade portuguesa
B. Sr. A, nascido em Macau aos 31 de Março de 1972, de nacionalidade portuguesa
C. Os dois contraíram casamento perante o oficial para registo de casamento em Gent no dia 8 de Janeiro de 2002, sem convenção antenupcial.
D. Os dois divorciaram-se por mútuo consentimento (sentença de divórcio emitida pelo 3º Juízo do Tribunal de Instrução de Antwerpen aos 2 de Junho de 2009)
E. Do casamento, os dois têm duas filhas
- C, nascida em Gent aos 25 de Maio de 2003,
- D, nascida em Brasschaat aos 30 de Março de 2006.
G. Os dois não têm outro filho, não tem filho adoptado. 2. Acordo por mútuo consentimento
De acordo com o procedimento de divórcio, as partes assinaram no acordo familiar relativo às filhas menores.
1. Residência das filhas
As filhas serão registadas na residência da Sra. B.
2. Exercício do poder paternal e gestão dos bens das filhas
Durante o período de proceder as formalidades de divórcio e após o divórcio, os pais ambos podem exercer o poder paternal dos filhos e governar os bens dos seus filhos.
3. Subsídios das filhas
Cabe à mãe receber os subsídios das filhas.
4. Guarda
Durante o período de proceder as formalidades de divórcio e após o divórcio, as crianças vão viver na residência do pai e na da mãe alternativamente.
Quando os filhos vivem na casa duma parte dos pais, os pais devem dar prioridade ao interesse das filhas, mantendo-as estar juntas, ao mesmo tempo, considerando o seu tempo de trabalho e o seu tempo livre.
Em caso de os pais não se entenderam, devem respeitar a seguinte disposição:
Disposição geral para residência
As filhas vão residir em casa dos pais alternativamente por cada sete dias, isto é, desde a segunda-feira, às 4h00 de tarde até a próxima segunda feira, às 4h00 de tarde.
Vai começar desde 29 de Dezembro de 2008, as filhas vão viver primeiro em casa da mãe.
Disposição especial para férias de verão:
A aludida disposição tem efeito até a primeira segunda-feira de Julho, em seguinte, as filhas vão viver em casa dos pais alternativamente por cada 14 dias, isto é, desde a segunda-feira, às 4h00 de tarde, até a segunda-feira após a próxima, às 4h00 de tarde, depois de 8 semanas, volta a proceder a disposição geral.
Busca das filhas
O pai ou a mãe vai buscar as filhas às 4h00 de tarde do último dia do período quando as filhas residem na casa da outra parte.
5. Pagamento de alimentos, despesas de educação e despesas de formação apropriada
Os pais assumem em comum os alimentos, as despesas de educação e de formação apropriada.
Cada parte dos pais apenas assume os alimentos e outras despesas emergentes quando vivem na sua residência, dispensado de assumir as respectivas despesas quando vivem na residência de outra parte.
A mãe assume as despesas de vestuários que as filhas usam diariamente.
O pai assume as despesas de escola, de aulas e de formação.
O pai também assume todas as despesas para diversões e actividades culturais das filhas, as despesas para passatempo predilecto e desporto das filhas, incluindo equipamentos e vestuários de desporto.
Por final, o pai também assume todas as despesas médicas das filhas, caso não fossem incluídas no seguro médico, por exemplo, o tratamento dentário, a correcção de miopia e os óculos, as despesas de internamento, e todas as despesas normais e particulares em termo de saúde, ficam ao cargo do pai. Esta disposição produz efeito ao abrigo do art.º 203- 203bis e art.º 303º do Código dos Cidadãos.
Estes dispostos jurídicos estipulam que os pais assumem as despesas de formação das filhas, assumem os alimentos e as despesas de educação conforme a proporção de bens, confere aos pais o poder de solicitar a partilha de despesas conforme o 1º parágrafo do art.º 203º do Código dos Cidadãos.
