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Processo nº 668/2013
(Autos de recurso contencioso)

Data: 14/Maio/2015

Assuntos: Dever de instrução oficiosa (artigo 86º, nº 1 CPA)
      Erro nos pressupostos
      Princípio da proporcionalidade

SUMÁRIO
- Tendo a autoridade policial tomado a iniciativa de efectuar diligências, nomeadamente, tentou através do Interpol obter elementos com vista a apurar os antecedentes criminais de um não residente, e que, afinal, veio a ser informada de que o mesmo era membro da associação XXX, não se descortina a alegada violação do dever de instrução ou falta de realização de diligência instrutória em procedimento administrativo.
- Se de acordo com a informação fornecida pela autoridade policial de Hong Kong, atesta que o recorrente, ali residente, pertence à associação secreta XXX que opera naquela Região, preenchidos estão os pressupostos de facto e de direito de que depende a aplicação do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 33º da Lei nº 6/97/M.
- Provado que um não residente sobre quem dispõem fortes indícios de que pertence a associação criminosa XXX, é razoável que a Administração tome medidas adequadas com vista a prevenir a criminalidade e salvaguardar a segurança pública, neste caso, proibindo-o de entrar em Macau durante determinado período de tempo, não se vendo que essa medida seja manifestamente desproporcional aos objectivos que pretende atingir com a prática do acto impugnado.
       
       
O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 668/2013
(Autos de recurso contencioso)

Data: 14/Maio/2015

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, titular do Bilhete de Identidade de Residente de Hong Kong, melhor identificado nos autos, notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança de 5 de Agosto de 2013, que lhe aplicou a medida de interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau por um período de 10 anos, interpôs o presente recurso contencioso de anulação do referido despacho, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
1. 上訴人認為被上訴人的決定由於違反調查原則而應該被宣告撤銷。
2. 在本司法上訴第6點所述之批示內指出:“本局收到鄰近地區警方提供的最新消息,指香港巿民A 與某個犯罪組織有連繫並屬於該組織。”
3. 這一事實並沒有任何之依據,上訴人從來沒有參加黑社會的組織,在香港亦沒有作出任何犯罪的行為而受監禁,同時,卷宗內並沒有任何資料顯示上訴人社會組織背景。
4. 澳門行政程序法典第86條第1款規定:“一、如知悉某些事實有助於對程序作出公正及迅速之決定,則有權限機關應設法調查所有此等事實;為調查該等事實,得使用法律容許之一切證據方法。”
5. 上訴人曾於2013年4月15日提交之書面陳述第四頁中申請:“基於卷宗沒有任何指證陳述人為黑社會成員的文件,現請求治安警察局局長 閣下發出證明,證明陳述人有需要向香港特別行政區申請的行為紙,以便陳述人親自到灣仔警察總部申請行為紙,及後將行為紙附入卷宗。”
6. 由於香港的制度所限,上訴人無法自行要求香港警務處發出無犯罪紀錄證明書,而只能依靠有權限當局提供證明要求發出上述證明書,故上訴人向治安警察局局長請求作出上點所指之措施。
7. 然而,上訴人至今仍沒有收到或獲通知領取上述證明書,因此訴願人不能到香港灣仔警察總部申請無犯罪紀錄證明書。
8. 由於證明上訴人在香港有否犯罪紀錄對上訴人有否參與黑社會有著重要意義,故治安警察局對上訴人提出之申請措施之不作為產生遺漏調查之後果,違反了行政程序法典第86條第一款之規定,根據行政程序法典第124條規定,有關行為應予撤銷。
9. 行政當局是有舉證上訴人是香港黑社會成員之責任,故在沒有任何證明的情況下,不能指證上訴人為香港黑社會成員。
10. 故行政當局沒有事實之依據作出行政行為,違反行政程序法典第86條第一款之規定,根據行政程序法典第124條規定,有關行為應予撤銷。
