Processo n.º 495/2014 Data do acórdão: 2015-5-14 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– condução durante o período de inibição de condução
– medida da pena
– art.º 44.º, n.º 1, do Código Penal
– delinquente não primário
– suspensão da execução da pena
S U M Á R I O
1. Não existindo injustiça notória na medida da pena feita pelo tribunal recorrido, não é curial ao tribunal de recurso proceder à redução da pena.
2. Atentos os antecedentes criminais do arguido, e para o prevenir da prática de novo delito no futuro, não é de decidir pela substituição da pena de prisão – cfr. o critério material na segunda parte do n.º 1 do art.º 44.º do Código Penal.
3. Como o arguido já não é delinquente penal primário, com a agravante de que a sua experiência de ficar condenado com pena de prisão suspensa na execução em processo penal anterior nem o conseguiu prevenir da prática do crime desta vez, e de que são elevadas as exigências da prevenção geral do delito de condução durante o período de inibição de condução, também não se pode suspender a execução da pena de prisão.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 495/2014
(Autos de recurso penal)
Arguido recorrente: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por sentença proferida a fls. 48v a 51 do Processo Sumário n.° CR4-14-0111-PSM do 4.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base (TJB), o arguido A, aí já melhor identificado, ficou condenado como autor material de um crime consumado de condução durante o período de interdição de condução, p. e p. pelo art.º 92.º, n.º 1, da Lei n.º 3/2007, de 7 de Maio (isto é, Lei do Trânsito Rodoviário, doravante abreviada como LTR), na pena de cinco meses de prisão efectiva, com cassação da carta de condução.
Inconformado, veio o arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar ao Tribunal sentenciador (a) o excesso na medida concreta da pena de prisão (devido sobretudo à desconsideração, em sede da medida da pena, de que o próprio arguido praticou o acto de condução no período de interdição de condução, porque sob impossibilidade de apanhar outro meio de transporte, tencionava ir rapidamente cuidar do seu pai com cancro de pulmão que vomitava sangue), (b) a violação do art.º 44.º do Código Penal (CP) (por causa da decidida não substituição da pena de prisão por pena de multa), e (c) a violação, fosse como fosse, do art.º 48.º, n.º 1, do CP (em virtude da decidida não suspensão da execução da pena de prisão, com desconsideração de ele ser o único filho do pai doente e exclusivo familiar com grande necessidade para cuidar do pai ininterruptamente). Pediu, pois, a aplicação da pena de prisão não superior a três meses, e/ou a substituição da prisão por multa, ou a suspensão da execução da prisão pelo período de três anos (cfr. com mais detalhes, o teor da motivação do recurso apresentada a fls. 81 a 101 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso respondeu (a fls. 108 a 110 dos autos) a Digna Delegada do Procurador, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subidos os autos, emitiu a Digna Procuradora-Adjunta parecer (a fls. 119 a 120v), pugnando também pelo não provimento do recurso.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
1. Segundo a factualidade descrita como provada na decisão condenatória ora recorrida, e na sua essência:
– em 3 de Junho de 2014, cerca das 16:16 horas, o pessoal do Corpo de Polícia de Segurança Pública, ao patrulhar num cruzamento estradal em Macau, viu o arguido a conduzir um ciclomotor num passeio para peões, pelo que o mandou parar para efeitos de investigação;
– na sequência dessa investigação, subsequentemente levada a cabo no Comissariado de Trânsito daquela Corporação Policial, foi descoberto que o arguido já se encontrava interditado de conduzir por decisão judicial, sob pena de punição criminal;
– ao conduzir no período de interdição de condução, o arguido agiu consciente, livre e voluntariamente, sabendo claramente que essa sua conduta era proibida e punível por lei;
– o arguido tem por habilitações académicas o primeiro ano do ensino secundário, declara trabalhar como empregado de venda, com rendimento mensal de dez mil patacas, seis mil das quais ficando para os seus pais a título de alimentos;
– o arguido chegou a ser condenado em 19 de Fevereiro de 2013 no Processo Comum Singular n.º CR4-12-0430-PCS do TJB (com o trânsito em julgado da decisão ocorrido no Primeiro de Março de 2013), por um crime de consumo de estupefaciente e um crime de condução sob influência de estupefaciente, na pena única de quatro meses de prisão, suspensa na execução, com regime de prova, por dois anos, para além da inibição de condução por um ano e seis meses;
– e também condenado em 26 de Abril de 2013 no Processo Comum Colectivo n.º CR1-12-0067-PCC do TJB (com o trânsito em julgado da decisão ocorrido em 6 de Maio de 2013), por dois crimes de consumo de estupefaciente, um crime de detenção indevida de utensilagem e um crime de condução sob influência de estupefaciente, na pena única de sete meses de prisão, com inibição de condução por um ano e seis meses, e, em cúmulo jurídico com a punição imposta no acima referido Processo n.º CR4-12-0430-PCS, finalmente na pena única de nove meses de prisão, suspensa na execução por dois anos, com regime de prova e obrigação de sujeição ao tratamento da toxicodependência, para além da inibição de condução por um ano e seis meses.
