Processo n.º 340/2014
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)
Data : 12 de Março de 2015
ASSUNTO:
- Competência dos tribunais
SUMÁRIO:
- A competência para conhecer da acção para determinação dos actos administrativos legalmente devidos deve ser determinada em função da qualidade funcional do Réu.
- O legislador não exclui esta possibilidade, até a admite expressamente, pois, o artº 107º do CPAC ao permitir a cumulação de pedidos independentemente qualquer que seja o tribunal competente, está a admitir a possibilidade de existir diferentes tribunais competentes para este tipo de acção, na medida em que se apenas o TA tem competência para o efeito, nunca teria qualquer necessidade para o legislador consagrar aquela ressalva para o caso de acumulação de pedidos, uma vez que o TA é sempre competente para conhecer do pedido de indemnização resultante da responsabilidade civil tanto contratual como extracontratual.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo n.º 340/2014
(Recurso de Decisões Jurisdicionais)
Data : 12 de Março de 2015
Recorrentes: B e C (representada pela B) (Requerentes)
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
B (B) e C (C) (representada por B), melhor identificadas nos autos (doravante designadas simplesmente por requerentes), vêm intentar junto deste Tribunal uma acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos contra o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, pedindo a condenação da entidade requerida à prática de acto administrativo devido, no sentido de determinar o prosseguimento do processo de troca das parcelas de terreno B1, B2 e B3 situadas na Travessa da ...... n.ºs ... e ... por outro terreno situado na Travessa de ......, ou de determinar a abertura de um outro processo de troca das aludidas parcelas de terreno por outro lote de terreno B5 situado na Avenida do .......
A Mma Juíza do TA proferiu saneador-sentença, tendo em conta que não existia indeferimento tácito do pedido de troca de terrenos apresentado pelas requerentes, julgou improcedente a excepção dilatória da extemporaneidade da acção e procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pela entidade requerida, tendo rejeitado a acção intentada pelas requerentes contra a entidade requerida.
Inconformadas com esta decisão, vêm recorrer B e C, alegando em síntese conclusiva:
A)
Na sequência do processo cuja síntese se descreveu no "Enquadramento da Questão" e que aqui se dá por reproduzido, as Recorrentes foram notificadas em 14.12.2012 do despacho do Senhor Director da Direcção de Serviços de Obras Públicas (DSSOPT) com o seguinte teor: "Em referência ao assunto em epígrafe, informamos V. Exa. de que por despacho de Senhor Director de 11 de Dezembro de 2012, a certidão de conclusão de obra só poderá ser emitida após doação das parcelas do terreno já integradas no domínio público para via pública, e/ou a decisão sobre o pedido de troca de terreno."
B)
As Recorrentes aguardaram que fosse tomada "a decisão sobre o pedido de troca de terreno"
C)
Não tendo obtido qualquer resposta da Administração dentro do prazo de 90 dias, as Recorrentes intentaram a presente acção pedindo que o Tribunal ordenasse ao Secretário das Obras Públicas e Transportes a realização do acto omitido, designadamente o de mandar prosseguir a instrução do processo relativo à troca das parcelas de terreno B1, B2 e B3 cuja abertura foi ordenada pelo seu Antecessor ou mandar abrir novo processo de troca das ditas parcelas tendo em conta o terreno objecto do requerimento de 19.08.2008.
D)
Numa primeira apreciação veio o Tribunal considerar que estava caducado o direito de exercício de acção da Autora submetendo à apreciação da mesma tal opinião e, após esta se pronunciar, ordenou a citação da Entidade Requerida que em sede de Contestação, deduziu a excepção de caducidade do direito de acção da Autora e a excepção de ilegitimidade da Entidade Requerida para o acto com o fundamento de que a competência para o acto a final é do Chefe do Executivo.
