Proc. nº 223/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 07 de Maio de 2015
Descritores:
- Contrato de trabalho
- Remuneração
- Serviço prestado nos dias de descanso semanal
SUMÁRIO:
I. Ao abrigo do DL 24/89/M (art. 17º, n.1, 4 e 6, al. a), considera-se, que o trabalhador tem direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
II. Se o trabalhador nele prestar serviço, terá direito ao dobro da retribuição (salário x2), sem prejuízo do salário que receberia, mesmo sem o prestar. Para além disso, ainda terá direito a receber a remuneração correspondente ao dia compensatório a que se refere o art. 17º, nº 4, se nele tiver prestado serviço.
Proc. nº 223/2015
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, de nacionalidade filipina, titular do Passaporte Filipino n.º EBXXXXXX79, emitido pela autoridade competente da República das Filipinas, em 15 de Outubro de 2010, residente na Rua XX, n.º XX a XX.º “XX”, Edifício XX”, XX.º andar “XX”, Macau, intentou no TJB (Proc. nº LB1-13-0053-LAC) contra: ---
B (MACAU) - SERVIÇOS E SISTEMAS DE SEGURANÇA LIMITADA, com sede na Avenida XX, s/n, Edifício XX, Fase XX XX.º Andar XX, Macau, ---
acção de processo comum do trabalho, ---
pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia total de Mop$ 250.051,00, posteriormente reduzida para Mop$ 225.276,00 (fls. 147-148 dos autos) a título de remunerações pelos dias de descanso semanal em que prestou trabalho para esta (Mop$ 166.701,00), bem assim como no valor da remuneração que não recebeu pelos dias de descanso compensatório devido pelos dias de descanso semanal não gozados (Mop$ 83.350,00).
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Na oportunidade foi proferida sentença, que julgou parcialmente procedente a acção e consequentemente condenou a ré a pagar as quantias de Mop$ 78.418,00 e de Mop$ 75.092,00, correspondente aos valores de compensação pelos dias de trabalho prestado em dias de descanso semanal e de descanso compensatório.
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É contra essa sentença que ora recorre o autor, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«1. Versa o presente recurso sobre a parte da douta Sentença na qual foi julgada parcialmente improcedente ao Recorrente a atribuição de uma compensação devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal na medida de um dia de salário em dobro.
2. Porém, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de trabalho (em singelo) pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal, o Tribunal a quo procedeu a uma não correcta aplicação do disposto na al. a) do n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M, de 3 de Abril, pelo que a decisão deve ser julgada nula e substituída por outra que condene a Ré em conformidade com o disposto na referida Lei Laboral;
3. Com efeito, resulta do referido preceito que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser remunerado pelo dobro do salário normal, entendido enquanto duas vezes a retribuição normal, por cada dia de descanso semanal prestado;
4. Do mesmo modo, ao condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas e tão-só um dia de salário em singelo, o Tribunal a quo desviou-se da interpretação que tem vindo a ser seguida pelo Tribunal de Segunda Instância sobre a mesma questão de direito, no sentido de entender que a compensação do trabalho prestado em dia de descanso semanal deverá ser feita em respeito à seguinte fórmula: (salário diário X n.º de dias de descanso não gozados X 2);
5. De onde, resultando que o Recorrente prestou trabalho durante todos os dias de descanso semanal durante toda a relação de trabalho, deve a Recorrida ser condenada a pagar ao Recorrente a quantia de MOP$156,836.00 a título do dobro do salário - e não só de apenas MOP$78,418.00, correspondente a um dia de salário em singelo conforme resulta da decisão ora posta em crise, acrescido de juros legais até integral e efectivo pagamento.
Nestes termos e nos de mais de Direito que V. Exas. encarregar-se-ão de suprir, deve a Sentença na parte em que condena a Recorrida a pagar ao Recorrente apenas o equivalente a um dia de retribuição em singelo, ser julgada nula e substituída por outra que atenda ao pedido tal qual supra formulado, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!».
