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Processo n.º 83/2015
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 7/Maio/2015


ASSUNTOS:
- Correspondência entre a descrição do Registo Predial e o Cadastro

    
    SUMÁRIO :
    A presunção juris tantum derivada do registo predial pressupõe que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas não abrange a área e as confrontações dos prédios.
              
              O Relator,








Processo n.º 83/2015
(Recurso Civil)
Data : 7/Maio/2015

Recorrentes :
1. A
2. B
3. C
4. D
5. E
6. F
7. G
8. H
9. I
10. J
11. K
12. L
13. M


Recorridos :
1. N (Herdeiros Incertos de N)
2. Interessados Incertos

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A e OUTROS, Autores nos autos à margem referenciados, notificados do douto despacho de fls. 144 que admitiu o recurso por si interposto a fls. 143, vêm interpor o presente recurso da douta sentença proferida a fls. 129 a 139 somente na parte relativa a elementos da descrição do prédio de que foram reconhecidos titulares do domínio útil.
    Para tanto, alegam em síntese conclusiva:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls. 129 a 139 somente na parte em que tal decisão determinou a improcedência do pedido dos Autores de declarar que o prédio objecto dos autos - o prédio com os n.ºs XX da Rua dos XX (Taipa) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4XX3, a fls. XX do livro XX (o "Prédio") - tem a área (70 m2) e as confrontações (NE/NW com a Travessa dos XX, a SE com a Rua dos XX e SW com a Rua dos XX n.º 24) que constam da planta cadastral de fls. 24 e 25.
    2. A fundamentação para o indeferimento do referido pedido dos Autores consta de fls. 138 verso dos autos (pág. 20 da sentença). Em síntese o Tribunal recorrido considerou que uma "vez que a área e as confrontações indicadas na planta cadastral não correspondem às áreas e confrontações do registo predial, não se pode declarar que o prédio tem a área e as confrontações indicadas na planta cadastral".
    3. O objectivo subjacente ao pedido formulado pelos Autores de declarar que o Prédio tem a área e as confrontações que constam da respectiva planta cadastral junta aos autos a fls. 24 e 25 foi o de se proceder, com a sindicância do Tribunal, à correcta identificação física do Prédio no que concerne à respectiva área e confrontações em face da evidente desactualização da respectiva descrição que não teve por base ou título qualquer planta ou referência cadastral.
    4. Não obstante ter dado como provado (vide facto 18.°) "que conforme a planta cadastral emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro em 25 de Julho de 2013, junto a fls. 24 e 25, o prédio tem uma área de 70 m2 e as (…) confrontações" que aí constam, o Tribunal recorrido indeferiu o pedido dos Autores de ser confirmada esta identificação física do Prédio por a mesma não corresponder àquela que consta no registo.
    5. Da apontada razão para o indeferimento da pretensão dos Autores parece resultar a atribuição de uma natureza absoluta e perfeitamente imutável aos elementos que constam do registo predial (pelo menos no que se refere à área e confrontações do Prédio) e, como tal, a consideração de que, embora dando como assentes os factos que dela emergem, a planta cadastral junta a fls. 24 e 25 é insuficiente para permitir ao Tribunal declarar que o Prédio tem uma realidade material distinta daquela que lhe é atribuída na respectiva descrição.
    6. Extrapolando para o campo jurídico-legal poder-se-á, então, afirmar que a sentença recorrida assentou a sua decisão no disposto no artigo 7.° do CRP e no entendimento de que esta norma estabelece uma presunção inelidível em relação a todos os elementos da descrição predial (incluindo os seus elementos físicos como a área e as confrontações) e também na consideração de que a planta cadastral não possui valor jurídico bastante para comprovar os factos alegados pelos Autores e, consequentemente, dar provimento ao pedido que se declare judicialmente a área e as confrontações reais do Prédio.
    7. Sucede que, a presunção derivada do registo e que encontra consagração legal no citado artigo 7.° é obviamente, conforme resulta do n.º 2 do artigo 343.° do Código Civil (CC), uma presunção juris tantum (vide) ou seja elidível por prova em contrário.
    8. Acresce que, tal presunção não actua sequer sobre os factos levados à descrição que não estão por ela abrangidos, mas tão só aqueles que constam da inscrição: a presunção estabelecida pelo artigo 7.° do CRP assegura simplesmente o facto em si mas não garante, nem pode garantir, por exemplo, os limites prediais e confrontações que constam da descrição.