11. 倘若有不同意見,上訴人認為禁止入境的措施違反適度原則。
12. 於2012年12月03日,上訴人被初級法院裁定觸犯了第3/2007號法律(道路交通法第88條第2款結合澳門刑法典第138條C項及D項規定的一項遺棄受害人罪及澳門刑法典第312條1款b項)規定的一項違令罪。
13. 在上述的判決中指出,“從已證的事實,由於在犯罪之前及之後存在明顯減輕事實之不法性及罪過之情節,尤其是嫌犯在庭上作出自認以及表現出誠懇的悔改以及已向受害人作出港幣四十九萬元之賠償,因此,根據《刑法典》第66條之規定,本合議庭決定特別減輕第一嫌犯之刑罰。”
14. 就上述決定,只是針對上訴人所犯罪時的事實考量,並沒有針對上訴人為補償其所作出的過錯而作出最大的彌補,以致令受害人的傷害減到最低的行為作出考量,因此,在這部份因欠缺全面的考量作出錯誤之決定。
15. 另外,此類犯罪不算嚴重的犯罪行為,因此,對本地區公共安全或公共秩序不會構成危險。
16. 第6/2004號法律第12條第2款第一項之規定如下:“二、在下列情況下亦可禁止入境:(一)如根據第4/2003號法律第四條第二款(一)至(三)項的規定,拒絕入境的理由證明須延長拒絕入境措施的時間的,可作出預防性或連續性的禁止入境。”(粗體及底線為上訴人所加)
17. 第6/2004號法律第12條第2款規定的情況下,“可”禁止入境,然而,並沒有規定在這種情況下一定需要禁止入境,從該條文的立法思想和邏輯來看,行政當局可視乎情況針對像上訴人觸犯不算嚴重的犯罪且被判緩刑的人士是否作出禁止入境的措施。
18. 根據行政程序法典第5條第2款規定:“行政當局之決定與私人之權利或受法律保護之利益有衝突時,僅得在對所擬達致之目的屬適當及適度下,損害該等權利或利益。”
19. 對上訴人採取禁止入境的措施應從適度原則中受損害利益與追求目的之間所需要的平衡,以及方法與目的之間的適當關係。
20. 上訴人為初犯,並為自己的過錯作出最大的彌補,得到法院在判刑時給予特別減輕。
21. 故此,根據第6/2004號法律第12條第4款的規定,禁止入境的期間須與引致禁止入境行為的嚴重性、危險性或可譴責性成比例,上訴人不應被採取禁止入境10年的措施,否則便違反適當原則。
Conclui, pedindo que se julgue procedente o recurso, anulando-se o acto recorrido, com todas as consequências legais.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi deduzida a contestação constante de fls. 24 a 34 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, pugnando pela improcedência do recurso.
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No uso da faculdade concedida pelo artigo 68º do Código de Processo Administrativo Contencioso, o recorrente apresentou alegações facultativas, nelas formulando as seguintes conclusões:
1. 被訴實體在其答辯狀第7點及隨後內容認為,基於當局執行職務過程中從香港當局得知司法上訴人屬黑社會成員的情報,故以此足以認定上述事實及此認定已符合法律規定。
2. 為遵守行政程序法典第86條及第87條規定,當局在指控上訴人屬黑社會成員時,負舉證責任,應提出相關之實質資料。
3. 然而,綜觀整個卷宗,除了當局聲稱的有關情報,沒有任何實質文件或其他證據指出司法上訴人屬黑社會成員。
4. 當局在處理行政程序時,應根據法律整合卷宗資料,當有關權限屬自由裁量權時,當局應在法律規定下,按自由心證認定有關事實並作出決定。
5. 關於認定之自由心證,應參考《澳門刑事訴訟法教程上冊》第131頁中所述:“至於自由心證,CAVALEIRO DE FERREIRA認為:“是查明事實真相的一種方式,而非毫無根據地認定事實的存在”,因此,“是在有理據及符合邏輯的情況下自由作出結論”。巴西的學術理論習慣使用“附說明理由的自由心證(livre convencimento motivado)”此一表述方式,從而突顯出自由評價證據價值的制度中最為重要的要素:即自由的評價,而非武斷;故此,應附有相關的理由說明。”(粗體及底線為司法上訴人所加)
6. 根據上述見解,當局僅單純以職業上知悉的情報便認定司法上訴人是黑社會成員,則此認定之心證已超越了一般之自由心證之界限,在這樣的沒有任何實質證據支持下所作的認定,實屬專橫武斷。
7. 故此,當局在沒有依據的情況下作出決定,便是違反了上述行政程序法典第86條的規定,該決定應予撤銷。
8. 另外,司法上訴人還認為被訴當局作出禁止入境之決定違反適度原則。
9. 於2012年12月03日,上訴人被初級法院裁定觸犯了第3/2007號法律(道路交通法第88條第2款結合澳門刑法典第138條C項及D項規定的一項遺棄受害人罪及澳門刑法典第312條1款b項)規定的一項違令罪。
10. 在上述的判決中指出,“從已證的事實,由於在犯罪之前及之後存在明顯減輕事實之不法性及罪過之情節,尤其是嫌犯在庭上作出自認以及表現出誠懇的悔改以及已向受害人作出港幣四十九萬元之賠償,因此,根據《刑法典》第66條之規定,本合議庭決定特別減輕第一嫌犯之刑罰。”
11. 司法上訴人為初犯,並為自己的過錯作出最大的彌補,得到法院在判刑時給予特別減輕。
12. 但當局沒有全面考慮這些因素,而一意孤行地決定司法上訴人十年禁止入境之措施。
13. 對司法上訴人採取禁止入境的措施應從適度原則中受損害利益與追求目的之間所需要的平衡,以及方法與目的之間的適當關係。
14. 根據第6/2004號法律第12條第4款的規定,禁止入境的期間須與引致禁止入境行為的嚴重性、危險性或可譴責性成比例,司法上訴人不應被採取禁止入境10年的措施,否則便違反適度原則。
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Às quais respondeu a entidade recorrida o seguinte:
1. O conteúdo da informação actualizada, recebida pelo CPSP, da entidade policial competente da RAEHK, atesta sem dúvidas a pertença do recorrente a uma associação criminosa naquela Região constitui facto bastante para se verificar o preenchimento da norma do artigo 33º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 6/97/M não sendo exigido ao CPSP a indicação de factos concretos que comprovem a pertença ou ligação ao denominado crime organizado (cfr. supra art. 3º e art. 19º, da contestação)
2. Pelo que deve improceder o vício de violação de lei, invocado pelo recorrente a conclusão 2ª, por não observância dos artigos 86º, n.º 1 e 87º, n.º 1 do CPA, o primeiro como corolário do Princípio do inquisitório ou da oficialidade.
3. No mais, reitera-se todo o conteúdo da contestação de fls., pugnando-se pela improcedência do presente recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Ministério Público deu o seguinte parecer:
“Sintetizando, à luz do n.º 4 do art. 68º do CPAC, todas as conclusões do recorrente, e em sintonia com a jurisprudência consolidada no sentido de que são as conclusões que delimitam o âmbito da causa de pedir do recurso contencioso e/ou jurisdicional (a título exemplificativo, Acórdãos do TSI nos Processos n.º 215/2001 e n.º 98/2012), basta-nos indagar se o acto recorrido infringir o disposto no art. 86º do CPA e o princípio da imparcialidade.
Ressalvado o respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente.
Pois bem, o recorrente invocou, em primeiro lugar, a inobservância do preceito no art. 86º do CPA, com argumento nuclear de caber in casu à Administração o ónus de prova da pertença ou ligação dele com a sociedade secreta e que «3. 然而,綜觀整個卷宗,除了當局聲稱的有關情報,沒有任何實質文件或其他證據指出上訴人屬黑社會成員。»
O n.º 1 do art. 86º do CPA impõe a órgão administrativo o dever de procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito.
No caso sub índice, sucede que se encontra, no P.A. apenso, documento autêntico no qual a autoridade policial de Hong Kong respondeu o ofício subscrito pelo então Comandante do CPSP, afirmando a pertença do recorrente a uma sociedade secreta.
Ora, este documento autêntico proveniente da autoridade policial de Hong Kong demonstra, a montante, que a Administração policial de Macau procedeu a diligências pertinentes para decidir, de molde justo e rápido, do pedido de entrada na RAEM apresentado pelo recorrente.
E não se pode perder da vista que o documento de fls. 17 do P.A. torna inegável que a Administração policial dispensou ainda diligência de oficiar ao TJB, a propósito de saber a decisão judicial relativamente ao Auto de Notícia n.º 280/2011/C3.
Tudo isto assegura-nos a crer tranquilamente que a Administração policial cumpriu escrupulosamente o ónus de prova, vindo a adquirir provas firmes e suficientes para determinar a interdição de entrada, pelo que o despacho sob sindicância não contende com nem infringe o preceituado no art. 86º do CPA.
