Processo nº 668/2014
(Autos de recurso civil)
Data: 21/Maio/2015
Assunto: Livre apreciação da prova
Presunção da paternidade (artigo 1720º CC)
SUMÁRIO
- Não tendo os recorrentes logrado especificar quais os pontos concretos, com referência aos quesitos da base instrutória, que consideram terem sido incorrectamente julgados pelo Colectivo de primeira instância, implica a rejeição do recurso, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 599º do CPC.
- Vigora, no processo civil, o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que formou acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
- Feita a reapreciação da prova produzida, mas não se vislumbra a inobservância de regras de experiência ou lógica que imponham entendimento diverso do acolhido pelo Tribunal recorrido, isso significa que no processo de formação da livre e prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia qualquer erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto.
- Numa acção de investigação de paternidade, provado que os Autores nasceram no período em que a mãe e o pretenso pai se encontravam em união de facto, tendo este sempre cuidado dos Autores na qualidade de pai, os trazido da China para Macau e ajudado a tratar das formalidades do pedido de emissão do título de permanência provisória em Macau, preenchidos estão os pressupostos previstos nas alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 1720º do Código Civil, devendo a acção ser julgada procedente com o consequente reconhecimento dos Autores como filhos do pretenso pai.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 668/2014
(Autos de recurso civil)
Data: 21/Maio/2015
Recorrentes:
- A e outros (Réus)
Recorridos:
- B, C e D (Autores)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A e seus sete filhos, Réus da acção de processo ordinário que corre termos no Tribunal Judicial de Base da RAEM, inconformados com a sentença final que julgou procedente o pedido formulado pelos Autores B, C e D, reconhecendo E como seu pai, e também julgou improcedente a reconvenção no sentido de declarar-se que o reconhecimento da paternidade dos Autores não aproveita para efeitos patrimoniais nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 1656º do Código Civil, dela interpuseram o presente recurso ordinário, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
1. Fai ou pelo público em geral, nem sequer que fossem por ele tratados como tal, dando-lhes o carinho, apoio e assistência típicas numa relação de pai e filho. 1. Os factos elencados no douto acórdão, como factos provados, não correspondem a factos que efectivamente tenham sido provados em audiência.
2. Os Recorridos, nascidos na República da China em 25 de Agosto de 1955, 2 de Novembro de 1958 e 24 de Agosto de 1961, alegaram, mas não provaram, ser filhos de E e F.
3. Os Recorridos desconheciam se E tinha casado com F, e nem sequer provaram que E tenha coabitado com F na China.
4. Provado foi que E faleceu em Macau, em 5 de Janeiro de 2009, no estado de casado com a Ré A, com quem teve sete filhos, os Réus G, H, I, J, K, L e M.
5. Foi ainda provado que os Recorridos poderiam ter junto aos autos documentos comprovativos do nascimento, ou até mesmo do alegado casamento entre F e E, tal como D requereu, 27 anos após o seu nascimento, a certidão de nascimento que consta de fls. 188 e ss dos autos, o que voluntariamente não fizeram.
6. Provado que foi que E se estabelecera em Macau em meados da década de 60, não ficou provado que, até à década de 80 E se tenha deslocado à China para visitar os Recorridos e F. Tanto esta como N, seu marido, afirmam que E não mais os visitou.
7. As fotografias de fls. 14 dos autos não são os Recorridos, conforme por eles alegado.
8. F casou com N, levando consigo os seus filhos, para viverem juntos.
9. Em 1982 os Recorridos estabeleceram-se em Macau, tendo E lhes dado trabalho e um tecto para que pudessem obter BIR, tendo estes preenchido o nome de E na coluna reservada ao nome do pai, facto que foi abonado por testemunhas, mas não por E.
10. Os Recorridos alegaram ainda que E sempre os tratou como filhos, que antes de virem para Macau já sabiam que E tinha casado com A com quem tinha sete filhos (todos os Recorrentes), mas que raramente têm contacto, ao passo que a testemunha O mencionou que durante 10 anos viveram sempre todos juntos, o que demonstra a falta de credibilidade do seu depoimento.
11. Os Recorrentes alegaram que E se estabeleceu em Macau em 1965, e que casou com a Ré A, em Macau, em 18 de Fevereiro de 1966, sendo filhos de ambos, nascidos no âmbito deste casamento, G, nascido em 1966, H, nascido em 1967, I, nascido em 1969, J, nascido em 1971, K, nascido em 1972, L, nascido em 1974, e M, nascido em 1976.
12. Do depoimento das testemunhas F e N resultou provado que, conforme alegado pelos Recorrentes, apenas em inícios da década de 80 o falecido se deslocou pela primeira vez à República Popular da China, fazendo-se acompanhar de toda a sua família, os ora Recorrentes, ocasião em que estes conheceram os Recorridos, que na altura usavam os nomes de P, Q e R.
13. E alegaram ainda que aqueles lhes foram apresentados como filhos de um grande amigo de E, amigo que o ajudara quando teve de abandonar a República Popular da China, e que entretanto falecera deixando-os numa situação carenciada, motivo pelo qual E os queria ajudar a estabelecerem-se em Macau, retribuindo a ajuda que havia recebido do amigo.
14. E por isso, que em 1982 E deu aos Recorridos um emprego no salão de massagens de que era proprietário e alojamento num período inicial e curto na casa da família (os Recorrentes), e que só na altura do pedido de residência aqueles adoptaram os nomes B, C e D, o que foi confirmado pela testemunha N.
15. Apenas com a morte de E, e para que fossem reconhecidos como interessados directos na partilha, intentaram os Recorridos os presentes autos, com o intuito de obterem um benefício patrimonial, o que eles próprios reconhecem.
16. Realizado o saneamento dos autos, e a audiência de discussão e julgamento, foram considerados provados factos, com relevância para a decisão, que na realidade não foram objecto de qualquer prova.
17. Os Recorridos limitaram-se a relatar factos falsos, pouco precisos, não delimitados no tempo, e inclusivamente contraditórios entre si, sem fazer prova de qualquer um deles ou juntar documentos susceptíveis de a produzir.
18. Em consequência, o Ilustre Tribunal considerou procedente o pedido formulado pelos Recorridos, declarando a paternidade de E nos termos do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 1720º do CC, que estabelece a paternidade quando exista uma situação de coabitação no momento da concepção, e quando se verifique a chamada posse de estado, sendo os pretensos filhos tratados e reputados pelo pretenso pai e pelo público em geral como tal.
19. Não se pode, no entanto, considerar que foi efectuada prova para esse efeito.
20. Se no artigo 1º da sua petição os Recorridos invocam que o falecido E terá coabitado com F na China “em data anterior”, sem estabelecerem o lapso temporal em que isso tenha ocorrido e assumindo desconhecer se terão contraído matrimónio, já no artigo 13º afirmam que existiu casamento e, no artigo 25º, invocam que se terão separado antes de 1970, sem, uma vez mais, precisar a data, sendo que o falecido se encontrava a residir em Macau desde 1965.
21. Por outro lado, não dizem os Recorridos qual o local em que essa alegada coabitação ou matrimónio terá ocorrido, o período da sua duração, ou a data em que se verificou o casamento da sua mãe biológica com N.
