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Processo nº 233/2015

I

Acordam na Secção Cível e Administrativa do Tribunal de Segunda Instância da RAEM

No âmbito dos autos da acção de processo do trabalho nº LB1-14-0123-LAC, do Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base, proposta por A, devidamente id. nos autos, contra a B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, foi proferida a seguinte sentença julgando parcialmente procedente a acção:


  A, de nacionalidade filipina, com residência na Rua do XX, n.º XX, Edificio " XX ", Bloco XX, XXº andar "XX", Macau, instaurou contra B (Macau) - Serviços e Sistemas de Segurança, Limitada, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, emergente de contrato de trabalho, pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia total de MOP$74.193,00, (redução do pedido formulada em sede de audiência de discussão e julgamento, cf. fls. 125), acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento, assim discriminadas:
  - MOP$35.263,00 a título de diferença no vencimento base;
  - MOP$1.950,00 a título de subsídio de alimentação;
  - MOP$24.653,00 pela prestação de trabalho em dia de descanso;
  - MOP$62.366,00 pela falta de um dia de descanso compensatório pelo prestação de trabalho em dia de descanso semanal;
  Para fundamentar a sua pretensão alega, muito resumidamente, que entre 01.09.2006 e 15.04.2008 prestou a sua actividade de guarda de segurança sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, mediante uma contrapartida salarial, acrescentando que, por ser um trabalhador não residente na RAEM, a sua contratação só foi autorizada porque a Ré celebrou previamente um contrato de prestação de serviços com uma terceira entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que foi sujeito à apreciação, fiscalização e aprovação da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego, para obedecer aos requisitos mínimos previstos na alínea d) do n.º 9 do Despacho n.º 12/GM/88 de 01 de Fevereiro (diploma que regula a contratação de trabalhadores não residentes).
  Conclui assim que, de acordo com o definido nesses contratos de prestação de serviços aprovados pela DSTE, ao longo da sua relação laboral, teria direito a auferir um salário superior ao que lhe foi pago pela Ré, teria direito ao pagamento de trabalho extraordinário, a uma remuneração horária superior ao que a Ré lhe liquidou, deveria ter recebido subsídio de alimentação e subsídio de efectividade que nunca lhe foram pagos, reclamando tais diferenças retributivas por via desta acção.
  Por outro lado, alega ainda o Autor que a Ré não lhe pagou a compensação legal pela prestação de trabalho em dia de descanso semanal, durante todo o período da relação laboral, quantia de que pretende ser indemnizado nos termos supra expostos.
  A Ré contestou defendendo, no essencial, não assistir razão ao Autor no por si alegado.
  Foi elaborado despacho saneador em que se afirmou a validade e regularidade da instância, e onde se seleccionou a matéria de facto relevante para a decisão da causa.
  A audiência de julgamento decorreu com observância do formalismo legal, tendo o Tribunal, a final, respondido à matéria controvertida por despacho que não foi objecto de qualquer reclamação pelas partes.
*
Questão a decidir: .
  - Se os contratos de prestação de serviços ao abrigo dos quais a Ré foi autorizada a contratar o Autor, define os requisitos/condições mínimas da relação laboral estabelecida entre as partes e se permite sustentar ter o Autor direito aos montantes peticionados.
*
  II. Fundamentação de facto:
1) A Ré é uma sociedade que se dedica à prestação de serviços de equipamentos técnicos e de segurança, vigilância, transporte de valores. (A)
2) Desde o ano de 1992, a Ré tem sido sucessivamente autorizada a contratar trabalhadores não residentes para a prestação de funções de «guarda de segurança», «supervisor de guarda de segurança», «guarda sénior», entre outros. (B)
3) Entre 01/09/2006 a 15/04/2008, o Autor esteve ao serviço da Ré, exercendo funções de "guarda de segurança", enquanto trabalhador não residente. (C)
4) O Autor foi recrutado pela C Lda., e posteriormente exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré ao abrigo do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1 : (D)
- aprovado pelo Despacho n.º 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/0112006, válido até 31/03/2007 (Cfr. Doc. 1) ;
- foi substituído pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/06/2006 e válido até 31/05/2008 (Cfr. Doc. 2).
5) Durante o período da relação laboral até 31 de Dezembro. de 2007, ° Autor auferiu da Ré, a título de salário anual e de salário normal diário, as quantias que abaixo se discriminam: (E)
Ano
Salario annual
Salário normal diario
2006
16798
140
2007
69833
194
6) O Autor exerceu a sua prestação de trabalho para a Ré, ininterruptamente, ao abrigo dos contratos aludidos em D). (1º)
7) Entre 01/09/2006 a 31/03/2007 a Ré nunca pagou ao Autor uma qualquer quantia a título de subsídio de alimentação. (3º)
8) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.° 00751/IMO/DSAL/2006, de 24/01/2006, válido até 31/03/2007 (mas que se manteve em vigor até Maio de 2007), foi acordado que seria "(...) sempre garantido (ao Autor) o pagamento mensal .correspondente a MOP$4,000.00 (quatro mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II". (4°)
9) Entre Setembro de 2006 a Dezembro de 2006, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,288.00. (5°)
10) Entre Janeiro de 2007 a Maio de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (6º)
11) Nos termos do Contrato de Prestação de Serviços n.º 1/1, aprovado pelo Despacho n.º 09501/IMO/DSAL/2007, de 29/05/2007, aprovado em 12/06/2007 e válido até 31/05/2008, seria sempre garantido (ao Autor) o pagamento mensal correspondente a MOP$5,070.00 (cinco mil e setenta mil patacas), conforme as funções e salários do Mapa II. (7º)
12) Entre Junho de 2007 a Dezembro de 2007, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$2,704.00. (8°)
13) Entre Janeiro de 2008 a Abril de 2008, a Ré pagou ao Autor a título de salário de base a quantia de Mop$4,576.00. (9°)
14) Durante o período da relação de trabalho até 31.12.2007 entre a Ré e o Autor, nunca o Autor gozou de qualquer dia a título de descanso semanal. (l0º)
15) Durante o período da relação de trabalho até 31.12.2007 entre a Ré e o Autor, nunca a Ré atribuiu ao Autor um qualquer acréscimo salarial pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. (11º)
16) A Ré nunca fixou ou conferiu ao Autor o gozo de um outro dia de descanso compensatório em virtude do trabalho prestado até 31.12.2007, em dia de descanso semanal. (13°)

