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Processo nº 839/2013
Relator: João Gil de Oliveira

Data: 26/Março/2015


Assuntos:
- Autorização de residência
- Trabalhador especializado
- Conceitos indeterminados


SUMÁRIO:
    
    Não obstante o interessado trabalhar há mais de vinte anos em Macau, se pretende que lhe seja concedida a autorização de residência temporária, se formula o pedido, invocando a sua qualidade de trabalhador especializado, a apreciação dessa pretensão passa pela integração de conceitos indeterminados como o de técnico especializado (que a lei não define) e particular interesse para a RAEM, atribuindo a lei ao Chefe do Executivo ou à entidade com poderes por si delegados um poder discricionário na densificação desses pressupostos.

O Relator,

João A. G. Gil de Oliveira




Processo n.º 839/2013
(Recurso Contencioso)

Data : 26 de Março de 2015

Recorrente: B

Entidade Recorrida: Secretário para a Economia e Finanças

    
    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. B, mais bem identificado nos autos, inconformado com o despacho do Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças, que lhe indeferiu o pedido de autorização de residência temporária, dele vem interpor recurso contencioso, alegando em síntese conclusiva:
   
   1. O recorrente trabalhou por mais de 21 anos, desde 8 de Agosto de 1992, em QQQ Food, Ltd., com rica experiência de trabalho.
   2. O recorrente desempenhava sucessivamente o cargo de Tecnico de Electronica e Joint Deputy Manager no organismo em causa, prestando trabalho de gerência técnica.
   3. O recorrente já trabalhava no organismo em causa desde a fase de iniciação de “XX Bakery”, assim como divulgou, juntamente com o Sr. ......, os “Pastéis de YY de Macau”, promovendo indirectamente o crescimento no sector de turismo de Macau.
   4. A par disso, o IPIM usou os dados de investigação fornecidos pela DSAL e DSEC como fundamentos para recusar o pedido do recorrente, verificando-se, portanto, a violação total do fim de captação dos técnicos especializados, adoptado em Macau.
   5. Só pelas habilitação e experiência obtidas na área de gestão ou de electromecânica/eléctrica, bem como pela mediana da remuneração em outras actividades, não servem para revelar a aptidão do recorrente para o posto de trabalho em causa.
   6. Atendendo à importância e independência de “XX Bakery” em relação a Macau, e tendo em conta que há poucas pessoas aptas para assumirem o cargo de dirigente e técnico naquela padaria, verifica-se que o recorrente é aquele que possui rica experiência para assumir o referido posto de trabalho.
   7. Pelo exposto, verifica-se a falsidade daquilo que foi referido pelo IPIM no que respeita a existência de cidadãos de Macau em condições à procura do emprego em apreço.
   8. Com base no fundamento de que “em Macau encontram-se pessoas à procura de emprego com as respectivas habilitações profissionais, não se verificando a falta de pessoa qualificada”, o IPIM propôs ao Secretário para a Economia e Finanças que indeferisse o pedido de fixação de residência temporária apresentado pelo recorrente, desrespeitando completamente o objectivo do “Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2005”, suscitando assim o vício de desvio de poder, pelo que é anulável o acto em causa, pela violação do art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo.
   9. O IPIM não só citou erradamente os dados de investigação da DSAL e DSEC, mas também não esclareceu a motivação da citação dos dados de investigação, equivalendo à falta de fundamentação, pelo que é anulável o acto em causa, pela violação do art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo.
   10. Além do mais, o IPIM violou o princípio da proporcionalidade, por ter citado os dados fornecidos pela DSAL e DSEC à toa, aplicado a lei ao acaso e cometido erro notório no exercício do poder discricionário.
   11. Assim sendo, pela supracitada análise de facto e direito, verifica-se que o IPIM não considerou, de forma qualquer, a situação efectiva e cometeu erro de facto e direito na tomada da decisão, pelo que é anulável o acto em causa, pela violação do art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo.
   
   Pela análise acima exposta, vem solicitar aos Venerandos Juízes o seguinte:
   1) A decisão proferida pelo Secretário para a Economia e Finanças no seu despacho, de 25 de Outubro de 2013, que autorizou a proposta, visa propor o indeferimento do pedido apresentado pelo recorrente (sic). Por aludido acto administrativo padecer do erro de facto e direito e pela violação do disposto no art.º 124º do Código do Procedimento Administrativo, requer-se ao Tribunal que anule ou modifique o acto recorrido.
   2) Nos termos dos artigos 52º e 55º do Código de Processo Administrativo Contencioso, requer-se aos Venerandos Juízes que providenciem a citação do recorrido, ora Secretário para a Economia e Finanças, para contestar no prazo legal e apresentar a esse Tribunal o original do processo administrativo e os demais documentos (incluindo o documento assinado pelo recorrente que comprova a recepção do despacho) relacionados com o recurso contencioso.

    2. O Exmo Senhor Secretário para a Economia e Finanças contesta, em síntese:
    1. Pertencer ou não pessoal dos quadros dirigentes e pessoal técnico com qualificação especializada de particular interesse para a RAEM, não depende do próprio requerente que declara ser pessoal com experiência profissional especializada, depende da entidade administrativa que depois de apreciar os diversos factores sócio-económica de Macau (art. 7° do RL n.º 3/2005), é que toma a decisão.
    2. O recorrente ficou insatisfeito porque o despacho recorrido depois da apreciação de todos esses factores, concluiu que ele não pertence ao pessoal dos quadros dirigentes e pessoal técnico com qualificação especializada de particular interesse para a RAEM, mas esta conclusão e fundamentos, de facto, não padecem de vícios.
    3. A entidade Administrativa não compreende qual foi o desvio de poder, por ter indeferido o pedido de residência do recorrente com fundamento que ele não preenche o previsto no RL n.º 3/2005.
    4. A questão envolvida no presente recurso contencioso, foi porque o recorrente ficou inconformado com a decisão da entidade administrativa, de ter considerado que ele não pertence ao pessoal dos quadros dirigentes e pessoal técnico com qualificação especializada de particular interesse para a RAEM, mas isto não tem a ver com desvio de poder.
    5. Nada indiciam que a decisão tomada no despacho recorrido pretende concretizar outros objectivos para além do objectivo de apreciação do pedido de autorização de residência, portanto não houve fundamentos a indicar que o despacho recorrido padece de vício de desvio de poder.
    6. O parecer que serviu de base à decisão tomada no despacho recorrido declarou claramente e suficientemente os fundamentos de facto e de direito porque indeferiu o pedido de autorização de residência do recorrente.
    7. O teor das alegações recorridas indicou claramente que o recorrente sabia os fundamentos de facto e de direito que serviram de base ao despacho recorrido.
    8. Não vemos que a citação de tais dados de pesquisa de emprego da DSAL na apreciação do pedido de autorização de residência do recorrente violou o princípio da proporcionalidade.
    ----- Pelo exposto, é de negar provimento ao presente recurso contencioso.