E)
Sobre a excepção de caducidade do direito de acção da Autora, o Tribunal Recorrido, em sede de Saneador, considerou que "não existe a situação de indeferimento tácito quanto ao pedido das Requerentes sobre a troca de terreno, pelo que, este Tribunal julga improcedente a excepção dilatória deduzida extemporaneamente"
F)
Isto é, o Tribunal Recorrido considerou que o prazo para as Recorrentes exercerem o seu direito de acção se deve contar a partir do Despacho do Director da DSSOPT de 11.12.2012 mas considerou, também, que não estavam reunidos os pressupostos para o exercício do direito de tal acção, designadamente por "até à data do despacho do Director (11 Dezembro 2012) com base na informação interna da DSSOPT, é suficientemente claro que o processo ainda se encontrava a correr os seus trâmites e que o pedido de troca de terrenos ainda se encontrava em fase de análise, pelo que não se pode considerar que o pedido fora já tacitamente indeferido pela entidade competente"
G)
A Recorrente não pode aceitar a tese de que ainda não existia indeferimento tácito à data da propositura da acção já por que o relatório e a comunicação dos Departamentos da DSSOPT envolvidos na análise do processo são anteriores ao Despacho do Senhor Director da DSSOPT, já por que após a notificação do Despacho do Sr. Director da DSSOPT às Recorrentes, estas aguardaram que a Administração terminasse a análise do processo e tomasse "uma decisão sobre o pedido de troca do terreno", dentro do prazo legalmente estabelecido.
H)
Como bem se refere na Decisão do Tribunal Recorrido, o indeferimento tácito é uma ficção do acto administrativo e tem em vista assegurar a protecção do administrado face à inactividade do órgão da administração, protecção essa que está garantida por via do recurso aos Tribunais para que estes ordenem à Administração a realização do acto legalmente devido.
I)
A vingar a tese do Tribunal Recorrido tal configuraria não só uma violação do espírito da lei no que ao indeferimento tácito concerne como configuraria, ainda, uma manifesta violação dos princípios da decisão e da celeridade processual a que a Administração pública deve obedecer.
J)
A vencer a tese do Tribunal Recorrido qualquer resposta da Administração, no futuro, seria a de que "estava ainda a analisar o processo", o que impediria o administrado de recorrer ao Tribunal pois jamais haveria indeferimento tácito!
K)
É inequívoco que o prazo para análise de qualquer processo está contido no prazo regra que a Administração tem para decidir e que decorrido este prazo há indeferimento tácito ou omissão de acto, na base do qual o administrado pode recorrer ao Tribunal para que este ordene à Administração a realização do acto legalmente devido.
L)
Relativamente à excepção de ilegitimidade da Entidade Requerida, o Tribunal Recorrido julgou procedente a falta de legitimidade deduzida pela Entidade Requerida, pelo que é indeferido o processo deduzido pelas Requerentes contra a Entidade Requerida
M)
Esta decisão do Tribunal é de todo incompreensível e inaceitável já que apesar de na alínea b) do artigo 41º, 78º e 124º da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho, a entidade competente para decidir a final do pedido de troca de terrenos ser o Chefe do Executivo, o certo é que nos termos do art. 112º da Lei de Terras, "O processo de concessão e de ocupação de terrenos é organizado e instruído pelos serviços públicos a que por lei estejam cometidas as correspondentes atribuições", e
N)
Nos termos do previsto no artigo 7º do Decreto-lei 29/97/M, compete ao Departamento de Gestão de Solos da DSSOPT proceder à organização e instrução dos processos de concessão de terrenos (...) e conforme previsto no n.º 2 do artigo 6º e do anexo VI do Regulamento Administrativo n.º 6/1999, de 20 de Dezembro, a Direcção de Serviços de Solos e Obras Públicas está na dependência hierárquica e tutelar do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
O)
Estando consagradas no art. 117º daquela Lei de Terras, as fases do processo de concessão que se inicia, nos termos da alínea a), com a entrega do pedido de concessão, seguindo-se uma 2ª fase, prevista na alínea b) deste mesmo artigo, constituída pelas informações e pareceres dos serviços e demais entidades que devam pronunciar-se sobre o pedido, estipulando ainda o n.º 1 do art. 121º da dita Lei de Terras que "Autuado o requerimento e supridas as eventuais deficiências ou irregularidades, são prestadas as informações e emitidos os pareceres que devem incidir, nomeadamente sobre: (…)
P)
Os "Procedimentos Administrativos da Concessão de Terrenos" adoptados pela DSSOPT e reproduzidos na Decisão do Tribunal Recorrido, referem, no que respeita à troca de terrenos, que após a recolha dos pareceres dos serviços, tem de haver uma apreciação e decisão do Secretário para os Transportes e Obras Públicas quanto às propostas dos Serviços para que o processo prossiga os seus trâmites.
