打印全文
Processo nº 46/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 07 de Maio de 2015

ASSUNTO:
- Cessão da posição contratual
- Execução específica do contrato

SUMÁRIO:
- Na cessão da posição contratual o cedente se desliga da sua posição contratual, entrando o cessionário para o lugar dele, transmitindo-lhe uma das posições derivadas do contrato-base. Transmitida a relação contratual para o cessionário, verifica-se uma extinção subjectiva relativamente ao cedente. Exonerado o transmitente, cessam em consequência, os direitos e deveres entre cedente e o cedido.
- Se B, promitente-comprador dum contrato promessa de compra e venda celebrado com A, promete vender a C a coisa a comprar de A, este acordo pode ser qualificado como uma promessa de alienação de coisa futura, já que não obstante a existência do referido acordo, B continua a manter a sua posição contratual de promitente-comprador perante A, ao abrigo dessa qualidade e no exercício do direito previsto no respectivo contrato promessa de compra e venda, exigiria a A celebrar directamente o contrato definitivo de compra e venda com C.
- Não tendo B cedido a sua posição contratual de promitente-comprador a C, não podia esta vir pedir a execução específica do contrato promessa de compra e venda, por não ser parte do contrato em causa.
- Outra solução será qualificar o acordo como um contrato de cessão da posição contratual de promitente-comprador. Contudo, nesta hipótese, tal contrato tem de ser finalizado, que não é o caso, em virtude de que B, antes de C efectuar o último pagamento, o resolveu unilateralmente.
- Sem ser posto em causa a eventual ilegalidade da resolução unilateral com vista à concretização do acordado no sentido de adquirir a posição contratual de promitente-comprador de B, C também não podia pedir a execução específica do contrato, por não ser ainda parte do contrato em causa.
O Relator













Processo nº 46/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 07 de Maio de 2015
Recorrentes: A e B (2ª e 3º Réus)
Recorrida: C (Autora)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 01/07/2014, julgou-se procedente a acção e, em consequência, substitui-se à 1ª Ré, D, e emitou-se a declaração de vontade desta no sentido de vender à Autora, C, a fracção autónoma designada por “H17”, H do 17º andar do prédio urbano situado em Macau nos nºs XX do Caminho das XX e nos nºs XX da Avenida XX, Taipa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o nº 2XXX2, a folhas XX verso do Livro BXXXA, actualmente inscrito na mesma Conservatória a favor do Interveniente, E, sob o n.º 2XXXX0G.
Dessa decisão vêm recorrer A e B (2ª e 3º Réus), alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos que ordenou a execução específica de um contrato-promessa, sentença com a qual os Recorrentes não se podem conformar, por entenderem que, no caso, se verificou uma incorrecta subsunção dos factos ao direito, tendo por pressuposto uma errada valoração dos factos e da prova documental - a celebração dos contratos que são a causa e que estão na origem dos presentes autos.
- Analisada a sentença recorrida e respectiva fundamentação, é inconcebível o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que o contrato celebrado em 25 de Maio de 2010 entre os 2ª e 3.° Réus, ora Recorrentes, e a Autora, aqui Recorrida, não é um contrato-promessa de compra e venda, tratando-se antes de um contrato de cessão da posição contratual.
- No caso, verifica-se uma errada qualificação jurídica do Contrato de 25 de Maio de 2010 como Contrato de Cessão da Posição Contratual (conferir resposta ao quesito 5.° da base instrutória, que inclui a transcrição de todas as cláusulas do contrato).
- Analisada a sentença recorrida resulta que o óbice ou o factor que causa estranheza ao Tribunal a quo no sentido de descaracterizar o contrato de 25 de Maio de 2010 como contrato-promessa é o facto de, no que respeita à celebração do contrato definitivo, o Tribunal a quo ter considerado que não seriam os 2ª e 3.° Réus a outorgar a escritura pública, mas antes a proprietária do imóvel (a 1ª Ré).
- Ora, nos termos da cláusula 3.ª do contrato, o que resulta quanto à celebração da escritura pública de compra e venda é que: ou os Recorrentes assumiriam entretanto a posição de proprietários ou assumiriam o compromisso de trazer a proprietária do imóvel para a celebração da escritura pública, desta forma possibilitando o cumprimento do contrato definitivo.
- Tal facto não encerra qualquer obstáculo ou estranheza, tivesse o Tribunal considerado - como desde sempre alegaram os Recorrentes - que o contrato em causa é efectivamente um contrato-promessa de compra e venda, tratando-se, porém, da promessa de venda de um bem alheio.
- A Recorrida sempre soube de tal facto - que os Recorrentes prometeram vender um bem que não lhes pertencia - e que o fizeram tendo por título a sua posição de promitentes-compradores do referido imóvel. É isso mesmo que resulta de forma muito clara do Considerando do contrato promessa de 25 de Maio de 2010 em que, logo a seguir à identificação das partes, se consigna o seguinte:
"Por a proprietária D da fracção autónoma "H17" para habitação, sita em Macau, Taipa, Caminho das XX n.º XX e Avenida Dr. XX n.º XX, Edf. XX - XX (descrição n.º 2XXX2 da CRP), ter celebrado o contrato-promessa de compra e venda com os 1.ºs outorgantes, prometendo vender a mesma fracção aos 1.ºs outorgantes, estes prometem vendê-la à 2ª outorgante, e esta promete comprar, estando ambas as partes dispostas a estipular e a acordar em cumprir as seguintes condições:"
- Tendo em conta esse pressuposto previamente enunciado e a análise de todo o clausulado do contrato, indubitavelmente resulta que se trata da celebração de um contrato-promessa de compra e venda de bem alheio, em que, das duas uma: ou os Recorrentes assumiriam entretanto a posição de proprietários ou assumiriam o compromisso de trazer a proprietária do imóvel para a celebração da escritura pública, desta forma possibilitando o cumprimento do contrato definitivo .
- Os Recorrentes não percebem a asserção e conclusão do Tribunal a quo no sentido de que: "Se o acordo 2 fosse um contrato-promessa, poderia acontecer que no mesmo dia os 2ª e 3° Réus teriam que celebrar a compra e venda com a 1ª Ré comprando o imóvel a esta e, depois, celebrar uma outra compra e venda, desta vez, vendendo o imóvel à Autora. Apesar de não ser de excluir, de todo em todo, essa hipótese, não se julga que essa foi a vontade, em especial dos 2ª e 3º Réus tendo em conta os custos que uma escritura pública pode envolver e todas as circunstâncias acima assinaladas." Tal possibilidade, além de comum, era mais do que viável. O próprio Tribunal admite ser uma possibilidade legalmente viável mas logo afasta-a "tendo em conta os custos que uma escritura pública pode envolver e todas as circunstâncias acima assinaladas" .