    3. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    Insurge-se o recorrente contra o despacho de 25/10/13 do Secretário para a Economia e Finanças que lhe indeferiu pedido de autorização de residência temporária na RAEM, à luz do previsto no R.A. 3/2005 (entendimento, aliás, mantido por despacho da mesma entidade de 29/1/14, em sede de "Reclamação"), assacando-lhe vícios de erro nos pressupostos de facto, atropelo do princípio , desvio de poder e falta de fundamentação.
    Cremos não lhe assistir qualquer razão.
    Como tentativa de preenchimento dos dois primeiros vícios apontados, esgrime o recorrente, na prática, com o mesmo tipo de argumentação : a de que se trata de técnico de electrónica altamente competente, com vasta experiência e conhecimentos únicos na área da sua actividade, designadamente no que respeita à manutenção de aparelhos e equipamentos de produção no "XX Bakery", sendo que, no seu critério, as informações da Divisão de Promoção de Emprego da DSAL em que o IPIM se fundou no apuramento da existência de cidadãos residentes de Macau com competências para exercer o seu tipo de cargo e funções e à procura de emprego, não corresponde à realidade, já que não deterão tais competências na plenitude, procurando, a seu modo, demonstrar as "deficiências" ou "carências" de tais candidatos.
    Pois bem:
    Sendo certo que a existência, ou não de pessoal qualificado, residente da RAEM, apto para o exercício das funções pretendidas e à procura de emprego, não deixará de se prender, directamente, com a asserção de o interessado poder, ou não, ser considerado de "particular interesse" para a Região, nos precisos termos da al. 3) do art. 1º do já citado R.A. 3/2005, não poderemos, a este propósito, deixar de citar o que, em recente acórdão deste Tribunal, de 24/7/14, no âmbito do proc. 558/2013, se dispôs:
    "Salvo melhor entendimento, "particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau" (cfr., v.g., art. 1°, 3), Regulamento Administrativo n.º 3/2005) é um daqueles conceitos que encerra um largo espectro de avaliação que é própria da entidade (RAEM) a favor de quem ele foi criado Isto é, mesmo se ache que a Administração deve preencher o conceito com a factualidade correcta e verdadeira, certo é que em caso nenhum o tribunal pode substituir-se a ela para lhe impor uma noção de utilidade e de interesse que ela mesma pode rejeitar. Esse é um domínio onde o jurisdicional não pode actuar sob pena de estar a exercer a sua acção em terreno que é próprio da actividade político administrativa e, assim, ofender o respeito pela separação de poderes.
    Ou seja, para casos destes, não se prefigura uma solução única, antes é possível outra diferente, em função do juízo subjectivo que o administrador formula no caso especifico que tem à sua frente para resolver face ao fim legal, como se disse acima. É um campo onde predominam opções de índole político-administrativa que impõem valorações administrativas especiais que o judiciário não pode impedir.
    Assim, estamos perante um caso que abre a via para uma certa margem de livre apreciação administrativa que escapa ao controle jurisdicional, sob pena de se cair naquilo a que se chama "dupla administração".
    "Por isso se diz que só os erros manifestos, grosseiros ou palmares ou só os critérios e juízos ostensivamente desacertados e visivelmente ofensivos da lógica e do bom senso que traduzam manifestações de pura arbitrariedade são passíveis de censura por parte do tribunal em casos destes. Isto é, apesar de não haver entrave à interpretação dos conceitos pelo Judiciário, não se pode dizer que eles apenas permitem uma só interpretação (e, portanto, uma única solução) e que ao intérprete-juiz seja fácil identificar se a situação fáctica estaria ou não abrangida pelo conceito. Saber se uma conduta pode vir futuramente a preencher o conceito implica um juízo que deve ficar subtraído ao papel do julgador, porque pode haver mais do que uma solução justa (a melhor solução) dentro da zona de incerteza que ele comporta. O controle jurisdicional, em casos destes, só pode ser exercido quando o acto administrativo de concretização do conceito "ultrapassar os limites da tolerância, aceitabilidade, ofendendo o consenso geral" e for "absurda e irrazoável."
    No caso vertente, pese embora o esforço nesse sentido empreendido pelo visado, não se descortina que a Administração, ao concluir não deter o recorrente particular interesse para a RAEM, designadamente por existirem residentes qualificados para as funções pretendidas e à procura de emprego, tenha, porventura, cometido qualquer erro manifesto, ostensivo ou palmar, a poder ser censurado pelo tribunal, nada indicando que não corresponda à realidade existirem na Região residentes candidatos a emprego, com formação similar à do visado, revelando-se, a esse propósito, inócua a tentativa de comparação específica das qualificações, das habilitações deste com as dos residentes em condições similares, já que, a existência, inevitável, de diferenças, maiores ou menores entre as habilitações, qualidades e experiência de um e dos outros, não seria, só por si, suficiente para considerar o interessado "particular interesse" para a RAEM e lhe atribuir o direito de residência.
    Donde, mesmo dando de barato a qualificação e experiência profissionais adiantadas pelo visado, a verdade é que as mesmas não terão o condão de afastar, no essencial, a realidade em que se estribou a decisão administrativa submetida a escrutínio : a da existência, na Região, de profissionais locais com qualificações similares ao interessado, aptos a desempenhar o cargo, podendo, consequentemente, no critério da valoração administrativa a que acima se aludiu, o mesmo não ser considerado com especial interesse para a Região, como pretende, isto, independentemente do montante do salário concretamente auferido, matéria que sempre nos mereceu as maiores reservas a, por ela própria, poder estabelecer aquele especial interesse, atentos alguns salários praticados na Região, relativamente a não residentes comprovadamente de interesse para a mesma ...
    Quanto ao suposto desvio de poder, não se vê em que, concretamente, o decidido se não adeque à conformidade com os fins públicos para que os poderes discricionários na matéria foram concedidos à entidade recorrida, já que, passando aqueles, obviamente, pela protecção dos direitos dos residentes ao trabalho e emprego e pela concessão de residência temporária na Região a trabalhadores com particular interesse para a mesma, desde logo, aqueles em que, pela sua experiência e qualificações, não se encontrem residentes com idênticas ou similares características, passíveis de desempenhar, com igualou similar competência as funções pretendidas, a decisão não deixou de ser, efectivamente, conforme tal interesse público.
    Finalmente, atento o conteúdo dos pareceres a que o acto sob escrutínio anuiu, mal se percebe o argumentado a propósito da motivação do acto, dado que dos mesmos se colhem, com linear clareza, proficiência e congruência, as razões de facto e de direito em que se estribou a decisão, razões essas, afinal, que o recorrente não deixou de apreender e sobre as quais profusamente elaborou.
    Convirá não esquecer - até por que o recorrente parece tender a fazê-lo - que uma coisa é a exposição, a expressão clara, suficiente e congruente dos motivos da decisão e outra a concordância com os mesmos. E, quanto à P, a única a relevar em termos de apreciação da fundamentação, revela-se a mesma inquestionável
    Donde, por não ocorrência de qualquer dos vícios assacados, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso.
    4. Foram colhidos os vistos legais.