No douto Acórdão prolatado no Processo n.º CR1-12-0033-PCC (doc. de fls. 17 a 26 do P.A.), o Venerando Colectivo do TJB condenou o recorrente na pena única de 2 anos de prisão, com suspensão da execução durante 3 anos, por ter praticado, em co-autoria e na forma consumada, dum crime de abandono de sinistrado e, como autor material, na forma consumada e em concurso efectivo, dum crime de desobediência. Nesse aresto, deram-se, e bem, como provados, para além de outros, os seguintes factos:
雖然嫌犯A明知其所駕汽車猛烈撞到行人,清楚見到其汽車的擋風玻璃右側位置因上述撞擊而嚴重破裂,且清楚知道該名行人已受到相當程度的身體傷害,但其既沒有報警,也沒有停車或下車查察行人的傷勢,而是選擇不理會受傷行人,迅速駕車沿城巿日大馬路往仙德麗街方向逃離現場,且在逃走期間刻意關掉所駕汽車的車頭大燈。
嫌犯A明知上述做法可能導致受傷行人B因失救而可能死亡或因貽誤治療而致傷勢加重的後果,但仍接受該等事實的發生。
警員C之後詢問以上二名嫌犯誰是上述汽車車主,但嫌犯A卻謊稱該車非其本人所有,且正在聯絡車主。隨後,該兩名嫌犯企圖橫過馬路,但警員C及時阻止,並要求兩人出示身份證明文件。
在上述警司處內,警員C按程序要求套取嫌犯A之指紋,但經多番勸喻後,該嫌犯堅拒讓警員套取其指紋。警員C為此告誡該嫌犯;倘拒絕接受套取指紋,可被控以違令罪,但該嫌犯仍予以拒絕。
但嫌犯A則拒絕進行酒精呼氣測試及在醫院抽取血液樣本進行酒精測試,僅在仁伯爵綜合醫院接受了當值醫生為其進行的受酒精影響狀況之臨床檢查。
Tais factos só por si revelam irrefutavelmente o dolo directo bem como a atitude indiferente, mentirosa e a arrogante do recorrente e, nesta medida, indiciam fortemente que a permanência do recorrente em Macau causará muito provavelmente perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM.
Nos termos da disposição no n.º 3 do art. 12º da Lei n.º 6/2004 em conjugação com o previsto nas alíneas 2) e 3) do n.º 2 do art. 4º da Lei n.º 4/2003, é plenamente legítimo e leal que a Administração policial aplicou a interdição de entrada ao recorrente, mesmo que se ponha fora da consideração o pertença do recorrente a sociedade secreta.
Atendendo à jurisprudência consolidada pelos Venerandos TSI e TUI (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º 34/2007, n.º 56/2010, n.º 83/2012 e n.º 112/2014), termos por adquiridos os conhecimentos respeitantes as vertentes, o significado e alcance do princípio da proporcionalidade consignado no n.º 2 do art. 5º do CPA.
À luz do consagrado no n.º 4 do art. 12º da Lei n.º 6/2004 (o período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam.), e em esteira da jurisprudência assente no ordenamento jurídico de Macau, estamos convictos, firmemente e com toda a tranquilidade, de que não ofende o princípio da proporcionalidade o despacho em questão que impõe ao recorrente a interdição de entrada por período de 10 anos.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso.”
*
O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo instrutor, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
Por sentença do Tribunal Judicial de Base, de 3.12.2012, o recorrente foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 2 anos de prisão, mas suspensa na sua execução por um período de 3 anos, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abandono de sinistrado previsto e punível pelo nº 2 do artigo 88º da Lei nº 3/2007, conjugado com as alíneas c) e d) do artigo 138º do Código Penal, e um crime de desobediência previsto e punível pela alínea b) do nº 1 do artigo 312º do Código Penal.
Com vista a averiguar eventual envolvimento do recorrente em actividades criminosas, a Polícia de Segurança Pública solicitou à Interpol para que se providenciasse a remessa da ficha de antecedentes criminais do mesmo.
A 22.1.2013, a Criminal Intelligence Bureau de Hong Kong Police Headquarters remeteu ao Corpo de Polícia de Segurança Pública o ofício LM (33) in CIB COM 189/30 Pt.4, nele consta a seguinte informação:
“來函所提供的人士:
     - XXX黑社會會員
     - 1996年懷疑曾參加與黑社會有關活動
     - 2000年因一宗在賭博場所內賭博案被捕”
Por despacho do Sr. Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública, de 10.5.2013, foi determinada a interdição de entrada do recorrente na RAEM, pelo período de 10 anos (cfr. fls. 28 do processo administrativo).