- Tal consideração do Tribunal a quo não faz qualquer sentido, na medida em que o custo da aquisição do imóvel pelos 2ª e 3º Réus à 1ª Ré corresponde a HKD$2.200.000,00 e o preço da venda do mesmo imóvel pelos 2ª e 3º Réus à Autora é de HKD$2.600.000,00. Uma vez concretizados ambos negócios, os 2ª e 3° Réus obteriam lucros correspondentes à diferença dos dois referidos preço, ou seja, HKD$400.000,00, quantia que, após descontadas as despesas com as duas escrituras públicas, consubstancia um ganho considerável para os 2ª e 3° Réus.
- E o mesmo se diga da hipótese de a escritura vir a ser outorgada directamente pela proprietária do imóvel.
- De acordo com a cláusula 7ª do contrato-promessa de compra e venda celebrado em 25 de Novembro de 2009 entre a 1ª Ré e os 2ª e 3° Réus, os últimos têm direito de, no momento da celebração da prometida escritura pública de compra e venda, nomear um terceiro para ocupar a sua posição e adquirir o imóvel.
- Acresce que foi pelo facto de, em 25 de Maio de 2010, ter sido celebrado um contrato-promessa de compra e venda de bem alheio que, no caso, foi excluída do contrato a possibilidade de recurso à execução específica: precisamente, por se tratar de um caso em que a execução específica é impossível.
- Quer a doutrina, quer a jurisprudência são unânimes no sentido de que "na promessa de venda de coisa alheia não é possível a execução específica" .
- Acresce que, a convenção sobre a venda de um bem alheio, como sucede no caso em apreço, em nada desvirtua a natureza ou tão-pouco a validade da celebração de um contrato promessa em tais termos.
- Também na doutrina e na jurisprudência é pacífico o entendimento sobre a validade da celebração de contratos de compra e venda de bens alheios: "A validade de contrato-promessa de compra e venda de coisa alheia não sofre dúvida."
- Pelas razões expostas, analisado o contrato celebrado entre os Recorrentes e a Recorrida em 25 de Maio de 2010 (conferir resposta ao quesito 5.º da base instrutória), expressamente denominado "Contrato-Promessa de Compra e Venda", tendo em conta o Considerando inicial e o respectivo clausulado, dúvidas não podem existir de que se trata efectivamente de um contrato-promessa de compra e venda de bem alheio.
- O Tribunal a quo, ao ter concluído que se tratava de um contrato de cessão da posição contratual, sem tão pouco ter ponderado e analisado a questão de se tratar de um contrato-promessa de venda de bem alheio, procedeu a uma errada interpretação do mesmo, ignorando o sentido que um declaratário normal pode deduzir dele.
- Donde, a sentença recorrida consagra uma incorrecta interpretação do contrato-promessa datado de 25 de Maio de 2010 (conferir resposta ao quesito 5.º da base instrutória) e, por essa via, uma errada interpretação do disposto nos arts. 404.º e 418.º do Código Civil.
- A idêntica conclusão alcançada no ponto anterior - de que não estamos na presença de qualquer contrato de cessão da posição contratual- se chega pela análise dos dois contratos-promessa de compra e venda celebrados nos presentes autos em 25 de Novembro de 2009 e 25 de Maio de 2010, respectivamente.
- Fazendo um exercício de comparação dos dois contratos semelhante ao que se encontra vertido na sentença recorrida, para além dos pontos que o próprio Tribunal a quo identificou de "... as cláusulas 5ª a 8ª e 11ª são típicas de um contrato-promessa", sabendo que, no que diz respeito à cláusula 11ª, duvidas não existem que foi eliminada a possibilidade de as partes recorrerem à execução específica, verifica-se que existe ainda um outro elemento que evidencia que o acordo celebrado em 25 de Maio de 2010 manifestamente não consubstancia um contrato de cessão da posição contratual. Referem-se os Recorrentes ao Preço.
- Com efeito, no âmbito do contrato celebrado entre a 1ª Ré e os 2ª e 3° Réus, ora Recorrentes, resulta que foi convencionado um preço de HKD$2.200.000,00, tendo os mesmos pago um sinal à 1ª Ré de HKD$500,00. Donde, no acto da celebração do contrato definitivo teriam os mesmos de pagar à proprietária (à 1ª Ré) o valor remanescente de HKD$1.700.000,00.
- Ora, no contrato de 25 de Maio de 2010 celebrado entre os os 2ª e 3° Réus, ora Recorrentes, e a Autora, resulta que foi convencionado um preço de HKD$2.600.000,00 e que a mesma apenas pagou um sinal no valor de HKD$350.000. Donde, no acto da celebração do contrato definitivo teria a Autora de pagar o valor remanescente e superior de HKD$2.250.000,00.
- De facto, as partes declaram expressamente que o valor de HKD$350.000,000 tem o carácter de sinal ("乙方已將定金港幣伍萬元..."(cláusula 2.a)) ; "乙方再支付定金港幣叁拾萬元... " (cláusula 2. b)). Termo jurídico esse ("sinal") que apenas existe no contrato-promessa.
- Além disso, o valor de HKD$350.000,00 corresponde apenas a cerca de 13,46% do preço integral do negócio (HKD$2.600.000,00). Não faz sentido que os 2ª e 3° Réus, ao receberem o pagamento de uma parte pequena (13,46%) do preço, tivessem transmitido logo a sua posição contratual à Autora.
- Sendo a cessão onerosa de posição contratual um negócio que implica prestações recíprocas, a cessão de posição contratual e o pagamento do preço são normalmente efectuados ao mesmo tempo. Ao qualificar o contrato como um contrato de cessão de posição contratual, a sentença atribui às declarações negociais um sentido que um declaratório normal, colocado na situação concreta, não pode contar.
- Em segundo lugar, o remanescente do preço no valor de HKD$2.250.000,00 deveria ser pago pela Autora aos 2ª e 3° Réus. Se se tratasse de um contrato de cessão da posição contratual, uma vez celebrado os 2ª e 3° Réus "desapareciam logo de cena", cabendo à Autora, na qualidade de promitente-compradora, pagar directamente à 1ª Ré o remanescente do preço no valor de HKD$1.700.000,00.