II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:

1. O recorrente foi notificado do indeferimento do seu pedido de autorização de residência nos seguintes termos:

“Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau

Vossa referência: Data de emissão:
Nossa referência: 12369/GJFR/2013
Data: 11/11/2013
Mr. B
Beco da ......, B..., Fl ..., Flat ...
Ed. ...... Gdn – ...... Kok
Macau

ASSUNTO: Autorização de residência temporária – Notificação do indeferimento do pedido (P0129/2012)

Nos termos da alínea a) do artigo 68º do Código do Procedimento Administrativo, notifica-se V. Ex.ª de que, no uso dos poderes delegados pelo Chefe do Executivo da RAEM, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu o despacho em 25 de Outubro de 2013 que não concedeu aos interessados abaixo indicados a autorização de residência temporária em Macau. O despacho foi proferido com base no teor do parecer do processo referente ao assunto de V. Ex.ª, num total de 5 páginas. Junto se envia a fotocópia do parecer, onde se descrevem concretamente as causas da não concessão da autorização de residência temporária.

N.º da ordem
Nome
Documento de identificação e número
1
B
Passaporte da Índia n.º: J530xxxx
2
C
Passaporte da Índia n.º: G806xxxx
3
F
Passaporte da Índia n.º: J952xxxx
4
G
Passaporte da Índia n.º: G806xxxx

Ao abrigo das disposições do Código do Procedimento Administrativo, em caso de discordância com a aludida decisão, dela pode V. Ex.ª reclamar para o Secretário para a Economia e Finanças no prazo de 15 dias ou recorrer contenciosamente para o Tribunal de Segunda Instância no prazo de 30 dias (ambos os prazos são contados a partir da data de notificação).

Com os melhores cumprimentos

(Assinatura vide o original)
ZZZ
Presidente do IPIM

2. São do seguinte teor os pareceres e informações subjacentes ao despacho recorrido:

“Instituto de promoção do Comércio e do Investimento de Macau

Parecer n.º 0129/Residência/2012

Pedido inicial de fixação de residência temporária relativo a técnicos especializados
Requerente – B
Aplicável o Regulamento Administrativo n.º 3/2005



Parecer do Presidente do Conselho Executivo do IPIM

Parecer do Presidente do Conselho Executivo do IPIM

Senhor Secretário para a Economia e Finanças:

Tendo efectuado a investigação e análise no presente parecer, averigua-se que em Macau encontram-se pessoas à procura de emprego com as respectivas habilitações profissionais, não se verificando a falta de pessoa qualificada, a par disso, os documentos apresentados pelo requerente não são suficientes para mostrarem que o mesmo tenha qualificação profissional especialmente favorecida para Macau, pelo que se emite o parecer desfavorável à concessão da autorização de fixação de residência temporária aos interessados abaixo indicados, deste modo, venho propor que seja indeferido o respectivo pedido.

N.º da ordem
Nome
Relação
1
B
Requerente
2
C
Cônjuge
3
F
Descendente
4
G
Descendente
O requerente nunca tinha apresentado antes o pedido de fixação de residência temporária a este Instituto
Contudo, submeto à consideração superior.
(Assinatura vide o original)
ZZZ / Presidente
17 SEP 2013






*
Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau
Parecer n.º 0129/Residência/2012
Pedido inicial de fixação de residência temporária relativo a técnicos especializados
Requerente – B
Aplicável o Regulamento Administrativo n.º 3/2005
Assunto: Apreciação do pedido de fixação de residência temporária
Conselho Executivo:
1 Dados de identificação dos interessados:
N.º da ordem
Nome
Relação
Documento de identificação
Número
Prazo de validade
1.
B
Requerente
Passaporte da Índia
J530xxxx
2020/12/02



Título de Identificação de Trabalhador Não-residente
1053xxxx
2013/10/15
2
C
Cônjuge
Passaporte da Índia
G806xxxx
2018/04/14
3
F
Descendente
Passaporte da Índia
J952xxxx
2016/07/28
4
G
Descendente
Passaporte da Índia
G806xxxx
2013/04/14
2 Face aos documentos de viagem dos interessados, o CPSP emitiu o parecer ao abrigo do Despacho n.º 120-I/GM/97 do então Governador de Macau, e notificou este Instituto de que os interessados reuniam os requisitos de identificação para o pedido de fixação de residência por investimento.
3 O requerente intentou o pedido de autorização de residência temporária em Macau com a qualidade de técnico especializado, bem como apresentou os documentos comprovativos das suas habilitações académicas e profissionais.
Diploma de habilitações profissionais
Designação da instituição
Tempo
Diploma
D (London) Institute
1981
Refrigeration Practice
4 O requerente apresentou os documentos comprovativos (vide pp. 38-44) que confirmaram a seguinte ralação laboral:
Organismo empregador: QQQ Food, Ltd.
Posto de trabalho: Joint Deputy Manager (vide p. 45)
Remuneração: MOP22.147,00 (vide pp. 38-44)
Data de início de funções: 8 de Agosto de 1992 (vide pp. 38-44)

A companhia QQQ Food, Ltd. foi criada em 31 de Julho de 1984 (vide pp. 45-51), com o capital social registado de MOP100.000,00, que desenvolve actividades de produção, de compra e venda, bem como de exportação e importação de artigos e produtos alimentares saudáveis.

