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Processo nº 756/2014
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data: 14/Maio/2015

   Assuntos:
- Divórcio por separação de facto; elemento objectivo e subjectivo

    SUMÁRIO :
    1. Se a esposa, desde 2009 e até à presente data deixou de viver na mesma casa com o seu marido, sendo este consumidor de estupefacientes, tendo levado a filha do casal consigo, assegurando ela todas as despesas da vida, não se antevendo qualquer possibilidade de reatamento das relações normais da família, não havendo, pelo menos da parte dele o propósito de restabelecer a vida conjugal, se propôs a acção em 15/3/2013, acção essa que não foi contestada, entende-se que se observam os requisitos para o decretamento do divórcio por separação de facto por período superior a dois anos nos termos do artigo 1637º, al. a) do Código Civil.
    
    2. O elemento objectivo é a divisão do habitat, a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes. Este elemento é muitas vezes equívoco, pois o dever de coabitação, reveste-se de grande plasticidade. Tudo depende das circunstâncias e há uma grande variedade de situações. Ao elemento objectivo que é matéria da separação de facto, há-de, pois, acrescer um elemento subjectivo, que anima essa matéria e lhe dá forma e sentido; consiste ele numa disposição interior - o “propósito” como diz o artigo da parte de ambos os cônjuges ou de um deles de não restabelecer a comunhão da vida matrimonial.
    
    3. Não se deve ser demasiado exigente na comprovação de uma matéria de facto fluida, do foro íntimo, sentimental, afectiva. A perda dos laços é, quantas vezes, pelo silêncio que melhor se expressa.
    
    4. Numa situação em que se vem a invocar a ruptura conjugal, em regra o elemento subjectivo não deixa de acompanhar o elemento objectivo relevante, na certeza de que nesses casos ele se vai cimentando ao longo do tempo. É evidente que numa situação dessas, como aquelas que a vida nos mostra, não há um momento exacto e determinável para se poder dizer que naquele exacto momento passou a haver uma disposição de ruptura conjugal.
    5. Os requisitos para o decretamento do divórcio, não deixam de actuar sobre o marco de referência temporal em que se traduz a propositura da acção e o tempo da sua pendência, não se deixando de lhe dar prevalência, em função do princípio da actualidade da decisão, plasmado no artigo 566º do Código de Processo Civil.
O Relator,
Processo n.º 756/2014
(Recurso Civil)
Data : 14/Maio/2015