22. Apenas F, mãe biológica dos Recorridos, e N, o seu padrasto, prestaram depoimento a este respeito.
23. O depoimento de F é um depoimento cheio de imprecisões e inexactidões, demonstrando que, na realidade, a testemunha não sabia bem do que estava a falar.
24. O depoimento de N, ao invés, foi um depoimento claro e preciso, pausado e coerente.
25. No entanto, do depoimento desta testemunha resulta que efectivamente havia, naquela altura, registo de censos na República Popular da China, e que efectivamente os Recorridos podiam ter apresentado prova documental quer dos factos relativos ao seu nascimento, quer dos factos relativos ao pretenso casamento entre F e E.
26. Nessas cadernetas de censos consta a identificação completa de todos os membros de um agregado familiar, data e local de nascimento e filiação, e que seriam, portanto, susceptíveis de fazer prova dos factos alegados.
27. Os factos alegados pelos Recorridos deveriam ser demonstrados através de prova documental, e efectivamente existem documentos que facilmente permitiriam reconstituir com precisão as origens dos Recorridos que estes voluntariamente ocultaram.
28. Por outro, na República Popular da China existe também um registo de nascimentos, do qual poderia, como pode, ser extraída certidão, tal como o fez D, o que foi também confirmado pela testemunha N.
29. E não juntam os Recorridos estes documentos porque não existem registos nos nomes que ora utilizam.
30. Esta testemunha confirmou também que os Recorridos usavam, até à data em que se estabeleceram em Macau, os nomes de P, Q e R, conforme havia sido alegado pelos Recorrentes.
31. Relativamente ao documento que a Recorrida D juntou aos autos, a que chama certidão de nascimento, trata-se de uma mera declaração efectuada por um notário, datada de 1988, emitida 27 anos após o nascimento que certifica, momento em que já se tinham os Recorridos estabelecido em Macau e adoptado novos nomes.
32. E o facto de o documento ter sido reconhecido pela Companhia de Serviços Jurídicos da China, Ministro da Justiça da China na RAEM, não prova a exactidão ou veracidade das informações dele constantes, mas tão somente que foi aquele documento emitido pelo Cartório Notarial identificado.
33. Por outro lado, ainda que as informações constantes daquele documento fossem verdadeiras, o documento não tem, ainda assim, a capacidade probatória que os Recorridos lhe pretendem atribuir.
34. Nos termos do disposto no artigo 1652º do CC, a prova da filiação, facto sujeito a registo, faz-se de acordo com as regras do Código de Registo Civil (CRC), que estabelece, no artigo 157º que estes factos sujeitos a registo, provam-se por meio de certidão de registo, boletim ou bilhete de identidade, e ainda que a certidão junta por D servisse o propósito de prova da filiação da sua filiação, o que não se reconhece, tal não provaria que E era também pai biológico dos restantes Recorridos.
35. De todo o modo, sendo possível a prova da filiação por documentos, conforme prescrito pela lei de Macau, os Recorridos voluntariamente não juntaram esses documentos aos autos.
36. E o processo de obtenção de BIR dos Recorridos também não faz essa prova porquanto, no que diz respeito às declarações prestadas pelos Recorridos aquando do seu pedido, em momento algum foi produzida prova de que E estivesse presente no momento em que eles preencheram os respectivos requerimentos, inserindo o nome daquele no campo reservado ao pai.
37. O que consta daqueles documentos é que E não os assinou, tendo sido as informações declaradas abonadas por testemunhas, não sendo nenhuma dessas testemunhas E. E nenhuma das testemunhas apresentadas em audiência fez prova do contrário, não tendo sido sequer inquiridas a este respeito.
38. No entanto, sempre se esclarece que qualquer declaração ou informação por eles prestada nesse requerimento trata-se apenas disso mesmo: uma declaração efectuada pelo interessado sem valor probatório algum.
39. Certo é que apenas aquando da morte de E, e por motivos meramente patrimoniais, vieram os Autores invocar esta suposta, mas conveniente, relação de paternidade.
40. A testemunha N relatou ao tribunal conhecer F, mãe dos Recorridos, desde 1963, tendo com ela casado em 1967.
41. Mais disse que nessa altura E já não vivia na aldeia, e que F lhe disse que os seus três filhos eram filhos de E, que E levava F na sua bicicleta e que as pessoas diziam que eles eram um casal.
42. Mais referiu que só em 1980 E os procurou, estando acompanhado por A, quando um dos Recorridos teve um acidente de viação, e que nessa altura E pagou a conta do hospital.
43. Esclareceu ainda que só D tem uma certidão de nascimento porque só ela a foi pedir, e que ele foi com ela tratar disso.
44. Referiu ainda que sempre tratou os Recorridos como filhos, e que até 1980 não teve conhecimento que E os procurasse.
45. Mais disse que depois de os Recorridos se terem estabelecido em Macau iam visita-lo e a F à China, mas nunca acompanhados de E.
46. Esta testemunha, que prestou o seu depoimento com clareza, e sem hesitações ou contradições.
47. Do depoimento desta testemunha resultou provado também que os três Recorridos usavam o apelido Sou até ao momento em que se estabeleceram em Macau, e que só por essa ocasião adoptaram o apelido Chan, e ainda que os Recorridos sempre souberam que tinham outro pai.
48. O depoimento desta testemunha foi claro, preciso e credível, por contraposição ao depoimento prestado por F, mãe dos Recorridos, que embora tenha afirmado ter casado com E, de quem teve três filhos, os Recorridos, revelou ter pouca memória relativamente aos factos, não conseguindo sequer dizer em que anos os filhos tinham nascido, perguntando, cada vez que indicava uma data, se estava correcto, indiciando não ter memória, mas que apenas tentava acertar, e repetindo insistentemente que não se recordava, demonstrando claramente que a testemunha sabia exactamente o que tinha de dizer em Tribunal, mas que pouca memória tinha relativamente a tudo o resto.
49. F também relatou que E não mais voltou à China para os visitar, e negou que os Recorridos tivessem adoptado o apelido Sou, conforme havia sido detalhadamente explicado pela testemunha N.
50. Com todo o respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, ponderados os depoimentos das duas testemunhas, o depoimento prestado por F não oferece qualquer credibilidade, revelando pouca clareza, várias contradições, e uma selecção muito específica da informação que a testemunha se recorda, por contraposição a informações básicas de que já não tem memória.
51. Sendo F e N as únicas testemunhas apresentadas com conhecimento directo dos factos contemporâneos ao nascimento dos Recorridos, não pode operar a presunção da paternidade com base na coabitação, conforme prescrito pela alínea XX, do n.º 2 do artigo XX do CC.
52. As restantes testemunhas prestaram depoimento somente acerca da eventual situação de posse de estado, e da circunstância de os Recorridos serem reputados ou tratados pelo falecido E como filhos.
53. A testemunha dos Recorridos O, referiu, em síntese, ser vizinha dos Recorridos e de E desde 1983, e que na altura o E lhe terá referido que ainda tinha três filhos na China, e que depois foram todos ao canídromo, por altura da amnistia, para tratar da documentação.
54. Também este depoimento não reveste de qualquer credibilidade.
55. De acordo com os documentos juntos aos autos, a fls. 395, os Recorridos já residiam em Macau e tinham BIR em 1982 e inícios de 1983, pelo que se a testemunha foi deles vizinha desde o ano de 1983, não será verdade que E lhe tenha dito que ainda tinha três filhos na China.