Embora o requerente tenha referido na sua nota curricular que tenha cerca de 31 anos de experiência de trabalho, com base nos documentos comprovativos de trabalho apresentados (vide p. 38), verifica-se que o requerente exercia funções de Tecnico de Electronica e Joint Deputy Manager no organismo em causa desde Agosto de 1992, tendo cerca de 21 anos de experiência de trabalho nas referidas categorias, e assumia o cargo de Joint Deputy Manager a partir de 1 de Julho de 2010.

Conforme os dados estatísticos da DSEC referentes ao 1º trimestre de 2013, verifica-se que a mediana da remuneração dos profissionais não residentes em outras actividades é de MOP30.000,00 e, neste caso, a remuneração do requerente é de MOP22.147,00, sendo inferior ao valor da mediana da remuneração na actividade em causa.

Para verificar se o requerente pertence ou não ao quadro profissional que é escassez em Macau, este Instituto efectuou a respectiva pesquisa no portal de consulta dos registos do pedido de recrutamento da DSAL (vide pp. 53-56) e averiguou que entre os requerentes de emprego que têm prazo de validade, registaram-se 5 requerentes de emprego habilitados na área de electromecânica/eléctrica, 3 deles tinham, respectivamente, cerca de 6 a 20 anos de experiência de trabalho no cargo de engenheiro da área de electromecânica/engenheiro superior da área de exame electrónico ou director de fábrica; e registaram-se 13 requerentes do emprego de gerente, 4 deles tinham, respectivamente, cerca de 8 a 19 anos de experiência de gestão.

Tendo em consideração:
1. O requerente só tem o Refrigeration Practice Course Certificate, emitido por Central Technical College, mas não habilitações de ensino superior;
2. A remuneração do requerente é de MOP22.147,00, sendo inferior ao valor da mediana da remuneração dos profissionais não residentes em outras actividades que é de MOP30.000,00;
3. Embora o requerente tenha referido na sua nota curricular que tenha cerca de 31 anos de experiência de trabalho, com base nos documentos comprovativos de trabalho apresentados, verifica-se que o requerente tem apenas cerca de 21 anos de experiência de trabalho nas categorias de Tecnico de Electronica e Joint Deputy Manager, e assumia o cargo de Joint Deputy Manager desde 1 de Julho de 2010.
4. Conforme as informações fornecidas pela Divisão de Promoção do Emprego da DSAL, entre os requerentes de emprego que têm prazo de validade, registam-se 5 requerentes de emprego habilitados na área de electromecânica/eléctrica, 3 deles têm, respectivamente, cerca de 6 a 20 anos de experiência na aludida área de trabalho; e registam-se 13 requerentes do emprego de gerente, 4 deles têm, respectivamente, cerca de 8 a 19 anos de experiência de gestão; portanto, vê-se que em Macau encontram-se pessoas à procura de emprego com as respectivas habilitações profissionais, não se verificando a falta de pessoa qualificada;
5. À luz da disposição constante do art.º 1º, alínea 3) do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, no que respeita ao pedido de fixação de residência temporária relativo a técnicos especializados, salienta-se que o pessoal daquele âmbito tem que possuir formação académica, qualificação e experiência profissional adequadas ou qualificação especializada que sejam consideradas de particular interesse para Macau. Assim sendo, é necessário verificar se são ou não de particular interesse para Macau a qualificação especializada ou a adequada formação académica, qualificação e experiência profissional possuídas pelas pessoas que peçam a fixação de residência temporária de acordo com a maneira supramencionada. Concretamente no pedido tratado neste caso, os documentos apresentados pelo requerente não são suficientes para mostrarem que o mesmo tenha qualificação profissional de particular interesse para Macau.

Pela análise acima exposta, em 4 de Julho de 2013, este Instituto realizou a audiência escrita com o requerente, através do ofício n.º 07018/GJFR/2012 (vide p. 68).

O requerente recebeu o aludido ofício em 5 de Agosto de 2013 e efectuou, por meio da sua representante legal, a contestação escrita em 16 de Agosto de 2013 (vide pp. 57-65) que referiu:
1. A padaria onde trabalhava o requerente, “XX Bakery”, já era estabelecida em Macau há muitos anos e tinha filiais espalhadas em todo o Mundo, sendo uma padaria famosa e um dos elementos relevantes para o desenvolvimento do turismo de Macau;
2. O requerente tinha habilitações do ensino técnico completo e 20 anos de experiência de trabalho em “XX Bakery”, esforçava-se na promoção da marca de Macau “Pastéis de YY de Macau” e dava grande contribuição para Macau, sendo assim insubstituível;
3. Os produtos típicos da referida loja eram fabricados com base na receita secreta em articulação com as máquinas especiais, pelo que ao dirigente não só exigia o conhecimento do funcionamento, reparação e manutenção das máquinas, mas também a experiência de gestão de distribuidores transnacionais, bem como as experiências de exportação, coordenação e aquisição, além disso, o dirigente devia ter também conhecimento e técnica de cozimento, a fim de acompanhar o desenvolvimento de “XX Bakery”, assim como manter e divulgar a sua imagem de marca famosa de Macau;
4. “XX Bakery” foi criada em 1990 e na nessa padaria o requerente iniciou funções em 1992 cuja maior parte do tempo no trabalho assumia cargo de dirigente de classe média ou superior, e desempenhava funções de formador para dar formação aos trabalhadores da mesma padaria que estavam na Coreia do Sul, Tailândia e Hong Kong, prestando directamente auxílio à padaria na divulgação da marca dos pastéis de YY e dando a conhecer a turistas a cidade Macau;
5. Devido à unicidade da padaria, a experiência de trabalho tinha um peso mais forte que a habilitação académica na assunção do cargo de dirigente;
6. Embora, conforme as informações fornecidas pela Divisão de Promoção do Emprego da DSAL, houvesse requerentes de emprego habilitados na área de electromecânica/eléctrica e requerentes do emprego de gerente, realmente, só havia um requerente do emprego de gerente que estava habilitado na área de electromecânica/eléctrica, contudo, não tinha qualquer experiência de trabalho em padaria transnacional de moda chinesa e ocidental ou em companhia do mesmo género, nem experiência de trabalho ou certificado na área de cozimento, portanto, era considerado sem qualquer experiência de trabalho por “XX Bakery” e, em consequência, o ora requerente era a única pessoa apta para o posto de trabalho em apreço;
7. A mediana da remuneração em outras actividades era de MOP25.000,00, sendo simplesmente dados provenientes de investigação, servindo apenas de referência mas não de índice. Ademais, o requerente auferia o salário mensal de MOP22.147,00 que já era muito próximo do valor da mediana supramencionada.