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A “B” respondeu ao recurso em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«Entre 16 de Agosto de 1995 a 31 de Maio de 2008, o Autor prestou para a Ré funções de “guarda de segurança”, enquanto trabalhador não residente. (alínea A) dos factos assentes)
Entre o referido período, o Autor trabalhou sobre as ordens, direcção, instruções e fiscalização da Ré. (alínea B) dos factos assentes)
A Ré sempre fixou o local, o período e o horário de trabalho do Autor de acordo com as necessidades. (alínea C) dos factos assentes)
O Autor sempre respeitou os períodos e horários de trabalho fixados pela Ré, e sempre prestou trabalho nos locais indicados pela Ré. (alínea D) dos factos assentes)
Ao longo de toda a relação laboral a Ré pagou ao Autor uma quantia fixa mensal, acrescida de uma quantia determinada em função do número de horas de trabalho extraordinário efectivamente prestadas pelo Autor. (alínea E) dos factos assentes) Durante a relação de trabalho o Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discrimina (Cfr. fls.9, Certidão de Rendimentos - Imposto Profissional, que se junta e se dá por reproduzido para todos os legais e feitos):
Ano
Salário anual
Salário normal diário
1995
9464
70
1996
40206
112
1997
58134
161
1998
57623
160
1999
53481
149
2000
56902
158
2001
52066
145
2002
50309
140
2003
53850
150
2004
56871
158
2005
54321
151
2006
60681
169
2007
83672
232
(alínea F) dos factos assentes)
Para além das referidas quantias, o Autor não auferiu quaisquer outras por parte da Ré, ou de qualquer outra entidade patronal. (alínea G) dos factos assentes)
Enquanto trabalhador não residente, o Autor apenas estava autorizado a exercer a sua actividade profissional para a Ré. (alínea H) dos factos assentes)
Entre 16 de Agosto de 1995 a 31 de Dezembro de 2007 e excepto durante o período compreendido entre 10/01/2000 a 18/04/2002, a Ré nunca atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (alínea I) dos factos assentes)
Entre 1 de Julho de 1999 e 31 de Dezembro de 2007 e excepto o período compreendido entre 10 de Janeiro de 2000 e 18 de Abril de 2002, o Autor prestou trabalho em todos dias de descanso semanal com excepção de 16 dias no ano de 2002,2 dias em 2003,9 dias em 2005, 3 dias em 2006, e 4 dias em 2007. (alínea J) dos factos assentes)
Entre 16 de Agosto de 1995 a 30 de Junho de 1999, a Ré nunca fixou ao Autor, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição. (Resposta ao quesito 1º da base instrutória)
Entre 16 de Agosto de 1995 a 30 de Junho de 1999, por solicitação da Ré o Autor prestou trabalho todos os dias da semana, de modo a garantir o contínuo e diário funcionamento da actividade da Ré. (Resposta ao quesito 2º da base instrutória)
Entre 16 de Agosto de 1995 a 31 de Dezembro de 2007 e excepto durante o período compreendido entre 10/01/2000 a 18/04/2002, a Ré nunca fixou ao Autor um outro dia de descanso compensatório, em virtude do trabalho prestado em dia de descanso semanal. (Resposta ao quesito 3º da base instrutória)
O trabalho que prestou em dias de descanso semanal foi remunerado pela R. com o valor de um salário diário, em singelo. (Quesito 8º da base instrutória, aceite pelas partes)».
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III – O Direito
A única questão que urge tratar no presente recurso é saber se a 1ª instância decidiu correctamente acerca do valor da compensação pelo trabalho prestado pelo autor em dias de descanso semanal durante o tempo porque durou a relação laboral.
A sentença considerou que o trabalhador tinha direito ao dobro da remuneração. Assim, por a entidade patronal lhe ter pago apenas em singelo o dia de efectivo serviço, condenou a ré “B” na indemnização devida, tendo em conta, porém, somente mais um dia de remuneração (Mop$ 78.418,00), acrescido do valor de Mop$75.092,00 correspondente ao trabalho não pago em dias que deveriam ter sido de descanso compensatório.
O recorrente não concorda e acha que a sentença lhe não devia ter descontado o valor da remuneração recebida. E tem razão.