2. Da acta da audiência de julgamento realizada perante o Tribunal a quo (lavrada a fls. 47 e seguintes dos autos), consta que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos.
3. Na fundamentação jurídica da decisão condenatória ora recorrida, o Tribunal a quo chegou a afirmar (concretamente no último parágrafo da fl. 49v dos autos) que:
– o motivo invocado pelo arguido – de que o pai estava mal disposto na saúde – para justificar o seu acto de condução não é suficiente para afastar a ilicitude dos factos praticados por ele (visto que ele, para além de poder conduzir sozinho para ir cuidar do pai, ainda pode ter optado, por exemplo, por chamar o carro de ambulância);
– entretanto, esse motivo apresentado pelo arguido não deixa de ser ponderado aquando da decisão final do caso.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, é de notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Nesses parâmetros conhecendo:
O recorrente começou por assacar ao Tribunal a quo o excesso na fixação da duração da sua pena de prisão em cinco meses.
Nos termos conjugados do art.o 92.o, n.o 1, da LTR e dos art.os 312.º, n.º 2, e 41.º, n.º 1, do CP, o crime de condução durante o período de interdição de condução é punível com prisão de um mês até dois anos ou de multa até 240 dias, para além da cassação da carta de condução.
No caso, o Tribunal a quo graduou a optada pena de prisão em cinco meses.
Assim, aos critérios gerais da medida da pena consagrados nos art.os 40.o, n.os 1 e 2, e 65.o, n.os 1 e 2, do CP, não se vislumbra ao presente Tribunal ad quem qualquer injustiça notória nesse quantum concreto da pena de prisão, depois de vistas todas as circunstâncias fácticas já apuradas na sentença recorrida, sendo de observar, sobretudo, que:
– a confissão integral e sem reservas dos factos não tem valor atenuativo relevante em sede da medida da pena, por o recorrente ter sido apanhado em flagrante delito na condução automóvel durante o período de interdição de condução;
– o arguido já não é delinquente primário;
– e são elevadas as exigências de prevenção geral do delito penal de condução no período de interdição de condução (por causa da inegável necessidade redobrada de fazer observar a ordem judicial decretadora da inibição de condução);
– se não tivesse sido atendido materialmente, em sede da medida concreta da pena, o motivo então apresentado pelo arguido (e já referido concretamente na fundamentação jurídica da sentença ora recorrida) para a prática do crime em questão, a respectiva pena de prisão não teria sido fixada em dose tão baixa.
Assim sendo, há que manter o juízo de valor já tomado pelo Tribunal a quo na medida da pena de prisão.
Questionou também o arguido a decisão de não substituição da prisão por multa.
Para o presente Tribunal ad quem, bem andou sensatamente o Tribunal a quo, porquanto atentos os antecedentes criminais do arguido, e para o prevenir da prática de novo delito no futuro, não é de decidir realmente pela substituição da pena de prisão – cfr. o critério material para efeitos de decisão da substituição da pena de prisão, plasmado na segunda parte do n.º 1 do art.º 44.º do CP.
E agora da finalmente rogada suspensão da execução da pena de prisão, a decisão também será a descontento do recorrente. Na verdade, como o arguido já não é delinquente penal primário, com a agravante de que a sua experiência de ficar condenado com pena de prisão suspensa na execução em processo penal anterior nem o conseguiu prevenir da prática do crime desta vez, e de que são elevadas, como já se disse acima, as exigências da prevenção geral do mesmo delito, não se pode concluir, para os efeitos a relevar do art.o 48.o, n.o 1, do CP, que a simples censura dos factos e a ameaça da execução da prisão já consigam satisfazer, de modo adequado e suficiente, as finalidades da punição.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar não provido o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com seis UC de taxa de justiça.
Comunique ao Processo n.º CR1-12-0067-PCC do Tribunal Judicial de Base, para os efeitos tidos por convenientes.
O presente acórdão é irrecorrível nos termos do art.º 390.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Macau, 14 de Maio de 2015.
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Chan Kuong Seng
(Relator)
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Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
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Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
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