    9. Sendo um mero relato físico do imóvel (tal como resulta do disposto do n.º 1 do artigo 71.º do CRP) a descrição predial não goza da protecção da inscrição (vide artigos 85.° e seguintes do CRP) que faz presumir o direito registado, pelo que a presunção registral não pode, nem deve reportar-se à totalidade dos elementos de identificação dos prédios, que continuam a estar sujeitos a eventual rectificação e actualização, estando excluídos da presunção os elementos que se reportam à identificação física do prédio, mormente a respectiva área e confrontações, cuja determinação com rigor implica o recurso a meios técnicos e operações realizadas por peritos.
    10. Foi precisamente em ordem à necessidade de a identificação física dos prédios ser efectuada com rigor que em Macau foi criado um cadastro geométrico enquadrado legalmente pelo Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro.
    11. Conforme resulta do diploma legal acima mencionado e em particular do n.º 1 do seu artigo 14.°, a definição dos elementos físicos de um determinado imóvel (localização, área e confrontações), nomeadamente para efeitos de registo, é feita através de plantas cadastrais emitidas pela DSCC.
    12. Por conseguinte, tendo os Recorrentes procedido à junção aos autos de uma planta cadastral e tendo ficado assente que o Prédio tem a área e as confrontações que constam da mesma (vide facto 18.° da decisão sobre a matéria de facto), não assistia ao Tribunal a quo, em face do disposto na disposição legal acima aludida, qualquer margem legal para negar a pretensão dos Autores traduzida, como se disse, na declaração judicial, para todos os efeitos, nomeadamente de registo, de que o Prédio tem a área e as confrontações indicadas na planta de fls. 24 e 25.
    13. Acresce que, nos termos do n.º 2 do artigo 14.° do Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro as plantas cadastrais são também títulos bastantes "para efeitos de actualização e rectificação das descrições prediais, no que se refere aos elementos de identificação física mencionados" supra, ou seja área e confrontações.
    14. Apesar da referida norma resultar, inclusive, a desnecessidade de, em determinadas situações, se recorrer à via judicial para efeitos de rectificação de descrições prediais, no presente caso, estando (como sucedia à data da entrada em juízo da petição inicial) o domínio útil do Prédio inscrito a favor de outra pessoa que não os Autores e existindo uma inscrição de domínio directo a favor da Região Administrativa Especial de Macau o Tribunal tinha e tem total competência e legitimidade para, se assim lhe for requerido, sindicar os dados constantes de planta cadastral uma vez que tais dados, precisamente por estarem em desconformidade com aqueles que constam do registo, irão forçosamente implicar a rectificação da respectiva descrição predial e, portanto, uma nova configuração material do imóvel.
    15. A prevalência dos dados cadastrais para efeitos de identificação física dos imóveis (e, consequentemente, para efeitos de rectificação ou actualização das descrições prediais) resulta ainda do disposto no n.º 3 do artigo 14.º e do artigo 25.º do CRP, os quais constituem uma concretização do princípio da especialidade que vigora no registo predial e que exige uma rigorosa identificação física dos prédios, quer na abertura das descrições, quer na actualização ou rectificação dos seus elementos de identificação.
    16. Não constando da descrição predial em apreço qualquer planta cadastral ou decisão judicial remetendo para tal documento, como a base para o registo da área e confrontações do Prédio, a menção que aí é feita a estes elementos físicos não está sequer abrangida pela presunção do artigo 7.º do CRP, pelo que tendo ficado provado que este imóvel tem a área e as confrontações constantes da planta de fls. 24 e 25 são estes os dados que deverão ser levados a registo, com a consequente actualização da descrição do Prédio.
    17. A sentença recorrida fez uma errada interpretação das disposições legais aplicáveis, violando o disposto nos artigos 7.°, 25.°, 71.° do CRP e o artigo 14.° do Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra decisão que, dando procedência ao presente recurso, declare, para todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos de actualização do registo, que o Prédio tem 70 m2 de área e as seguintes confrontações:
    - NE/NW: Travessa dos XX;
    - SE: Rua dos XX; e
    - SW: Rua dos XX n.º 24 (4XX5),
    tal como consta da planta cadastral de fls. 24 e 25.
    
