Processo n.º 207/2015
(Recurso Laboral)
Relator: João Gil de Oliveira
Data : 14/Maio/2015
ASSUNTOS:
- Ónus da prova dos créditos laborais
- Compensação por trabalho em dia de descanso semanal
SUMÁRIO :
1. É ao trabalhador que cabe provar o seu direito de crédito laboral e, assim, nomeadamente, que trabalhou em dias de descanso e que não foi pago por isso.
2. O trabalho prestado em dia descanso semanal deverá ser pago pelo dobro da retribuição normal, não se podendo ficcionar que o trabalhador já recebeu um dia de salário por integrado no seu salário mensal.
3. A não se entender desta forma teríamos que a remuneração de um dia de descanso não era minimamente compensatória de um esforço acrescido de quem trabalhe em dia de descanso semanal em relação àqueles que ficassem a descansar ao fim de uma semana de trabalho. Estes ganhariam, por ficarem a descansar, um dia de trabalho; os outros, por trabalharem nesse dia especial não ganhariam mais do que um dia de trabalho normal.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 207/2015
(Recurso Civil)
Data : 14/Maio/2015
Recorrente : A
Recorrida : B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – RELATÓRIO
A, Autor nos autos à margem identificados, notificado da Sentença, de 26 de Novembro de 2014, não se conformando com a mesma, dela vem recorrer, alegando, em síntese conclusiva:
1. Versa o presente recurso sobre a parte da Sentença na qual o Tribunal a quo procedeu a um julgamento incorrecto quanto à matéria de facto e, em consequência, julgou parcialmente improcedente a favor do Recorrente a atribuição de uma determinada compensação devida a título de subsídio de efectividade e trabalho prestado em dia de descanso semanal, em violação ao disposto nos artigos 17.° e 26.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
2. No entender do Recorrente, o julgamento de facto que incidiu sobre os quesitos 1.° a 3.° mostra-se equivocado, porquanto uma correcta ponderação de todos os meios de prova constantes dos autos é apta a conduzir a uma outra decisão.
3. Desde logo, porque a primeira testemunha afirmou que o Autor "não tinha direi to a descansos semanais" , nem a "descansos compensatórios" e que por várias vezes o ora Recorrente apresentou queixas na DSAL, junto com os outros membros de uma Associação, com vista a obter o pagamento pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal;
4. Por outro lado, resulta também do testemunho prestado pela segunda testemunha que a “partir de 2001, alguns trabalhadores tinham férias, mas não era descanso semanal, havia guardas que não tinham trabalho, às vezes trabalhavam no Banco, como o Banco fechava no domingo, então o guarda é chamado pela companhia para trabalhar noutro sitio”,
5. Depois, se é certo que a testemunha "não tinha a certeza se o Autor não gozou descanso semanal e se e quantas vezes a Ré o chamou para trabalhar em dia de descanso semanal", em caso algum seria exigível que a mesma demonstrasse um absoluto grau de certeza, sem descurar que a testemunha revelou um perfeito conhecimento das políticas da Ré relativamente à atribuição de dias de descanso semanal, ou à sua falta;
6. Ao que acresce que, cabia à Ré a apresentação dos registos de presenças do ora Recorrente depois de 2002 o que, não o tendo feito, em caso algum poderá ser valorada contra o próprio Recorrente, que tudo fez para que a Ré os apresentasse oportunamente;
7. Pelo exposto, justifica-se que o douto Tribunal ad quem proceda à reapreciação dos testemunhos prestados e, em conformidade, altere a resposta aos factos contidos nos quesitos 1.º a 3.º da Base Instrutória, julgando-se os mesmos integralmente provados, com as devidas consequências quanto aos concretos pedidos formulado pelo Recorrente a tal respeito;
Sem prescindir, em qualquer caso,
8. No âmbito da determinação da indemnização devida ao ora Recorrente relativamente ao descanso semanal, o Tribunal a quo entendeu ser de seguir o entendimento por duas vezes sufragado pelo Tribunal de Última Instância, afastando-se, assim, da posição reiterada seguida Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de Direito, e condenando a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas um salário em singelo e não em dobro;
9. Porém, salvo melhor opinião, ao proceder ao desconto do valor pago em singelo, o Tribunal a quo terá procedido a uma errada aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do art. 17.° do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
10. De onde, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao ora Recorrente a quantia de MOP$200,741.00 - e não de apenas de MOP$47,224,00 conforme resulta da decisão ora posta em crise - a título de trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescido de MOP$100,370.00 - e não de apenas de MOP$47,224,00 conforme resulta da decisão ora posta em crise - em consequência da falta de gozo de um dia de descanso compensatório pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, acrescida de juros até efectivo e integral pagamento o que desde já e para todos os legais efeitos se requer.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a Sentença ora posta em crise ser substituída por outra que atenda aos pedidos formulados pelo Recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA!