Inconformado com o despacho, apresentou recurso hierárquico necessário junto do Exm.º Secretário para a Segurança, tendo este proferido, em 5.8.2013, o seguinte despacho (cfr. o teor de fls. 7 e 8 do processo administrativo):
“DESPACHO
ASSUNTO: Recurso hierárquico necessário
RECORRENTE: A

Por despacho do Comandante do Corpo de Polícia de Segurança Pública (CPSP), de 10/05/2013, que sufragou os fundamentos legais do parecer e proposta n.º 95/2013, P. 222.18, de 06/02/2013, que aqui se dão por reproduzidos, foi aplicada a medida de interdição de entrada a A, residente da Região Administrativa Especial de Hong Kong (RAEHK), titular do HKIC n.º XXX, pelo período de 10 (dez) anos, com fundamento no artigo 33º, n.º 1, alíneas b) e d), da Lei n.º 6/97/M e artigo 12º, n.ºs 2, alínea 1), 3 e 4, da Lei n.º 6/2004.
Atento os teores da informação do Comandante do CPSP, de 16/07/2013 e do recurso hierárquico necessário, de 11/07/2013, que aqui, também, se dão por reproduzidos.
Compulsado o processo instrutor, colhem-se os factos seguintes:
- O recorrente por sentença de 03/12/2012, do Tribunal Judicial de Base, 1º Juízo Criminal (a fls., do processo), foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, por autoria material na forma consumada do crime de abandono de sinistrado previsto no n.º 2, do artigo 88º, da Lei n.º 3/2007 em conjugação com as alíneas c) e d) do artigo 138º do Código Penal (crime de ofensa grave à integridade física) e pelo crime de desobediência previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 312º, do Código Penal;
- Informação das forças policias da Região, onde o recorrente reside, atestando, apenas e só, que o mesmo é membro de determinada associação secreta (a fls., do processo).
Factos, estes, que preenchem os requisitos legais para aplicação, ao recorrente, da medida administrativa de interdição de entrada no âmbito do exercício de poderes conferidos, respectivamente, pelo artigo 4º, n.º 2, alínea 2), da Lei n.º 4/2003 conjugado com o artigo 12º, n.ºs 2, alínea 1), 3 e 4, da Lei n.º 6/2004 ou pelo artigo 33º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 6/97/M.
Assim, considerando o conteúdo da informação, actualizada, das forças policias da Região onde reside o recorrente, decorre directamente do artigo 33º, da Lei 6/97/M – Regime Jurídico da Criminalidade Organizada, a aplicação da interdição de entrada em Macau a não residente sobre o qual conste informação que preencha o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do referido preceito normativo.
Pelo que, sendo esta a situação factual e de direito aplicável ao recorrente.
Concordando com a medida de interdição de entrada e o “quantum” aplicado, mas não já com os fundamentos de facto e de direito constantes do acto aqui impugnado administrativamente.
Nos termos do artigo 161º, n.º 1 conjugado com o artigo 126º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, mantenho a decisão impugnada, mas reformando-a, quanto à fundamentação de facto e de direito, nos termos já expressos neste despacho, a “Existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta, ainda que esta aqui não desenvolva qualquer actividade”, aplico ao não residente A, a medida de interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de 10 (dez) anos nos termos do artigo 33º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 6/97/M.” sublinhado nosso
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Este é o acto recorrido.
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Da alegada violação do nº 1 do artigo 86º do CPA
A recorrente começa por assacar à decisão recorrida vício de violação de lei por ofensa ao princípio do inquisitório previsto no nº 1 do artigo 86º do Código do Procedimento Administrativo.
Alega o recorrente que tinha pedido ao CPSP que lhe passasse uma declaração para que ele pudesse ir com essa declaração pedir em Hong Kong a emissão do seu registo criminal, pretendendo com tal documento provar que não existia em seu desabono antecedentes criminais, mas a PSP nunca logrou satisfazer o seu pedido.