Recorrente : A

Recorrido : B

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    A, mais bem identificada nos autos, na sequência de uma acção de divórcio que interpôs contra o réu, B, também ele aí mais bem identificado, inconformada com a douta sentença proferida, vem interpor recurso, alegando, em síntese:
    1.ª Foi o presente recurso interposto da, aliás, douta Sentença que julgou improcedente a acção;
    2.ª Para efeitos do disposto no artigo 1637.° alínea a) do Código Civil de Macau é necessário que à data da propositura da acção de divórcio a separação de facto já se verifique há mais de dois anos consecutivos;
    3.ª Dispõe o artigo 1638.°, n.º 1 do citado diploma legal que "(…) há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existindo comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer";
    4.ª No presente caso, a Autora, ora Recorrente, intentou a acção de divórcio litigioso, pedindo que fosse o mesmo decretado, com fundamento na separação de facto do casal, na sequência de em 2009, esta ter decidido colocar fim ao casamento, saindo da casa de morada de família;
    5.ª Ora, salvo, o muito devido respeito, entende a ora Recorrente que, na altura em que deu entrada da sua p.i. já teriam decorrido dois anos consecutivos desde a separação de facto do casal;
    6.ª Facto este que, no entanto, foi dado como provado pelo douto Tribunal a quo no quesito 5.°;
    7.ª Alega o douto Tribunal a quo que não pode ter a certeza quanto à intenção de separação da Recorrente!
    8.ª No entanto, entende que desde 2009 que o casal está separado, não existindo comunhão de vida entre os cônjuges. Situação, no mínimo, insólita;
    9.ª A Autora considera, a par da maioria da doutrina que o prazo de dois anos deverá contar-se desde a separação de facto até à audiência de discussão e julgamento;
    10.ª Ora, tendo em conta os factos dados como provados em audiência de julgamento não subsistem quaisquer dúvidas acerca da ruptura definitiva do casamento;
    11.ª Assim, de acordo com a mais recente jurisprudência, consideramos que o prazo de dois anos exigido desde a separação de facto, para que o divórcio seja objectivamente decretado, tem de estar completado antes do encerramento da audiência de julgamento, nos termos do artigo 566.° n.º 1 do Código de Processo Civil de Macau que estabelece que "a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos os extintivos que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão";
    12.ª Assim, e uma vez que na data da audiência de discussão e julgamento já haviam decorrido mais de quatro anos e meio desde a separação de facto das partes, salvo respeito por opinião em contrário, consideramos que se deverá entender preenchido a alínea a) do artigo 1637.°, alínea a) do Código Civil de Macau e como tal o divórcio deveria ter sido decretado;
    13.ª É evidente que desde 2009 que deixou de existir a comunhão de vida própria de um casamento, com evidente e irremediável quebra dos laços;
    14.ª O douto Tribunal a quo deveria ter entendido que a separação de facto entre Autora e Réu, aliada ao facto de a Autora não estar disposta a reatar a vida em comum com o Réu, como motivos suficientes para se considerar preenchido o fundamento de divórcio consagrado na alínea a) do artigo 1637.° e do disposto no artigo 1638.° ambos do Código Civil de Macau;
    15.ª No nosso entendimento, a douta Sentença recorrida não só interpretou mal o preceito da alínea a) do artigo 1637.° do Código Civil de Macau, como também não se pronunciou quanto à possibilidade de integração da factualidade dada como assente no artigo 1638.° do mencionado diploma legal;
    16.ª Deveria assim o Tribunal a quo ter-se pronunciado acerca de dos factos assentes e oportunamente integra-los no normativo aplicável e por não o ter feito, a mencionada sentença deverá ser considerada nula nos termos do artigo 571.° n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil de Macau;
    17.ª Razão pela qual estão reunidos todos os pressupostos para que seja decretado o divórcio com base na efectiva separação de facto, o que ora se requer.
    Termos em que, e no sentido em que supra se concluiu, deverá ser dado provimento ao presente recurso, declarar nula a douta Sentença, decidindo por nova Sentença na qual seja decretado o divórcio com base na efectiva separação de facto.
    
    O recurso não foi contra-alegado.
    Foram colhidos os vistos legais.
    
    II – FACTOS
  
    Vêm provados os factos seguintes:
    - A autora e o réu são mulher e marido, tendo contraído casamento civil em Macau, em 5 de Outubro de 2007.
    - Na constância do matrimónio nasceu a menor C, em 7 de Agosto de 2008.
    - O réu era consumidor de estupefacientes.
    - Desde 2009, a autora saiu da casa onde vivia com o réu para onde nunca mais voltou.
    - Desde então, a autora tomou conta da filha menor e a assegurar todas as despesas da vida.
    - Não se antevendo qualquer possibilidade de reatamento das relações normais da família, pretendendo, a autora pôr fim a esta situação anómala.
    