Na sequência da contestação acima exposta, cumpre-se analisar o seguinte:
(1) Conforme as informações da DSEC referentes ao 1º trimestre de 2013, verifica-se que a mediana da remuneração dos dirigentes/profissionais não residentes em outras actividades é de MOP30.000,00 enquanto a remuneração do requerente é de MOP22.147,00, sendo muito inferior ao aludido valor da mediana da remuneração;
(2) A mediana da remuneração é um número resultante de investigação, por isso, consegue, mais ou menos, reflectir objectivamente o valor do indivíduo no mercado;
(3) O requerente trabalhava há cerca de 21 anos na empresa empregadora em causa. Não obstante, o requerente e o seu empregador tenham referido que o requerente seja muito importante e tenha contribuído muito para a aludida empresa, e que seja a única pessoa apta para o respectivo posto de trabalho, a remuneração deste é muito inferior ao valor mediana da remuneração fixada pelo mercado, pelo que é questionável a credibilidade do conteúdo das declarações;
(4) A par disso, o estabelecimento duma relação laboral depende de vários factores, por conseguinte, não se consegue reflectir objectivamente a situação concreta do requerente;
(5) A categoria assumida pelo requerente é Joint Deputy Manager, sendo apenas um cargo secundário na gestão da empresa, mas não o dirigente máximo;
(6) Em Macau encontram-se requerentes de emprego com as correspondentes habilitações académicas e experiências profissionais, pelo que não se verifica que o ora requerente tenha condições especialmente favorecidas para Macau.

Finda a apreciação
Promove-se que, nos termos do Regulamento Administrativo n.º 3/2005, seja indeferido o pedido de autorização de residência temporária apresentado pelo requerente.
N.º da ordem
Nome:
Relação
1
B
Requerente
2
C
Cônjuge
3
F
Descendente
4
G
Descendente

À consideração superior
Técnica superior,
(Assinatura vide o original)
RRR
02 de Setembro de 2013”
    
IV – FUNDAMENTOS
1.
1. Vícios invocados
Na sequência do indeferimento do pedido de autorização de residência temporária ao Instituto de Promoção do Comércio e do Investimento de Macau, vem o recorrente alegar que houve: erro de facto na apreciação do seu pedido; violação do princípio da legalidade; desvio de poder; falta de fundamentação; violação do princípio da proporcionalidade.


2. Erro nos pressupostos de facto
Contrariamente ao alegado pela Administração, o recorrente reúne os requisitos dos técnicos especializados; além disso, o IPIM citou erradamente os dados de investigação fornecidos pela DSAL e DSEC.

2.1. Em relação à pretensa especial qualificação do recorrente.

Alega ele que possui o Refrigeration Practice Course Certificate, emitido em Maio de 1981 pelo Central Technical College e espraia-se na descrição dos seus conhecimentos profissionais na área da produção de frio e de ar condicionado, na aplicação da tecnologia mecânica, na aplicação da ciência e tecnologia eléctrica, na reparação mecânica, nas matemáticas de engenharia e nas ciências, bem como na aplicação efectiva das respectivas matérias.
Tendo sido contratado pela QQQ Food, Ltd., registada e estabelecida em Macau, como “XX Bakery”,em 1989, alude à fama e qualidade, interna e externa, dessa pastelaria, na confecção e negócio dos pastéis de nata de Macau, estando a sua vida profissional ligada, desde o início, ao desenvolvimento e expansão daquele negócio, tendo sido nomeado pelo então patrão, Sr. ......, como formador, para dar ensinar os trabalhadores da “XX Bakery” que estavam na Coreia do Sul, Filipinas e Hong Kong, desempenhando sucessivamente o cargo de Técnico de Electrónica e Joint Deputy Manager na empresa em causa.
Passa depois a concretizar as experiências reputadas necessárias para o desempenho daquelas funções, das quais a mais especial é: “Ter conhecimento da tecnologia electrónica e do cozimento artesão, bem como dos respectivos trabalhos preparativos”.
Salienta que, devido à particularidade e unicidade do organismo em que trabalha o recorrente, o cargo do recorrente tem que ser assumido por uma pessoa com experiência de trabalho e técnica especiais.
Embora IPIM tenha referido “Conforme as informações fornecidas pela Divisão de Promoção do Emprego da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, registam-se 5 requerentes de emprego habilitados na área de electromecânica/eléctrica, 3 deles têm, respectivamente, cerca de 6 a 20 anos de experiência na aludida área de trabalho; e registam-se 13 requerentes do emprego de gerente, 4 deles têm, respectivamente, cerca de 8 a 19 anos de experiência de gestão” , nenhum dos referidos requerentes de emprego tem a seguinte experiência de trabalho: “Ter conhecimento da tecnologia electrónica e do cozimento artesão”.
O posto de trabalho do requerente não só exige o conhecimento da tecnologia electrónica, mas também tecnologia especial e experiência de gestão, portanto, esses três aspectos devem ser atendidos em conjunto mas não em particular, só existindo uma pessoa no resultado da pesquisa dos dados dos requerentes de emprego habilitados na área de “electromecânica/eléctrica”, feita no portal de recrutamento da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL), com a expressão “Gerente”, pessoa essa que não só tem apenas 3 anos de experiência de trabalho, mas também não tem experiência de trabalho nem de gestão em qualquer padaria transnacional de moda chinesa e ocidental ou em companhia do mesmo género, bem como não tem qualquer experiência de trabalho ou certificado na área de cozimento.