Q)
O caso em apreço está na fase de Instrução do processo administrativo e terminada esta fase o processo é submetido ao Secretário para apreciação dos pareceres técnicos dos serviços e das condições contratuais propostas. Após a apreciação das condições pelo Secretário, a minuta do contrato a celebrar é enviada ao Requerente para se pronunciar e caso seja aceite, o processo é remetido à Comissão de Terras onde se procede à abertura do processo de concessão, estando previsto no artigo 3º do Decreto-Lei 60/99/M, de 18 de Outubro, que a Comissão de Terras emite parecer obrigatório, mas não vinculativo, de deferimento ou indeferimento do pedido de concessão de troca de terreno.
R)
Só após a emissão de Parecer pela Comissão de Terras é que o Secretário emite o seu Parecer, (não obrigatório nem vinculativo) e "o processo é submetido a despacho do governador" (leia-se Chefe do Executivo), que decidirá a final.
S)
In casu, está em causa o prosseguimento do processo de Instrução que se encontra bloqueado há anos, e o pedido da Recorrente na presente acção é precisamente no sentido de o Tribunal ordenar que o Secretário das Obras Públicas e Transportes mande prosseguir o processo de troca de terrenos tendo em conta o despacho proferido pelo Secretário antecessor ou mande abrir novo processo de troca de um outro terreno (que as Recorrentes já propuseram) pelas parcelas B1, B2 e B3.
T)
Sem a realização de um dos actos objecto do pedido, que são da competência do Secretário, o processo não prosseguirá e o Director da DSSOPT não emitirá a certidão para registo de propriedade horizontal na Conservatória do Registo Comercial do edifício com o n.º de processo 593/2004/L, (processo de construção do edifício) prejudicando não só a Recorrente mas também os terceiros adquirentes das fracções do dito edifício.
U)
Só uma interpretação absolutamente restritiva e redutora da lei sem atender a todos os elementos interpretativos e, designadamente, ao teleológico, poderá considerar que o Administrado não pode recorrer ao Tribunal para este ordenar a realização dos actos instrutórios que impedem o prosseguimento do processo e impedem a decisão a final do Chefe do Executivo sobre o pedido de troca do terreno.
V)
Não tem suporte legal a decisão do Tribunal Recorrido de considerar procedente a excepção de ilegitimidade invocada pela Entidade Recorrida com fundamento no facto de a decisão a final ser do Chefe do Executivo. Aliás, se as Recorrentes tivessem proposto a acção contra o Chefe do Executivo, este viria invocar a ilegitimidade para a prática do acto uma vez que não tinha qualquer processo em seu poder para decidir a final!
W)
A vingar a tese do Tribunal Recorrido, as Recorrentes serão confrontadas com a seguinte situação: i) O Secretário não decide porque quem tem competência a final para decidir é o Chefe do Executivo; ii) O Chefe do Executivo não pode decidir afinal porque não lhe foi remetido pelo Responsável pela Instrução do processo, o Secretário das Obras Públicas e Transportes, qualquer processo/acto para ele poder decidir a final.
Y)
O legislador não pretendeu uma tal situação de impasse! O Legislador consagrou o princípio da decisão e ficcionou o indeferimento tácito precisamente para obrigar a Administração a decidir do mesmo modo que consagrou o princípio de que os tribunais devem julgar!
Nos termos e com os fundamentos supra deve o Tribunal ad quem revogar a decisão recorrida e declarar que o prazo-regra para o indeferimento tácito começou a correr na sequência do Despacho do Director da DSSOPT de 11.11.2012, estando reunidos os pressupostos legais para a recorrente propor a acção de intimação dos autos e bem assim declarar que o Senhor Secretário das Obras Públicas tem legitimidade para realizar o acto que é objecto do pedido na presente acção, e, consequentemente ordenar o prosseguimento da acção até final.
O Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas (SOPT) da Região Administrativa Especial de Macau, contra-alega, em síntese:
1. Vêm as recorrentes apresentar recurso jurisdicional do douto despacho saneador do Tribunal a quo que considerando que o pedido de troca de terrenos efectuado pelas recorrentes não se encontra na situação de indeferimento tácito, julgou, por um lado, improcedente a excepção de caducidade do direito de propositura da acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, deduzida pela entidade recorrida e, por outro, que não estão reunidos os pressupostos processuais da alínea a) do n.º 1 do artigo 103.° do CPAC, bem como julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva da entidade recorrida e, consequentemente a absolveu da instância.