B (Macau) Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, R. nos autos em epígrafe, contra-alega, defendendo a bondade do decidido.
Foram colhidos os vistos legais.
II – FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
“- Entre 3 de Setembro de 1994 a 31 de Maio de 2008, o Autor prestou para a Ré funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (alínea A) dos factos assentes)
- Entre o referido período, o Autor trabalhou sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea B) dos factos assentes)
- A Ré sempre fixou o local, o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (alínea C) dos factos assentes)
- O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais indicados pela Ré. (alínea D) dos factos assentes)
- Ao longo de toda a relação laboral a Ré pagou ao Autor uma quantia fixa mensal, acrescida de uma quantia determinada em função do número de horas de trabalho extraordinário efectivamente prestadas pelo Autor. (alínea E) dos factos assentes)
- Durante a relação de trabalho o Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.9, Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais efeitos):
Ano
Salário anual
Salário normal diário (A)
1994
19193
160
1995
62997
174
1996
42705
119
1997
42827
119
1998
55055
153
1999
53381
148
2000
44913
125
2001
43792
122
2002
53416
148
2003
58155
162
2004
57108
159
2005
52975
147
2006
65958
183
2007
87020
242
(alíneas F) dos factos assentes)
- Para além das referidas quantias, o Autor não auferiu quaisquer outras por parte da Ré, ou de qualquer outra entidade patronal. (alínea G) dos factos assentes)
- Enquanto trabalhador não residente, o Autor apenas estava autorizado a exercer a sua actividade profissional para a Ré. (alínea H) dos factos assentes)
- Entre 3 de Setembro de 1994 a 31 de Dezembro de 2007 e excepto durante o período compreendido entre 08/09/2000 a 16/07/2001, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (alínea I) dos factos assentes)
- Entre 3 de Setembro de 1994 a 31 de Dezembro de 2001 e excepto durante o período compreendido entre 08/09/2000 a 16/07/2001, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (Resposta ao quesito 1º da base instrutória)
- Entre 3 de Setembro de 1994 a 31 de Dezembro de 2001 e excepto durante o período compreendido entre 08/09/2000 a 16/07/2001, por solicitação da Ré o Autor prestou trabalho todos os dias da semana, de modo a garantir o contínuo e diário funcionamento da actividade da Ré. (Resposta ao quesito 2° da base instrutória)
- Entre 3 de Setembro de 1994 a 31 de Dezembro de 2001 e excepto durante o período compreendido entre 08/09/2000 a 16/07/2001, a Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (Resposta ao quesito 3° da base instrutória)
- O trabalho que prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (Quesito 8° da base instrutória, aceite pelas partes).”
III – FUNDAMENTOS
1. A matéria de facto
Insurge-se o recorrente quanto ao julgamento da matéria de facto.
Mas não lhe assiste razão.
O fundamento do recurso interposto pelo A. reconduz-se ao julgamento de facto que incidiu sobre os quesitos 1º, 2º e 3º da base instrutória, os quais, no entendimento de A., não foram objecto de uma correcta ponderação baseada nos testemunhos prestados em audiência de discussão e julgamento.
Ouvida a prova testemunhal referida somos a sufragar o entendimento que do Mmo Juiz que mui doutamente fez constar quanto à sua convicção:
“( ... ) Relativamente ao período posterior, não existe nos autos nenhum documento comprovativo. Ao mesmo tempo, apesar das duas testemunhas reconhecerem que havia uma parte dos postos de trabalho que ainda não tinha lugar descanso semanal a partir de 2001, C confessou que os postos de banco tinham lugar de descanso semanal e o Autor trabalhava também naqueles postos, e que não tinha a certeza que o Autor não gozou de descanso semanal e se quantas vezes a Ré chamou para trabalhar em dias de descanso semanal. Mesmo que MORGA, EDGARDO DAVID reconhecesse o não gozo de descanso semanal pelo Autor na altura, falta da coerência entre o depoimento das duas testemunhas e por isso não se consegue provar o não gozo de descanso semana e o trabalho nos dias de descanso semanal naquele período.
Quanto ao descanso compensatório, as duas testemunhas negaram a sua concessão para todos os trabalhadores".
Para a prova do facto acima elencado, o Tribunal recorrido louvou-se no depoimento das testemunhas C e D, as quais, quando questionadas directamente sobre a matéria, reconheceram o não gozo de descanso semanal até Dezembro de 2001.
No seu depoimento, a testemunha C reconheceu que os postos de banco, nos quais o A. desempenhava as suas funções, gozavam de descanso semanal.
A mesma testemunha mostrou-se incerta quanto ao facto de aquele ter ou não gozado dias de descanso semanal após Dezembro de 200l.
Verifica-se que os depoimentos de ambas as testemunhas, quando questionadas directamente sobre o não gozo de descanso semanal referente àquele período, são incertos e pouco precisos.