    Termos em que, deverá a sentença recorrida ser revogada na parte em que indeferiu o pedido dos Autores de declarar que o Prédio tem a área e as confrontações que constam da planta cadastral junta a fls. 24 e 25, e ser proferida nova decisão que, dando provimento ao presente recurso, declare, para todos os efeitos legais, nomeadamente para efeitos de registo, que o Prédio tem a área e as confrontações que constam dessa planta ou seja 70m2 e NE/NW: Travessa dos XX; SE: Rua dos XX e SW: Rua dos XX n.º 24 (4XX5), só assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.

O recurso não foi contra-alegado.
Foram colhidos os vistos legais
    II – FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:

“Dos autos resulta assente a seguinte factualidade com interesse para a decisão da causa:
* O domínio útil do prédio sito em Macau, com os nºs XX da Rua dos XX (Taipa), encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 4XX3, a fls. XX do livro B21 e, desde 4 de Maio de 1898, inscrito a favor de Choi-Cai-Chou.
* No extracto de abertura da descrição do prédio menciona-se como sendo a sua numeração policial: o nº XX da Rua dos XX (Taipa).
* Conforme a Certidão nº XXX/CM.SSVMU/2013 emitida pelo Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, em 25 de Janeiro de 2013, a então Comissão Municipal das Ilhas aprovou em sessão ordinária realizada em 23 de Maio de 1934 a alteração da numeração policial do Prédio para os nºs XX da Rua dos XX, Taipa.
* Essa alteração nunca foi averbada à descrição do prédio a qual faz ainda menção à sua anterior numeração policial (o nº XX da Rua dos XX, Taipa).
* O prédio é foreiro à Região Administrativa Especial de Macau.
* O prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o nº 4XXX2 sendo o respectivo titular Lam On.
* O prédio tem o valor matricial de MOP$3.680,00.
* Conforme a planta cadastral emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro em 25 de Julho de 2013, junto a fls. 24 e 25, o prédio tem uma área de 70m2 e as seguintes confrontações:
NE/NW – Travessa dos XX;
SE – Rua dos XX;
SW – Rua dos XX nº 24 (nº 4XX5).
* No prédio está construído um edifício com rés-do-chão e primeiro andar.
* Desde data não apurada, mas não posterior a 1948, O fez do prédio a sua casa morada de família onde passou a viver com a sua mulher, P, e os seus dois filhos, Q ou Q1 e R ou R1.
* Depois do falecimento de O, P, Q ou Q1 e R ou R1 passaram a deter e a fruir o mencionado imóvel como os seus únicos e exclusivos donos.
* Posteriormente, em data não posterior a 1960, R ou R1, com o consentimento do seu irmão Q ou Q1, fez do prédio a sua residência familiar, aí vivendo com a sua mulher S ou S1 ou S2, os seus filhos A, B também conhecida como B1, C, D e T ou T1 ou T2 ou T3 ou T4, respectivamente 1º, 2ª, 3º e 4ª Autores e falecida mulher do 5º Autor e mãe da 6ª, 7º, 8º, 9ª e 10ª Autores, U, mulher de Q ou Q1 e V ou V1, filho único de Q ou Q1e U.
* P, Q ou Q1, R ou R1, S ou S1 ou S2 e U vieram a falecer sucessivamente em datas não apuradas mas não posteriores a 1990.
* V ou V1, filho único de Q ou Q1 e U, veio a falecer em 30 de Agosto de 2007, tendo deixado como seus herdeiros a sua mulher K, e os seus dois filhos L e M, os 11ª, 12º e 13º Autores.
* Um dos filhos de R ou R1, T ou T1 ou T2 ou T3 ou T4, veio a falecer em 20 de Março de 1987, tendo deixado como seus herdeiros o seu marido E e os seus filhos, F, G, H, I e J, os 5º a 10ª Autores.
* Os Autores são reconhecidos pelas pessoas que residiram e ainda residem nas cercanias do prédio e também por todos os seus amigos e familiares como os seus legítimos titulares.
* Os Autores à semelhança de O, P, Q ou Q1, R ou R1, S ou S1 ou S2, U, V ou V1 e T ou T1 ou T2 ou T3 ou T4, nunca pagaram quaisquer rendas pelo uso e ocupação do imóvel que, como estes, nunca julgaram devidas.
* Depois o falecimento de O, P, Q ou Q1, R ou R1, S ou S1 ou S2, U, V ou V1 e T ou T1 ou T2 ou T3 ou T4, os Autores vem sucessivamente providenciando pela limpeza e manutenção do prédio.
* Procedendo nomeadamente ao longo dos anos, a suas expensas e por sua vontade, a diversas obras de manutenção e reparação no imóvel, tais como a reparação do telhado e da canalização, a substituição periódica de portas e janelas, a pintura da fachada e das paredes interiores.
* Os Autores sempre suportaram todos os encargos devidos como o imóvel nomeadamente pagando a respectiva contribuição predial e foro.
* Assim como as despesas de electricidade e água.
* Agindo sempre com a intenção e a convicção de se tratarem dos seus proprietários do domínio útil.
* Sem violência nem oposição de ninguém.
* De forma ininterrupta.
* Com a consciência de não estarem a lesar o direito de outrem.”
    III – FUNDAMENTOS
    1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls. 129 a 139 somente na parte em que aí se determinou a improcedência do pedido dos Autores de declarar que o prédio objecto dos autos - o prédio com os n.ºs XX da Rua dos XX (Taipa) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 4XX3, a fls. XX do livro XX (o "Prédio") - tem a área (70 m2) e as confrontações (NE/NW com a Travessa dos XX, a SE com a Rua dos XX e SW com a Rua dos XX n.º 24) nos precisos termos que constam da planta cadastral de fls. 24 e 25.
    Extracta-se da douta sentença o segmento seguinte posto em crise:
    “Conforme o pedido final formulado pelos Autores, o prédio a usucapir tem uma área de 70m2 e determinadas confrontações. Isto em conformidade com a área e as confrontações indicadas na planta cadastral emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro, junta a fls 24 e 25. Porém, da certidão do registo predial do imóvel consta que o prédio tem apenas uma área de 58m2 e as confrontações não são exactamente iguais.
     Uma vez que que a área e as confrontações indicadas na planta cadastral não correspondem às área e confrontações constantes do registo predial, não se pode declarar que o prédio tem a área e as confrontações indicadas na planta cadastral.
     *
     Nestes termos, é apenas de julgar procedente o pedido formulado pelos Autores declarando-os proprietários do domínio útil do prédio urbano sito em Macau, com os nºs XX (anteriormente nº 15) da Rua dos XX (Taipa), descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 4XX3, a fls. XX do Livro B21, inscrito sob o nº XX, a fls, XX do Livro XX, a favor de Choi-Cai-Chou, por o terem adquirido por usucapião.“
    