  III. Fundamentação jurídica
  Em face da matéria de facto que se mostra provada e do direito que lhe é aplicável, cumpre dar resposta à questão a decidir que supra se deixou enunciada.
  A pretensão do Autor assenta no regime legal de contratação de trabalhadores não residentes regulado no Despacho n." 12/GM/88 de 01 de Fevereiro, cujas condições mínimas de contratação estarão, segundo defende, incorporadas no contrato de prestação de serviços que a Ré celebrou tal como exigido pela alínea c) do n." 9 desse diploma legal e na qualificação jurídica deste contrato como sendo a favor de terceiro.
  Ficou provado que a Ré foi autorizada a contratar o Autor, enquanto trabalhador não residente, através da celebração de um contrato de prestação de serviços com uma entidade fornecedora de mão-de-obra não residente, contrato esse que posteriormente era apresentado junto da Direcção dos Serviços de Trabalho e Emprego para aprovação dessas condições de contratação, pelo que nesta acção importa analisar o regime legal a que está sujeita a contratação de trabalhadores não residentes, dado que não restarão dúvidas quanto à natureza jus laboral desta relação jurídica, que nenhuma das partes põe em causa e, aliás, resulta da matéria de facto provada.
  Relativamente à questão jurídica relativa ao enquadramento da relação estabelecida entre as partes outorgantes dos mencionados contratos de prestação de serviços e à sua repercussão na esférica jurídica do Autor, o Tribunal de Segunda Instância já firmou jurisprudência unânime no sentido de que estamos na presença de um contrato a favor de terceiro que tem como beneficiário o ora Autor, citando-se como exemplo, o mais recente Acórdão datado de 25.07.20131, cujo sumário parcial aqui nos permitimos reproduzir:
  3. É de aplicar a uma dada relação de trabalho, para além do regulado no contrato celebrado directamente entre o empregador e o trabalhador, o regime legal mais favorável ao trabalhador e que decorre de um contrato celebrado entre o empregador e uma Sociedade prestadora de serviços, ao abrigo do qual o trabalhador foi contratado e ao abrigo do qual, enquanto não residente, foi autorizado a trabalhar em Macau, regime esse devidamente enquadrado por uma previsão normativa constante do Despacho 12/GM/88, de I de Fevereiro.
  4. A Lei de Bases da Política de Emprego e dos Direitos Laborais, Lei n: o 4/98/M, de 27 de Julho, publicada no BO de Macau n. o 30, I série, no artigo 9. o admite a contratação de trabalhadores não residentes quando se verifiquem determinados pressupostos, estatuindo que essa contratação fica dependente de uma autorização administrativa a conceder individualmente a cada unidade produtiva.
  5. O Despacho 12/GM/88 cuida tão somente do procedimento administrativo conducente à obtenção de autorização para a contratação de trabalhadores não residentes e não do conteúdo concreto da relação laboral a estabelecer entre os trabalhadores não residentes e as respectivas entidades patronais.
  6. O trabalhador só foi contratado porque a Administração autorizou a celebração daquele contrato, devidamente enquadrado por um outro contrato que devia ser celebrado com uma empresa fornecedora de mão-de-obra e onde seriam definidas as condições mínimas da contratação, como flui do artigo 9~ d), d.2) do aludido despacho 12/GM/88.
  7. Estamos perante um contrato a favor de terceiro quando, por meio de um contrato, é atribuído um beneficio a um terceiro, a ele estranho, que adquire um direito próprio a essa vantagem.
  8. Esta noção está plasmada no artigo 43r do CC, aí se delimitando o objecto desse beneficio que se pode traduzir numa prestação ou ainda numa remissão de dívidas, numa cedência de créditos ou na constituição, transmissão ou extinção de direitos reais.
  9. Será o que acontece quando um dado empregador assume o compromisso perante outrem de celebrar um contrato com um trabalhador, terceiro em relação a esse primitivo contrato, vinculando-se a determinadas estipulações e condições laborais.
  10. O facto de a empregadora ter assumido a obrigação de dar trabalho, tal não é incompatível com uma prestação de contratar, relevando aí a modalidade de uma prestação de lacere.
