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Processo nº 610/2014
(Autos de recurso penal)
    (Incidente)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

I. Aos 25.02.2015 proferiu-se nos presentes autos a decisão seguinte:

“Procedendo a exame preliminar verifico que o presente recurso apresenta-se como o próprio, tempestiva e legitimamente interposto, sendo porém de rejeitar dada a sua “manifesta improcedência”.

Nesta conformidade, e atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (com a redacção introduzida pela Lei n.° 9/2013, aqui aplicável por força do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), segue “decisão sumária”.
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1. Inconformado com a sentença condenatória proferida pelo Mmo Juiz do T.J.B., vem B, arguido com os sinais dos autos, da mesma recorrer para este T.S.I..

Resulta da sua motivação de recurso que o seu inconformismo assenta no entendimento que incorreu o Tribunal a quo no vício de “erro notório na apreciação da prova” e (conseguinte) “erro de direito”, pedindo a sua absolvição; (cfr., fls. 95 a 106 que, como as que se vieram a referir, dão se aqui como integralmente reproduzidas).

2. Contudo, nenhuma razão lhe assiste, como de seguida se passará a tentar demonstrar.

Vejamos.

–– O ora recorrente foi condenado como autor material de um crime de “acolhimento”, p. e p. pelo art. 15.°, n.° 1 da Lei n.° 16/2004, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução, na condição de no prazo de 30 dias pagar à R.A.E.M. uma indemnização no valor de MOP$7.000,00; (cfr., 82 a 84).

E, começando pelo vício da decisão da matéria de facto, o assacado “erro notório na apreciação da prova”, evidente é que o mesmo não existe, pois que o T.J.B. não violou nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, tendo decidido em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 114° do C.P.P.M., apresentando-se a decisão recorrida clara e lógica, (e em harmonia com o auto de notícia de fls. 1 e segs. dos presentes autos).

Dito isto, e constatando-se que com o alegado vício mais não faz o recorrente que tentar impor a sua versão dos factos – (quando em audiência até se remeteu ao silêncio; cfr., fls. 80-v) – mais não se mostra de dizer sobre a questão.

–– Continuemos passando agora para o assacado “erro de direito”.

Diz o recorrente que a decisão recorrida viola o art. 30°, n.° 1 e 2, al. c) assim como o art. 35°, ambos do C.P.M..

Ora, o art. 30° prevê várias “causas que excluem a ilicitude”, sendo que no n.° 2, al. c) se consagra como tal o “cumprimento de um dever imposto por lei ou por ordem legítima da autoridade”, e, no art. 35° o instituto do “conflito de deveres”.

E, no caso, manifesto é que verificada não está qualquer das invocadas “situações” (ou outras) para se poder alterar a decisão condenatória proferida.

E, o motivo é simples: está apenas provado que o arguido recorrente proporcionou alojamento em Macau a uma amiga sua que se encontrava em situação de clandestinidade, agindo livre e voluntariamente e com conhecimento que a sua conduta era proibida e punida.

Daí, provado não estando outra matéria que possa constituir qualquer das alegadas “causas de exclusão da ilicitude” (ou outras), e não sendo o recurso a sede própria para se conhecer e apreciar “versões novas”, antes não alegadas, à vista está a solução, pois que, independentemente do demais, irrelevante é o que agora alega o recorrente para tentar “justificar” a sua conduta.

Tudo visto, resta decidir.

3. Nesta conformidade, decide-se rejeitar o presente recurso dada a sua manifesta improcedência; (cfr., art. 410°, n.° 1 do C.P.P.M.).

Pagará o arguido recorrente a taxa de justiça de 4 UCs, e pela rejeição do seu recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do mesmo C.P.P.M.).

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Oportunamente, nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 127 a 129, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Tempestivamente, do decidido veio o recorrente reclamar, insistindo na existência do antes invocado vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 132 a 134).

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Pronunciando-se sobre a reclamação apresentada considera o Ilustre Procurador Adjunto que a mesma deve ser julgada improcedente; (cfr., fls. 136 a 137-v).

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Colhidos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, vieram os autos à Conferência.

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Cumpre decidir.

Fundamentação

II. Como se deixou relatado, vem o arguido dos autos reclamar da decisão sumária com a qual se rejeitou o seu recurso que para este T.S.I. interpôs da sentença do Mmo Juiz do T.J.B., (ambas atrás já referidas).

Insiste na verificação do vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Porém, e como se consignou na mencionada decisão sumária, “evidente é que o mesmo não existe, pois que o T.J.B. não violou nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, tendo decidido em conformidade com o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 114° do C.P.P.M., apresentando-se a decisão recorrida clara e lógica, (e em harmonia com o auto de notícia de fls. 1 e segs. dos presentes autos)”.

Sendo efectivamente o que (em nossa) opinião ocorreu, à vista está a solução.

Contudo, justifica-se aqui uma “nota adicional”.

É a seguinte: em sede da reclamação que apresentou, diz – agora – o arguido que “violado foi o art. 336° do C.P.P.M.”.

Como é bom de ver, tratando-se de “questão nova”, tão só colocada aquando da reclamação que apresentou da decisão sumária proferida, patente e que tempestiva não é a sua arguição.

Porém, e seja como for, não se deixa de dizer que não se vislumbra nenhuma violação ao art. 336° do C.P.P.M..

Com efeito, preceitua este comando legal que:

“1. Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2. Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura em audiência seja permitida, nos termos dos artigos seguintes”.

E, no caso, ainda que certo seja que em audiência o arguido não quis prestar declarações, mantendo-se silente, verdade não é que o Mmo Juiz do T.J.B. tenha “feito uso das declarações pelo mesmo antes prestadas (em Inquérito) para formar a sua convicção”, pois que nem da “acta de julgamento”, (cfr., fls. 80 a 81), como da (própria) “sentença recorrida”, (cfr., fls. 82 a 84), se retira que assim tenha sucedido.

Verifica-se é – e assim consta, de forma expressa, da aludida sentença – que o Tribunal formou a sua convicção com base no depoimento de uma testemunha inquirida em audiência, (guarda da P.S.P.), que relatou a sua intervenção na detenção do arguido assim como da indocumentada, (a quem aquele proporcionou alojamento, e daí, o crime de “acolhimento” em que foi condenado), e nos “documentos juntos aos autos”, (como, v.g., o expediente elaborado na P.S.P.; a relatar a ocorrência, cfr., fls. 1 e segs.), tendo – e bem – em harmonia com o estatuído transcrito no art. 336°, n.° 1 do C.P.P.M., efectuado a sua análise em (plena) audiência de julgamento, como da referida acta consta.

Esclarecida que assim cremos ter ficado a questão, e ociosas nos parecendo outras considerações, resta decidir.



Decisão

III. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.

Custas pelo reclamante com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$500,00.

Macau, aos 26 de Março de 2015

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta) Tam Hio Wa
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