56. Da mesma forma, a amnistia em Macau, a chamada operação do dragão, aconteceu nos anos de 1989, para os estudantes que se encontravam ilegalmente em Macau, e em 1990, para os restantes residentes ilegais.
57. Conforme resulta dos documentos juntos aos autos, quando se deu a amnistia os Recorridos já eram portadores de BIR há largos anos.
58. Por outro lado, a testemunha referiu que ouviu dizer que E ia com os Recorridos à China, mas conforme resultou do depoimento prestado por outras testemunhas E apenas se deslocou à China com os Recorrentes, na década de 80, em momento anterior ao estabelecimento da residência dos Recorridos em Macau.
59. Acresce que, se por um lado a testemunha tentou demonstrar que frequentava a casa da família e que tinha conhecimentos acerca da família, sabendo que E tinha três filhos na China, quando é que trataram da documentação e onde, e que tratavam E por pai, por outro, não sabia como é que os Recorridos tratavam a Recorrente A.
60. E se a testemunha sabia perfeitamente em que ano tinha passado a ser vizinha dos Recorridos, já não conseguiu esclarecer ao tribunal em que ano deixou de o ser.
61. Não merece qualquer credibilidade o depoimento desta testemunha, cheio de incongruências e contradições.
62. Por outro lado, limita-se esta testemunha a referir que os Recorridos alegadamente tratavam o E por pai, com quem residiam, sendo estes factos insuficientes para se considerar provada qualquer situação de posse de estado.
63. Da mesma forma, o depoimento prestado por S, testemunha dos Recorridos, é igualmente marcado por incongruências e imprecisões.
64. Esta testemunha, amiga de Bu, relatou ter trabalhado na década de 80 com E e Bu, que foi apresentada por E como sendo sua filha, contou que foi E que tratou das formalidades para que os Recorridos viessem para Macau por ocasião da operação do dragão, e que para isso gastou muito dinheiro.
65. Uma vez mais, ao mesmo tempo que a testemunha remete para a operação dragão como sendo a data em que os Recorridos vieram para Macau, o que, conforme resulta dos documentos juntos aos autos, ocorreu no final da década de 80 e não no seu início, momento em que a testemunha terá tido contacto com a família, por com eles trabalhar, por outro lado, invoca ter conhecimento acerca de detalhes privados da vida de E, como o facto de ter gasto muito dinheiro para tratar dos documentos e formalidades dos Recorridos, mas desconhece outros, muito mais banais, e que mais facilmente seriam de conhecimento público, como o número de filhos que E tinha.
66. Por outro lado, ao longo de seu depoimento a testemunha foi alterando as respostas que dava. Primeiro referiu que não sabia se E era casado, para depois referir que conhecia A, quer fora apresentada como esposa de E, depois, referiu que não sabia, à data, quantos filhos tinha E com A, para mais tarde referir que até brincava com ele por ter tantos filhos.
67. Também este depoimento não merece qualquer credibilidade, por não se conseguir perceber que respostas é que são efectivamente verdade, e quais as respostas que correspondem apenas àquilo que lhe foi dito para dizer, não valendo para efeitos de se provar a posse de estado.
68. Com todo o devido respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, ao depoimento destas testemunhas foi atribuído um valor probatório que não lhe pode ser atribuído, quer em virtude das suas contradições e imprecisões, quer em resultado dos documentos que se encontram juntos aos autos, ao mesmo tempo que foi desvalorizado o depoimento das testemunhas arroladas pelos Recorrentes, e que determinariam a improcedência do pedido formulado pelos Recorridos.
69. T, testemunha arrolada pelos Recorrente, é cunhada da Recorrente A, e, muito embora não tenham uma relação muito próxima, conhece a Recorrente e a sua família, e relatou a esta tribunal nunca ter ouvido falar dos Recorridos.
70. Esta testemunha, que prestou o seu depoimento com imparcialidade e isenção, demonstrou que os Recorridos não eram tratados como filhos por E, nem sequer assim reputados pelo público em geral, e nem sequer pelos familiares mais afastados dos Recorrentes.
71. Da mesma forma, a testemunha U, revelou igualmente ter um conhecimento superficial da situação familiar de E, mas sem qualquer dúvida ou hesitação esclareceu ao Tribunal que a filha mais velha de E tinha, em finais da década de 90 cerca de 20 anos (pelo que não poderia ser nenhum dos Recorridos), e que nunca ouviu falar dos Recorridos.
72. Também a testemunha V, referiu não conhecer os Recorridos e identificou os Recorrentes G e L como sendo os filhos mais velhos, de entre os sete filhos de E.
73. Embora o depoimento desta testemunha apresente algumas imprecisões, a testemunha prestou o seu depoimento de forma coerente, correspondendo o seu depoimento ao conhecimento que os amigos de E, e o público em geral, tinham em relação à sua vida familiar, e por todos eles era ignorado o facto de E ter mais filhos, além daqueles que teve com a Recorrente A.
74. A última testemunha arrolada pelos Recorrentes, W, é marido da Recorrente I, com quem casou em 2003, e, embora conheça todos os Recorrentes, irmãos e mãe da sua esposa, não conhece os Recorridos, nem nunca eles foram, desde o ano de 2000, tratados por E como filhos.
75. Nos termos do disposto no artigo n.º 1650º do CC, os poderes e deveres emergentes da filiação ou do parentesco apenas são atendíveis quando esta se encontre legalmente estabelecida, tendo o seu estabelecimento efeitos retroactivos.
76. A filiação, no que diz respeito à paternidade, foi nestes autos estabelecida através de decisão judicial em acção de investigação.
77. Não tendo os Recorridos junto aos autos os documentos legais que provariam a relação de paternidade que invocam, nem sequer o documento que provaria o casamento entre a mãe deles e E, não opera a presunção de paternidade do filho nascido ou concebido na pendência do matrimónio tem como pai o marido da mãe, conforme disposto pelo n.º 1 do artigo 1685º do CC.
78. Apenas as testemunhas F e N se referem a este eventual casamento, não sendo o depoimento de F credível, e tratando-se o depoimento de N de um mero depoimento indirecto.
79. A prova da filiação, assim como do casamento, poderia ter sido feita por documentos, que os Recorridos propositadamente ocultaram deste tribunal.
80. Não sendo apresentada a prova da paternidade biológica, também não operam as presunções estabelecidas pelo n.º 2 do artigo 1701º do CC.
81. E não opera a presunção de paternidade para os casos em que a maternidade se encontre estabelecida e o pretenso filho houver sido tratado ou reputado como tal pelo pretenso pai e pelo público, porque na realidade, e apesar da maternidade poder estar estabelecida, não pode considerar-se provado, salvo o devido respeito por melhor entendimento, que E tratasse os Recorridos como filhos.
82. Facto é que nunca ninguém teve conhecimento desta invocada relação de paternidade, senão após a morte do pretenso pai, o que demonstra que aquele tratamento não existia.
83. Também não lograram os Autores provar a união de facto ou o concubinato durante o período da sua concepção, por forma a fazer operar a presunção estabelecida na alínea c) do n.º 2 do artigo 1720º do CC.
84. Pelo que não poderá operar nenhuma das presunções de paternidade legalmente previstas para fazer operar o reconhecimento judicial da paternidade, devendo ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a decisão recorrida, considerando-se improcedente o pedido formulado pelos Recorridos.
