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Processo nº 135/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Abril de 2015

ASSUNTO:
- Marca
- Capacidade distintiva
- Afinidade

SUMÁRIO:
- A marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, daí que o seu registo exige a capacidade distintiva.
- Verificam-se a sobreposição de mercados e o perigo de confusão ou associação quando ambas as marcas são compostas por elementos constitutivos praticamente iguais e visam assinalar produtos/serviços afins.
- A afinidade é apreciada segundo os critérios da finalidade e utilidade dos produtos e serviços, assim como os da natureza (estrutura e características) dos mesmos, e dos seus circuitos e hábitos de distribuição.
- Além disso, haverá ainda que ponderar cuidadosamente o peso relativo de cada um e não perder de vista o risco de confusão quanto à origem dos produtos e serviços marcados de forma igual ou semelhante
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 135/2015
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 30 de Abril de 2015
Recorrente: A Ltd.
Entidade Recorrida: Direcção dos Serviços de Economia

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 06/11/2014, julgou-se improcedente o recurso intentada pela Recorrente A Ltd..
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos autos pelo Tribunal Judicial de Base, que julgou improcedente o recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão recorrida, isto é, a decisão da Direcção dos Serviços de Economia ("DSE") publicada no BO n.º 23, II Série, de 4 de Junho de 2014, que recusou o pedido de registo de marca n.º N/BBBBB (Classe 30) submetido pela ora Recorrente, com base na existência da marca registada N/CCCCC (Classe 43).
B. A sentença de que ora se recorre considerou que a marca da Recorrente corresponde, na sua conformação, à marca N/CCCCC, colocando assim em crise o princípio da novidade ou da exclusividade, enunciando como requisito "que a marca seja nova, i.e. que não constitua "reprodução ou imitação no todo ou em parte de marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto ou serviço, ou produto ou serviço similar ou semelhante".
C. Não estando em causa marcas da mesma classe (pertencendo à classe 30 a marca n.º N/BBBBB da Recorrente, e à classe 43 a marca N/CCCCC), não é relevante a questão da novidade.
D. Também não está em causa a questão da imitação, só relevando a mesma quando as marcas pertençam à mesma classe e protejam os mesmos produtos.
E. Não sendo a marca N/CCCCC uma marca notória ou de prestígio, também não se coloca a hipótese de a respectiva protecção se estender a classes nas quais não se encontre registada.
F. A única questão que importa considerar prende-se com a existência de afinidade entre os serviços da marca da Recorrente e os produtos da marca N/CCCCC, a questão de saber "se tais produtos e serviços são afins uns em relação aos outros, ou melhor, se os produtos que se pretendem assinalar com a marca registanda são afins aos serviços sinalizados pela marca registada".
G. A lei não indica expressamente qual o alcance do conceito de afinidade, cabendo a determinação à doutrina e jurisprudência. E como citado na sentença, a doutrina aponta como "factores a ter em consideração neste processo de indagação: a natureza dos serviços e produtos, a composição destes, a sua finalidade, função, as suas diversas utilidades, os canais de distribuição usados e o género de estabelecimento em que são comercializados, o respectivo preço, grau de qualidade e, sobretudo, o tipo de consumidores".
H. A sentença recorrida precipitou-se a concluir a existência de afinidade entre as marcas em causa, mas sem utilizar os próprios factores que cita como os factores da doutrina.
I. Importa analisar em detalhe cada um dos critérios enunciados para se avaliar a existência de afinidade entre os produtos da marca da Recorrente e os serviços da marca N/CCCCC, porquanto só essa afinidade poderia servir de fundamento à recusa do registo da marca.
J. Em primeiro lugar, o facto de as marcas em causa pertenceram a classes diferentes não pode deixar de ser tido em consideração para efeitos de se apurar a existência de afinidade, pois agrupando cada classe produtos ou serviços que têm muita proximidade entre si, como em qualquer sistema de classificação, o facto de as marcas em causa pertencerem a classes distintas indica, por si só, que os respectivos produtos e serviços podem não ter afinidade.