Pelo que, quanto às disposições e a decisão sobre a partilha de despesas, caso após o divórcio tiver novas e imprevistas situações, de forma que o estado das filhas ficasse alterado substancialmente, cabe o juiz que tem competência fazer a renovação
3. Alteração de acordo: novo acordo
As partes decidem alterar a cláusula 2 do acordo, isto é, “acordo por mútuo consentimento”, de seguinte forma:
1. Exercício do poder paternal e gestão dos bens das filhas
Os pais ambos podem exercer o poder paternal às filhas, bem como administrar os bens delas.
2. Subsídios das filhas
Cabe ao pai receber os subsídios das filhas.
3. Residência
A partir do ano escolar 2009-2010 (desde 1 de Setembro de 2009), o pai vai levar as filhas para residir em Macau da China. Quando fixaram a residência, o pai vai logo informar a mãe sobre a residência das filhas, caso mudasse a residência, deve de imediato informar a mãe. As filhas vão frequentar escolas de Macau, ficando ao cargo do pai.
4. Convivência com a mãe
As filhas devem conviver com a mãe quando possível. A mãe pode visitá-las quando entender.
Os pais devem entender-se sobre o contacto com as filhas e a residência delas, considerando a possibilidade substancial.
Excepto que se entenderem de outra forma, as filhas vão passar as férias de verão, isto é, desde 1 de Julho até 31 de Agosto, estando juntas com a mãe.
5. Pagamento de alimentos, as despesas de educação e de formação apropriada
O pai assume o pagamento de alimentos, das despesas de educação e de formação apropriada.
Cada parte dos pais apenas assume os alimentos e as despesas de residência emergentes quando as filhas vivem em sua casa.
6. Viagem das filhas
Os pais devem cooperar para tratar o passaporte e documentos importantes, com vista de facilitar as viagens das filhas.
Antwerpen, aos 2 de Julho de 2009
(Ass.) B
(Ass.) A » (fls. 11 do apenso traduções).
7º - A sentença de divórcio tem o seguinte conteúdo:
«Sentença de Divórcio
Bélgica, Antwerpen, Tribunal de Instrução, o 3Bº Juízo Civil, no dia 2 de Junho de 2009, é proferida a seguinte decisão:
Estão presentes no Tribunal: Juiz singular: E
Magistrado do Ministério Público em substituição: F
Escrivão do Tribunal: G
Requerentes de divórcio: A e B
Em termo dos arquivos que o tribunal necessita;
Em termo do art.º 55º do Código do Direito Privado Internacional;
Em termo que o magistrado do Ministério Público em substituição, F, proferiu a seguinte conclusão por escrito: “A lei não opõe”; Em termo do art.º 1296º do Código dos Tribunais; Nesta data o juiz singular H, ao cargo do presidente do tribunal, profere o resultado;
Em termo do art.º 1297º do Código dos Tribunais, a respectiva averiguação à matéria de factos mostra que as partes preenchem as condições de lei e o procedimento legal é respeitado;
Em conformidade com os aludidos fundamentos, a lei, os dispostos legais, e o respectivo requerimento de divórcio,
Em termo do art.º 1287º do Código dos Tribunais e
Todas as regras linguísticas para ser aplicadas na audiência de julgamento estabelecidas aos 15 de Junho de 1935,
O presente juízo procedeu a audiência de julgamento público, decretando o divórcio das partes por mútuo consentimento
Homologa e aprova a junção do acordo de divórcio nesta sentença, contudo, apenas se limita quanto aos assuntos dos filhos menores.
A, de sexo masculino, cozinheiro, nascido em Macau aos 31 de Março de 1972, residente na Bélgica, XXXX, XXXX XX/XX; E
B, de sexo feminino, empregada de mesa, nascida em Macau aos 11 de Julho de 1974, residente na Bélgica, XXXX, XXXX XX/XX;
Os dois foram casados em Gent aos 8 de Janeiro de 2002;
Os dois são representados pelo advogado, I, cujo escritório situa em XXXX, XXXX XX (caixa de correio n.º 10)
Escrivão do Tribunal: (ass.) G
Juiz singular: (ass.) E».