    2. No fundo pretendem os AA. conformar a descrição do prédio constante do Registo Predial com os elementos reais, tidos por comprovados e conforme à planta cadastral e inscrição matricial.
    Compreende-se que o fito de tal pedido seja o de se proceder, para todos os efeitos legais à correcta identificação física do Prédio no que concerne à sua área e confrontações, em face da evidente desactualização da respectiva descrição.
    Esta desactualização é revelada pelo tempo decorrido depois da descrição, mais de cem anos, conforme se pode ler do extracto de abertura da descrição predial n.º 4XX3 lavrado em 4/05/1898 (vide fls. 3 do doc. n.º 1 junto com a petição inicial), a área (58 m2) e as confrontações ("noroeste com um intervallo existente entre os prédios da rua de XX n.ºs XX, do sudeste com a rua dos XX, do nordeste com a lateral do prédio n. ° 17 e do sudoeste com a lateral do prédio n.° 13") atribuídas no registo ao prédio terem tido como base uma escritura exarada na Repartição da Fazenda Provincial em 20/02/1893 e não qualquer planta ou referência cadastral.
    Mostra-se assim justificada a preocupação dos AA., ao pedirem o reconhecimento do direito sobre o dito prédio, que o mesmo ficasse identificado correctamente, tendo, para tanto, requerido à Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro (DSCC) a emissão de uma planta cadastral do Prédio, até porque as plantas cadastrais constituem título bastante para efeitos de identificação física dos prédios no que se refere não só à área e confrontações mas também à sua localização.
    