O pedido do recorrente era o seguinte:
“基於卷宗沒有任何指證陳述人為黑社會成員的文件,現請求治安警察局局長 閣下發出證明,證明陳述人有需要向香港特別行政區申請的行為紙,以便陳述人親自到灣仔警察總部申請行為紙,及後將行為紙附入卷宗”
Em primeiro lugar, temos alguma dúvida se a PSP poderia emitir a tal declaração conforme o pedido, uma vez que não cabe àquela autoridade policial atestar se haveria necessidade ou não de o recorrente pedir junto em Hong Kong a emissão do seu registo criminal.
Em segundo lugar, duvidamos ainda a utilidade ou a pertinência desse alegado registo criminal, pois pode mesmo acontecer que o seu registo criminal seja limpo, entretanto não deixará de pertencer a alguma associação criminosa.
Dispõe o nº 1 do artigo 86º do CPA que “o órgão competente deve procurar averiguar todos os factos cujo conhecimento seja conveniente para a justa e rápida decisão do procedimento, podendo, para o efeito, recorrer a todos os meios de prova admitidos em direito”.
Como observam Lino Ribeiro e José Cândido de Pinho, “o método, a ordenação das diligências, a forma e o «timing» da sua realização são livres, o instrutor conduzirá o procedimento, dirigindo-o segundo o seu melhor critério, segundo a escolha que achar mais conveniente…, o que interessa é que todos os passos procedimentais instrutórios seguidos sejam adequados à averiguação dos factos e pressupostos materiais cujo conhecimento importe relevantemente à decisão do procedimento concreto”1.
Em boa verdade, verificamos que a autoridade policial já tomou a iniciativa de efectuar algumas diligências, nomeadamente, tentou através da Interpol obter elementos com vista a apurar os antecedentes criminais do recorrente, tendo, afinal, sido informada de que o mesmo era membro da associação XXX.
Termos em que entendemos não haver aqui a alegada violação do dever de instrução ou falta de realização de diligência instrutória em procedimento administrativo.
Improcede, portanto, o recurso nesta parte.
*
Do erro sobre os pressupostos de facto e de direito
Alega o recorrente que não pertence nem ter participado em organizações criminosas, e não existe no processo quaisquer elementos que refiram a sua ligação a associações criminosas, daí que a autoridade não tem fundamento para praticar o acto recorrido.
No fundo, assaca o recorrente ao acto recorrido erro nos pressupostos de facto e de direito, ao considerar que há fortes indícios de pertença do recorrente à seita XXX, sem se apontar nenhum facto concreto donde resulte tal afirmação.
Salvo o devido respeito, julgamos não assistir qualquer razão ao recorrente.
Dispõe-se na alínea b) do nº 1 do artigo 33º da Lei nº 6/97/M o seguinte:
“Será interdita a entrada no Território aos não residentes a respeito dos quais conste informação sobre(…)existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta, ainda que esta aqui não desenvolva qualquer actividade.”
Em primeiro lugar, podemos verificar que consta do processo administrativo instrutor uma informação actualizada e prestada pela entidade policial de Hong Kong, fonte idónea e credível, que afirma o recorrente pertencer à seita XXX na variante “XX”.
Assim sendo, por que os elementos com base nos quais foi dada a decisão já constavam dos autos e que foram devidamente ponderados pelo órgão decisor, não se pode dizer que este actuou de forma pouco livre e esclarecida, ou que a sua vontade estava viciada.
E outra questão é saber se basta afirmar que o recorrente é membro da associação XXX para se poder aplicar a medida de interdição de entrada prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 33º da Lei nº 6/97/M.
Sobre essa questão, acompanhamos o douto Acórdão do Venerando TUI, de 14.7.2004, no Processo 21/2004, que sabiamente afirma:
“Há que começar por dizer que a pertença de alguém a uma associação criminosa é um facto, que pode ser indiciado ou provado. Quer dizer, para a indiciação ou prova de tal facto não é fundamental a prova de facto instrumental, que se destine a ser utilizado para a prova indiciária do facto essencial. Ou seja, a autoridade recorrida podia utilizar factos instrumentais, como a participação concreta do recorrente em actos que são, normalmente, associados a actividades das chamadas tríades. Mas não estava obrigada a fazê-lo, até porque não estamos no campo do direito criminal e a lei autoriza a proibição de entrada no território com base em meras informações sobre a existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa. O que se compreende. Se a lei exigisse à decisão de proibição de entrada em Macau, as exigências substantivas e processuais para a condenação judicial pelo crime de pertença a associação criminosa, estaria a desarmar as autoridades de segurança perante ameaças à ordem pública ou à segurança das pessoas e bens.”