Para além de que que as informações da Divisão de Promoção do Emprego da DSAL citadas pelo IPIM não conseguem reflectir objectivamente se existem ou não cidadãos de Macau em condições à procura do emprego em causa.
A par disso, questiona ainda a mediania do nível salarial dos trabalhadores com aquelas funções, referindo que nas correspondentes actividades em que trabalha o recorrente, o salário do mesmo é muito superior à mediana da remuneração fixada pelo mercado.
Para concluir que, atendendo à importância e independência de “XX Bakery” em relação à RAEM, e tendo em conta que “XX Bakery” é insubstituível por qualquer outra padaria em Macau e que há poucas pessoas aptas para assumirem o cargo de dirigente ou técnico na “XX Bakery”, verificando-se que o recorrente é aquele que não só possui rica experiência para assumir o cargo de dirigente da “XX Bakery”, assim como reúne condições indicadas para o efeito.
    2.2. Baseia-se o recorrente numa pretensa especialização das suas funções e aptidão única ao exercício das funções que vem desempenhando naquela pastelaria.
    A primeira observação que ressalta é a de que, perante a sua alegada imprescindibilidade na empresa, perante a importância crucial que diz ter aquela unidade produtiva para a RAEM, o que o recorrente pretende é que seja o Tribunal a aferir esses parâmetros, em matéria que não deixa de ser, por demais evidente, da esfera do Governo.
    Será de presumir que o Governo quer o melhor para o bom desenvolvimento harmonioso da economia de Macau e seguramente não desatenderá, na esfera da sua competência, a esses objectivos que se lhe impõem nos termos da própria lei e das suas competências.
    Ora, não podem os Tribunais imiscuir-se na competência dos outros órgãos e entidades administrativas da RAEM, sob pena de se subverter o regime instituído pela própria Lei Básica.
    O que compete ao Tribunal é apurar se a lei foi ou não cumprida, independentemente da simpatia que se pode nutrir por uma permanência e trabalho em Macau por mais de 20 anos, num conceituado estabelecimento. Mas se a Administração não foi sensível a esse factor e não relevou os argumentos, resta-nos tão-somente aferir da conformidade do acto com a lei.

2.3. O art. 1º do RA n.º 3/2005 prevê:
” Podem requerer autorização de residência temporária na Região Administrativa Especial de Macau, nos termos do presente diploma, as seguintes pessoas singulares não residentes:
1) Os titulares de projectos de investimento, em apreciação nos competentes serviços da Administração, que sejam considerados relevantes para a Região Administrativa Especial de Macau;
2) Os titulares de investimentos que sejam considerados relevantes para a Região Administrativa Especial de Macau;
3) Os quadros dirigentes e técnicos especializados contratados por empregadores locais que, por virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau;
O art. 2º, por seu turno:
“Para efeitos do disposto no presente diploma, poderá ser considerada relevante:
1) A instalação de unidades industriais que, pela natureza das respectivas actividades, contribuam para o desenvolvimento e diversificação da economia da Região Administrativa Especial de Macau;
2) A instalação de unidades de prestação de serviços, designadamente serviços financeiros, de consultoria, de transporte e de apoio à indústria ou ao comércio, que se apresentem de interesse para a Região Administrativa Especial de Macau;
3) A instalação de unidades hoteleiras e similares de reconhecido interesse turístico.”
2.4. Não nos vamos aqui pronunciar sobre se um técnico de frio, com experiência na gestão de uma padaria e especiais conhecimentos nas técnicas de cozedura artesanal deve ou não considerar-se um trabalhador especializado.
Ainda que a lei não contenha uma exacta definição do que seja um trabalhador especializado, não deixa de enunciar alguns requisitos para que tal contratação seja possível, tal como decorre do artigo 3º, n.º 1 da Lei n.º 21/2009, de 27/Out:
    “Os trabalhadores não residentes podem ser contratados como:
    1) Trabalhadores especializados, se forem titulares de grau académico de nível superior, ou de aptidão técnica ou experiência profissional altamente qualificadas, e se destinem a exercer funções que exijam elevado grau de especialização;”
2.5. Deparamos, num e noutro diploma, sendo que é o primeiro que estará em causa, com um conceito indeterminado, já que aos trabalhadores especializados, em virtude da sua formação académica, qualificação ou experiência profissional, sejam considerados de particular interesse para a Região Administrativa Especial de Macau; pode ser concedida a autorização de residência.
A lei não nos diz o que é uma formação especializada, o que se deve entender como pessoal técnico com qualificação especializada, configurando-se aí um poder discricionário atribuído à entidade competente para apreciar se determinada pessoa pertence ou não ao pessoal dos quadros dirigentes e técnicos especializados de particular interesse para Macau.

2.6. Os conceitos indeterminados apresentam uma compreensão muito ampla, ficando assim nas mãos do intérprete e aplicador, a concretização do seu conteúdo. Todavia, esta concretização não se reconduz a uma liberdade de escolha, porque a própria lei, quando recorre a este tipo de conceitos, fornece, por vezes, os critérios interpretativos, dos quais o intérprete não se deverá desviar. Nestes termos, o intérprete não dispõe «de qualquer margem de livre escolha, tendo antes que procurar conhecer a mens legis e actuar na sua conformidade: o sentido a adoptar na interpretação é um único, pelo que a actividade interpretativa é algo de profundamente diferente – senão contrário – da discricionariedade”1.
Se o que está em causa, é a interpretação da lei, estamos no âmbito da interpretação jurídica, que é uma actividade vinculada, uma vez que a Administração Pública está obrigada a descobrir o sentido da lei, e apenas existe um alcance correcto, um sentido único que promana directamente da lei. Na verdade, há conceitos indeterminados, cuja concretização envolve” apenas operações de interpretação da lei e de subsunção” e como tal, não é dada, neste caso, qualquer autonomia à vontade da Administração Pública, pois o preenchimento de tais conceitos é exclusivamente resolvido, no plano da interpretação da lei. Falamos de conceitos como o de “jurista de reconhecido mérito”, “período nocturno”, “ funcionário público”, etc. Trata-se de conceitos relativamente indeterminados e, nestes casos, estamos sem qualquer dúvida no âmbito vinculado.2

Mas, muitas vezes, a lei recorre a conceitos indeterminados que apelam a considerações valorativas pela Administração e por vezes, a apreciações de prognose, previsão, valoração, oportunidade dos factos. Nesses casos, como constata Freitas do Amaral, verifica-se, que o legislador, através de conceitos vagos ou indeterminados, quis conferir um verdadeiro poder discricionário à Administração. Fala-se então de conceitos que fazem apelo a uma valoração pessoal do próprio órgão administrativo. Será o caso de previsões como a de “grave de calamidade pública”, “superior interesse público”, “tranquilidade pública”, “paz social”. Se o legislador remete para a Administração o juízo, baseado nos seus próprios critérios, acerca daquelas situações estrar-se-á perante situações de discricionariedade administrativa que só em casos manifestos de exagero, violação dos princípios do equilíbrio, razoabilidade e proporcionalidade, em função dos interesses a preservar e dos que se sacrificam, poderão ser sindicados pelos tribunais.