85. De tudo quanto supra ficou exposto, não pode considerar-se provado o casamento entre F e E, nem sequer que os Recorridos tenham sido concebidos no âmbito de uma relação entre eles.
86. Não pode ser declarada uma relação de paternidade com base em meros depoimentos indirectos, pouco claros ou depoimentos contraditórios.
87. Da mesma forma, também não opera a presunção estabelecida na alínea a) do n.º 2 do artigo 1720º do CC, por não ter resultado provada uma situação de posse de estado, em que a paternidade se presume quando o filho tenha sido reputado ou tratado como tal pelo pretenso pai.
88. De acordo com jurisprudência pacífica, para opere a presunção estabelecida na alínea a) do n.º 2 do artigo 1720º do CC, é necessário provar, cumulativamente a reputação como filho pelo pretenso pai, o tratamento como filho pelo pretenso pai, e a reputação como filho pelo público.
89. Citando Alberto dos Reis “in” A posse de estado na investigação da paternidade, aquele acórdão esclarece ainda que “(…) a reputação como filho por parte do pretenso pai consiste na convicção intima que o pai tem que determinada pessoa é seu filho. O tratamento como filho por parte do pretenso pai consiste em dispensar à pessoa de que se trata os cuidados, amparo, protecção e carinho que os pais costumam dispensar aos filhos. A reputação pelo público consiste em se manifestar a sua convicção de que o investigante é filho da pessoa cuja paternidade investiga”.
90. Não ficou provado nestes autos que E tratasse os Recorridos como filhos, que lhes dispensasse cuidados, amparo, protecção ou carinho, nem tão pouco, que os reputasse como seus filhos, e nem sequer que fossem como tal reputados pelo público, entendendo-se como público, as pessoas do círculo de convivência.
91. Nenhum dos amigos do falecido, e nem sequer o seu genro, conheciam ou reputavam os Recorridos como filhos de E, ou que E os reconhecesse como tal. E o depoimento de O ou S também não o provam.
92. Acresce que, face a todas as imprecisões e contradições constantes dos articulados dos Recorridos, a falta de junção de documentos aos autos que poderiam esclarecer toda a verdade, o facto de os Recorridos intentarem a presente acção apenas na sequência da morte de E, e para, com ela, obter benefícios patrimoniais, pelo facto de os factos alegados pelos Recorrentes terem sido maioritariamente demonstrados em audiência, e ainda na sequência de todas as contradições entre os depoimentos das testemunhas ouvidas, há que considerar que existem sérias dúvidas sobre a paternidade do investigado, o que, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 1720º do CC faz elidir a presunção de paternidade, invertendo o ónus da prova, fazendo recair sobre os Recorridos o ónus de a provar, o que não lograram fazer.
93. E ainda que se pudesse considerar que as testemunhas apresentadas em audiência haviam provado que E tratasse os Recorridos como filhos, que os reputasse como seus filhos, ou que fossem como tal reputados pelo público, nenhuma prova foi apresentada de que E lhes dispensasse cuidados, amparo, protecção ou carinho.
94. Dos depoimentos prestados e documentos juntos aos autos, o que ficou provado foi que:
a. Os Autores B, C e D, são titulares, respectivamente, dos BIRPM n.º XXX, n.º XXX e n.º XXX.
b. E, nascido em Kong Mun, na RPC, faleceu no dia 5 de Janeiro de 2009, em Macau, sem deixar testamento.
c. E contraiu casamento, no dia 18.02.1966, em Macau, com a ora Ré A, e desse casamento tiveram sete filhos, os ora 2º a 8º RR.
d. No “Cartório Notarial de província de GuangDong – cidade de GuangZhou da RPC” foi emitida uma certidão de nascimento com o número de registo XXX, da série Soi Cheng (88), datada de 5 de Dezembro de 1988, nela se declarando que D, de sexo feminino, nascida a 24 de Agosto de 1961 na cidade de GuangZhou, filha de E (pai biológico), N (padrasto) e de F(mãe).
e. A Companhia de Serviços Jurídicos da China, Ministro de Justiça da China na RAEM, após verificação, confirmou que o documento aludido em D) foi emitido pelo Cartório Notarial da Província de GuangDong.
f. Em 1982 muitos residentes da China entraram no território a fim de obter bilhete de identidade de Macau.
g. E utilizou ajudou os três Autores a obter o título de permanência provisória em Macau, a fim de poderem requerer, posteriormente, o bilhete de identidade temporário.
h. Em 2 de Dezembro de 1982 e de Agosto de 1984 os três Autores obtiveram o primeiro bilhete de identidade de residente de Macau.
i. D apresentou no Tribunal Judicial de Base uma acção de inventário facultativo, à qual foi atribuído o n.º CV2-09-0002-CIV, do 2º Juízo Cível do TJB”.
j. Os Autores, B, C e D, nasceram na China, respectivamente, em 25 de Agosto de 1955, 2 de Novembro de 1958 e 24 de Agosto de 1961.
k. O falecido E refugiou-se em Macau.
l. F e os três filhos permaneceram na China.
m. E, depois de vários anos a residir em Macau, apenas na década de 80 voltou à China, acompanhado de A.
n. Nessa ocasião A conheceu os Autores, que na altura se identificavam por Pu, Q e R.
o. Nomes que utilizaram até ao momento em que se estabeleceram em Macau e pediram a emissão de BIR.
p. A certidão relativa ao nascimento de D foi elaborada a requerimento da própria.
q. F contraiu casamento com N em 1963, levando consigo os três filhos, ora Autores.
r. Depois de 1980 E ajudou os Autores a virem para Macau e requererem a residência.
s. Quando requereram o primeiro bilhete de identidade de residentes de Macau, os Autores preencheram, no respectivo formulário o nome de E na coluna que diz respeito ao nome do pai.
t. As pessoas constantes das fotografias de fls. 14 dos autos não são os Autores.
95. Desta factualidade não é possível concluir-se pela verificação da presunção de paternidade constante do artigo 1720º do CC.
96. Em momento algum foi efectuada prova de que E estivesse presente no momento em que os Autores pediram a emissão do BIR, fazendo constar o nome de E na coluna reservada ao nome do pai. O que resulta dos documentos de fls. 430 e seguintes, é que as informações fornecidas pelos Recorridos aquando do pedido de emissão do BIR foram abonadas por testemunhas, não sendo nenhuma delas E.
97. Nem sequer foi feita prova que E os tratasse como filhos, os acarinhasse e protegesse, tendo com eles a relação típica entre pai e filhos.
98. Não eram os Recorridos e E reputados e tratados entra eles como pais e filhos, nem de que eram reputados como tal nas relações sociais, em especial, no seio das respectivas famílias, circunstâncias imprescindíveis para que existisse uma situação de posse de estado conforme prescrito pelo n.º 3 do artigo 1656º do CC.
99. Os próprios Recorridos reconhecem nos seus articulados que não eram tratados pelos Recorrentes como irmãos, e nenhuma prova foi produzida nesse sentido.
100. E a testemunha W, marido de uma das Recorrentes, foi claro ao afirmar que, na família da sua esposa, só conhece mais 6 irmãos e que nenhuma outra pessoa era tratada, por eles, por A ou por E, como filho de E.
101. Entre a década de 60 e a década de 80 decorreram cerca de 20 anos, sem que E tratasse os Recorridos como filhos, os procurasse ou visitasse.