Nesta conformidade, somos a entender que, se de acordo com a informação fornecida pela autoridade policial de Hong Kong, atesta que o recorrente, ali residente, pertence à associação secreta XXX que opera naquela Região, preenchidos estão os pressupostos de facto e de direito de que depende a aplicação do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 33º da Lei nº 6/97/M.
Improcede a questão suscitada.
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Da violação do princípio da proporcionalidade
Defende o recorrente que o acto recorrido viola o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 5º, nº 2 do CPA, na medida em que ao aplicar a interdição de entrada na RAEM por 10 anos, não levou em consideração as circunstâncias atenuantes especiais referidas no Acórdão de 3.12.2012 do Processo CR1-12-0033-PCC do TJB, no qual foi o recorrente condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 2 anos de prisão, mas suspensa na sua execução por um período de 3 anos, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abandono de sinistrado previsto e punível no nº 2 do artigo 88º da Lei nº 3/2007, conjugado com as alíneas c) e d) do artigo 138º do Código Penal, e um crime de desobediência previsto e punível na alínea b) do nº 1 do artigo 312º do Código Penal.
Em primeiro lugar, julgamos não ter qualquer relevância as alegadas circunstâncias atenuantes, uma vez que a decisão recorrida ora em apreço não se baseou no tal acórdão condenatório.
De facto, se tivesse tomado mais atenção ao conteúdo da decisão recorrida, seria fácil chegar a tal conclusão:
“Concordando com a medida de interdição de entrada e o “quantum” aplicado, mas não já com os fundamentos de facto e de direito constantes do acto aqui impugnado administrativamente;
Nos termos do artigo 161º, nº 1 conjugado com o artigo 126º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo, mantenho a decisão impugnada, mas reformando-a, quanto à fundamentação de facto e de direito, nos termos já expressos neste despacho, a “Existência de fortes indícios de pertença ou ligação a associação criminosa, nomeadamente do tipo de associação ou sociedade secreta, ainda que esta aqui não desenvolva qualquer actividade”, aplicou ao não residente A, a medida de interdição de entrada na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de 10 (dez) anos nos termos do artigo 33º, nº 1, alínea b), da Lei nº 6/97/M.”
Mas independentemente daquela circunstância atenuante, poderemos afirmar que o acto recorrido infringe o princípio da proporcionalidade?
Dispõe o artigo 5º, nº 2 do Código do Procedimento Administrativo que “as decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar” – sublinhado nosso.
Em rigor, a alínea b) do nº 1 do artigo 33º da Lei nº 6/97/M não deixa ao órgão decisor qualquer liberdade de apreciação de conveniência e da oportunidade na aplicação da medida de interdição de entrada na RAEM aos não residentes.
No fundo, o que está aqui em causa é um poder vinculado, e não atribuição de qualquer poder discricionário a favor da autoridade policial.
Mas em relação à determinação do período da interdição já se encontra na discricionariedade da Administração.
A propósito da questão da intervenção dos tribunais na fiscalização da Administração em virtude da eventual violação do princípio da proporcionalidade, foi já objecto de várias decisões deste TSI e do TUI, designadamente nos doutos Acórdãos deste último nos Processos nº 9/2000, 21/2004, 14/2005, transcrevendo-se, a seguir, parte de um desses arestos (Processo nº 9/2000):
“Não se têm suscitado dúvidas tanto na doutrina como na jurisprudência, que os tribunais podem fiscalizar o respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade. A dúvida está em saber em que medida deverão os tribunais intervir nesta matéria.
David Duarte, referindo-se à proporcionalidade em sentido estrito, “que engloba a técnica do erro manifesto de apreciação, técnica jurisdicional francesa que compreende, em termos avaliativos, para além do erro na qualificação dos factos, a utilização de um critério decisório proporcional que se revela numa decisão desequilibrada entre o contexto e a finalidade. O erro manifesto de apreciação, na vertente de controlo da adequação da decisão aos factos…é, como meio de controlo do conteúdo da decisão, um dos degraus mais elevados da intervenção do juiz na discricionariedade administrativa. E, por isso, só é utilizável na medida da evidência comum da desproporção”.