2. Assiste razão às recorrentes na parte da decisão que julgou não se verificar a situação de indeferimento tácito do pedido de troca, merecendo, neste segmento, ser censurada.
3. Com efeito, o artigo 102.° do CPA prevê a faculdade de os interessados presumirem indeferida pretensão dirigida à Administração na falta de decisão [mal no prazo fixado para a sua emissão, sendo essa a situação do pedido efectuado pelas recorrentes.
4. Pois que o último pedido de troca foi apresentado em 20 de Agosto de 2008, não tendo sido proferida decisão final expressa pelo Chefe do Executivo.
5. Daí que se tenha formado o indeferimento tácito e, desse modo, se verifique o pressuposto referido na alínea a) do n.º 1 do artigo 103.° do CPAC, ao invés do decidido no despacho recorrido.
6. Assim, as recorrentes deveriam ter interposto a presente acção no prazo de 365 dias a contar de 19 de Novembro de 2008, data em terminou o prazo de 90 dias para a emissão da decisão.
7. Tendo interposto a acção apenas em 2 de Julho de 2013, é manifesto que o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 105.° do CPAC há muito se encontra ultrapassado, sendo, por isso, extemporânea.
8. Pelo que, contrariamente ao que julgou o Tribunal a quo, verifica-se a excepção peremptória da caducidade do direito de acção, deveria a entidade recorrida ter sido absolvida do pedido.
9. Por outro lado, o douto despacho recorrido ao julgar procedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da entidade recorrida e, consequentemente, a ter absolvido da instância, fez correcta interpretação e aplicação da lei.
10. Efectivamente, dúvidas não existem que, nos termos da alínea b) do artigo 41.°, 78.° e 124.° da Lei n.º 6/80/M, de 5 de Julho, a entidade competente para decidir o pedido de troca de terrenos efectuado pelas recorrentes é Chefe do Executivo e não o SOPT.
11. Não procedem, assim, as conclusões constantes das alíneas L), M), P), Q), S), T) e k) a W) do recurso.
12. Improcedem as irregularidades apontadas pelas recorrentes a este segmento de decisão, pois é patente a ilegitimidade passiva do SOPT, pelo que decidiu correctamente o Tribunal a quo.
13. No douto despacho recorrido, foi julgada improcedente a excepção de caducidade do direito de acção deduzida pela ora entidade recorrida na sua contestação, por se ter considerado que não se verificava o indeferimento tácito, assim como foi qualificada como excepção dilatória, pelo que, prevenindo a necessidade da sua apreciação, a entidade recorrida requer a ampliação do objecto do recurso, em conformidade com o disposto no artigo 590.° do CPC, e pretende, agora, caso tal se venha a mostrar necessário, a título subsidiário, ver apreciada a sua verificação e a sua qualificação jurídica pelo Tribunal ad quem.
14. Julgou o Tribunal a quo improcedente a excepção referente à caducidade do direito de acção ''por o pedido de troca de terreno efectuado pelas requerentes não se encontrar na situação de indeferimento tácito".
15. Mas, errou o Tribunal recorrido, porquanto mostram-se verificados todos os requisitos para a formação do acto tácito, a saber: falta de decisão expressa durante um determinado prazo (90 dias) sobre pretensão dirigida a orgão com competência para apreciar e decidir (requerimento de troca apresentado em 20 de Agosto de 2008).
16. Certo é que dentro do prazo legalmente estabelecido a Administração não deu cumprimento ao dever de decidir, previsto no artigo 11.° do CPA, pelo que a lei confere às recorrentes a faculdade de presumirem indeferida a pretensão por si deduzida, para o efeito de lançarem mão do respectivo meio legal de impugnação (cfr. artigos 61.°, 102.°, 101.°, conjugados com o artigo 74.°, todos do CPA).
17. Nestes termos, mostra-se verificado o pressuposto processual previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 103.° do CPAC, isto é, a formação do indeferimento tácito.