Como desde há muito tempo este TSI tem vindo a afirmar (por mais recentes, entre outros, ver os Acs. TSI de 15/05/2014, Proc. nº 61/2014, de 15/05/2014, Proc. nº 89/2014, de 29/05/2014, Proc. nº 627/2014; de 19/06/2014, Processos nºs 189/2014 e 171/2014; 23/10/2014, Processos nºs 338/2014 e 380/2014).
Com efeito, no que a este assunto concerne, vale o disposto no art. 17º, nºs 1, 4 e 6, al. a), do DL nº 24/89/M.
Nº1: Tem o trabalhador direito a gozar um dia de descanso semanal, sem perda da correspondente remuneração (“sem prejuízo da correspondente remuneração”).
Nº4: Mas, se trabalhar nesse dia, fica com direito a gozar outro dia de descanso compensatório e, ainda,
Nº 6: Receberá em dobro da retribuição normal o serviço que prestar em dia de descanso semanal.
Ora, como o trabalhador trabalhou o dia de descanso semanal terá direito ao dobro (x2) do que receberia, mesmo sem trabalhar (n.º 6, al. a)).
Numa 1ª perspectiva, se o empregador pagou o devido (pagou o dia de descanso), falta pagar o prestado. E como o prestado é pago em dobro, tem o empregador que pagar duas vezes a “retribuição normal” (o diploma não diz o que seja retribuição normal, mas entende-se que se refira ao valor remuneratório correspondente a cada dia de descanso, que por sua vez corresponde a um trinta avos do salário mensal).
Numa 2ª perspectiva, se se entender que o empregador pagou um dia de salário pelo serviço prestado, continuam em falta:
- Um dia de salário (por conta do dobro fixado na lei), e ainda,
- O devido (o valor de cada dia de descanso, que não podia ser descontado, face ao art. 26º, n.º 1);
E, em qualquer caso, sem prejuízo da remuneração correspondente ao dia de descanso compensatório a que se refere o art. 17º, nº4 - desde que peticionada, como foi o caso, - quando nele se tenha prestado serviço (neste sentido, v.g., Ac. TSI, de15/05/2014, Proc. nº 89/2014).
Ora, como o dia de descanso compensatório foi já considerado na sentença, nessa parte, ela tem que manter-se.
Quanto à remuneração pelo dia de descanso semanal, temos, portanto, que a fórmula a utilizar será AxBx2.
Significa que a 1ª instância não deveria ter descontado o valor já pago. Logo, o autor terá direito a receber a quantia de Mop$ 156.836,00 a este específico título (remuneração pelo trabalho prestado em dias que eram de descanso semanal).
Procederá, pois, o recurso do autor, mantendo-se, quanto ao mais, a condenação imposta na sentença da 1ª instância em Mop$ 75.092,00 a título de descanso compensatório não gozado (matéria, aliás, não integrante do recurso).
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IV- Decidindo
Nos termos expostos, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença nessa parte e condenar a ré “B” a pagar ao autor a quantia de Mop$ 156.836,00, a título de descansos semanais não gozados - sem prejuízo do ali decidido quanto à remuneração dos dias de trabalho prestado nos dias de descanso compensatório - acrescida de juros de mora nos termos definidos no Ac. do TUI, de 2/03/2011, Proc. nº 69/2010.
Custas:
Na 1ª instância:
- Pelo autor, relativamente à parte em que reduziu o pedido;
- Pela ré, na parte restante.
No TSI: apenas pela recorrida “B”
TSI, 07 de Maio de 2015
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José Cândido de Pinho
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Lai Kin Hong
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Tong Hio Fong
(Votei vencido quanto à fórmula adoptada na compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, por entender que, sendo o trabalho prestado nesses dias pago pelo “dobro da retribuição”, este “dobro” é constituído por um dia de salário normal mais um dia de acréscimo.
Provado que o Autor ora recorrente já recebeu da Ré ora sua entidade patronal o salário diário em singelo, para efeitos de cálculo do valor da compensação do trabalho prestado em dias de descanso semanal, terá que deduzir esse montante pago em singelo, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário, ao que acresce ainda o dia de descanso compensatório, o Autor estar a ser pago pelo quádruplo do valor diário.)
223/2015 10