    III – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa por saber se se observam os requisitos do divórcio por separação de facto pelo período de dois anos.
    2. As razões expendidas na douta sentença pareceriam numa primeira análise irrepreensíveis:
    “Nos termos do art.º 1637.º do Código Civil:
    São ainda fundamentos do divórcio litigioso:
    a) A separação de facto por 2 anos consecutivos;
    b) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo não inferior a 3 anos;
    c) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quando dure há mais de 3 anos e, pela sua gravidade, comprometa a possibilidade de vida em comum.
    E o art.º 1638.º n.º 1 estabelece a definição da separação de facto, entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.
    Segundo dos artigos supracitados, a separação de facto exige dois elementos: um elemento objectivo é a divisão do habitat e outro elemento subjectivo consiste num propósito, da parte de ambos os cônjuges ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial.
    Na doutrina, vários juristas entendem que a separação de facto exige dois elementos: a divisão do habitat constitui o elemento material; ao mesmo tempo, o propósito, da parte de ambos os cônjuges ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial constitui o elemento subjectivo. 1
    Esta opinião foi sustentada por jurisprudência.
    Segundo o acórdão do processo n.º 74/2008 do TSI, de 10 de Dezembro de 2009:
    1. Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do art.º 1637.º quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer.
    2. O legislador calcula apenas o prazo de separação de facto por período consecutivo a partir da data em que o cônjuge não pretende ter vida em comum e se separar assim efectivamente com o outro como prazo de separação de facto exigido pelo art.º 1637.º al. a) para o divórcio. Contudo, a separação de facto só pode ter lugar quando haver ruptura de sentimento conjugal.
    Considerando as opiniões na doutrina e na jurisprudência, a separação de facto prevista no art.º 1637.º al. a) exige cumulativamente dois elementos: a divisão do habitat e o propósito de não restabelecer a comunhão de vida em comum. Só pode haver a separação de facto quando preencher cumulativamente os dois elementos.
    Ou seja, a lei exige a separação de facto por dois anos consecutivos como fundamento de divórcio, este prazo de dois anos não se calcula a partir da data em que os cônjuges separaram-se objectivamente ou não têm vida em comum, uma vez que não pode haver a separação de facto quando apenas se separar objectivamente entre os cônjuges sem o propósito de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial subjectivamente; portanto, o prazo de dois anos só pode se calcular a partir da data em que os cônjuges vivem separadamente e ambos ou um deles tem o propósito de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial.
    Conforme os factos provados, foi verificado que a autora deixou da residência de família desde 2009 e nunca mais voltou, este facto, não obstante um pouco insuficiente, basta entender que daí a autora e o ré não tinham mais comunhão de leito, nem de mesa e de habitação, pode considerar-se que a autora e o ré viviam separadamente, constituindo o elemento objectivo da separação de facto.
    Aliás, a divisão do habitat objectivamente não é suficiente para constituir a separação de facto, é ainda necessário o elemento subjectivo de propósito de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial.
    In casu, não obstante foi provado que a autora pretendeu cessar esta relação matrimonial, mas não sabemos a partir quando é que a autora tinha esta ideia. Uma coisa certa é que foi a autora que intentou esta acção, isto é, a partir de 15 de Março de 2013, a autora já teve definitivamente o propósito de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial com o réu.
    Ou seja, apenas deste 15 de Março de 2013 só foram preenchidos os elementos subjectivo e objectivo da separação de facto, e a partir de 15 de Março de 2013 até ao termo da audiência de julgamento do presente caso, ainda não foram decorridos dois anos, portanto, ainda não foram preenchidos os requisitos de separação de facto para divórcio.
     *
    Face ao exposto, o pedido de divórcio da autora não é procedente por não preencher os dispostos nos art.ºs 1635.º e 1637.º do Código Civil.”
    
    3. Vamos seguir o entendimento que sobre a matéria já noutros passos sustentámos, nesta Instância:2
    «Dispõe o artigo 1637°, a), do CC, que a separação de facto por 2 anos consecutivos é também fundamento de divórcio litigioso.
    Nos termos do art. 1638, n.º 1, do CC, "Entende-se que há separação de facto, para os efeitos da alínea a) do artigo anterior, quando não existe comunhão de vida entre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, o propósito de não a restabelecer."
    São assim elementos da separação de facto: a) elemento objectivo: falta de comunhão de vida entre os cônjuges; b) elemento subjectivo: haver da parte de ambos ou apenas de um deles um propósito de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial; c ) a separação por dois anos consecutivos.