102. Os próprios Recorridos invocam, nos seus articulados, que apenas intentaram os presentes autos de investigação e reconhecimento da paternidade em virtude de a sua ilegitimidade, por não serem filhos de E, ter sido suscitada no âmbito dos autos de inventário que, sob o n.º CV2-09-0002-CIV correm termos pelo 2º Juízo Cível desse Tribunal, por morte daquele.
103. A necessidade dos presentes autos prende-se tão somente com o facto de pretenderem os Recorridos obter sentença que os reconheça como filhos de E, e, consequentemente, herdeiros legítimos para efeitos daqueles autos de inventário.
104. Demonstrando que o interesse decorrente dos presentes autos é meramente patrimonial.
105. Na petição inicial em causa os Recorridos alegam saber desde sempre serem filhos de E, o que foi corroborado por N.
106. Ora, nos termos do disposto no artigo n.º 1 do 1656º do CC, o estabelecimento da filiação em acção de investigação da paternidade intentada decorridos que se encontrem mais de 15 anos após o conhecimento dos factos dos quais se poderia concluir a relação de filiação, e em que o objectivo principal seja a obtenção de benefícios patrimoniais, é ineficaz no que aproveite patrimonialmente aos Autores para efeitos sucessórios.
107. Tendo os Recorridos conhecimento desta falsa paternidade há mais de 15 anos, e sendo a presente acção intentada com único objectivo de verem reconhecida sua qualidade de filhos, e, consequentemente, de herdeiros em acção de inventário para partilha de bens do pretenso pai, a ser esta paternidade reconhecida, desde já se requer que da respectiva sentença resulte a ineficácia desta decisão para efeitos de processo de inventário e de obtenção de benefícios patrimoniais.
108. Estando preenchidos os pressupostos estabelecidos pelo artigo 1656º do CC, ainda que se mantenha a decisão recorrida no que diz respeito à declaração de paternidade, sempre terá de se declarar que sejam os Recorridos impedidos de fazer uso desta sentença para obtenção de benefícios patrimoniais em sede de processo de inventário.
109. E não se verifica nenhuma das circunstâncias previstas pelo n.º 2 do artigo 1656º do CC, que obstariam ao decurso do prazo de 15 anos, uma vez que não resultou provada nenhuma situação de posse de estado.
110. Existindo dúvidas sérias acerca da invocada paternidade, é a presunção ilidida, cabendo aos Recorridos fazer prova da paternidade.
111. Não se pode declarar a paternidade com base na presunção prevista na alínea C) do n.º 2 do artigo 1720º do CC porque não foi feita prova do casamento ou coabitação entre F e E no período de concepção dos Recorridos.
112. Também não opera a presunção da alínea a) do n.º 2 do artigo 1720º do CC porque não foi feita prova da posse de estado, que os Recorridos fossem reputados como filhos por Chan
113. De todo o modo, a paternidade eventualmente declarada nunca poderia ter, para os Recorridos, benefícios patrimoniais, ao abrigo do disposto no artigo 1656º do CC, porquanto a mesma já era do conhecimento dos Recorridos há mais de 15 anos, sem que fosse por eles invocada, o que fazem agora, com o único propósito de obter benefícios patrimoniais decorrentes da partilha de bens deixados por E.
Concluem, pedindo que se conceda provimento ao recurso, alterando-se a decisão recorrida, declarando-se improcedente o pedido formulado pelos recorridos e procedente o pedido reconvencional deduzido pelos recorrentes, declarando-se que essa eventual paternidade de E relativamente aos três recorridos nunca poderia ter efeitos patrimoniais.
*
Devidamente notificados, os recorridos apresentaram resposta, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
1. 上訴人提出上訴狀,旨在不服合議庭法官 閣下於2014年5月7日作出的裁決,即被上訴判決。
2. 然而,有關上訴狀沒有提出新增的內容,以及僅附上一份書證,而該書證未能證明及支持上訴請求。
3. 上訴狀所提出的上訴理由,主要圍繞被上訴裁決錯誤認定事實方面,即質疑法官 閣下作出的被上訴裁決時所採用的『法院自由心證原則』。
4. 雖然,上訴狀載入了庭審中幾名證人的錄音證言之內容,但上訴狀卻沒有具體指出那些錄音證言出現問題,且需要作出重新評價的措施,而上訴人也沒有作出有關請求。
5. 亦基於這原因,上訴狀未能引用《民事訴訟法典》第613條第6款規定,上訴期仍然僅是三十天。
6. 本案中,上訴人最遲應於2014年7月7日連同罰款的請求遞交上訴狀,但最終上訴狀於2014年7月15日遞交(按上訴人所指已於2014年7月14日作出傳真)。
7. 所以,本上訴是『逾期』提交上訴書狀,應予駁回上訴。
8. 即使不評論這一點,上訴狀提出的兩個上訴請求也是不能成立的。
9. 因為,從已獲證明之事實中,三名被上訴人的情節及要件符合《民法典》第1720條規定的實質內容。
10. 所以,應駁回上訴第一個請求,並維持第一審判決。
11. 另外,
12. 從已證明的事實裏,引伸本確認父親身份之訴乃因上訴人在繼承案對於被上訴人的繼承身份提出異議而出現。
13. 在三名被上訴人的實質及文件上,均具備了死者E的親生子女的身份。
14. 所以,本案情節不存在《民法典》第1656條規定的法律效果。
15. 因此,被上訴人認為上級法院應裁定上訴人支付二審的職業代理費及整個訴訟的司法稅。
16. 同時,裁定上訴請求不能成立,維持第一審之判決。
17. 關於涉案上訴書狀載有『無理指控部份』(見答覆第31至第36點),請求上級法院依法作出公正處理。
Concluem, pugnando pela negação de provimento ao recurso e confirmação da sentença recorrida na íntegra.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
Realizada a audiência e discussão de julgamento, a sentença deu por assente a seguinte factualidade:
Os AA. B, C e D, são titulares, respectivamente, dos BIRPM n.º XXX, n.º XXX e n.º XXX.
E, nascido em Kong Mun, na RPC, faleceu no dia 5 de Janeiro de 2009, em Macau, sem deixar testamento.
E contraiu casamento, no dia 18.02.1966, em Macau, com a ora Ré A, e desse casamento tiveram sete filhos, os ora 2º a 8º RR.
No “Cartório Notarial da província de GuangDong – cidade de GuangZhou da RPC”, foi emitida uma certidão de nascimento com o número de registo XXX da série Soi Cheng (88), datada de 5 de Dezembro de 1988, nela se declarando que D, de sexo feminino, nascida a 24 de Agosto de 1961 na cidade de GuangZhou, filha de E (pai biológico), N (padrasto) e de F (mãe).
A Companhia de Serviços Jurídicos da China, Ministro de Justiça da China na RAEM, após verificação, confirmou que o documento aludido em d) foi emitido pelo Cartório Notarial da Província de GuangDong.
Em 1982, houve amnistia em Macau, altura em que muitos residentes da China entraram no território a fim de obter o bilhete de identidade de Macau.
E utilizou a reputação da sua Clínica XX Chong Kok como “garantia”, pelo que os três AA conseguiram obter o título de permanência provisória em Macau, a fim de poderem requerer, posteriormente, o bilhete de identidade temporário.
Em 6 de Agosto de 1984 os três AA obtiveram o primeiro bilhete de identidade de residente de Macau.