K. Como consta do processo administrativo apenso aos autos, a marca da Recorrente (classe 30) engloba "Café, substitutos de café, alternativas ao café; chá, folhas de chá e seus produtos; cacao, pó de cacao e seus produtos; produtos de sopa; pão; bolacha; bolo; comida saborosa; bolacha dura; bolacha de mel; bolos chineses e ocidentais; tangyuan (bolas glutinosas de farinha de arroz); fatias de amêndoa; chocolate; baguete; panqueca; sobremesas; pudim; doces e produtos de confeitaria; massa; esparguete e outros produtos de farinha; farinha e produtos derivados de cereais, mel; melaço; fermento fresco; fermento em pó; sal; açúcar; vinagre; mostarda; pimenta; temperos; molho de nabo; molhos (temperos); molho para salada; ketchup; caril; gelo; arroz; amido de mandioca; sagu". Diferentemente, a marca N/CCCCC (classe 43) engloba "Prestação de serviços de preparação de comidas e bebidas consumidas pelos clientes nos restaurantes ou cafés".
L. Verifica-se uma enorme disparidade entre as especificações de cada uma das marcas. O facto de a marca da Recorrente assinalar produtos e a marca N/CCCCC assinalar serviços é determinante para não existir afinidade, pois um produto, por natureza, é intrinsecamente diferente de um serviço (a questão da afinidade apenas faria sentido se ambas as marcas em causa assinalassem produtos ou serviços).
M. Ora, sendo a natureza das especificações das marcas radicalmente diferente, como já se referiu, também as respectivas composições são necessariamente diferentes, não se aceitando que uma marca de produto e uma marca de serviço possam ser comparadas, e as respectivas especificações consideradas afins, ainda para mais estando bem patente que, no caso concreto, ambas têm um alcance bastante distinto.
N. Também a finalidade de ambas as marcas e dos respectivos produtos e serviços não nos permite concluir que ambas sejam afins: um serviço de restauração visa proporcionar aos consumidores a possibilidade de adquirirem e consumirem no local refeições confecionadas, as passo que café, pão e os outros produtos protegidos pela marca da Recorrente são produtos, em si, que os consumidores utilizam na respectiva alimentação e que podem ser consumidos nos mais diversos espaços - e com certeza, com muito mais regularidade.
O. Itens de alimentação servem uma função básica, ao passo que os serviços de restauração têm uma vertente episódica, recreativa.
P. A função da marca da Recorrente é assinalar determinado tipo de produtos alimentares colocados à disposição dos consumidores, para serem adquiridos e consumidos nos mais diversos locais. Diferentemente, a função da marca N/CCCCC é assinalar um serviço de restauração, no qual não são comercializados produtos alimentares mas antes servidas refeições já confeccionadas. Portanto, também à luz da função das marcas em causa é bem patente a inexistência de qualquer afinidade entre ambas.
Q. A utilidade de um serviço de restauração é dar a possibilidade aos consumidores de adquirirem e consumirem no estabelecimento refeições confeccionadas, podendo fazer face a necessidades que os mesmos possam ter ocasionalmente. A utilidade dos produtos assinalados pela marca da Recorrente é, em geral, poderem ser utilizados na alimentação dos consumidores, sendo alguns desses produtos de utilização diária (como o pão e o café). Também aqui, não existe afinidade.
R. A sentença recorrida considera que os canais de distribuição utilizados pela Recorrente são os mesmos que os utilizados pelo titular da marca N/CCCCC. No entanto, a sentença faz uma interpretação errada deste critério, pois o que refere são os canais de distribuição por grosso ou dos abastecedores (inexistentes para serviços de restauração), quando o que releva são os locais de comercialização - pois são estes com os quais os consumidores tomam contacto e que, por esse motivo, podem neles causar confusão.
S. Posto isto, verifica-se que os locais de distribuição usados não são os mesmos, pois os produtos da Recorrente não serão comercializados nos estabelecimentos de restauração da titular da marca N/CCCCC, pelo que também aqui não existe afinidade.
T. Os produtos da Recorrente podem ser comercializados em supermercados, mercearias, pastelarias, lojas de lembranças, cafés e outros estabelecimentos de diferentes géneros, ao passo que os serviços da titular da marca N/CCCCC são necessariamente prestados em restaurantes e cafés. Dado que os produtos da Recorrente podem ser comercializados em estabelecimentos de diversos géneros, não existe afinidade neste domínio.
U. Os preços dos serviços de restauração englobam o valor dos produtos alimentares fornecidos acrescido do valor correspondente à prestação do serviço aos consumidores. Portanto, o valor dos produtos alimentares é necessariamente inferior ao dos serviços de restauração. Também não existe afinidade entre os produtos e serviços em causa quantos ao preço.