     4. A situação merece alguma atenção e ponderação.
    Estamos num domínio em que, se o elemento objectivo é fácil de demonstrar, já não assim o elemento subjectivo.
    Imaginemos uma discussão intra muros na casa de morada de família, o marido bate com a porta e sai de casa.
    Ou pode até sair de casa sem discussão alguma .
    Pode sair com a intenção imperscrutável de não mais viver com a sua mulher naquela ou noutra casa; pode sair apenas para apanhar fresco e seguro que dentro de umas horas ou dias as coisas irão serenar. Pode até ser dominado por aquele primeiro ânimo e voltar a reponderar por si ou porque as artes da esposa o convencem a tal.
    É evidente que pode até bater com a porta e não mais ali voltar porque alguma fatalidade o faz desaparecer, numa situação como aquela em que as vagas levam o pescador ou um avião desaparece sem recobro do corpo.
    E pode fechar a porta, por dias, meses e anos, por razões e necessidades várias, ponderosas ou não, da sua vida pessoal, familiar, profissional, quantas vezes, para ganhar o pão para a sua própria família.
    Estas duas últimas situações não interessam para o caso, mas não são completamente desprezíveis, na medida em que materializam uma causa justificativa para a separação independentemente da intencionalidade no rompimento conjugal. Dir-se-á que mesmo nelas se revela apenas o elemento objectivo, mas diremos nós que esse elemento objectivo é irrelevante como fonte de divórcio (exceptuada a situação da al. b) do art. 1637º do CC). Já não assim no primeiro grupo das diferentes situações de separação, pesem embora, ainda aí, os seus diferentes contornos.
    
    Estamos num domínio - referimo-nos ao elemento subjectivo - muito volátil e de difícil apreensão e percepção. Por vezes nem o próprio membro do casal sabe o que quer! Tanto assim que não é difícil configurar que haja casais que partilhem o mesmo tecto, mas que no fundo, no fundo, nada há mais de comum entre eles.
    Daí que faça sentido integrar como pressuposto da separação relevante esse animus de separação, de corte, de cessação da relação conjugal.
    É por isso que se acasalam esses dois elementos - o objectivo e o subjectivo - como requisitos do divórcio por separação de facto.
    
    5. É assim que se deve compreender o invocado acórdão deste TSI - proc. n.º 74/2008 -, no qual se louvou a Mma Juíza que prolatou a douta sentença recorrida para julgar improcedente a presente acção de divórcio.
     Temos, porém, para nós, que não se deve ser demasiado exigente na comprovação de uma matéria de facto fluida, do foro íntimo, sentimental, afectiva. A perda dos laços é, quantas vezes, pelo silêncio que melhor se expressa.
    Nesta linha, o Prof. Pereira Coelho, “Esta causa de divórcio é integrada por dois elementos, um objectivo e outro subjectivo. O elemento objectivo é a divisão do habitat, a falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes. Este elemento é muitas vezes equívoco, pois o dever de coabitação, reveste-se de grande plasticidade. Tudo depende das circunstâncias e há uma grande variedade de situações. Pode haver residências separadas - o artº 1673º [1534º CC Macau] permite-o - e todavia haver uma comunhão de vida (v.g. o caso dos emigrantes). Outras vezes, respeitos humanos ou o interesse dos filhos levam os cônjuges a manter uma aparência de vida em comum que não corresponde à realidade. Ao elemento objectivo que é matéria da separação de facto, há-de, pois, acrescer um elemento subjectivo, que anima essa matéria e lhe dá forma e sentido; consiste ele numa disposição interior - o “propósito” como diz o artigo da parte de ambos os cônjuges ou de um deles de não restabelecer a comunhão da vida matrimonial (...)”3
    Também a este respeito ensina o Prof. Antunes Varela “A forma como na lei (…) se define a separação de facto, tradutora da ruptura da vida em comum, mostra com efeito que ela pode resultar de uma actuação bilateral concertada entre ambos os cônjuges, como de um procedimento bilateral não acordado entre eles, como da atitude isolada de um só deles. Apesar de não ser essencial o acordo dos cônjuges quanto à separação, é evidente que esta separação compreende um elemento subjectivo (a intenção de ambos os cônjuges, ou de um deles de romper definitivamente com a vida em comum) ao lado de um elemento objectivo (não existência entre os cônjuges da comunhão de leito, mesa e habitação”.4/5»
    