Conceitos indeterminados são aqueles cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos, ou noutra formulação, que não permitem comunicações claras quanto ao seu conteúdo, seja por polissemia, vaguidade, ambiguidade, porosidade ou esvaziamento.3 Vai-se assistindo, aliás, cada vez mais, a um alargamento da utilização de conceitos que têm uma imprecisão que faz com que o seu sentido não seja de antemão determinado em matérias tais como interesse público, utilidade pública, bem comum, equilíbrio da sociedade, conveniência de serviço, solução adequada e mesmo negando inicialmente, começa a defender-se que concedem discricionariedade em especial nos juízos sobre aptidões pessoais ou avaliações técnicas (jurista de reconhecido mérito, filme de qualidade, aptidão agrícola, estética das povoações), situações com elementos de prognose (justo receio de ser perseguido, perigo para o trânsito, ameaça de ruína), situações que envolvem a ponderação de interesses complexos, como será a localização de um aterro sanitário ou de uma central eléctrica ou incineradora; decisões com consequências políticas, como será a recusa de visto a uma personalidade de relevo internacional.4
    Diferentemente se podem passar as coisas quando a previsão normativa remete para conceitos que são integrados por determinados factos e juízos que estão pré-determinados, são concretizáveis e passíveis de comprovação.
    Não é seguramente o caso.
    2.7. A cozedura artesanal de pastéis de nata, pode corresponder ou não a uma especialização. Admitimos até que a parte interessada possa pretender comprovar que mais ninguém consegue fazer aquele trabalho, mas essa prova compete-lhe a si e, mesmo assim, tal não constituiria factor determinante a convencer a Administração dos pressupostos ínsitos na previsão normativa, relativos a uma especial qualificação e um interesse relevante para a RAEM.
    Posto isto, a avaliação sobre a detenção ou atribuição da qualidade de técnico com qualificação especializada de particular interesse para a RAEM depende do próprio requerente que declara e tem de provar ser pessoa com experiência profissional especializada, mas depende sobretudo da entidade administrativa que, depois de apreciar os diversos factores, conjugando-os, nomeadamente com a situação de desenvolvimento económico e social, em função de critérios que até nem estão pré-definidos, é que vai tomar uma decisão, como resulta do art. 7° do RA n.º 3/2005.
    No caso, a entidade Administrativa decidiu com base em parecer formulado a partir dos seguintes factores:
    
    - O salário do recorrente é inferior ao salário médio do pessoal dos quadros dirigentes e pessoal técnico com qualificação especializada de outros sectores recrutado no exterior;
    - O recorrente é apenas um adjunto de gestão e não dirigente;
    - As habilitações e experiência profissional do recorrente não podem ser consideradas condições de particular interesse.
    Em relação aos factos, objectivamente considerados, em que a Administração se louvou, não se verifica que estejam errados, não vindo desmentida a existência de técnicos com equivalentes ou superiores habilitações académicas e os salários pretendidos e considerados em vista das funções de gestão que o próprio recorrente alega, para além da sua formação técnico-profissional que, enquanto tal, não se diferenciará de uma formação igual a tantas outras. Se nos diz que a formação adquirida pela sua experiência profissional se destaca daquela formação de base, então, ela só se destacaria se a Administração a reputasse de interesse relevante e tal não aconteceu.
    
    Daqui se passa para a análise de factores que são também de valoração subjectiva e mesmo em relação às matérias em que o recorrente alega que houve erro nos pressupostos de facto, para além de o recorrente não conseguir demonstrar quanto alega, o certo é que não é possível sindicar a actuação e o juízo proferido pela Administração na exacta medida em que, ainda aí, ele assenta em critérios que legitimamente só a si cabem, sobre o que entenda por “pessoal técnico com qualificação especializada” “experiência de particular interesse”, bem podendo esgrimir com o facto de que outros candidatos não têm as qualificações, experiência ou nível salarial que igualem as suas, porquanto, nessa avaliação, a Administração pode partir de outros pressupostos diferentes.
    2.8. Para além de que a lei não deixa de ser clara, ao estabelecer no art. 6ª, n.º 1 que “É competência discricionária do Chefe do Executivo decidir os pedidos de residência temporária apresentados ao abrigo do presente diploma, independentemente dos respectivos fundamentos”, competência esta que, nos termos do n.º 2 pode ser delegada no Secretário que tutela a área da Economia.
    Esta, a posição que tem sido assumida pelos tribunais de Macau em situações paralelas.5
    Não existe, pois, erro nos pressupostos de facto.
    
3. Violação do princípio da legalidade
Insiste o recorrente com a violação deste princípio, numa alegação algo confusa.
Não desmente que há uns tantos requerentes de emprego para as áreas em referência, tal como invocado pelo IPIM, mas vai dizendo que o parecer desta entidade violou completamente o fim de atracção de técnicos profissionais, adoptado em Macau, relativo à captação de investimentos, quadros dirigentes e técnicos especializados. Mesmo que haja em Macau os pretendentes a emprego, mencionados nas informações fornecidas pela Divisão de Promoção do Emprego da DSAL, podendo encontrar-se em Macau pessoas com as mesmas qualificações profissionais que têm os interessados do exterior, por serem técnicos especializados, avança que, mesmo assim, há uma razão para essa procura externa, qual seja a de elevar o nível do profissionalismo especializado.