18. Pelo que andou mala Tribunal a quo ao ter decidido como decidiu, ou seja, ao considerar que in casu não se verifica a situação de indeferimento tácito, com o fundamento de que " ... o processo de troca de terreno estava ainda em andamento e em fase de análise, por isso, não se podia considerar um indeferimento tácito por parte da entidade competente".
19. É perfeitamente irrelevante que o processo de troca de terrenos esteja em andamento e em fase de análise, certo é que o pedido de troca foi objecto de indeferimento tácito, pois não houve, no prazo fixado para a sua emissão, por parte do órgão legalmente competente qualquer decisão expressa sobre a matéria.
20. Nestes termos, formando-se o acto tácito de indeferimento, o prazo para reagir judicialmente através da presente acção, nos termos do n.º 1 do artigo 105.° do CPAC, é de 365 dias, cuja contagem se iniciou no termo do prazo previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 102.° do CPA, isto é, decorridos 90 dias.
21. A presente acção foi interposta apenas no dia 2 de Julho de 2013, sendo manifestamente extemporânea, já que o direito de acção das recorrentes há muito que tinha caducado, pelo que deveria a excepção invocada pela entidade recorrida ter sido julgada procedente com as legais consequências (absolvição do pedido).
22. A decisão do Tribunal a quo ao julgar não ocorrer a excepção de caducidade do direito de acção das recorrentes, por não se ter formado indeferimento tácito, enferma de erro de julgamento, traduzido na incorrecta e ilegal aplicação do disposto, mormente, no n.º 1 do artigo 105.° do CPAC e artigos 61.°, 74.°, 101.° e 102.° do CPA.
23. Por outro lado, a excepção de caducidade do direito de acção é uma excepção peremptória e não uma excepção dilátoria, como foi indevidamente qualificada pelo Tribunal.
24. De acordo com o disposto no artigo 99.° do CPAC, as acções seguem o regime adjectivo cível, pelo que decorre das disposições conjugadas do n.º 3 do artigo 412.° e do artigo 415.° do CPC o enquadramento da caducidade do direito de acção no domínio das excepções peremptórias, o que tem como consequência a absolvição do pedido e não a mera absolvição da instância.
25. Assim, o Tribunal recorrido, ao qualificar a excepção de caducidade do direito de acção das recorrentes como excepção dilatória, fez errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do artigo 99.° do CPAC, do n.º 3 do artigo 412.º e do artigo 415.º do CPC.
26. Deve, portanto, à luz do artigo 590.° do CPC, o âmbito do presente recurso ser ampliado e ser pelo Tribunal ad quem julgada procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, invocada pela entidade recorrida e, consequentemente, ser absolvida do pedido.
Nestes termos, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado parcialmente procedente, e assim ser revogada a decisão recorrida na parte em que considera que não se verifica a situação de indeferimento tácito do pedido de troca das recorrentes e julga improcedente a excepção de caducidade do direito de acção, que deverá ser substituída por outra que declare verificados o indeferimento tácito e a excepção de caducidade do direito de acção das recorrentes e a qualifique como excepção peremptória e, em consequência, absolva a entidade recorrida do pedido; e no demais, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, e, em consequência, ser confirmado o segmento da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de procedência da excepção de ilegitimidade passiva da entidade recorrida, com todos os efeitos legais.
O Exmo Senhor Procurador-Adjunto emite o seguinte douto parecer:
É-nos difícil apreender a coerência da tese apresentada pelos recorrentes :
Conforme admitido pelos próprios (cfr. designadamente, pontos 21, 28 e 29 da respectiva P.I.) o pedido que efectuaram e para o qual alegadamente não obtiveram decisão, prende-se com a concessão de um terreno, por troca, através da doação de determinadas outras parcelas.
A avaliar pelo conteúdo das respectivas alegações, em sede de recurso jurisdicional, (pontos 27 e segs.), parecem os mesmos admitir que a decisão final sobre tal matéria é da competência do Chefe do Executivo.
Nestes parâmetros específicos, mal se compreenderia a propositura da presente acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido, dirigida, como foi, contra o STOP.
Quiçá por tal motivo e apesar de, repete-se, ter identificado como "alvo" de indeferimento tácito a falta de decisão sobre a pretensão a que acima se aludiu, entenderam os visados formular como pedido a determinação de acto a mandar prosseguir com a instrução do procedimento relativo à troca das parcelas de terreno, ou a ordem de abertura de novo processo de troca de terrenos, base em que se continuam a fincar no âmbito do presente recurso, augurando que para esse efeito é competente o STOP.