- Assim, pergunta-se, além do remanescente do preço da cessão de posição contratual, no valor de HKD$2.250.000,00, a Autora teria de pagar o remanescente do preço da venda do imóvel, no valor de HKD$1.700.000,00? Em caso afirmativo, deveria, desde logo, o pedido da Autora improceder uma vez que a mesma só depositou nos autos o valor de HKD$2.250.000,00, incumprindo o artigo 820°, nº 6, do Código Civil.
- Nem se diga que o remanescente do preço no valor de HKD$1.700.000,00 foi pago por E no momento da celebração da escritura pública identificada na alínea B) dos factos assentes, porquanto, procedendo o pedido da Autora, caducaria a referida escritura pública de compra e venda, devendo a la Ré devolver o valor de HKD1.700.000,00 pago por E. Ficando a 1ª Ré por receber essa quantia.
- Quem devia pagar este valor à 1ª Ré seria sempre a Autora.
- Caso a Autora apenas tivesse de pagar o valor de HKD$2.250.000,00, ficamos sem saber a quem a 1ª Ré vai pedir o pagamento uma vez que, através da cessão de posição contratual, os 2ª e 3° Réus deixaram de ser partes da relação jurídica relativa à promessa de compra e venda, não sendo os mesmos obrigados a mais nada.
- Em todo caso, a defender que está em causa uma cessão da posição contratual, o valor a receber pela Autora (HKD$1.700.000,00) não corresponde ao valor que o devedor tinha de pagar (HKD$2.250.000,00).
- A única forma de interpretar o referido contrato é necessariamente entendendo-se que está em causa um contrato-promessa de compra e venda entre os 2ª e 3° Réus e a Autora. Só assim é que os preços podem não equivaler um ao outro.
- Por último, no sentido de que o contrato-promessa celebrado em 25 de Maio de 2010 não se trata de um contrato de cessão da posição contratual, compare-se ainda tal contrato com o contrato de cessão da posição contratual de fls. 76 e 77 dos autos celebrado entre os Recorrentes e o Interveniente E, contrato esse preparado pelo mesmo escritório de advogados, esse sim um contrato de cessão da posição contratual e assim devidamente qualificado pelo Tribunal a quo - conferir resposta ao quesito 13º da base instrutória.
- Pelas razões expostas, mediante a comparação entre o contrato-promessa celebrado em 25 de Novembro de 2009 entre a 1ª Ré e os 2.ª e 3.º Réus e o contrato-promessa celebrado em 25 de Maio de 2010 entre os 2ª e 3.º Réus e a Autora, atenta a análise das respectivas cláusulas e pela diferença dos preços convencionados, de igual modo se pode concluir que não houve cessão da posição contratual dos 2ª e 3° RR. para a Autora e que esta nunca passou a ocupar a posição jurídica dos primeiros.
- Acresce que, ainda que se tratasse de um contrato de cessão da posição contratual (tal como concluiu o Tribunal a quo) - hipótese que os Recorrentes não admitem, mas por mera cautela de patrocínio ponderam, sem conceder - entendem os Recorrentes que o consentimento (tácito) da proprietária do imóvel (a 1ª Ré) nos termos singelos em que foi considerado provado pelo Tribunal a quo não é suficiente para validar a (alegada) cessão da posição contratual.
- Verifica-se, desde logo, uma insuficiência da resposta ao quesito 7.º da base instrutória no sentido de ter sido dado consentimento para a cessão da posição contratual.
- Comparando o teor do quesito 7° com a respectiva resposta, retira-se que o Tribunal a quo alterou "aceite" para "conformou-se", bem com "transmissão de posição contratual" para" transmissão da fracção autónoma", donde o Colectivo que respondeu à matéria de facto afastou a possibilidade de ter existido o consentimento específico e necessário para a cessão da posição contratual.
- Acresce que, conformação não é o mesmo que consentimento, nos termos expressamente prescritos pelo art. 418.° do Código Civil.
- Dúvidas não existem de que o consentimento consubstancia um imperativo legal no sentido de conferir eficácia ou validade ao contrato de cessão da posição contratual.
- Ora, até fazendo apelo ao sentido hermenêutico e semântico, conformação não é o mesmo que consentimento. Com efeito, conformação equivale a um estado de inércia ou resignação, enquanto o consentimento ("Estar de acordo com a realização de alguma coisa por alguém; dar permissão; licença..") é sempre uma manifestação positiva da vontade, o que implica uma acção, ainda que possa ser demonstrada sob diferentes formas.
- No caso sub judice, verifica-se que o Tribunal a quo não respondeu ao quesito 7.° nos termos formulados pela Autora (tal como resulta do art. 11.° da petição inicial), não tendo dado como provado que a proprietária da fracção aceitou a transmissão da posição contratual. O Tribunal a quo limitou-se a considerar que a proprietária da fracção se conformou com a transmissão. E, em sede de fundamentação da sentença, limitou-se a consignar que tal conformação equivaleria a um consentimento tácito.
- Sucede que o consentimento, ainda que tácito, não se pode exprimir através do silêncio ou conduta negativa, exige uma actividade positiva, donde, conformação não equivale a consentimento tácito. Nos termos do art. 210.° do C.C. trata-se de caso em que o silêncio não tem valor de declaração.
- Mas mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que o consentimento tácito é nulo por falta da forma legal de escrita. É o que resulta do art. 209.° do Código Civil (Declaração expressa e declaração tácita), directamente aplicável ao consentimento da cessão da posição da contratual (já que o mesmo tem, desde logo, o efeito de alterar uma relação jurídica).
- De referir, antes de mais, que não foram dados corno provados que a conformação em causa e, portanto, o alegado consentimento tácito hajam assumido a forma escrita.
- O consentimento tácito ainda que fosse deduzido de factos donde, com toda a probabilidade, o revelassem - o que não se verifica no caso em apreço -, ainda assim para que tal consentimento tácito fosse considerado suficiente para validar a cessão da posição contratual, sempre teria de resultar de actos ou factos que o revelassem por escrito. É o que resulta da análise conjugada dos artigos 418.°, 419.° e 209.°, n.º 2, do Código Civil.
- Ora, nos termos do art. 404.°, n.º 2, do Código Civil, o contrato de compra e venda de bens imóveis tem de ser obrigatoriamente celebrado por escrito. E, nos termos do art. 419.° do Código Civil, tal exigência de forma para a celebração do contrato-promessa condiciona igual exigência de forma para a celebração do contrato de cessão da posição contratual.