    3. Idêntica opinião não foi, no entanto, partilhada pela Meritíssima Juíza a quo que considerou, que existindo uma discrepância entre a planta cadastral e o registo predial, no que à área e confrontações do Prédio diz respeito, são os dados do registo que deverão prevalecer.
    Mas, estranhamente, já não se serviu do mesmo rigor quanto à correspondência, no que respeita à referência aos números de polícia, que daquela descrição não constam, mais actualizando o antigo n.º 15 para os n.ºs XX.
     Tão mais estanho quanto o Tribunal a quo, no julgamento que proferiu sobre a matéria de facto, deu como provado (vide facto 18.°) "que conforme a planta cadastral emitida pela Direcção dos Serviços de Cartografia e Cadastro em 25 de Julho de 2013, junto a fls. 24 e 25, o prédio tem uma área de 70 m2 e as seguintes confrontações:
    NE/NW - Travessa dos XX;
    SE - Rua dos XX;
    SW- Rua dos XX n.º 24 (n.º 4XX5)".
    Não obstante, ter dado como assente a área e as confrontações que resultam da referida planta cadastral o Tribunal recorrido indeferiu o pedido dos Autores no sentido de se declarar que o imóvel usucapido detinha essa configuração actual, sendo essa a realidade material, por a mesma, como já se afirmou, não estar em correspondência com os dados constantes do registo predial.
    Afigura-se-nos que não assiste razão ao Mmo Juiz.
    4. Importa averiguar qual o valor do registo predial e se os elementos constantes das descrições dos prédios têm um valor absoluto.
    Estabelece o art. 7º do Código de Registo Predial (CRP) que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
    Daqui resulta que o que o registo prova, presuntivamente, é o direito do titular inscrito.
    Quanto à desconformidade registral, é consabido que as presunções estabelecidas no art. 7.° do Código do Registo Predial são elidíveis, não abrangendo os elementos identificadores da descrição predial, como sejam as confrontações e a área dos prédios, colhidos nos documentos que servem de base ao acto registral e que o registo tem, por regra, natureza meramente declarativa.
Este sistema permite ultrapassar eventuais erros, inexactidões e desconformidades, fazendo valer a verdade material e substantiva que a segurança do comércio jurídico exige, fim tido em vista pelo Registo Predial.
    Tanto assim, que é o próprio Código do Registo Predial que impõe que o registo seja conforme com a realidade, não sendo esta conformada pelo registo.
    É por isso que no artigo 25º do CRP se impõe a harmonização com o cadastro, quanto à localização, área e confrontação dos prédios:
    “1. As descrições prediais não podem ser feitas nem actualizadas em contradição com os elementos fornecidos pelo cadastro, quanto à localização, área e confrontações dos prédios.
    2. A apresentação da planta cadastral é obrigatória para a realização de qualquer acto de registo que determine a abertura de descrição ou a sua actualização quanto aos elementos de identificação física mencionados no número anterior, bem como quando não constem ainda da descrição existente o número e data da planta cadastral.”
    É por isso que se admite que as descrições podem ser alteradas por averbamento, no art. 79º do CRP, e se impõe até oficiosamente o averbamento de actualização às descrições prediais para as conformar com o cadastro, no art. 81º:
    “1. Os elementos das descrições devem ser oficiosamente actualizados quando a sua alteração conste de documento expedido por entidade competente para comprovar o facto ou lavrado com intervenção de pessoa com legitimidade para pedir a actualização.
    2. A atribuição ou alteração do número e data da planta cadastral, do artigo de matriz, da denominação das vias públicas ou da numeração policial é oficiosamente averbada à descrição mediante o recurso aos meios informáticos, quando seja possível estabelecer a respectiva correspondência e ainda que o facto averbado represente alteração superveniente em relação aos documentos apresentados.
    3. A apresentação do pedido e a realização do registo de penhor sobre empresa comercial são oficiosa e gratuitamente averbadas às descrições dos prédios que, estando inscritos em nome do respectivo empresário comercial, estejam afectados à empresa comercial.
    4. Os averbamentos a que se refere o número anterior são oficiosa e gratuitamente cancelados logo que se verifique a caducidade ou cancelamento do registo de penhor sobre a empresa comercial.”