V. O grau de qualidade dos produtos e serviços em causa é variável e de difícil determinação, pelo que este critério não permite concluir pela existência de afinidade.
W. Os consumidores que se dirigem a um estabelecimento de restauração podem não coincidir com aqueles que consomem os produtos da Recorrente, o que por si só basta para afastar a existência de afinidade neste domínio. Além disso, a adopção de uma interpretação tão lata deste critério levaria a que o mesmo estivesse sempre preenchido, visto que estamos num âmbito em que não existe uma delimitação específica do consumidor alvo. Assim, não pode este critério ser usado para aferir da afinidade entre a marca da Recorrente e a marca N/CCCCC.
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A Entidade Recorrida respondeu à motivação do recurso da Recorrente, nos termos constantes a fls. 91 a 102 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- Por decisão da Direcção dos Serviços de Economia datada de 08 de Maio de 2014 e publicada no Boletim Oficial a 04 de Junho do corrente ano, foi recusado o registo da marca n.º N/BBBBB (Classe 30), com base na imitação da marca registada pré-registada N/CCCCC na Classe 43, invocando-se o disposto no artº 214º nº 2, al. b), 215º nº 1 e 9º, nº 1 al. e) do RJPI.
- Ambas as marcas são compostas pelos seguintes sinais: D
- A marca N/BBBBB pretende assinalar os produtos da Classe 30: 咖啡,咖啡代用品,咖啡代替品;茶,茶葉及其產品;可可,可可粉及其產品;湯的製品;麵包;餅乾;蛋糕;美味食品;硬餅乾;蜂窩餅;中式蛋糕及西式蛋糕;湯糰;杏仁片;巧克力;棍包;薄煎餅;甜品;布甸;糕點及糖果產品;通心粉;意大利粉及其他麵食;麵粉及穀類製品;蜂蜜;糖蜜;鮮酵母;發酵粉;食鹽;糖;醋;芥末;胡椒;調味料;蘿蔔醬;醬汁(調味品);沙律醬;番茄醬;咖喱;冰;米;木薯澱粉;西米。
- A marca NCCCCC assinala os serviços da Classe 43: 為顧客提供於餐廳或咖啡店內消費的食品和飲料之製備服務。
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III – Fundamentação
O presente recurso consiste unicamente em saber se existe afinidade entre os produtos/serviços da marca a registar da ora Recorrente e os produtos/serviços da marca registada N/CCCCC, uma vez que não foi posto em causa que os elementos constitutivos daquelas duas marcas eram praticamente iguais.
Na óptica da ora Recorrente os serviços/produtos assinalados pela sua marca registanda diferem-se dos da marca registada N/CCCCC.
Quid iuris?
   Como se sabe, a marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas.
   A constituição da marca, em princípio, é livre. Pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, fonéticos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente. Pode ser ainda composta pelo formato de um produto ou da respectiva embalagem (artº 197º do RJPI)
   Todavia, esta liberdade de composição da marca não é ilimitada.
   A lei estabelece, a este respeito, várias restrições, uma das quais é justamente a constituição da marca tem de ser dotada de exclusividade ou novidade, isto é, não pode ser uma reprodução ou imitação no todo ou em parte da marca anteriormente registada por outrem, para o mesmo produto/serviço, ou produto/serviço afins que possa induzir em erro ou confusão o consumidor, ou que compreenda o risco de associação com a marca registada (cfr. al. b) do nº 2 do artº 214º do RJPI).
Não consta do RJPI qualquer critério legal para definir o que são produtos/serviços afins.
Assim, bem afirmou a sentença recorrida que se tratava de trabalho para a jurisprudência e doutrina.
A jurisprudência da RAEM tem vindo a entender que “a afinidade entre dois produtos ou serviços pode encontrar-se na sua aparência ou conteúdo mas pode, também, basear-se na aplicação a que se destinam, na sua possibilidade de satisfazer a mesma ou idêntica função”1.
Ao nível da doutrina, Pedro de Sousa e Silva entende que “os produtos ou serviços que apresentam entre si um grau de semelhança ou proximidade suficiente para permitir, ainda que parcialmente, uma procura conjunta, para satisfação de idênticas necessidades dos consumidores. Os produtos ou serviços em causa terão que se situar, pois, no mesmo mercado relevante, permitindo desta forma, ainda que tenuemente, uma relação de concorrência entre os agentes económicos que os ofereçam ao público”.