D apresentou no Tribunal Judicial de Base uma acção de inventário facultativo à qual foi atribuído o nº CV2-09-0002-CIV, do 2º Juízo Cível do TJB.
O falecido E coabitou com F, na China Continental, como se de marido e mulher se tratassem, antes de 1963.
Dessa união nasceram 3 filhos, os ora AA.
Os AA, B, C e D, nasceram na China, respectivamente, em 25 de Agosto de 1955, 2 de Novembro de 1958 e 24 de Agosto de 1961.
E enquanto vivo, sempre cuidou dos AA. na qualidade de pai.
Em 1963, E cumpria pena de reeducação na China Continental de onde fugiu refugiando-se em Macau.
F e os três filhos permaneceram na China.
E, depois de vários anos a residir em Macau, voltou à terra natal para visitar os três filhos, ora AA.
E e F separaram-se antes de 1963 vindo esta depois a contrair casamento com N, levando consigo os três filhos, ora AA.
Até aos anos 1980, E regressava à terra natal, a fim de visitar os seus filhos, ora AA.
Depois de 1982, E trouxe os AA. para Macau.
Quando requereram o primeiro bilhete de identidade de residentes de Macau, os AA., com a presença do falecido E, preencheram no respectivo formulário o nome de E na coluna que diz respeito ao nome do pai.
*
Da junção de documentos com as alegações de recurso jurisdicional
Pediram os recorrentes a junção de alguns documentos com as alegações de recurso.
Salvo o devido respeito, temos que indeferir a junção dos mesmos.
Consagra-se no artigo 616º, nº 1 do Código de Processo Civil que “as partes podem juntar documentos às alegações nos casos a que se refere o artigo 451º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”
Ao passo que nos termos do artigo 451º, estatui-se que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”, e “os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior”.
Com base naquelas disposições legais, é forçoso concluir que as partes só podem juntar com as alegações de recurso os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, os documentos destinados a provar factos supervenientes ou os documentos cuja junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
Observa Antunes Varela1:
“A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos de impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido na 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou a dedução da defesa), quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
(…)
A decisão da 1ª instância pode, por isso, criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do n.º 1 do artigo 706º do Código de Processo Civil”.
Em boa verdade, os tais documentos deveriam ser juntos pelos recorrentes na primeira instância, para prova ou contraprova dos factos alegados. No entanto, não o tendo feito nessa ocasião nem o pedido de junção se enquadra em alguma das situações acima elencadas, não resta outra alternativa senão ordenar-se o seu desentranhamento e a sua restituição aos recorrentes.
*
Da impugnação da matéria de facto
Os Réus ora recorrentes começam por impugnar a decisão proferida pelo Colectivo de primeira instância sobre a matéria de facto provada, com fundamento na existência de erro na apreciação das provas, alegando, em síntese, que os Autores ora recorridos limitaram-se a relatar factos falsos, sem fazer prova de qualquer um deles ou juntar documentos susceptíveis de a produzir, referindo ainda que os depoimentos da maior parte das testemunhas arroladas pelos recorridos não mereceram credibilidade, ao passo que as suas testemunhas é que prestaram os depoimentos com imparcialidade e isenção.
De acordo com a alínea a) do nº 1 do artigo 599º, cabem aos recorrentes especificar, sob pena de rejeição do recurso, quais os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorrectamente julgados.
Conforme referiu Lopes de Rego, “a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância manifestando genérica discordância com o decidido.”2
No presente caso, podemos verificar que os recorrentes não lograram indicar quais os pontos concretos, com referência aos quesitos da base instrutória, que consideram terem sido incorrectamente julgados pelo Colectivo de primeira instância.
Daí que implica, a nosso ver, a rejeição do recurso na parte relativa à impugnação da matéria de facto, por inobservância do disposto no artigo 599º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
Mas mesmo que se admitisse que os recorrentes pretenderiam impugnar toda a matéria quesitada, o recurso também não pode deixar de improceder nesta parte.
Vejamos.
Vigora, no processo civil, o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 558º do Código de Processo Civil, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que formou acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
Como se referiu no Acórdão deste TSI, de 20.9.2012 (Processo 551/2012), “este princípio da livre apreciação da prova não surge na lei processual como um dogma que confere total liberdade ao julgador, uma vez que o tribunal não pode alhear-se de critérios específicos que o obrigam a caminhar em direcção determinada, de que é exemplo a inversão do ónus de prova em certos casos, a prova legal por confissão, por documentos autênticos, por presunção legal, etc. Todos sabemos isso muito bem.
Mas, por outro lado, nem mesmo as amarras processuais concernentes à prova são constritoras de um campo de acção que é característico de todo o acto de julgar o comportamento alheio: a livre convicção. A convicção do julgador é o farol de uma luz que vem de dentro, do íntimo do homem que aprecia as acções e omissões do outro. Nesse sentido, princípios como os da imediação, da aquisição processual (artº 436º do CPC), do ónus da prova (artº 335º do CC), da dúvida sobre a realidade de um facto (artº 437º do CPC), da plenitude da assistência dos juízes (artº 557º do CPC), da livre apreciação das provas (artº 558º do CPC), conferem lógica e legitimação à convicção. Isto é, se a prova só é “livre” até certo ponto, a partir do momento em que o julgador respeita esse espaço de liberdade sem ultrapassar os limites processuais imanentes, a sindicância ao seu trabalho no tocante à matéria de facto só nos casos restritos no âmbito dos arts. 599º e 629º do CPC pode ser levada a cabo.”
Mais se especificou naquele mesmo aresto que “…se o colectivo da 1ª instância, fez a análise de todos os dados e se, perante eventual dúvida, de que aliás se fez eco na explanação dos fundamentos da convicção (fls. xxx), atingiu um determinado resultado, só perante uma evidência é que o tribunal superior poderia fazer inflectir o sentido da prova. E mesmo assim, em presença dos requisitos de ordem adjectiva plasmados no art. 599º, nºs 1 e 2 do CPC.”
No caso vertente, os recorrentes vêm questionar da decisão sobre a matéria de facto dada pelo Colectivo de primeira instância, invocando ter havido erro na apreciação das provas ao dar como provados os factos, na medida em que os Autores ora recorridos não lograram fazer prova daqueles factos por que não juntaram documentos necessários e que os depoimentos das testemunhas arroladas pelos recorridos não revestiram de qualquer credibilidade.
Dizem os recorrentes que não há prova de que E é pai dos recorridos, nem que estes foram tratados e reputados como filhos por aquele perante o público.
E segundo aquilo que foi alegado nas suas alegações, é fácil concluir que os recorrentes pretendem pura e simplesmente atacar a livre convicção do Colectivo de primeira instância.
Ora bem, não há margem para dúvidas que a decisão proferida pelo Colectivo de primeira instância sobre a matéria de facto controvertida fundamentou-se com base em documentos, e essencialmente, depoimentos testemunhais.
E atendendo ao facto de inexistir qualquer disposição expressa da lei que exija para determinados factos certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de qualquer meio de prova, é admissível qualquer meio de prova e cuja valoração encontra-se submetida ao princípio da livre apreciação do juiz.