- Nesse pressuposto, e tendo presente o disposto no art. 209.°, n.º 2, do Código Civil, o consentimento, ainda que tácito, sempre teria de resultar de factos ou actos materiais que o revelassem por escrito (cfr. Ac. STJ de 10.07.1993: "O princípio da possibilidade do consentimento ser dado tacitamente não colide com a exigência feita pela lei de determinada forma para ele, o que releva sobretudo para a forma escrita ou outra mais solene. (...) E nenhuma razão existe para que a mesma regra não se aplique, por analogia, aos casos de consentimento tácito.")
- Pelas razões expostas, porque o consentimento tácito alegadamente prestado nos presentes autos não se revela através de quaisquer actos materiais ou factos que tenham a forma escrita, tal consentimento tácito nos termos, sem mais, considerados pelo Tribunal a quo sempre deverá ser considerado nulo e ineficaz.
- Nesse sentido, veja-se exemplificativamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.03.2012: "(...)
II - Para que tal modificação subjectiva se consume é necessário o consentimento do outro contraente, o qual pode exprimir-se tácita ou expressamente, sendo certo que o silêncio do cedido perante a comunicação da cessão não vale como consentimento, a não ser que no caso concreto a lei, uso ou convenção lhe atribua valor de declaração negocial."
- Para mais, tal como se disse supra, ao responder ao quesito 7.°, o Tribunal a quo alterou de propósito "transmissão da posição contratural" para "transmissão da fracção autónoma". Ou seja, o consentimento tácito da 1ª Ré, a existir, refere-se apenas à transmissão da fracção autónoma e não da posição contratual.
- A exigência do consentimento tem por finalidade garantir os interesses da 1ª Ré que pode, através do não consentimento, impedir que os cedentes ocupem contra a sua vontade a posição dos cessionários.
- O mesmo já não se diga no caso de se tratar de uma transmissão da fracção autónoma. Se depois de terem prometido comprar a fracção autónoma, os 2ª e 3° Réus prometem vender a mesma fracção autónoma a terceiro, quer 1ª Ré consinta ou não, a promessa de venda feita pelos 2ª e 3° Réus é sempre válida e eficaz.
- O consentimento tácito, no caso de existir, produz efeitos totalmente diferentes conforme o negócio consentido seja urna cessão da posição contratual ou urna promessa de compra e venda.
- Uma vez que o alegado consentimento tácito refere-se à transmissão da fracção autónoma, não pode valer corno consentimento previsto no artigo 419° do Código Civil.
- Logo, a cessão da posição contratual, ainda que existisse - o caso de existir, não vincula a 1ª Ré.
- Por último, entendem ainda os Recorrentes que se verificou um incorrecto julgamento da matéria de facto no que diz respeito à resposta do Tribunal a qua ao quesito 14.º da base instrutória.
- O Tribunal a quo considerou que a Autora não deu o seu consentimento para a exclusão do recurso à execução específica, pelo que restringiu a redacção do quesito 14° da base instrutória, considerando-o apenas parcialmente provado.
- Conjugada as provas documental e testemunhal produzidas, de forma crítica, a resposta ao quesito 14° deveria ter sido considerado provada na sua integralidade, tal como estava quesitado.
- De facto, a quarta testemunha dos Recorrentes foi clara em afirmar, quer a instâncias dos mandatários das partes, quer quando dos esclarecimentos prestados ao Mmo Juiz a qua, que a Autora, ora Recorrida, estava presente e deu o seu consentimento prévio à expressa exclusão da faculdade de exercício da execução específica previsto no artigo 820° do Código Civil,
- Portanto, em caso de incumprimento dos promitentes-vendedores, ora Recorrentes, apenas teria direito ao dobro do sinal prestado.
- Tal consta, inequivocamente, da cláusula 11. do contrato constante do quesito 5° da base instrutória, que foi considerado provado, bem como do Documento n.º 6 da P.I. que corresponde ao referido contrato-promessa celebrado entre os Recorrentes e a Autora, em 25 de Maio de 2010.
- Ao considerar que a testemunha dos Recorrentes que depôs sobre o conteúdo do quesito 14.° não permitiu ao douto Tribunal a quo "dissipar eventuais dúvidas acerca do conhecimento e aceitação da possibilidade de exclusão da execução específica por parte da Autora.", o Tribunal a quo não valorou devidamente a prova documental, conjugada com as declarações de tal testemunha.
- Assim, a resposta do quesito 14° deverá ser modificada para incluir o conhecimento e aceitação da Autora, ora Recorrida, em excluir expressamente a execução específica, como estava quesitado, passando tal quesito a ser dado como Provado.
- Pelas razões expostas e melhor desenvolvidas nas alegações, viola a decisão recorrida o disposto nos artigos 404.°, 418.°, 419.°, 209.°, 210.°, 213.°, n.º 2 e 820.° do Código Civil, procedendo a uma incorrecta interpretação dos referidos preceitos legais e vindo ordenar, a final, a execução específica de um contrato-promessa, num caso em que a mesmo se afigura impossível, por dizer respeito a um contrato-promessa de venda de bem alheio.
*
O Chamado E e a Autora responderam à motivação do recurso acima em referência nos termos constantes a fls. 383 a 386 e fls. 390 a 414 dos autos, cujo teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, pugnando pela improcedência do recurso.
*
Foram colhidos os vistos legais.
*
II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- 位於澳門氹仔XX路XX號及XX大馬路XX號之XX花園-XX苑XX樓XX之獨立單位,在澳門物業登記局之物業標示編號為2XXX2,曾以第一被告之名義登錄,登錄編號為7XXXXG。(alínea A) dos factos assentes)
- Por escritura pública de 30 de Setembro de 2011, a 1ª Ré vendeu a E e este comprou àquela a fracção autónoma mencionada em A) (alínea B) dos factos assentes).
- Por inscrição provisória n.º 2XXXX0G, encontra-se registada a favor do E a aquisição referida em B) (alínea C) dos factos assentes).
