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Processo nº 283/2015 Data: 30.04.2015
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Erro notório na apreciação da prova.
Absolvição.
In dubio pro reo.


SUMÁRIO

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
  Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
  O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
  Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova.
 
O relator,

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Processo nº 283/2015
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser absolvido dos crimes pelos quais estava acusado; (cfr., fls. 307 a 311-v, que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado com a decretada absolvição do arguido, o Ministério Público recorreu, imputando ao Acórdão recorrido o vício de “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 321 a 328).

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Observadas as pertinentes formalidades processuais, e adequadamente admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I..

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Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Sinceramente, apreciamos sobremaneira o empenho e denodo demonstrado pelo Exmo Colega junto do tribunal “a quo”, no sentido da defesa do que o mesmo assume ser a prova dos factos e concordamos, até, que, em sede da fundamentação respectiva, talvez o acórdão sob escrutínio se tenha quedado um pouco aquém do que se exigiria em termos do juízo crítico que se impunha, face à importância dos elementos probatórios que o recorrente salienta, designadamente o confronto entre as fotos obtidas numa das ourivesarias onde os factos delituosos ocorreram e a gravação de entrada do arguido no posto fronteiriço em Macau, os reconhecimentos fotográficos do arguido efectuados pelas três testemunhas em 2011 (a este propósito, pensa-se, a alusão, por parte do acórdão à falta de tal reconhecimento, deverá reportar-se a reconhecimento presencial), os registos de entradas e saídas deste na Região com B, entretanto condenado por factos similares ocorridos na mesma altura e com referência a “entendimentos”, para o efeito, com indivíduo com o nome do arguido e o reconhecimento, por parte daquele, da fotografia com cópia a fls 139 como tratando-se do arguido.
Teremos, porém, que convir que, face à circunstância de nenhuma das 3 testemunhas “presenciais” (que tiveram contacto pessoal com o agente do crime) ter reconhecido, em audiência, sem dúvida, ter sido efectivamente o arguido a usar os cartões de crédito falsos, não conseguindo indicar, com toda a certeza, ter sido ele o tal agente, a dúvida instalada se no douto colectivo quanto à autoria dos crimes se apresenta, “malgré” os dados porventura incriminatórios aludidos, como razoável e normal, em face da imediação e confronto directo das testemunhas com a pessoa do arguido, não se podendo, pois, em abono da livre apreciação da prova, censurar os julgadores por terem decidido como decidiram, sendo certo que os elementos probatórios julgados relevantes pela recorrente se não apresentam, em nosso critério, face à prova produzida em audiência, como suficientemente relevantes e inequívocos para, com razoabilidade e normalidade, poderem afastar a dúvida suscitada.
Donde, compreendendo-se a existência de, quiçá, alguma “angústia” por parte do Exmo Colega recorrente face ao que, pensamos, tratar-se de violentação da sua convicção pessoal àcerca da produção da prova e autoria dos factos delituosos, entender-se não ocorrer o vício assacado, havendo, em consequência, que manter-se o decidido”; (cfr., fls. 384 a 385).

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 308 a 309, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o Ministério Público recorrer do Acórdão do Colectivo do T.J.B. que absolveu o arguido dos autos dos crimes que lhe eram imputados: 6 crimes de “passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador” e outros 6 de “uso de documento falso de especial valor”.

E, como se viu, entende o Recorrente que incorreu o Colectivo a quo no vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Vejamos.

Repetidamente tem este T.S.I. afirmado – mostrando-se de manter – que: “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., Ac. de 12.05.2011, Proc. n° 165/2011, e mais recentemente de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015 do ora relator).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., Ac. de 22.05.2014, Proc. n.° 284/2014 e de 29.01.2015, Proc. n.° 13/2015).

No caso, a absolvição do arguido foi consequência da não confirmação em audiência de julgamento – “falta de prova” – da sua “intervenção” nos factos qualificados como a prática dos crimes que lhe eram imputados na acusação pública.

E, (vale a pena aqui recordar), em sede de exposição da sua convicção, assim consignou o Colectivo a quo:

“O arguido na audiência de julgamento prestou depoimento sobre a sua situação pessoal e familiar, mas quanto aos factos ilícitos manteve em silêncio.
A testemunha C (representante da ourivesaria D), E (representante da ourivesaria F) e G (representante da H), na audiência de julgamento prestou declarações dos factos que têm conhecimento.
A testemunha I na audiência de julgamento declarou como decorreu a investigação.
Ponderado a globalidade dos factos, o depoimento do arguido e as declarações das testemunhas; feito a conjugação das provas produzidas na audiência e dos apreendidos, embora, conforme os documentos constantes nas fls. 292 e 294, temos a certeza que foi a mesma pessoa que usou os respectivos cartões de crédito, contudo, as 3 pessoas que tiveram contacto com o agente do crime, já não se recordam quem foi o agente do crime, nem conseguem indicar com toda a certeza que foi o arguido que praticou o crime, além disso, em 2011, as 3 testemunhas não fizeram o reconhecimento do arguido, nestes termos, o presente Colectivo não pôde, sem dúvida, reconhecer que foi o arguido quem usou os cartões de crédito falsos”; (cfr., fls. 309 a 309-v).

Perante o que se expôs, cremos que se impõe negar provimento ao presente recurso, pois que como nos parece evidente e bem observa o Ilustre Procurador Adjunto, o Colectivo a quo não violou nenhuma regra sobre o valor das provas tarifadas, “regra de experiência” ou “legis artis”, tendo apreciado a prova em total respeito ao “princípio da livre apreciação da prova” consagrado no art. 114° do C.P.P.M., (tal como explicitado se deixou), censura não merecendo a decisão que proferiu, aliás, em sintonia com o “princípio in dubio pro reo”; (cfr., v.g., o recente Acórdão deste T.S.I. de 12.02.2015, Proc. n.° 103/2015, onde, em síntese se considerou que “o princípio “in dubio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet” e que “perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”).

Reconhece-se o esforço (argumentativo) do Exmo. Recorrente na exposição do seu entendimento e dissecação do material probatório que minuciosamente efectua.

Porém, (há que o dizer), tal entendimento assenta, (também e como não podia deixar de ser), na sua “convicção pessoal”, formada em resultado da análise da prova que à “sua maneira”, subjectivamente, ponderou.

E, como se tem entendido e atrás deixou dito, não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de “erro notório na apreciação da prova” para efeitos de se obter uma alteração ao que decidido foi.

Daí que se tenha que julgar improcedente o presente recurso.

Decisão

4. Em face do que se deixou exposto, em conferência acordam negar provimento ao recurso.

Sem custas (dada a isenção do Ministério Público).

Macau, aos 30 de Abril de 2015
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
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