    «6. Perante este enquadramento somos a discorrer que o elemento subjectivo, numa situação em que se vem a invocar a ruptura conjugal, acompanha o elemento objectivo relevante, na certeza de que nesses casos ele se vai cimentando ao longo do tempo. É evidente que numa situação dessas, como aquelas que a vida nos mostra, não há um momento exacto e determinável para se poder dizer que naquele exacto momento passou a haver uma disposição de ruptura conjugal.
    Daí que o levantamento da cortina se faça por um conjunto de factos e comportamentos, donde emerge, com maior relevo, a separação de facto material, objectiva. Pois se assim não fosse, não faltariam motivos ou razões que logo seriam aventados pela outra parte, de forma a fechar a cortina, alegando-se que não foi assim que as coisas se passaram, pois, não obstante aquela saída, ocorreu este e aquele facto demonstrativo de uma vontade em manter o casamento.»
    É verdade que a matéria fáctica nos presentes autos é muito curta, mas, pensamos, não ser impeditiva do decretamento do divórcio, relevando-se aqui, não obstante as regras do ónus da prova, a passividade do cônjuge, o marido requerido no divórcio, que nada veio alegar ou contrapor ao afirmado e ao desiderato formulado pela esposa. Tudo conjugado, não nos será difícil compreender que aquela separação de facto que se prolongou, à presente data por cerca de seis anos, sem nada que a quebrasse ou sem que tal fosse invocado, não terá deixado de estar imbuída do elemento subjectivo pertinente. Como ensina o Prof. Antunes Varela, 6 no assento final da fixação da matéria de facto, pode o Tribunal de Segunda instância, com base nos factos provados - e desde que não os altere - lançar mão dos juízos de experiência, ou das considerações de probabilidade/razoabilidade para dar como provados outros factos, assim como tem toda a liberdade de emitir juízos de valor sobre a matéria de facto, alterando ou reforçando os que foram emitidos pela 1ª Instância.

    7. Esta sensibilidade temo-la visto colhida na Jurisprudência de Macau, em particular neste TSI, o que se recolhe da análise de três acórdãos que se seguiram àquele acima referido na douta sentença sob apreciação, aliás, também subscrito pelo presente relator. Não obstante, regista-se uma evolução no sentido acima desenhado, tal como reflectida na própria evolução da Jurisprudência concretizada nos acórdãos 388/2010, 158/2011, 793/2012 e 723/2013.
     Do primeiro se pode retirar que “o simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação nesse sentido, desde que se tinha separado do outro há mais de dois anos consecutivos.”
    Do segundo “O elemento objectivo consiste na divisão do habitat, na falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes; o elemento subjectivo consiste num propósito da parte de ambos os cônjuges ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial.
É nitidamente um facto conclusivo que “não existe, pelo menos da parte da A., o propósito da restabelecer a comunhão de vida”.
Para a verificação deste requisito, só se pode levar em conta os elementos fácticos concretamente acontecido, v.g. as partes não moravam no mesmo tecto; vivia numa outra casa; vivia com outra mulher ou homem, etc. O simples facto de a autora intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação nesse sentido, devendo considerar haver separação de facto quando se verificar o requisito objectivo e o pressuposto de “dois anos consecutivos”.
    Do terceiro, este, então, incisivamente, “na matéria de divórcio com fundamento na separação de facto, ao exigir a duração mínima de dois anos de separação de facto, o nosso legislador está a olhar apenas para o requisito objectivo e não também o subjectivo. Pois este requisito, de natureza subjectiva, é um requisito de natureza complementar. Assim sendo, desde que tenha sido provada a separação de facto por dois anos e no momento de decisão persista a intenção de não restabelecer a comunhão de vida interrompida por dois anos consecutivos, é de decretar o divórcio.”
     Aliás, relativamente ao elemento subjectivo, importa ainda esclarecer que, como vem sendo entendimento da Jurisprudência Comparada, a propositura da acção com fundamento na separação de facto, revela de forma inequívoca a intenção ou o propósito de não restabelecer a comunhão de vida entre os cônjuges .7
    Sobre o quarto, vimo-lo seguindo pari passu.
    8. Voltando ao caso dos autos e não obstante reconhecer-se, repete-se, ser escassa a factualidade alegada, não pode deixar de se concluir que foram alegados e provados factos suficientes para a integração dos referidos elementos.
No caso é indiscutível a ocorrência do elemento objectivo da "separação de facto".
Por outro lado, tendo a autora, ora recorrente, proposto a acção de divórcio, manifestou com tal conduta a intenção de romper definitivamente com a vida em comum, verificando-se, desta forma, o elemento subjectivo da "separação de facto". Como se refere noutro aresto,8 “ o simples facto de o autor intentar a acção de divórcio demonstra, só por si, o propósito de não reatamento da sociedade conjugal, já que traduz uma manifestação nesse sentido.”
Por outro, nada foi oposto que fizesse apartar daquela separação ao longo de vários anos qualquer circunstancialismo paralisante de um elemento subjectivo, como integrante, em princípio, de uma separação material objectiva.