- Através o acordo escrito assinado no dia 25 de Novembro de 2009, a 1ª Ré prometeu vender aos 2ª e 3º Réus, e estes prometeram comprar, pelo valor de HKD$2.200.000,00 a fracção autónoma mencionada em A) dos factos assentes, cujo teor consta do documento a fls. 21 e 22, que se dá aqui totalmente reproduzido (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
- Depois de a 1ª Ré e os 2ª e 3º Réus terem assinado o acordo acima referido, a 1ª Ré entregou a fracção mencionada em A) dos factos assentes aos 2ª e 3º Réus (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
- No dia 24 de Maio de 2010, os 2ª e 3º Réus celebraram com a Autora o acordo escrito junto a fls 25 e 26 dos autos, através o qual, os primeiros declaram vender a fracção autónoma em A) dos factos assentes ao segundo pelo valor de HKD$2.600.000,00 (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
- Naquele dia, a Autora pagou aos 2ª e 3º Réus o valor de HKD$50.000,00 a título do sinal para comprar a mesma fracção (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
- No dia 25 de Maio de 2010, os 2ª e 3º Réus e a Autora celebraram um acordo denominado por “contrato-promessa de compra e venda de imóvel” sob o testemunho do advogado F, com o seguinte teor (resposta ao quesito da 5º da base instrutória):
  Contrato-promessa de compra e venda de imóvel
1ºs outorgantes: A e o seu marido B, casados sob o regime de comunhão geral, ambos de nacionalidade chinesa, portadores respectivamente do BIRM n.º 7XXXXX7(6) emitido pela DSI a 10 de Setembro de 2003 e do BIRM n.º 5XXXXX0(7) emitido pela DSI a 15 de Setembro de 2003, residentes em Macau, Taipa, Rua de XX n.º XX Edf. XX, Bloco XX, XXº andar XX.
2ª outorgante: C, de sexo feminino, solteira, maior, de nacionalidade chinesa, portador do BIRM n.º 1XXXXX5(7) emitido pela DSI a 7 de Dezembro de 2006, residente em Macau, Avenida XX, Edf. XX, XX Kok, XXº andar XX.
Por a proprietária D da fracção autónoma “H17” para habilitação, sita em Macau, Taipa, Caminho das XX n.º XX e Avenida XX n.º XX, Edf. XX – XX (descrição n.º 2XXX2 da CRP), ter celebrado o contrato-promessa de compra e venda com os 1ºs outorgantes, prometendo vender a mesma fracção aos 1ºs outorgantes, estes prometem vendê-la à 2ª outorgante, e esta promete comprar, estando ambas as partes dispostas a estipular e a acordar em cumprir as seguintes condições:
1. O preço da venda da aludida fracção é de dois milhões e seiscentos mil dólares de Hong Kong (HKD$2.600.000,00)
2. Modo de pagamento:
a) Antes de celebrar o presente contrato, a 2ª outorgante entregou aos 1ºs outorgantes o valor de cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$50.000,00) a título de sinal;
b) Na data de celebração do presente contrato, a 2ª outorgante paga aos 1ºs outorgantes o valor de trezentos mil dólares de Hong Kong (HKD$300.000,00);
c) O remanescente de dois milhões e duzentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$2.250.000,00), será pago por ordem de pagamento bancário de Macau antes ou no dia 31 de Outubro de 2011.
3. Quando a 2ª outorgante paga o valor do número 2, alínea C), a proprietária da mesma fracção deve
a) Liquidar todos os encargos da mesm fracção;
b) Outorgar a escritura a transmitir o imóvel a favor da 2ª outorgante.
4. Ao celebrar o presente contrato, os 1ºs outorgantes devem liquidar o foro, a contribuição predial, as despesas de condomínios, as despesas de água e de electricidade da aludida fracção, as despesas despendidas depois correrão por conta da 2ª outorgante.
5. Após a celebração do presente contrato, os 1ºs outorgantes não podem prometer ceder ou ceder a aludida fracção a terceiro, ou constituir encargo sobre a mesma fracção, sob pena de ser considerado incumprimento efectivo.
6. Os 1ºs e a 2ª outorgantes concordam em mandatar o advogado F para tratar das formalidades de escritura de compra e venda.
7. Ao outorgar a escritura referida no número 3º, al. b), a 2ª outorgante pode nomear qualquer terceiro para a substituir na compra e venda.
8. Todas as despesas relacionadas com a compra e venda (o imposto de selo, as despesas com a outorga de escritura, com o registo, bem como com os honorários de advogado, etc.) correrão por conta da 2ª outorgante.
9. A aludida fracção está arrendada a terceiro com a renda mensal de quatro mil e quinhentos dólares de Hong Kong (HKD$4.500,00), com prazo de arrendamento até 24 de Novembro de 2010, a renda adquirida neste período ficará a favor da 2ª outorgante, e a caução fica guardada pela proprietária. Depois de o prazo de arrendamento expirar ou o inquilino fazer cessar o arrendamento, a 2ª outorgante pode escolher entre habitar na fracção ou continuar a arrendá-la, caso a 2ª outorgante escolher pelo arrendamento, é considerado como desistência de a servir de habitação própria, a 2ª outorgante terá direito de continuar a receber a renda, até expirar o contrato de arrendamento.
10. Desde a data de celebração do presente contrato, qualquer incidente emergente da mesma fracção fica ao cargo da 2ª outorgante, deixando de ter relação com o 1º outorgante.
11. Depois de celebração do presente contrato, caso a 2ª outorgante se retractar na compra, os 1ºs outorgantes poderão tomar para si o sinal cobrado; caso os 1ºs outorgantes se retractarem na venda, os 1ºs outorgantes restituirão à 2ª outorgante o dobro do sinal já efectuado.
12. O endereço constante neste contrato é considerado o endereço de contacto dos outorgantes, todos os avisos serão enviados por carta registada ao endereço constante neste contrato. Caso qualquer outorgante alterasse o endereço, deve de imediato notificar o outro outorgante com carta registada, caso contrário, o documento enviado por qualquer parte conforme o endereço constante no presente contrato é considerado chegado à outra parte cinco dias após ter remetido o documento.
13. Em todo o que é omisso no presente contrato-promessa, as disposições legais vigentes em Macau são aplicáreis.
14. O presnete contrato é celebrado em triplicado, ficando os 1ºs outorgantes e a 2ª outorgante cada um com um exemplar para servir de consto; e um exemplar fica depositado no escritório de advogado.