Nas mesmas águas navega Maria da Glória F. P. Dias Garcia, defendendo que “em face da fluidez dos princípios (da proporcionalidade, da igualdade, da justiça), só são justiciáveis as decisões que, de um modo intolerável, os violem.”
De facto, prevê-se na alínea d) do nº 1 do artigo 21º do Código de Processo Administrativo Contencioso que “o erro manifesto ou a total desrazoabilidade no exercício de poderes discrionários” constitui um dos fundamentos de recurso contencioso.
Segundo o Acórdão deste TSI, de 19 de Maio de 2011, no Processo 363/2009, “A desrazoabilidade a que alude o artigo 21º, 1, d) do CPAC, aliás, adjectivada de total, deve ser entendida de forma a deixar um espaço livre à Administração, salvaguardados os limites próprios do poder discricionário, nomeadamente os limites internos decorrentes dos princípios da imparcialidade, igualdade, justiça, proporcionalidade ou outros vertidos no Código do Procedimento Administrativo, assim se pondo cobro a eventuais abusos.”
Também um outro Acórdão deste TSI, de 7.12.2011, no Processo 647/2010, segue o mesmo entendimento: “total desrazoabilidade no exercício dos poderes discricionários pode comportar-se o sentido de uma absurda e desmesurada aplicação do poder discricionário administrativo perante um determinado caso real e concreto. E a decisão desrazoável é aquela cujos efeitos se não acomodam ao dever de proteger o interesse público em causa, aquela que vai para além do que é sensato e lógico tendo em atenção o fim a prosseguir, um acto absurdo ou por vezes irracional”.
Vejamos se o acto recorrido violou o princípio da proporcionalidade ao aplicar uma medida de interdição de entrada na RAEM por um período de 10 anos, por considerar ser membro da associação XXX.
Em nossa opinião, embora a interdição de entrada do recorrente na RAEM possa causar-lhe algum prejuízo, mas não é menos verdade que a entidade recorrida pretende, com o acto recorrido, prosseguir um interesse público, na medida em que a decisão foi tomada em termos de estratégia de prevenção e repressão da criminalidade organizada na RAEM, de manutenção da segurança, boa ordem e estabilidade sociais.
Provado que um não residente sobre quem dispõem fortes indícios de que pertence à associação criminosa XXX, é razoável que a Administração tome medidas adequadas com vista a prevenir a criminalidade e salvaguardar a segurança pública, neste caso, proibindo-o entrar em Macau durante determinado período de tempo, não se vendo que essa medida seja manifestamente desproporcional ao fim visado.
Para terminar, veja-se o que se disse no douto Acórdão do TUI, de 27.2.2013, no Processo 83/2012, que decidiu no mesmo sentido:
“Daí que não se vê como é inaceitável e intolerável o sacrifício que o recorrido, não residente de Macau, sofre pela proibição de entrada durante 10 anos, face à necessidade de manutenção da segurança, da ordem pública e estabilidade social da RAEM.
Tendo em conta o facto de o recorrido continuar a pertencer à seita, a inexistência de qualquer ligação com Macau e atentas as necessidades de prevenção e repressão da criminalidade organizada em defesa dos interesses de ordem e tranquilidade pública de Macau, não nos parece que a medida de proibição de entrada durante 10 anos, aplicada a um indivíduo não residente de Macau, é manifestamente excessiva. Não se pode afirmar que o sacrifício imposto ao recorrido é manifestamente desproporcional aos objectivos que a Administração pretende atingir com a prática do acto impugnado.
Resumindo, tomando em consideração os interesses públicos e os fins visados pelo acto da Administração, afigura-se-nos que o sacrifício dos direitos e interesses sofridos pelo recorrido com a proibição de entrada por 10 anos não se revela manifestamente desproporcional, face à sua permanência na seita durante longo tempo.
Não se vê como foi intoleravelmente violado o princípio da proporcionalidade.”
Improcede, pois, o recurso nesta parte.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
Custas pelo recorrente, com 8 U.C. de taxa de justiça.
Registe e notifique.
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RAEM, 14 de Maio de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Presente
Vitor Coelho
1 Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, Fundação Macau e SAFP, página 463
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Recurso Contencioso 668/2013 Pág 26