Salvo o devido respeito, não faz sentido esta argumentação, pois só se eleva o nível profissional e técnico dos locais, se quem vem de fora tiver alguma coisa a ensinar.
Mais alega o recorrente que não é apenas um profissional, mas também um técnico especializado, com 21 anos de experiência de trabalho na respectiva área e conhecimento técnico profissional.
Em relação a este argumento, contrariamente ao que afirma, não se concretiza qual o nível de especialização que o distingue dos locais. Nada se adianta, para além de um particular detalhe de cozedura artesanal de pastéis que, pode ser muito importante, mas (i) não se demonstra que outrem não possa aprender essas técnicas; (ii) foi factor desconsiderado na análise da Administração e nada permite se imponha uma leitura diversa; (iii) mesmo, dando por assente, a importância do negócio para a imagem, turismo ou economia da RAEM, daí não resulta que por falta dessa autorização de residência - é do que se trata - o negócio feche.
    Não se comprova, pois, que o acto em causa fuja aos objectivos legislativos, sequer que constitua desvio de poder, em face do disposto no RA n.º 3/2005 ou das regras por que se deva pautar a entidade recorrida.
    Não há qualquer elemento que permita concluir que a prossecução dos objectivos da lei e do interesse público não tenham estado na base da actuação da Administração, percebendo-se bem que o indeferimento de um pedido de residência, se bem que envolva um sacrifício particular não deve ser desenquadrado dos fins gerais da sociedade, no sentido de um desenvolvimento equânime e prudente, ainda que os particulares ou certos sectores entendam que determinada medida não é a que melhor serve os fins do interesse público.
    Nesta conformidade, não se vislumbra que tenha havido desvio de poder.
4. Falta de fundamentação
Pretende o recorrente ter havido falta de fundamentação, mas ficamos sem saber, face ao alegado no art. 64º ou 65º, se houve uma fundamentação com base em insuficiência de dados ou se houve uma citação errada dos dados da investigação.
Independentemente desta falta de rigor, que vamos ter apenas por formal, não se considera que o acto tenha sido tomado com base em elementos insuficientes ou errados.
Importa notar que o que estava em causa era um pedido de autorização de residência e já não de trabalho. O pedido baseou-se num pedido em que se alega uma especificidade e especial qualificação técnica e profissional de relevante interesse para a RAEM. Ora, o que a Administração fez foi um trabalho de recolha de elementos que, não se mostram errados, concluindo que, localmente, havia pessoas com aptidão profissional e técnica, abstractamente considerada, equivalentes ou superiores à do recorrente, tendo sido esse elemento, associado a outros, como o tempo de experiência e o nível remuneratório, para afastar os requisitos ínsitos ao preenchimento da previsão das citadas normas que permitiam um despacho favorável à pretensão do recorrente.
E se dizemos abstractamente é porque, ao nível dos interesses particulares se pode ter um entendimento diverso, como terá o recorrente e, porventura, o seu patrão. Assim acontece em qualquer ramo de negócio, actividade ou mesmo ao nível das famílias. Imaginemos o caso de uma empregada doméstica; até pode haver muitas na bolsa de emprego, mas nenhuma que tenha aquele especial afecto, carinho para tratar das crianças de uma determinada família, que tenha aquela mão na cozinha, aquele cuidado e preocupação com as roupas. Esses particulares interesses serão relevantes na tomada de decisão para se considerar a relevância daquele desempenho profissional como de relevo para a RAEM? Estamos seguros que não.
O que se nos afigura resultar do parecer do IPIM é, no fundo, a recolha de elementos tendentes a demonstrar a banalização de uma habilitação, de forma a desconsiderar o relevo destacado, no sentido de afastar o requisito relativo a um elevado grau de especialização, a uma especial habilitação e a um particular interesse para a RAEM, pressupostos do deferimento da pretensão.

É verdade que art.º 114º do Código do Procedimento Administrativo prevê o dever de fundamentação:
    “1. Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
    a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
    b) Decidam reclamação ou recurso;
    c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado;
    d) Decidam em contrário de parecer, informação ou proposta oficial;
    e) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
    f) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior.
    2. Salvo disposição legal em contrário, não carecem de ser fundamentados os actos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal”.

Mais se prevendo, nos termos do art.º 115º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo:
    “…
    2. Equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.
    …”
A explicação acima dada colhe-se bem da decisão proferida, pelo que se entende que houve fundamentação bastante, ficando-se a conhecer quais as razões por que se indeferiu a pretensão do recorrente, dizendo-se no fundo, que havia em Macau técnicos e profissionais, com habilitação equivalente ou superior, reclamando até um salário superior, para as áreas em referência, donde não se valorar como especial ou relevante os atributos do recorrente.
    
5. Violação do princípio da proporcionalidade
Alega o recorrente, repetindo-se, que, no “Regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados, aprovado pelo Regulamento Administrativo n.º 3/2005” não se prevê que os dados de investigação obtidos pela DSAL ou DSEC sejam requisitos legais na apreciação do pedido de fixação de residência relativo a técnicos especializados, isto é, os dados de investigação em apreço têm apenas valor de referência.

O IPIM terá citado erradamente os aludidos dados como fundamentos para recusar o pedido do recorrente.

Nos termos do art.º 5º, n.º 2 do Código do Procedimento Administrativo:
“…
2. As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.

Pelo que o IPIM violou o princípio da proporcionalidade, por ter cometido erro notório na prática do acto administrativo discricionário.

Quanto ao erro já acima nos pronunciámos, no sentido da sua inexistência.

Quanto à desproporcionalidade, ficamos sem saber o que pretende o recorrente. Não se vê em que medida é que um erro nos pressupostos de facto em que possa assentar uma decisão conduzem a uma desproporção. Este conceito pressupõe uma relação entre duas medidas, entre duas grandezas, que entre o acto praticado e a situação que se visa tutelar haja um desajustamento ou uma falta de adequação, de forma a ponderar-se que havia outros actos ou medidas que podiam ser tomadas de modo a impedir, sustar, prevenir ou a prosseguir determinados resultados com economia de meios ou de recursos.

Se o que o recorrente, tentando adivinhar, pretende dizer é que a Administração se serviu de meios e elementos não previstos para tomar a decisão, não é que daí venha algum mal, antes revela o cuidado e a preocupação em tomar uma decisão fundada, ainda que discricionária, mas sem arbitrariedade.
Falece, assim, ainda aqui esta linha argumentativa do recorrente.
    
    V - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso.
    Custas pela recorrente, com 5 UC de taxa de justiça
                Macau, 26 de Março de 2015
Presente (Relator) Vítor Manuel Carvalho Coelho João A. G. Gil de Oliveira
(Primeiro Juiz-Adjunto) Ho Wai Neng
(Segundo Juiz-Adjunto) José Cândido de Pinho
1 - Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, I, Lisboa, 1980, 246.
2 - Diogo Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo” vol. II, Coimbra, 2001, 105 e ss..

3 - Freitas do Amaral, ob. cit., 106, citando Karl Engish e Menezes Cordeiro
4 - Fernanda Paula de Oliveira, Dto Adm I , UC,h ttp://www.fd.uc.pt

5 - Acs. TSI, Proc.ºs n.ºs 574/2013, 558/2013, 509/2009, 269/2012, entre muitos outros.
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839/2013 14/36