Pois bem:
Não se questionando que, de acordo com os diversos dispositivos legais e regulamentares, designadamente da Lei de Terras, Dec. Lei 29/97/M e R.A. 6/99 de 20/12, o processo de concessão de terrenos é organizado e instruído pelo Departamento de Gestão de Solos da DSSSOPT, a qual se encontra na dependência hierárquica e tutelar do STOP, tal não invalida que a competência para a decisão final do pedido concreto formulado pelos recorrentes - concessão de terreno por troca, por doação, de outras parcelas - seja, como é, da competência exclusiva do Chefe do Executivo.
Donde, a ter-se formado acto de indeferimento tácito, ocorrer o mesmo por falta de decisão desta entidade, que não do STOP, como parecem pretender os recorrentes, desde logo pela razão simples que no normativo atinente – art. 102°, CPA - se apela à falta de " ... emissão de decisão final sobre pretensão dirigida a órgão administrativo competente ... ", que não à falta ou delonga da instrução para o efeito, as quais haverão que ser apuradas em sede do escrutínio de acto de indeferimento tácito que, porventura, se tenha formado, não tendo, pois, razão os recorrentes quando pretendem não deter, face ao entendimento assumido na douta sentença em crise, possibilidades de confrontar e sindicar injustificadas faltas ou delongas instrutórias no procedimento respectivo.
Somos, neste passo, a discordar, porém, daquele entendimento do tribunal "a quo" no que respeita à conclusão de não formação, no caso, de acto de indeferimento tácito, com base no teor do despacho de 11/12/12, do director da DSSSOPT, notificado aos recorrentes e do qual o Mmo Juíz retira que " ... o processo de troca de terrenos ainda está em curso e o pedido de troca de terrenos ainda está em fase de análise ... ".
Aquele despacho, não constituindo, como é óbvio, decisão final da entidade competente para o efeito, não detém a virtualidade de "paralizar" o decurso da formação de acto de indeferimento tácito, do mesmo modo que a notificação respectiva não constitui válida referência para o início da contagem do prazo de caducidade para o exercício do direito à acção por parte dos recorrentes.
Serve isto por dizer que, mesmo dando de barato que a pretensão tenha sido dirigida à entidade competente, com formação de acto tácito de indeferimento, o prazo para reacção através da presente acção tinha, há muito, caducado, atento o preceituado nas disposições conjugadas dos artigos 102°, n° 2 e 3 do CPA e n° 1 do art. 105°, CPAC e a data de entrada do requerimento em 20/8/08.
De modo que, temos como mais consentânea a ocorrência da excepção peremptória de caducidade do direito da acção, com a consequente absolvição do pedido, sendo que a solução não poderá daqui divergir muito, mesmo a entender-se a não formação daquele acto, dado, nesse caso, o não preenchimento de qualquer dos pressupostos a que alude o n.º 1 do art. 103°, CPAC, pelo que sempre a pretensão dos recorrentes haverá que soçobrar.