Reapreciada por este nosso Tribunal a prova produzida, nomeadamente atendendo à documentação das declarações prestadas pelas diversas testemunhas na audiência de julgamento e à prova documental junta aos autos, não somos capazes de dar razão aos recorrentes, dado que os elementos de prova consagrados nos autos nos permitem chegar à mesma conclusão a que o Tribunal a quo chegou.
De facto, provados estão os seguintes factos da base instrutória:
- O falecido E coabitou com F, na China Continental, como se de marido e mulher se tratassem, antes de 1963.
- Dessa reunião nasceram 3 filhos, os ora AA.
- Os AA, B, C e D, nasceram na China, respectivamente, em 25 de Agosto de 1955, 2 de Novembro de 1958 e 24 de Agosto de 1961.
- E enquanto vivo, sempre cuidou dos AA. na qualidade de pai.
- Em 1963, E cumpria pena de reeducação na China Continental de onde fugiu refugiando-se em Macau.
- F e os três filhos permaneceram na China.
- E, depois de vários anos a residir em Macau, voltou à terra natal para visitar os três filhos, ora AA.
- E e F separaram-se antes de 1963 vindo esta depois a contrair casamento com N, levando consigo os três filhos, ora AA.
- Até aos anos 1980, E regressava à terra natal, a fim de visitar os seus filhos, ora AA.
- Depois de 1982, E trouxe os AA. para Macau.
- Quando requereram o primeiro bilhete de identidade de residentes de Macau, os AA., com a presença do falecido E, preencheram no respectivo formulário o nome de E na coluna que diz respeito ao nome do pai.
Começamos por dizer que, não havendo norma expressa que exija certa espécie de prova, nomeadamente documental, para determinados factos, não se vislumbra qual o fundamento em que se basearam os recorrentes ao afirmar que os factos alegados deveriam ser demonstrados através de prova documental.
Aliás, não lograram os recorrentes a prova de que os recorridos, mesmo havendo possibilidade de obter determinados documentos ou estando de posse dos mesmos, intencionalmente não juntaram aos autos.
Já em relação aos depoimentos das testemunhas, temos elementos seguros que nos permitem sustentar a tese seguida pelo Tribunal a quo, senão vejamos.
No que se refere à relação entre E e os recorridos, a testemunha N afirmou que, na sua perspectiva, aquele é que era pai dos recorridos, por que antes de ele se casar com a sua mulher F, ora mãe dos Autores, já sabia que ela namorava e vivia com E (segundo consta dos seus depoimentos: “diziam que eles eram um casal”, “as pessoas diziam que eles os dois eram marido e mulher”, “eu via (E e F) com frequência na bicicleta, quer dizer, assim para ir até ao mercado, nos termos de ir na mesma rua, portanto via com frequência”, “mas eles (os recorridos) apenas quanto a E, eu ouvi a tratar E por pai”, “e ele é efectivamente o pai”.
No respeitante à questão de saber se E, depois de se refugiar em Macau, teria ainda mantido contactos e cuidado dos filhos, ora recorridos, entendemos que a testemunha não tem conhecimento dessa situação, mas não deixaria de excluir essa hipótese, nomeadamente quando disse que “do meu conhecimento não (no sentido de E manter contactos com os recorridos), mas eu ouvi que o tio, o irmão da minha esposa disse que sim, que E mantinha contactos com eles”, “houve uma altura que os recorridos chegaram a viver em casa do tio, irmão da sua esposa, nessa altura desconhece se eles chegaram a encontrar-se com E”, etc).
Mais segundo o depoimento dessa testemunha, podemos concluir que, afinal, a 1ª Ré já sabia, pelo menos a partir da década de 80, que E tinha filhos na China, nomeadamente, quando afirmou que “por causa do filho, o C, o C foi atropelado, a mão, e foi internado no hospital de Guangzhou, e porque eles vivem comigo, daí que tinha de os cuidar, e uma noite, muito tarde, 6 ou 7 horas, o E estava com uma senhora…, a senhora A, a actual esposa, e vieram ter comigo…, E veio para ver o C e disse, X, chama de mãe. Disse para chamar aquela senhora que ele trouxe de mãe…”
Tal é ainda corroborado pelo depoimento da mãe dos recorridos, embora ela tenha alguma confusão de datas, mas admitiu peremptoriamente que os recorridos nasceram da relação entre ela e E.
No demais, melhor analisados os depoimentos das restantes testemunhas, e ao contrário do que entendem os recorrentes, não temos muitas dúvidas de que os elementos de prova nos permitem chegar à mesma conclusão a que o Tribunal a quo chegou.
Sendo ainda evidente que o Colectivo de primeira instância analisou todos os dados e deu uma explanação pormenorizada dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, com a qual concordamos na íntegra e que a seguir se transcreve:
“A convicção do tribunal relativamente à matéria dada por assente resultou dos documentos de folhas 395v, 401v. e 413 quanto ao facto do item 13º e quanto aos restantes com base nos depoimentos das 4 testemunhas ouvidas e arroladas pelos Autores, porquanto:
- A primeira, durante um período de pelo menos 10 anos a contar de 1983 foi vizinha dos Autores e de E, chegando a ir cozinhar na cozinha dos autores e de E quando não o podia fazer na sua, período esse durante o qual os autores aproveitando a amnistia vieram para Macau e viveram com E, sendo conhecidos como filhos deste que até ai viviam na China.
- A segunda testemunha porque entre 1983/1984 durante cerca de pouco mais de um ano trabalhou com o Autor com quem aprendeu acunpultura e a dar massagens, a quem sempre classificou como o seu mestre, tendo-o ajudado a tratar dos papéis para que os filhos que viviam na China e aqui Autores viessem para Macau.
- A terceira testemunha ouvida por ser o homem com quem a mãe dos Autores casou em 1967 e que a ajudou a criar os filhos aqui Autores (e com quem teve mais três filhos) uma vez que E pai dos Autores tinha fugido para Macau. Esta testemunha conhecia também E do tempo em que vivia com a mãe dos Autores e o via passar na bicicleta a levá-la ao mercado, sabendo já nesse tempo que os dois viviam juntos e tinham filhos, os aqui Autores. Foi esta testemunha também que relatou que quando o autor C teve um acidente numa mão e esteve hospitalizado, numa visita que fez ao Hospital encontrou o E a visitar o Autor na companhia de uma senhora a quem mandou o autor chamar mãe.
- A quarta testemunha por ser a mãe dos Autores e como tal referiu que nasceu em 1936 e com 17 anos casou com o E segundo os costumes chineses de quem teve três filhos, os aqui Autores, em 1955, 1958 e 1961, sendo que depois lhe disseram que o E tinha cometido um crime e tinha de cumprir 9 meses de reeducação mas que ele fugiu, vindo depois a saber através do seu irmão mais velho que ele estaria em Macau. Mais referiu que foi o irmão mais velho quem a ajudou a criar os filhos e que este depois através de outras pessoas recebia do E dinheiro que este enviava de Macau para ajudar a criar os filhos.
Das testemunhas dos Réus temos a primeira que é cunhada da 1ª Ré e do E mas que acabou por dizer que não contactou muito com o E, que casou em 1982 e só uma vez foi ao consultório do E antes de casar e não viu os Autores. Ou seja apesar de ser cunhada da 1ª Ré esta testemunha pelo que diz poucos contactos tinha com E para saber da vida deste o que aliado à natural reserva chinesa no que concerne a falar detalhes da vida privada torna verosímil que nunca tenha ouvido falar dos filhos que E tinha de um anterior casamento.