15. Os 1ºs outorgantes declaram ter recebido da 2ª outorgante o sinal referido no número 2, al. a) e b), no valor de trezentos e cinquenta mil dólares de Hong Kong (HKD$350.000,00)
Aos 25 de Maio de 2010 em Macau
1ºs outorgantes: (ass.) vide o original
2ª outorgante: (ass.) vide o original
Testemunha: (ass.) vide o original
- No dia 25 de Maio de 2010, a Autora entregou aos 2ª e 3º Réus uma ordem de pagamento no valor de HKD$300.000,00 a título de sinal de comprar a mesma fracção (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
- A 1ª Ré tinha conhecimento e conformou-se com a transmissão da fracção autónoma à autora (resposta ao quesito da 7º da base instrutória).
- A Autora pagou à DSF de Macau o imposto de selo de transmissão intercalar de 0,5%, no valor de MOP$15.311,00, em relação da fracção mencionada em A) dos factos assentes (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
- Depois de expirar o prazo de arrendamento referido no número 9º do contrato de 25 de Maio de 2010, a 1ª Ré arrendou a mesma fracção a G através a Fomento Predial H Limitada no dia 13 de Dezembro de 2010 (resposta ao quesito da 9º da base instrutória).
- No dia 11 de Maio de 2011, os 2ª e 3º Réus mandatarm a advogada I para enviar uma cartar à autora, na qual manifestou que eram incapazes de cumprir o contrato-promessa de compra e venda de imóvel assinado com a autora no dia 25 de Maio de 2010, uma vez que os 2ª e 3º Réus tinham cedido a posição contratual da mesma fracção a terceiro no dia 6 de Abril de 2011 (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
- Em 06 de Abril de 2011, os 2ª e 3º Réus celebraram com E o acordo escrito junto a fls. 76 e 77 através do qual aqueles cederam a este a sua posição contratual de promitentes-compradores no contrato-promessa referido na resposta ao quesito 1º (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
- Ao não inserir a cláusula que permite ao promitente-comprador recorrer à execução específica no caso de se verificar incumprimento por parte do promitente-vendedor no contrato aludido na resposta ao quesito 5º, os 2º e 3º Réus quiseram excluir a possibilidade de recurso à execução específica (resposta ao quesito da 14º da base instrutória).
*
III – Fundamentação:
1. Da impugnação da decisão da matéria de facto:
Vêm os 2ª e 3º Réus impugnar a decisão da matéria de facto quanto ao quesito 14º da Base Instrutória.
No seu entender, o quesito em causa deveria ser considerado integralmente provado face ao depoimento da testemunha J.
Foi perguntado no quesito 14º o seguinte:
“Ao não inserir a cláusula que permite ao promitente-comprador recorrer à execução específica no caso de se verificar incumprimento por parte do promitente-vendedor no contrato aludido no artº 5º, o Autor e os 2º e 3º Réus quiseram excluir o recurso à execução específica?”
O Tribunal a quo respondeu nestes termos:
Provado que “ao não inserir a cláusula que permite ao promitente-comprador recorrer à execução específica no caso de se verificar incumprimento por parte do promitente-vendedor no contrato aludido na resposta ao quesito 5º, os 2º e 3º Réus quiseram excluir a possibilidade de recurso à execução específica”.
A convicção do Tribunal resulta do seguinte:
   “...Quanto à exclusão da possibilidade de execução específica, a prova produzida, documental e testemunhal, permitiu apenas concluir que não se fez constar do acordo referido no quesito 5° da base instrutória qualquer cláusula relativa à possibilidade de execução específica e que os 2ª e 3° Réus queriam excluir essa possibilidade. Com efeito, do acordo em questão não consta qualquer cláusula relativa a isso e as testemunhas que depuseram sobre o respectivo quesito esclareceram as razões porque os 2ª e 3° Réus não estavam dispostos a permitir a execução específica do contrato.
   Já quanto à vontade da Autora, apesar de a empregada do escritório de advogado que tratou das formalidades de celebração do acordo referido no quesito 5° da base instrutória ter declarado que a Autora estava presente ao ser, pedida a eliminação da cláusula que permitia a execução específica do contrato, as declarações desta testemunha não permitiu dissipar eventuais dúvidas acerca do conhecimento e aceitação da exclusão da possibilidade de execução específica por parte da Autora. Daí que, não se deu como provado que a Autora tinha essa vontade”.
Nos termos do nº 1 do artº 599º e do nº 1 do artº 629º ambos do CPCM, este Tribunal de recurso pode alterar a matéria de facto fixada pelo tribunal de primeira instância quando:
i. Foi cumprido o ónus de impugnação específica da decisão de facto;
ii. Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 599º, a decisão com base neles proferida;
iii. Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e
iv. Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Como é sabido, a prova testemunhal não é uma prova de força probatória plena, daí que está sujeita à livre apreciação do julgador.
No caso em apreço, ouvida a gravação do depoimento da testemunha indicada, não se nos afigura que tenhamos elemento probatório suficiente para destruir a livre convicção do Tribunal a quo, convicção essa que é formada através do contacto directo do julgador com a testemunha inquirida, traduzindo-se na concretização do princípio de imediação.
Improcede, portanto, o recurso nesta parte.