É o que se entende.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II - FACTOS
Vêm provados os factos seguintes:
- As requerentes são donas da obra situada na Travessa da ...... n.ºs ... e ... (Processo n.º 593/2004/L, Licença de obra n.º 370/2005). Em 17 de Agosto de 2006, foi emitida à obra acima referida a licença de utilização (cfr. fls. 10 a 11 e 75 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Por requerimento de 18 de Setembro de 2004 dirigido ao ex Secretário para os Transportes e Obras Públicas, as requerentes solicitaram a autorização para a troca das aludidas parcelas de terreno assinaladas na planta de alinhamento por B1, B2 e B3, com a área total de 108m2, por outro terreno situado na Travessa de ......, com a área total de 369m2, e apresentaram o respectivo plano de desenvolvimento (cfr. fls. 42 a 49 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Quanto ao aludido requerimento, as requerentes apresentaram um requerimento suplementar em 18 de Abril de 2006, solicitando a autorização para a troca do seu terreno situado na Taipa na Rua dos ......, com a área de 20m2, do terreno situado em Macau na Rua de ......, com a área de 107m2 e das parcelas de terreno B1, B2 e B3 situadas na Travessa da ...... n.ºs ... e ... pelo terreno situado na Travessa de ...... (cfr. fls. 52 a 58, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Por ofício n.º 426/2493.01e2262.01/DSODEP/2006, de 07 de Julho de 2006, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes notificou as requerentes de que por despacho do ex Secretário para os Transportes e Obras Públicas, de 03 de Julho de 2006, foi autorizada a abertura do processo de concessão, por arrendamento, de um terreno situado em Macau na Travessa de ......, com a área de 369m2, através da doação das parcelas de terreno B1, B2 e B3 situadas em Macau na Travessa da ......, com a área total de 108m2 e da cessão do terreno situado em Macau na Rua de ...... n.º ..., com a área de 107m2 (cfr. fls. 59 a 60 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Por requerimento de 16 de Novembro de 2006 dirigido ao ex Secretário para os Transportes e Obras Públicas, as requerentes solicitaram que fosse alterado o objecto do aludido processo de concessão de terreno para o lote de terreno B5 situado na Avenida do ...... por ter tido conhecimento de que os ocupantes originais das barracas situadas na Travessa de ...... também solicitaram a concessão direita do aludido terreno, e apresentaram o respectivo estudo de arquitectura (cfr. fls. 68 a 72 e seu verso dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Em 20 de Agosto de 2008, as requerentes apresentaram o mesmo requerimento junto da entidade requerida (cfr. fls. 73 e seu verso dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Por ofício n.º 7118/DURDEP/2009, de 09 de Julho de 2009, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes notificou as requerentes de que não lhes podia emitir a certidão do registo definitivo para a propriedade horizontal do Processo n.º 593/2004/L, pela razão de que as parcelas de terreno B1, B2 e B3 assinaladas na planta cadastral n.º 3899/1992 ainda não foram doadas (cfr. fls. 120 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- No mesmo dia, por carta dirigida à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, as requerentes, através do seu representante, solicitaram que a DSSOPT lhe notificasse a decisão sobre o aludido requerimento de troca de terrenos no prazo de 60 dias (cfr. fls. 74 e seu verso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Por ofício n.º 0527/2493.01ePed.1249/DSODEP/2012, de 31 de Julho de 2012, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes notificou as requerentes para comparecer à reunião em 15 de Agosto de 2012.
- Por carta de 09 de Outubro de 2012, dirigida à Direcção dos Serviços dos Solos, Obras Públicas e Transportes, o representante das requerentes manifestou a discordância com a doação das parcelas de terreno B1, B2 e B3 situadas na Travessa da ......, apontando que os referidos Serviços recusaram emitir-lhes a certidão do registo definitivo para a propriedade horizontal por não terem sido doadas as aludidas parcelas de terreno, solicitando que a DSSOPT tratasse em separado o Processo n.º 593/2004/L e o Processo n.º 2493.01, emitisse a certidão do registo definitivo para a propriedade horizontal e continuasse a acompanhar o processo de troca de terrenos (cfr. fls. 76 a 78 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
- Por ofício n.º 12704/DURDEP/2012, de 14 de Dezembro de 2012, a DSSOPT notificou as requerentes de que por despacho proferido pelo Director em 11 de Dezembro de 2012, a certidão de conclusão de obra só poderia ser emitida após a doação das parcelas de terreno já integradas no domínio público, e/ou após a decisão sobre o pedido de troca de terrenos. (cfr. fls. 79 e 83 a 85 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
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III – FUNDAMENTAÇÃO:
Foi suscitada a excepção da incompetência do TA, nos termos do qual o Mmº Relator dos presentes ficou vencido.
Assim, nos termos do nº 3 do artº 631º do CPCM, passa a ser o 1º Adjunto a elaborar o presente acórdão.
Dispõe a al. 7) do nº 5 do artº 30º da Lei de Bases da Organização Judiciária (LBOJ) que compete ao Tribunal Administrativo, no âmbito do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro, conhecer “dos recursos, acções e outros meios processuais do contencioso administrativo, fiscal e aduaneiro que por lei sejam submetidos ao seu conhecimento ou para o qual não seja competente tribunal superior”.
Face à parte final do preceito legal acima referido, aponta, num primeiro momento, que o TA tem competência residual para conhecer do caso sub justice, uma vez que a lei não atribuiu expressamente a competência para outro tribunal superior.