“Importa assim ter em conta não só as características intrínsecas dos produtos ou serviços em confronto, mas também outros factores envolventes, destinados a apurar se existem intersecções ou áreas de sobreposição entre os respectivos mercados. Não as havendo, não pode afirmar-se que exista afinidade, nem se permite a invocação do exclusivo legal”.
“Nesta última perspectiva, considera-se que pertencem a um mesmo mercado relevante as empresas que oferecem produtos idênticos ou produtos que, aos olhos do consumidor, permitem satisfazer idênticas necessidades” (Direito Industrial/Noções fundamentais, Coimbra Editora, pág. 167 a 169).
Para Luís M. Couto Gonçalves, “Para além do critério da finalidade e utilidade dos produtos e serviços a doutrina refere ainda o critério da natureza (estrutura e características) dos produtos e serviços e o critério dos circuitos e hábitos de distribuição dos produtos e serviços.”.
“Nos casos em que não concorram, simultâneamente, todos os factores de apreciação de afinidade haverá que ponderar cuidadosamente o peso relativo de cada um e não perder de vista o risco de confusão quanto à origem dos produtos e serviços marcados de forma igual ou semelhante” (Manual de Direito Industrial, Almedina, pág. 230 e 231).
No caso em apreço, a marca registada N/CCCCC destina-se a assinalar os produtos/serviços da classe 43ª, que abrange “prestação de serviços de preparação de comidas e bebidas consumidas pelos clientes nos restaurantes ou cafés” ao passo que a marca a registar da ora Recorrente (N/BBBBB) destina-se a assinalar os produtos/serviços da classe 30ª que engloba “café, substitutos de café, alternativas ao café, chá, folhas de chá e seus produtos; cacao, pó de cacao e seus produtos; produtos de sopa; pão; bolacha; bolo; comida saborosa; bolacha dura; bolacha de mel; bolos chineses e ocidentais; tanguan (bolas glutinosas de farinha de arroz); fatias de amêndoa; chocolate; baguete; panqueca; sobremesas; pudim; doces e produtos de confeitaria; massa; esparguete e outros produtos de farinha; farinha e produtos derivados de cereais, mel; melaço; fermento fresco; fermento em pó; sal; açúcar; vinagre; mostarda; pimenta; temperos; molho de nabo; molhos (temperos); molho para salada; ketchup; caril; gelo; arroz; amido de mandioca; sagu”.
Como se pode ver, a grande parte dos produtos/serviços das duas classes em referência são algo semelhantes ou até idênticos.
A única diferença reside no facto de que os produtos/serviços da classe 43ª têm de ser preparados e consumidos em restaurantes ou cafés e os da classe 43ª não têm essa limitação de preparação e consumo espacial.
Será que isso é suficiente para afirmar que os produtos/serviços daquelas duas classes não são afins?
Um bolo com a marca de “D” ou “DD”, vendido tanto num restaurante como numa padraria, um consumidor médio conseguiria distinguir que esse produto é da marca N/BBBBB ou da marca N/CCCCC?
A resposta, para nós, não deixa de ser negativa.
É certo que os produtos da marca N/CCCCC têm de ser preparados e consumidos em restaurantes ou cafés, mas tal não impede que um estabelecimento de restaurante ou de café não pertencente ao titular da marca N/CCCCC possa vender os produtos da marca da ora Recorrente.
Neste último, um consumidor médio pode pensar perfeitamente que tais produtos são da marca N/CCCCC, uma vez que os consume no restaurante ou café.
Por outro lado, ainda que os produtos da marca N/BBBBB estejam à venda em locais que não sejam estabelecimentos de restaurantes ou cafés, o consumidor médio também pode não conseguir distinguir que tais produtos pertencem à marca N/CCCCC ou à N/BBBBB, já que pode não saber que os produtos da marca N/CCCCC têm a limitação de preparação e consumo espacial.
Verifica-se, portanto, uma sobreposição de mercados e o perigo de confusão ou associação.
Pelo exposto, o recurso não deixará de se julgar não provido.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao presente recurso, mantendo a decisão recorrida.
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Custas pela ora Recorrente.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 30 de Abril de 2015.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

1 Ac. do TSI, de 31/03/2011, Proc. nº 707/2010.
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