É assim claro que, relativamente ao período após Dezembro de 2001, não resultou demonstrado que o A. tenha trabalhado em todos os dias da semana.
O julgamento de facto resultou pois de uma correcta ponderação do Tribunal a quo, pelo que a reapreciação da matéria de facto deverá improceder.
Contrariamente ao que o recorrente afirma, quem tinha que provar o seu crédito laboral e, assim, que trabalhou em dias de descanso semanal era o trabalhador.
Essa é a dificuldade de milhares e milhares de trabalhadores que, ao longo de anos prestaram trabalho, nos mais variados sectores, e, só por dificuldade de prova não avançaram para a reclamação dos seus créditos. Aí, as empresas com contabilidade organizada é que, no fundo, acabam por facilitar a vida aos trabalhadores que, passado todo este tempo agora as vêm demandar.
Não merece, pois, censura o julgamento produzido.
2. Quanto aos cálculos
2.1.Trata-se de matéria já sobejamente debatida, sendo pacífica a solução adoptada neste tribunal1, no sentido de que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser pago pelo dobro da retribuição normal, não se podendo ficcionar que o trabalhador já recebeu um dia de salário por integrado no seu salário mensal.
Não se pode dizer que o recorrente recebeu em singelo a retribuição pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, na medida em que o seu salário era mensal e se foi trabalhar não foi remunerado por isso. O montante do seu salário ao fim do mês contemplava todos os dias e pode até dizer-se que era pago também enquanto estava a descansar ou devia descansar. Forçando a nota, dir-se-á que era pago para não trabalhar. Se trabalhou, tem que ser compensado por isso e é aí que a lei estabelece o correspondente ao dobro do montante de um dia de trabalho, não se podendo abater um montante ficcionado e remuneratório do dia de descanso.
A não se entender desta forma teríamos que a remuneração de um dia de descanso não era minimamente compensatória de um esforço acrescido de quem trabalhe em dia de descanso semanal em relação àqueles que ficassem a descansar ao fim de uma semana de trabalho. Estes ganhariam, por ficarem a descansar, um dia de trabalho; os outros, por trabalharem nesse dia especial não ganhariam mais do que um dia de trabalho normal.
O pagamento de tal trabalho em dobro não traduz qualquer errada interpretação do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril.
Com efeito, a fórmula correcta para retribuir o trabalho prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal é a seguinte: "2X o salário diário X o número de dias de prestação de trabalho em dia de descanso semanal, sem ter em consideração o dia de trabalho prestado", tal como concluído pelo Tribunal a quo.
O Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal que não gozou e não se pode considerar que já foi compensado por isso. Não, ele, enquanto pago ao mês, foi pago exactamente para não trabalhar, pelo que não se pode dizer que esse trabalho já foi pago em singelo. Não se podem confundir retribuições que assumem natureza diferente.
O artigo 17.° do Decreto-Lei n." 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n. ° 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo.
2.2. Sobre o tema transcrevemos até, com a devida vénia, o que exarado ficou no acórdão deste TSI, n.º 780/2007, já acima referido:
“O mesmo é dizer que "o Autor tem direito de receber, por cada dia de descanso semanal não gozado, o dobro da retribuição normal, para além do singelo já recebido".
Na vigência do DL n. 24/89/M
Vale aqui o disposto no art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a).
Assim:
N.1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
N.4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
N.6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.6, al. a)).
Na 1ª perspectiva acima avançada, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Na 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.1);
Portanto, a fórmula será sempre: AxBx2.”
De onde se conclui que, para além do pagamento do trabalho efectivamente prestado pelo recorrente em dia de descanso semanal, a recorrida não pagou ao seu trabalhador outro qualquer acréscimo salarial, em violação ao disposto no referido preceito legal, tal como decidido pelo Tribunal a quo.
O trabalhador deve assim ser compensado a esse título com o montante de MOP 94.448,00.
2.3. Acresce ainda o salário pelo dia compensatório não gozado, como contemplado na sentença, questão que não é discutida nas doutas alegações de recurso, razão por que, tudo visto e ponderadas as razões aduzidas, somos a manter o que doutamente ficou decidido.
IV - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogando a decisão recorrida, condena-se a Ré B (Macau) – Serviços e Sistemas de Segurança, Lda. a pagar ao A. A a quantia de MOP $ 94.448,00 (noventa e quatro mil quatrocentos e quarenta e oito patacas), a título de compensação pelo não gozo dos descansos semanais, no mais se mantendo o decidido, nomeadamente quanto ao julgamento da matéria de facto.
Custas pelas partes, na proporção dos decaimentos em ambas as instâncias.
Macau, 14 de Maio de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
1 - Cfr., entre muitos outros, acs. do TSI, no proc. n.º 780/2007, de 31 de Março de 2011; 422/2013, de 14/Nov/2013; 327/2005, de 15 de Julho de 2006; 678/2013, de 24 de Abril de 2014
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