No entanto, melhor analisada a questão, entendemos que a resposta deveria ser outra.
Perante uma situação de falta de resposta por parte da Administração no prazo legal, a lei, salvo os casos excepcionais, faz presumir o indeferimento tácito (artº 102º do CPA).
O interessado, face ao indeferimento tácito da Administração, pode reagir judicialmente pela uma das formas seguintes:
1- Interpor o recurso contencioso do acto de indeferimento tácito – artºs 25º, nº 1, al. c) e 32º, todos do CPAC; ou
2- Intentar a acção para determinação da prática de actos administrativos legalmente devidos, quando do indeferimento tácito não tenha sido interposto recurso contencioso – artº 103º do CPAC.
Caso o interessado optar reagir pelo meio processual de recurso contencioso, a competência do tribunal é determinada em função da qualidade funcional do autor do acto.
Assim, se o indeferimento tácito resulta da pessoa com categoria superior à de Director, será competente o Tribunal de Segunda Instância – artº 36º, al. 8), da LBOJ.
Se para anular ou declarar a nulidade ou a inexistência jurídica dum indeferimento tácito duma pessoa com categoria superior à de Director exige a intervenção do TSI para o efeito, pergunta-se então, não seria o mesmo, por maioria da razão, para o caso da condenação da prática de actos administrativos legalmente devidos?
Para nós, o legislador não só não exclui esta possibilidade, como a admite expressamente.
O artº 107º do CPAC ao permitir a cumulação de pedidos independentemente qualquer que seja o tribunal competente, está a admitir a possibilidade de existir diferentes tribunais competentes para este tipo de acção.
Pois, se apenas o TA tem competência para o efeito, nunca teria qualquer necessidade para o legislador consagrar aquela ressalva para o caso de acumulação de pedidos, uma vez que o TA é sempre competente para conhecer do pedido de indemnização resultante da responsabilidade civil tanto contratual como extracontratual (artº 36º, nº 2, al. 3), pontos II) e III) da LBOJ).
No mesmo sentido, veja-se a obra1 do Mmº 2º Adjunto do Colectivo, onde se escreveu que:
“Considerando a possibilidade de o acto ter sido expressamente recusado ou tacitamente indeferido por entidades relativamente às quais não seja o TA o competente (v.g. Chefe do Executivo, Secretários), entendemos que ela deve ser interposta no TSI ou TUI consoante a circunstância do caso. Esta diferenciação de competência – que se apresenta justificada pela atribuição, digamos, de um foro especial em virtude da qualidade das pessoas em causa e do concreto exercício das funções – chega mesmo a ser admitida expressamente no art. 107.º do CPAC, ao dizer “...qualquer que seja o tribunal competente...”. (ver artigos 30.º, 36.º, 44.º, LBOJ)”.
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IV – DECISÃO:
Pelas apontadas razões, acordam em julgar procedente a excepção de incompetência do Tribunal Administrativo da RAEM, ordenando-se, em consequência, a baixa dos autos para o abatimento na distribuição naquele Tribunal, após o que deverão os mesmos serem remetidos para este Tribunal para posterior prosseguimento.
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Custas pela parte vencida a final.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 12 de Março de 2015.
(Primeiro Juiz-Adjunto) Presente Ho Wai Neng Vítor Manuel Carvalho Coelho
(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
(Relator) João A. G. Gil de Oliveira (vencido, nos termos de declaração que junto)
Declaração de voto
Com todo o respeito pela douta posição que fez vencimento, entendo que, não obstante os termos menos rigorosos do legislador no artigo 107º do CPAC, as regras da competência na LBOJ não estão apenas desenhadas em função da categoria do autor do acto praticado ou da titular da relação jurídica em presença, mas ainda em função da natureza dos actos ou da relação material controvertida, bem como em função da própria tramitação processual.
Entendo, assim, que a acção em presença cai na previsão residual da al. 7) do n.º 5 do art.º 30 da LBOJ.
Macau, 12 de Março de 2015,
João A. G. Gil de Oliveira
1 MANUAL DE FORMAÇÃO DE DIREITO PROCESSUAL ADMINISTRATIVO CONTENCIOSO, José Cândido de Pinho, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2013, pág. 206
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340/2014 1