A segunda testemunha dos Réus, só um ano antes de E falecer é que soube que este era casado com a 1ª Ré o que por si só é suficiente para se demonstrar que da vida privada e familiar daquele nada sabia.
A terceira testemunha nem conhecia E.
A quarta testemunha vem dizer que por vezes tomava chá ou café com o E e que tinham conversas banais, acabando por referir que quando o conheceu em 1982 ele tinha 2 filhos e que depois veio a ter 6 ou 7, sendo certo que dos sete irmãos Réus o mais novo nasceu em 1976. Ou seja da vida do E sabia aquilo que este lhe quis contar sendo certo que não se pode dizer que fosse pessoa íntima daquele pois até chegavam a estar anos sem se encontrar.
A última testemunha ouvida é casado com uma das Rés sendo que apenas sabe que nunca lhe falaram noutros irmãos para além dos Réus, o que, considerando o litígio familiar que acabou por vir a justificar este processo, acrescido de que a primeira testemunha dos Réus - cunhada de A – referiu que as relações entre E e A se tinham deteriorado com o tempo, nos leva a ter de concluir que deste depoimento nada se pode retirar.”
Para terminar, queremos ainda frisar que a “amnistia” referida nos diversos depoimentos reportam-se em 1982, e não em 1990 tal como defendem os recorrentes.
Tal equívoco resulta talvez do desconhecimento da história de Macau, pois, em 1982, por causa da existência de muitos trabalhadores ilegais em Macau, o Governo decidiu resolver definitivamente a questão, tendo para o efeito emitido títulos de permanência provisória a favor daquelas pessoas, às quais foram dois anos depois concedidos bilhetes de identidade de Macau.
Aqui chegados, por não se evidenciar qualquer erro no processo de formação da livre convicção do Tribunal a quo que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, improcede o recurso nesta parte.
*
Do mérito da causa
Com base na matéria de facto dada como provada, julgamos que não há outra alternativa senão confirmar a sentença recorrida.
Dispõe o artigo 1719º do Código Civil que o filho tem legitimidade para intentar acção de reconhecimento de paternidade.
Preceitua-se ainda no nº 2 do artigo 1720º do Código Civil que, no caso de a maternidade já se achar estabelecida, a paternidade presume-se:
“a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público;
…
c) Quando, durante o período legal da concepção, tenha existido união de facto, independentemente das condições exigidas pelo artigo 1472º, ou concubinato duradouro entre a mãe e o pretenso pai;
…”
Segundo o Acórdão da RC, de 21.9.2010 (Proc. Nº 445/09.0T2OBR.C1), citado em termos de direito comparado: “A posse de estado [artigos 1816º, nº 2, alínea a], e 1871º, nº 1, alínea a), do CC], decompõe-se em três elementos distintos: o nome; o tratamento; e a fama. Existe nome quando o filho chama o pretenso pai como pai e este, por sua vez, chama ao investigante filho. O tratamento consiste no comportamento do pretenso pai para com o investigante que, visto exteriormente, cria uma aparência reveladora de laços de filiação biológica. A fama é a reputação de que goza o investigante, junto da generalidade das pessoas que o conhecem ou que sabem da sua existência, de que o seu pai é o investigado.”
No vertente caso, provado que os recorridos nasceram no período em que a sua mãe F e E se encontravam em união de facto, e que este E sempre cuidou dos Autores na qualidade de pai, e em 1982, os trouxe da China para Macau e ajudou-os a tratar das formalidades do pedido de emissão do título de permanência provisória para trabalhadores não residentes.
Também não temos dúvidas que os recorridos foram sempre considerados ou reputados como filhos de E, tanto pelo próprio como pelo público em geral, nomeadamente vizinhos e amigos.
Assim exposto, na medida em que os recorrentes não lograram apresentar prova suficiente para ilidir a presunção, opera a presunção legal estabelecida nas alíneas a) e c) do nº 2 do artigo 1720º do Código Civil, devendo os Autores ora recorridos serem reconhecidos como filhos de E.
Por último, pretendem os recorrentes que os recorridos sejam impedidos de fazer uso da sentença para obtenção de benefícios patrimoniais em sede de processo de inventário, ao abrigo do artigo 1656º do Código Civil.
Estatui-se nesse artigo o seguinte:
“1. A declaração de maternidade, a perfilhação e o estabelecimento da filiação em acção de investigação de maternidade ou de paternidade são ineficazes no que aproveite patrimonialmente ao declarante ou proponente, nomeadamente para efeitos sucessórios e de alimentos, quando:
a) Sejam efectuadas ou intentadas decorridos mais de 15 anos após o conhecimento dos factos dos quais se poderia concluir a relação de filiação; e
b) As circunstâncias tornem patente que o propósito principal que moveu a declaração ou proposição da acção foi o da obtenção de benefícios patrimoniais.
2. O prazo fixado na alínea a) do número anterior, para além de estar sujeito às restantes regras da prescrição, não começa nem corre enquanto:
a) O declarante ou proponente não for maior ou emancipado;
b) O declarante ou propoente se encontrar interdito por anomalia psíquica ou sofrer de demência notória;
c) Entre o filho e a pretensa mãe ou pai existir posse de estado; ou
d) Para efeitos das acções de investigação de maternidade ou paternidade propostas pelo filho, este e a pretensa mãe ou pai forem reputados e se tratarem entre eles respectivamente como filho e mãe ou filho e pai.
3. Existe posse de estado quando se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) Serem o filho e a pretensa mãe ou pai reputados e tratados entre eles respectivamente como filho e mãe ou filho e pai;
b) Serem reputados como tais nas relações sociais, especialmente nas respectivas famílias.”
Ora bem, trata-se aqui de um aspecto inovador do Código Civil no âmbito da matéria de filiação, que tem como objectivo, segundo observa o Coordenador do projecto do Código Civil de 1999, “criar mecanismos que impedissem, em casos limite, os efeitos perversos resultantes da constituição tardiamente negligente do vínculo de filiação com propósitos de mero enriquecimento patrimonial, pelo que se permitiu que em casos de utilização tardia e oportunística da acção se pudessem limitar os resultados indirectos que estariam normalmente associados à constituição do vínculo de filiação”3.
In casu, provado que até aos anos 1980 E regressava à terra natal a fim de visitar os seus filhos ora recorridos, e depois, em 1982, os trouxe para Macau, tendo-os ajudado a tratar das formalidades de emissão de títulos de permanência em Macau, demonstrando-se deste modo que E e os recorridos se tratavam como filhos e pai, isso significa que, antes do falecimento de E em 2009, aquele prazo de 15 anos não correu, sendo por isso inaplicável o disposto no artigo 1656º do Código Civil.
Nesta conformidade, improcedem as conclusões aduzidas pelos recorrentes.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelos recorrentes A e outros (Réus) contra os recorridos B, C e D (Autores), confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, nesta instância.
Desentranhe os documentos juntos com as alegações e devolva aos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 2 U.C. pelo incidente.
Registe e notifique.
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RAEM, a 21 de Maio de 2015
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
1 R.L.J., ano 115º, nº 3696, pág. 95 e 96
2 Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2004, 2ª edição, Almedina, página 584
3 Luís Miguel Urbano, Nota de Abertura, Código Civil, pág. XLIV
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Recurso Civil 668/2014 Página 46