    5. É neste sentido que vai a Jurisprudência Comparada, enquanto proclama que a presunção juris tantum derivada do registo predial pressupõe que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas não abrange a área e as confrontações dos prédios. “Não se ignora que a descrição tem por fim a identificação física, económica e fiscal dos prédios (artigo 79, n. 1 do Código do Registo Predial) e que o registo se compõe da descrição predial, da inscrição dos factos e respectivos averbamentos, ... (artigo 76, n.º 1[71º, n.º 1 do CRP de Macau] do Código do Registo Predial), mas não fazendo a descrição parte do elenco dos factos a registar que se mencionam nos citados artigos 2º e 3º do Código do Registo Predial, não podem a área e confrontações dos imóveis constantes da descrição considerar-se abrangidas pela presunção que se estabelece no citado artigo 7º.
    Mal se compreenderia, de resto, que, destinando-se o registo a dar sobretudo publicidade à verificação de certos "factos jurídicos" e não a garantir os elementos de identificação dos prédios descritos, bastasse a simples indicação da área e confrontações constantes de uma descrição para, sem mais, as mesmas se terem de aceitar como factos presumidos.
    Só estabelecendo-o a lei, como faz em relação àqueles "factos", assim se teria de entender.
    Não sendo este o caso, não são eles de presumir. Quanto mais não seja, por os "factos jurídicos" a registar se terem de basear em "documentos que legalmente os comprovem" (artigo 43º [37º do CRP de Macau] do Código do Registo Predial actual, artigo 95 do Código do Registo Predial de 1967, artigo 94 do Código do Registo Predial de 1959 e artigo 191º do Código do Registo Predial de 1929 em vigor à data da descrição) e a descrição poder resultar de simples declarações complementares dos interessados (artigos 29, n. 2 e 30 do Código do Registo Predial vigente,[26º, n.º 2 do CRP de Macau … que, conforme se observa no acórdão deste Tribunal de 1 de Junho de 1978 (Boletim 278/205), não oferecem as mesmas condições de segurança.
    A corroborar a solução por que se opta está ainda o facto de a descrição dos prédios rústicos se dever harmonizar quanto à área com a inscrita na matriz …”1
    Ou como se reafirma, noutro passo que “Na senda da jurisprudência maioritária, a presunção do registo emergente do artº 7º do C. R. Predial não abrange as circunstâncias descritivas (tais como confrontações e áreas) não percepcionadas oficiosamente pela autoridade.”2
    Ou, ao mais alto nível, de novo, “A presunção de propriedade derivada do registo predial não abrange a área, confrontações e/ou limites dos imóveis registados”. 3
    6. De todo o modo, a presunção derivada do registo e que decorre do citado artigo 7.°, é , nos termos do n.º 2 do artigo 343.° do Código Civil (CC), uma presunção juris tantum, ou seja elidível por prova em contrário, não actuando sequer sobre os factos levados à descrição que não estão por ela abrangidos, respeitando mas tão-somente àqueles que constam da inscrição.
    A presunção registral não pode, nem deve reportar-se aos elementos de identificação dos prédios, que continuam a estar sujeitos a eventual rectificação e actualização, sendo o exemplo mais relevante dos elementos que deverão ser excluídos da presunção em apreço aqueles que se reportam à identificação física do prédio, mormente a respectiva área e confrontações, cuja determinação com rigor implica o recurso a meios técnicos e operações realizadas por peritos.
    São inúmeras as razões e vicissitudes, da mais variada ordem, telúricas, geográficas, assoreamentos, desvios de águas, alargamento de caminhos e servidões que podem, ao longo de 100 anos, levar à alteração da descrição de um dado prédio e que não deixa de ser aquele por causa dessas variações.
     Foi precisamente em ordem à necessidade de a identificação física dos prédios ser efectuada com rigor que em Macau, especialmente em Macau, vista a sua dimensão e rigor que tem que haver nesse domínio, que foi criado um cadastro geométrico enquadrado legalmente pelo Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro.