2. Da qualificação do acordo celebrado entre os 2ª e 3º Réus com a Autora em 25/05/2010:
A cena da história foi a seguinte:
A 1ª Ré, em 25/11/2009, celebrou com os 2ª e 3º Réus um contrato promessa de compra e venda, cujo teor se transcreve:
“樓宇買賣預約合同
甲方: D,女性,未婚,成年,中國籍,持有由澳門身份證明局於20XX年XX月XX日發出編號1XXXXX6(1)之澳門居民身份證,居住於澳門XX大馬路XX號XX大廈第XX座XX樓XX座。
乙方: A,女性,已婚,配偶B,婚姻財產制為一股共同財產制,中國籍,持有由澳門身份證明局於20XX年XX月XX日發出編號7XXXXX7(6)之澳門居民身份證,居住於澳門氹仔XX街XX號XX花園第XX座XX樓XX座。
  位茲因甲方將於澳門氹仔XX路XX號及XX大馬路XX號樓宇〈XX花園-XX苑〉(於物業登記局標示編號2XXX2)17樓H座作居住用途之“H17”獨立單位之出售予乙方承受,乙方承諾購買,雙方同意訂立買賣條件並共同遵守如下:
1. 上述單位售價為港幣貳佰貳拾萬元(HK$2,200,000.00)。
2. 付款辦法:
a) 於簽立本合同前,乙方已將定金港幣貳拾萬元(HK$200,000.00)支付予甲方;
b) 於本約簽署日,乙方再支付定金港幣伍拾萬元(HK$500,000.00)予甲方;
c) 餘款港幣壹佰伍拾萬元(HK$1,500,000.00),於2011年10月31日或該日期前以澳門之銀行本票支付。
3. 乙方支付第2條c)所述款項時,甲方必須:
a) 取消關於該單位之所有負擔;
b) 簽立買賣公證書將出售之物業轉至乙方名下。
4. 簽立本合同時,甲方付清上述單位之地租、房屋稅、管理費、水費及電費,此後此等款項由乙方負責繼續支付。
5. 簽立本合同後,甲方不得將上述單位承諾出讓或出讓予其他第三者或對該單位設定負擔,否則立即被視為確定性不履行合約論。
6. 甲方及乙方同意委托F律師辦理簽署買賣公證書手續。
7. 於簽立第3條b)項買賣公證書時,乙方可指定任何第三者取代其地位完成此買賣。
8. 該買賣應繳付之一切費用(印花稅、立契費、登記費、律師費等)由乙方負責支付。
9. 上述單位被出租予第三者,每月租金港幣肆仟伍佰元(HK$4,500.00),租賃期至2010年11月24日止,期間所獲得之租金由乙方進行收益,但按金則由甲方保管。待該租賃合同期滿或租客退租後,甲方授權乙方可以選擇是否自住,或是繼續出租;如乙方選擇出租,則視為放棄自住用途,乙方有權繼續收取租金作為收益,直至租賃合同期滿,如此類推。
10. 由本合同簽訂即日起,該單位產生之任何事故由乙方負責,與甲方無關。
11. 簽立本合同後,甲方不能不賣,乙方不能不買,否則以“撻定”論處。若乙方毀約,甲方有權自行處理上述不動產,並沒收全部已收定金;若甲方毀約,則須將所收之定金雙倍賠償予乙方。甲方及乙方均得於對方不履行合同時,按民法典第820條要求特定執行。
12. 甲、乙雙方通訊地址以本合約所載之地址為準,所有通知書均以掛號信方式按本約之地址作出。如任何一方更改地址,須立即以掛號郵件通知對方,否則,任何一方按本合約所載之地址寄出之文件於文件寄出五天後將被視為已送達對方。
13. 本合約如有未盡之處,概依本澳現行法律辦理。
14. 本合約乃係甲、乙雙方自願及完全同意下訂立,壹式三份;甲、乙雙方各執乙份為據,壹份交馮建業大律師樓存檔。
15. 甲方聲明已收到乙方交來第2條a)及b)項所述定金合共港幣柒拾萬元(HK$700,000.00)。
二零零九年十一月二十五日於澳門”
Por sua vez, os 2ª e 3º Réus, em 25/05/2010, acordaram com a Autora nos termos seguintes:
“樓宇買賣預約合同
甲方: A及其丈夫B,婚姻財產制為一股共同財產制,均為中國籍,分別持有由澳門身份證明局於20XX年XX月XX日發出編號7XXXXX7(6)及20XX年XX月XX日發出編號5XXXXX0(7)之澳門居民身份證,居住於澳門氹仔XX街XX號XX花園第XX座XX樓XX座。
乙方: C,女性,未婚,成年,中國籍,持有由澳門身份證明局於20XX年XX月XX日發出編號1XXXXX5(7)之澳門居民身份證,居住於澳門XX大馬路XX園XX閣XX樓XX座。
  位茲因甲方將於澳門氹仔XX路XX號及XX大馬路XX號樓宇〈XX花園-XX苑〉(於物業登記局標示編號2XXX2)17樓H座作居住用途之“H17”獨立單位之業主D已與甲方訂立買賣預約合同,將該單位預約出售予甲方,現甲方承諾將該單位出售予乙方承受,乙方承諾購買,雙方同意訂立買賣條件並共同遵守如下:
1. 上述單位售價為港幣貳佰陸拾萬元(HK$2,600,000.00)。
2. 付款辦法:
a) 於簽立本合同前,乙方已將定金港幣伍萬元(HK$50,000.00)支付予甲方;
b) 於本約簽署日,乙方再支付定金港幣叁拾萬元(HK$300,000.00)予甲方;
c) 餘款港幣貳佰貳拾伍萬元(HK2,250,000.00),於2011年10月31日或該日期前以澳門之銀行本票支付。
3. 乙方支付第2條c)所述款項時,該單位之業主必須:
a) 取消關於該單位之所有負擔;
b) 簽立買賣公證書將出售之物業轉至乙方名下。
4. 簽立本合同時,甲方付清上述單位之地租、房屋稅、管理費、水費及電費,此後此等款項由乙方負責繼續支付。
5. 簽立本合同後,甲方不得將上述單位承諾出讓或出讓予其他第三者或對該單位設定負擔,否則立即被視為確定性不履行合約論。
6. 甲方及乙方同意委托馮建業律師辦理簽署買賣公證書手續。
7. 於簽立第3條b)項買賣公證書時,乙方可指定任何第三者取代其地位完成此買賣。
8. 該買賣應繳付之一切費用(印花稅、立契費、登記費、律師費等)由乙方負責支付。
9. 上述單位被出租予第三者,每月租金港幣肆仟伍佰元(HK$4,500.00),租賃期至2010年11月24日止,期間所獲得之租金由乙方進行收益,但按金則由業主保管。待該租賃合同期滿或租客退租後,乙方可以選擇是否自住,或是繼續出租;如乙方選擇出租,則視為放棄自住用途,乙方有權繼續收取租金作為收益,直至租賃合同期滿,如此類推。
10. 由本合同簽訂即日起,該單位產生之任何事故由乙方負責,與甲方無關。
11. 簽立本合同後,若乙方毀約,甲方有權沒收全部已收定金;若甲方毀約,則須將所收之定金雙倍賠償予乙方。
12. 甲、乙雙方通訊地址以本合約所載之地址為準,所有通知書均以掛號信方式按本約之地址作出。如任何一方更改地址,須立即以掛號郵件通知對方,否則,任何一方按本合約所載之地址寄出之文件於文件寄出五天後將被視為已送達對方。
13. 本合約如有未盡之處,概依本澳現行法律辦理。
14. 本合約乃係甲、乙雙方自願及完全同意下訂立,壹式三份;甲、乙雙方各執乙份為據,壹份交F大律師樓存檔。
15. 甲方聲明已收到乙方交來第2條a)及b)項所述定金合共港幣叁拾伍萬元(HK$350,000.00)。
二零一零年五月二十五日於澳門”
Analisado o teor dos acordos em causa, entendemos que o pedido da execução específica da Autora não pode proceder.