    9. Por último, se estas razões não bastassem, sempre podemos dizer que, passado todo este tempo, contado até o da pendência da acção, o elemento subjectivo não deixa de ocorrer, visto o princípio que decorre da actualidade que deve revestir a decisão judicial.
    Esta argumentação mostra-se igualmente acolhida na Jurisprudência Comparada9, onde se afirma que, se, por um lado, a separação de facto como causa de divórcio exige, em primeiro lugar a verificação de um elemento objectivo, constituído pela falta de vida em comum dos cônjuges, que passam a ter residências diferentes, a tal elemento, acresce a exigência de um elemento subjectivo, que anima essa matéria e lhe dá forma e sentido, o qual, - para efeitos da separação de facto por dois anos consecutivos -, consiste numa disposição interior, ou num propósito, da parte de ambos os cônjuges, ou de um deles, de não restabelecer a comunhão de vida matrimonial, compreendendo-se, todavia, a menor imperatividade probatória quanto ao mesmo elemento, no caso da separação de facto como causa de divórcio, se este for requerido por um dos cônjuges sem oposição do outro; ou seja, o elemento subjectivo vai em princípio implicado, quer na circunstância de um dos cônjuges requerer o divórcio, quer na circunstância de o outro não deduzir oposição;
Aí se afirmando ainda que o corpus material da separação em causa se encontrava provado, uma vez que no momento em que foi proferida a decisão final decorreu muito mais do que o tempo mínimo indispensável, desde que a autora saíra do domicílio conjugal, pelo que, considerando a data da propositura da presente acção (15/3/2013), sobre este marco de referência temporal não se deixará de lhe dar prevalência, em função do princípio da actualidade da decisão plasmado no artigo 566º do Código de Processo Civil.
    Em face do exposto o recurso não deixará de proceder.

    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando, a decisão recorrida, decreta-se o divórcio entre a Autora A e o Réu B.
    Custas pela autora/recorrente em ambas as instâncias, vista a ausência de qualquer oposição do réu.
Macau, 14 de Maio de 2015,

_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng
_________________________
Lai Kin Hong
(Vencido nos termos de declaração de voto que se junta.)





Processo nº 756/2014

Declaração de voto de vencido

Enquanto relator, fiquei vencido por razões já tecidas no projecto do Acórdão, redigido em chinês, que submeti à apreciação pelo Colectivo na Conferência, onde sugeri a fundamentação e a parte dispositiva do Acórdão nos termos seguintes:

二、理由說明
  首先,按本上訴法院一貫的司法見解,根據《民事訴訟法典》第五百八十九條第三款的規定,上訴的標的是由上訴人於其上訴狀的結論部份所劃定,易言之,除按法律規定屬依職權審理的問題外,上訴法院僅審理上訴人在上訴狀結論部份所提出的問題(見中級法院二零零年五月十七日、二零零一年五月三日、二零零零年十二月十日及二零零零年一月二十七日與列於63/2001、18/2001、130/2000及1220號的合議庭裁判)。
  根據上訴人的上訴結論,構成本上訴的標的問題如下:
  1. 判決無效;及
2. 事實分居
1. 判決無效
  上訴人指出一審判決並沒有就獲證事實可否符合《民法典》第一千六百三十八條的規定作出審理,這一遺漏構成《民事訴訟法典》第五百七十一條第一款d項的判決無效情事。
  《民事訴訟法典》第五百七十一條第一款d項規定如法官未有就其應審理的問題表明立場,則判決無效。
  上訴人主張原審法院並沒有就認定的事實是否符合《民法典》第一千六百三十八條的問題作審理。
  然而,事實並非如此。
  這一條文規定:
第一千六百三十八條
(事實分居)
一、為着上條a項之效力,夫妻雙方不共同生活,且雙方或一方具有不再共同生活之意圖時,視為事實分居。
二、在以事實分居為理由而提起之離婚之訴中,夫妻一方或雙方有過錯者,法官應按照第一千六百四十二條之規定作出宣告。
  原審法院清楚指出,雖然根據已證事實,本個案的情況符合第一千六百三十八條a項所指的事實分居的客觀要素。然而就規定於《民法典》第一千六百三十八條第一款的主觀要素,即是夫妻雙方或任何一方沒有再重拾共同生活的意願,原審法院則認為:
  「在本案中,雖然證實原告希望結束婚姻,但原告從何時起產生了此一意願卻付之厥如。唯一可以肯定的事實是原告提起本訴訟,即2013年3月15日時,原告應該已有不再重拾夫妻共同生活的確實意願。
  換言之,自2013年3月15日開始方發生符合事實分居的主觀及客觀要素,但2013年3月15日直至本案的審訊聽證結束時,仍未經過兩年的時間,因此,亦未符合事實分居的離婚要件。」
  毫無疑問,原審法院已就事實分居中的主觀要素作出審理,並裁定該主觀要素不成立而判決起訴理由不成立,開釋被告。
  既然原審沒有遺漏審理,就判決無效爭議的上訴理由則自然不成立。
2. 事實分居
  上訴人主張早於二零零九年己與被告事實分居,因此,當其向法院提出起訴時,其與被告事實分居的時間已超逾兩年。此外,在本訴訟程序處於審判聽證階段時,其與被告事實上分居的時間更超逾四年,因此,根據《民事訴訟法典》第五百六十六條第一款的規定,上訴人與被告分居的時間確實已超逾法律要求的兩年,故符合因事實分居離婚的要件,故應廢止原審裁判,且基於原告和被告因事實分居超逾兩年,改判宣告兩人離婚的判決。
  上訴人有如此主張,似乎未有清楚閱讀一審判決的理由說明部份。
  事實上,一審判決非但沒有否定原告離家與被告分居已超逾兩年的客觀事實已成立,更直接指出「證實原告自2009年起離開家庭居所,此後亦沒有再重返家庭居所,此一事實雖然略為單薄,但也足以理解到原告與被告自此沒有再次居於同一屋簷下,亦不可能共寢及共桌,可以視原告與被告已不再共同生活,即發生了構成事實分居的客觀要素。」
  一如我們在判決無效爭議的審理中指出,一審法院之所以裁定起訴理由不成立是由於已證事實僅能顯示原告和被告兩人分居的客觀事實已超逾兩年,但未能證實原告從可時起產生了希望結束婚姻的意願,因此,即使可以肯定原告自提起訴訟的二零一三年三月十五日起至二零一三年本案的審訊聽證結束時,仍持續懷有不再重拾夫妻共同生活的確實意願,但這段時間仍少於兩年,故結論未符合《民法典》第一千六百三十八條規定的主觀要素。
  易言之,我們得理解一審判決是認為,除了夫妻兩人事實分居的必須客觀持續兩年或以上,還要求兩人中其中一方懷有不再重拾夫妻共同生活的確實意願也必須持續兩年或以上。
  對此使起訴不成立理據,上訴人沒有作出任何不同意或爭議。
  儘管如此,鑑於整體考慮上訴人的理由陳述,我們仍可牽強地視上訴人有就原審法院不認為一審已證事實能顯示出事實分居的全部要件均成立的結論提出爭議。
  那麼以下我們着手解釋《民法典》第一千六百三十八條第一款的真正意義。
  《民法典》第一千六百三十八條第一款規定:
第一千六百三十八條
(事實分居)
一、為着上條a項之效力,夫妻雙方不共同生活,且雙方或一方具有不再共同生活之意圖時,視為事實分居。
  這一條文是作為補充第一千六百三十七條a項所指的事實分居。
  前者規定主觀要素而後者則規定客觀要素。
  事實上,雖然夫妻共同居住是夫妻維持共同生活和感情的最正常的指標,但單純基於事實上分居的這樣一個客觀要素成立或不成立並不能足以顯示夫妻間沒有共同生活和關係已破裂。
  事實上,基於多種原因,夫妻可客觀上不同住一室,不同床共寢及不同桌就餐,但並不足以顯示二人婚姻破裂。