8º - Em língua chinesa, a sentença de divórcio diz o seguinte:
«離婚裁決書
比利時,安特衛普市(Antwerpen),預審法院,第3B民事法庭,於2009年6月2日宣佈下列裁判:
法庭上在座者有:單人法官: E
       代行檢察官:F
       法院書記:G
申請離婚者: A 及 B
鑑於法庭所需檔案文件;
鑑於國際私人法法典第55條條例;
鑑於代行檢察官 F 書面結論聲明如下 “法律批准”;
鑑於法庭法典第1296條例;今天由單人法官 H 擔任法院主席,於法庭上宣佈結果;
鑑於法庭法典第1297條例,有關事項調查顯示雙方符合法律條件及雙方有遵守法定程序;
根據以上各種理由及法則,條例及有關當事人的離婚申請書,
鑑於法庭法典第1287條例及
1935年6月15日所成立有關庭上所用語言法則,
本庭在上述法院公開庭訊,裁判以下倆人在 雙方同意下婚離
及同意批准附加於此離婚判決書之離婚合約,但只限於其未成年子女時宜.
A,男,廚師,1972年3月31日澳門出生,住在比利時,XXXX, XXX街,XX號,XX樓 (XXXX, XXXX XX/XX).

B,女,侍應,1974年7月11日於澳門出生,住在比利時,XXXX,XXXX街,XX號,XX樓 (XXXX, XXXX XX/XX).
倆人於2002年1月8日在 根特( Gent)市 結婚;
倆人共雇用I律師,其律師樓設在XXXX XXXX市,XXXX道,XX號XX (10號郵箱) ( XXXX XXXX,XXXX XX XX ( bus 10) )
法院書記: (簽字) (G)
單人法官: (簽字) ( E)».
***
IV – O Direito
Prevê o artigo 1200º do C. Processo Civil:
“1. Para que a decisão proferida por tribunal do exterior de Macau seja confirmada, é necessária a verificação dos seguintes requisitos:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a decisão nem sobre a inteligibilidade da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do local em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais de Macau;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal de Macau, excepto se foi o tribunal do exterior de Macau que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do local do tribunal de origem, e que no processo tenham sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cuja confirmação conduza a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública. 2. O disposto no número anterior é aplicável à decisão arbitral, na parte em que o puder ser.”
Neste tipo de processos não se conhece do fundo ou do mérito da causa, uma vez que o Tribunal se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma e condições de regularidade, pelo que não há que proceder a novo julgamento, nem da questão de facto, nem de direito.
Vejamos, então, os requisitos previstos no artigo 1200º do CPC.
Ora, os documentos constantes dos autos reportam e certificam a situação invocada pelo requerente. Revelam, além da autenticidade, a inteligibilidade da decisão que decretou o divórcio com observância dos preceitos legais em vigor aplicáveis à situação.
Por outro lado, a decisão em apreço não conduz a um resultado manifestamente incompatível com a ordem pública da RAEM (cfr. art. 20º e 273º do C.C.). Com efeito, também o direito substantivo de Macau prevê a dissolução do casamento, igualmente por mútuo consentimento, bem como a atribuição dos filhos do casal a um dos progenitores.
Reunidos estão, pois, os requisitos de verificação oficiosa do art. 1200º, n.1, als. a) e f), do CPC.
Além destes, não se detecta que os restantes (alíneas b) a e)) constituam aqui qualquer obstáculo ao objectivo a que tendem os autos.
Na verdade, o referido instrumento de conciliação passou a produzir efeitos, com o seu trânsito, em 3 de Julho de 2009.
Por outro lado, a decisão foi proferida por entidade competente face à lei em vigor no Reino da Bélgica e não versa sobre matéria exclusiva da competência dos tribunais de Macau, face ao que consta do art. 20º do Código Civil.
Também não se vê que tivesse havido violação das regras de litispendência e caso julgado ou que tivessem sido violadas as regras da citação no âmbito daquele processo ou que não tivessem sido observados os princípios do contraditório ou da igualdade das partes.
Posto isto, tudo se conjuga para a procedência do pedido (cfr. art. 1204º do CPC).
***
V - Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder a revisão e confirmar a decisão proferida pelo Tribunal, que decretou o divórcio entre A e B, nos exactos e precisos termos acima transcritos.
Custas pelo requerente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
TSI, 23 / 04 / 2015
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong



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