    O n.º 1 do artigo 14.° deste diploma afirma que as plantas definitivas são "título bastante para identificação física dos prédios no que se refere à sua localização, áreas e confrontações" e nos termos do n.º 2 desse mesmo artigo as plantas cadastrais são também títulos bastantes "para efeitos de actualização e rectificação das descrições prediais, no que se refere aos elementos de identificação física mencionados" supra, ou seja área e confrontações. Ainda, no n.º 3 do citado artigo 14.° estipula-se que nos "títulos respeitantes a factos sujeitos a registo predial, a identificação física dos prédios não pode ser feita em contradição ou desarmonia com a planta cadastral definitiva no que se refere aos elementos mencionados no n.º 1", ou seja localização do prédio, área e confrontações.
    Por conseguinte, tendo os recorrentes procedido à junção aos autos de uma planta cadastral e tendo ficado assente que o aludido prédio tem a área e as confrontações que constam da mesma (vide facto 18.º da decisão sobre a matéria de facto), não assistia ao Tribunal a quo, em face do disposto na norma acima aludida, qualquer margem legal para negar a pretensão dos Autores traduzida, como se disse, na declaração judicial, para todos os efeitos, nomeadamente de registo, de que o Prédio tem a área e as confrontações indicadas na planta de fls. 24 e 25.
    7. No presente caso, estando o domínio útil do prédio inscrito a favor de outra pessoa que não os Autores e existindo uma inscrição de domínio directo a favor da Região Administrativa Especial de Macau, o Tribunal tinha e tem total competência e legitimidade para, se assim lhe for requerido, oficiosamente mesmo o Conservador, como se viu, sindicar os dados constantes de planta cadastral, uma vez que tais dados, precisamente por estarem em desconformidade com aqueles que constam do registo, irão forçosamente implicar a rectificação da respectiva descrição predial e, portanto, uma nova configuração material do imóvel, não estando até posta em crise a legitimidade dos AA., ora recorrentes, que não deixaram de ser reconhecidos como titulares do direito a inscrever no Registo.
    Posto isto, importa dizer ainda que a prevalência dos dados cadastrais para efeitos de identificação física dos imóveis (e, consequentemente, para efeitos de rectificação ou actualização das descrições prediais) resulta ainda do n.º 3 do citado artigo 14.° que estipula que nos "títulos respeitantes a factos sujeitos a registo predial, a identificação física dos prédios não pode ser feita em contradição ou desarmonia com a planta cadastral definitiva no que se refere aos elementos mencionados no n.º 1", ou seja, localização do prédio, área e confrontações.
    O artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro e o artigo 25.º do CRP constituem uma concretização do princípio da especialidade que vigora no registo predial e que exige uma rigorosa identificação física dos prédios, quer na abertura das descrições, quer na actualização ou rectificação dos seus elementos de identificação princípio esse que, a sentença recorrida, ao negar o pedido dos Autores violou.
    Tendo ficado provado que este imóvel tem a área e as confrontações constantes da planta de fls. 24 e 25 são estes os dados que deverão ser levados a registo, com a consequente actualização da descrição do prédio.
    Dúvidas não restam, portanto, que a sentença recorrida fez uma errada interpretação das regrar registrais aplicáveis e, por conseguinte, violou o disposto nos artigos 7.°, 25.°, 71.° do CRP e o disposto no artigo 14.° do Decreto-Lei n.º 3/94/M de 17 de Janeiro, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra decisão, em conformidade com o pedido.
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando e substituindo a decisão proferida, na parte respeitante à descrição do prédio, declarando-se para efeitos de actualização do registo, que o Prédio tem 70 m2 de área e as seguintes confrontações:
    
    - NE/NW: Travessa dos XX;
    - SE: Rua dos XX; e
    - SW: Rua dos XX n.º 24 (4XX5),
tal como consta da planta cadastral de fls. 24 e 25.
    Sem custas por não serem devidas.
                  Macau, 7 de Maio de 2015,

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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
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Ho Wai Neng
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José Cândido de Pinho
1 - Ac STJ, de 29/10/1992, Proc. n.º 082672, http//www.dgsi.pt
2 - Ac. RC, de 22/11/2005, Proc. n.º 2561/05, http//www.dgsi.pt
3 - Ac STJ, de 4/7/2011, Proc. n.º 569/04, http//www.dgsi.pt

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83/2015 21/21