  一如Antunes Varela教授所言,若兩夫妻感情已破裂或不續存在,但兩人仍基於互相尊重或單純避免使子女不快而繼續居住在同一居所。這樣的一種情況兩人如同陌路各自生活,我們不能說兩人是有真正共同生活。此外,若兩夫妻其中一人移居他方但兩人仍維繫着深厚感情關係,即使兩人沒同住一屋,沒同床共寢和沒同桌就餐,單純的事實分開亦不應構成離婚的理由。(見CPC Anotado,第四卷,第541頁)
  因此有必要加入主觀要素以補充單純客觀分居不能顯示雙方感情已破裂的不足。
  因此,作為離婚的有效事實理由,法律要求事實分居是由於夫妻間的感情破裂而導致的分居,且該感情破裂隨後演變成導致雙方或其中一方懷有不再重拾夫妻共同生活的確實意願。
  而《民法典》第一千六百三十七條a項及一千六百三十八條第一款應按這一精神解釋之。
  回到本個案中,我們認為根據一審法院已證事實,原告與被告的分居是否基於感情破裂,確實無從得知。
  事實上,原告所主張的事實僅如下一小部份獲得證實:
- A Autora e o Réu são mulher e marido, tendo contraído casamento civil em Macau, em 5 de Outubro de 2007.
- Na constância do matrimónio nasceu a menor C, em 7 de Agosto de 2008.
- O Réu era consumidor de estupefacientes.
- Desde 2009, a Autora saiu da casa onde vivia com o Réu para onde nunca mais voltou.
- Desde então, a Autora tomou conta da filha menor e a assegurar todas as despesa da vida.
- Não se antevendo qualquer possibilidade de reatamento das relações normais da família, pretendendo, a Autora pôr fim a esta situação anómala.
  當中明顯不存在任何事實可資顯示原告與被告之間是基於雙方感情已破裂而分居,僅有的事實是原告攜同女兒離家,自此雙方分居已逾兩年和原告未能預見夫妻間可重拾共同生活的可能,因此原告擬終結這樣的一個不正常狀況。
  即使我們認為《民法典》第一千六百三十七條a項和一千六百三十八條第一款不應如一審法院般理解,被解釋為「除了客觀事實分居必須超逾兩年,雙方或其中一方懷有不再共同生活的意圖也必須持續至今已有兩年」,但本院仍認為原告未有成功主張和舉證證明其之所以分居是基於與被告的感情破裂所導致,故事實分居的各要件未有全數成立,本院唯有以此為據作出維持一審不宣告原告和被告離婚的裁決。
  
三、裁判
  綜上所述,中級法院民事及行政分庭評議會表決,基於上述的依據,裁定原告上訴理由不成立,維持原判。
  由於上訴人支付訴訟費用。
  依法作登記及通知。
RAEM, 14MAIO2015

O relator vencido
Lai Kin Hong


1 Vide a obra supracitada, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, fls. 630, e a obra supracitada, Eduardo dos Santos, fls. 47.
2 V.g. Ac. TSI, de 22/5/2014, Proc. n.º 793/2012
3 - Reforma do Código Civil, Petrony, 1981, 36 e 37

4 - Direito da Família, ed. 1987, págs. 479 e segs
5 - Direito da Família, ed. 1987, págs. 479 e segs

6 - Revista de Legislação e Jurisprudência 122º, 223
7 - Acs. do STJ de 5/07/01, CJ/STJ T.II, pág. 166; de 3/04/2003 e de 25/11/2003

8 - Ac. do S.T.J. de 5/7/01, C.J/S.T.J., ano IX, tomo II, pág. 166
9 - Ac. do STJ, Proc. n.º 05B2266 de 20/1/2005

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756/2014 28/28