Vejamos a sua razão de ser.
Suponhamos que tudo se passaria em termos normais, isto é, não havia o incumprimento do segundo acordo por parte dos 2ª e 3º Réus.
Assim, à data da celebração da escritura pública de compra e venda, a Autora pagaria aos 2ª e 3º Réus o remanescente do preço da aquisição acordado no montante de HKD$2.250.000,00, e estes, por sua vez, pagariam à 1ª Ré o remanescente do preço da aquisição acordado no montante de HKD$1.500.000,00.
Em consequência, a 1ª Ré, em cumprimento da cláusula 7ª do contrato promessa de compra e venda celebrado por si e os 2ª e 3º Réus, outorgaria a escritura pública de compra e venda directamente com a Autora, vendendo-lhe a fracção autónoma em causa.
Como se deve notar os 2ª e 3º Réus, no acordo celebrado com a Autora, prometeram a esta que, no momento do último pagamento, o proprietário da fracção autónoma iria celebrar com ela a respectiva escritura pública de compra e venda.
Esta promessa podia ser concretizada através do exercício do direito previsto na cláusula 7ª do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a 1ª Ré e os 2ª e 3º Réus.
Para poder exercer esse direito, os 2ª e 3º Réus tinham primeiro de cumprir a sua obrigação contratual perante a 1ª Ré, isto é, efectuar o último pagamento no valor de HKD$1.500.000,00.
Como é sabido, na cessão da posição contratual “o cedente se desliga da sua posição contratual, entrando o cessionário para o lugar dele, transmitindo-lhe uma das posições derivadas do contrato-base”.
Nesta conformidade, “a translação da posição contratual do cedente para o cessionário provoca, em princípio, a liberação do cedente, apresentando-se agora entre o cedido e o cessionário, a relação contratual que constitui o objecto mediato do contrato e subjectivamente, extingue-se uma relação anterior e um novo sujeito aparece. Transmitida a relação contratual para o cessionário, verifica-se uma extinção subjectiva relativamente ao cedente. Exonerado o transmitente, cessam em consequência, os direitos e deveres entre cedente e o cedido” (RL, 9-7-1992; CJ, 1992, 4º-136, cfr. ponto nº 16 da anotação do artº 424º do C.Civil de Portugal, Código Civil Anotado, Abílio Neto, 17ª edição, pág. 387).
Face ao expendido, uma hipótese de solução possivel é considerar que o acordo celebrado entre a Autora e os 2ª e 3º Réus em 25/05/2010 consiste numa promessa de alienação de coisa futura, e não de promitente-comprador, uma vez que, não obstante a existência do referido acordo, os 2º e 3ª Réus continuam a manter a sua posição contratual de promitente comprador perante a 1ª Ré, e, ao abrigo dessa qualidade e no exercício do direito previsto na cláusula 7ª do contrato promessa de compra e venda, exigiria à 1ª Ré celebrar directamente o contrato definitivo com a Autora.
Ou seja, a substituição dos 2º e 3ª Réus por parte da Autora no negócio em referência apenas se opera no momento da celebração da respectiva escritura pública, e não no momento da outorga do acordo de 25/05/2010.
Não tendo os 2ª e 3º Réus cedido a sua posição contratual de promitente-comprador à Autora, não podia esta vir pedir a execução específica do contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma celebrado entre os Réus, por não ser parte do contrato em causa.
Outra solução será qualificar o acordo de 25/05/2010 como um contrato de cessão da posição contratual de promitente-comprador. Contudo, nesta hipótese, tal contrato não chegou a ser finalizado, em virtude de que os 2ª e 3º Réus, antes de a Autora efectuar o último pagamento, o resolveram unilateralmente em 11/05/2011, manifestando a sua disponibilidade em indemnizar a Autora no dobro da quantia recebida.
Sem ser posto em causa a eventual ilegalidade da resolução unilateral com vista à concretização do acordado no sentido de adquirir a posição contratual de promitente-comprador dos 2ª e 3º Réus, a Autora também não podia pedir a execução específica do contrato, por não ser ainda parte do contrato em causa.
Nesta conformidade, o recurso não deixará de se julgar provido nesta parte e a sentença recorrida haverá de ser revogada, absolvendo-se consequentemente os Réus do pedido da execução específica da Autora.
A Autora formulou o pedido subsidiário no sentido de serem os 2ª e 3º Réus condenados a pagar-lhe, a título de indemnização, o dobro do sinal pago, no valor de HKD$700.000,00, bem como 0.5% do Imposto de Selo já por ela pago no montante de MOP$15.311,00.
Em relação ao pedido de devolução do dobro do sinal pago, a Autora não tem interesse processual de agir nos termos do nº 2 do artº 73º do CPCM, já que os 2ª e 3º Réus manifestaram, no acto da resolução uniliteral do contrato, a sua disponibilidade de devolver à Autora o dobro do sinal pago, não havendo quanto a essa parte litígio judicial.
Nesta conformidade, é de absolver os 2ª e 3º Réus da instância quanto a esse pedido.
No que concerne ao pedido do pagamento da quantia MOP$15.311,00, respeitante ao 0.5% do Imposto de Selo pago em consequência da celebração do acordo de 25/05/2010, é de se julgar procedente, visto que a Autora pagou tal imposto por imposição legal e como os 2ª e 3º Réus incumpriram a sua obrigação contratual por iniciativa própria, têm a obrigação de indemnizar a Autora esse dano.
3. Da questão do consentimento da cessão da posição contratual:
Face à posição tomada no ponto nº 2, fica prejudicado o seu conhecimento, na medida em que se torna inútil saber se a 1ª Ré terá ou não consentido a cessação da posição contratual de promitente-comprador por parte dos 2ª e 3º Réus.
Tudo visto, resta decidir.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em:
- conceder provimento parcial ao recurso, revogando a sentença recorrida;
- absolver os Réus do pedido da execução específica do contrato;
- absolver os 2ª e 3º Réus da instância relativa ao pedido da devolução em dobro do sinal recebido no valor de MOP$700.000,00 por falta de interesse processual; e
- condenar os 2ª e 3º Réus a pagar à Autora a quantia de MOP$15.311,00.
*
Custas pela Autora e pelos 2ª e 3ª Réus na proporção dos decaimentos em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 07 de Maio de 2015.

_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
José Cândido de Pinho
_________________________
Tong Hio Fong



35
46/2015