  11. Nada obsta que da relação entre o promitente e o terceiro (agência prestadora de serviços e mão de obra), para além do assumido nesse contrato en/re o promitente e o promissório, nasçam outras obrigações como decorrentes de um outro contrato que seja celebrado entre o promitente (Ré, empregadora) e o terceiro (A., trabalhador).
  Assim sendo, sem necessidade de outras considerações, como parte beneficiária de um dos contratos de prestação de serviços dados como assentes o Autor tem direito a prevalecer-se do clausulado mínimo deles constantes para reclamar eventuais diferenças remuneratórias e complementos salariais a que tinha direito e que não lhe foram pagos.
  Debrucemo-nos, pois, sobre os pedidos do Autor, sendo de salientar que temos de fazer a destrinça dos sucessivos contratos de prestação de serviços que enquadraram a sua relação laboral.
  Do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 referido em 4) dos factos provados.
  Resulta provado o seguinte:
  Do contrato de prestação de serviços n.º 1/1 que produziu efeitos a partir de 24 de Janeiro de 2006 a 31 de Maio de 2007 (cf. facto provado 8).
  Previa-se nesta versão do contrato que o Autor tinha direito a receber a quantia mensal de MOP 4000, sendo certo que resulta provado ter recebido entre Setembro de 2006 a Dezembro de 2006 a quantia de MOP 2.288,00 (cf. facto provado 9) a título de salário, e entre Janeiro de 2007 a Maio de 2007 a quantia de MOP 2.704,00 (cf. facto provado 10), o que dá a favor do Autor a quantia de MOP 13.328,00 (4 meses x 1712 patacas + 5 meses x 1296 patacas), a título de diferença salarial.
  Do contrato de prestação de serviços 1/1 que produziu efeitos a partir de Junho de 2007 a 31 de Maio de 2008 (cf. facto provado 11).
  Previa-se nesta versão do contrato que o Autor tinha direito a receber a quantia mensal de MOP 5070, sendo certo que resulta provado ter recebido entre Junho de 2007 a Dezembro de 2007 a quantia de MOP 2.704,00 (cf. facto provado 12) a título de salário, e entre Janeiro de 2008 a 15 de Abril de 2008 a quantia de MOP 4.576,00 (cf. facto provado 13), o que dá a favor do Autor a quantia de MOP 18.291,00 (7 meses x 2366 patacas + 3.5 meses x 494 patacas), a título de diferença salarial.
  Assim, a título de diferenças salariais deverá a Ré pagar ao Autor a quantia global de MOP 31.619,00.
  Quanto ao subsídio de alimentação resulta efectivamente provado que entre Setembro de 2006 a Março de 2007 a Ré nunca pagou ao Autor qualquer quantia (cf. facto 7); porém, analisadas as cláusulas do contrato de prestação de serviços não se encontra qualquer previsão a este respeito, sendo certo que não se mostra igualmente junto aos autos qualquer anexo donde resulte previsto este subsídio, razão por que, nesta parte, tem a acção de improceder.
  Por fim, o Autor pretende ser indemnizado pelos dias de descanso semanal, sendo desde logo de exceptuar o período decorrido entre Setembro de 2006 e Dezembro de 2007 - facto demonstrado em 14.
  Resulta provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor não foi remunerado com qualquer acréscimo salarial (cf. as quantias recebidas pelo Autor ao longo de toda a sua relação laboral).
  Está igualmente provado que pela prestação de trabalho nos dias de descanso semanal, o Autor sempre foi remunerado pela Ré com o valor de um salário diário, em singelo.
  O artigo 17.0 do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril dispõe, no seu n.º 1, que todos os trabalhadores têm direito a gozar, em cada período de sete dias, um período de descanso de vinte e quatro horas consecutivas, sem prejuízo da correspondente retribuição, calculada nos termos do disposto sob o artigo 26.
  O n.º 6 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 24/89/M de 03 de Abril, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 32/90/M, de 9 de Julho, dispõe, pois, que o trabalho prestado em dia de descanso semanal deve ser pago: a) aos trabalhadores que auferem salário mensal, pelo dobro da retribuição normal.
  Vejamos, então, quais os valores que deveriam ter sido pagos a este trabalhador e não foram, partindo dos valores de retribuição diários que lhe eram devidos, segundo a fórmula (Salário diário) x (n." de dias devidos e não gozados) x 2.

Salario anual / Salário diário
n.º de dias devidos e não gozados
Quantia indemnizatória
01/09/2006-31/12/2006
16.798 / 140
16
4.480
2007
69.833 / 194
52
20.176
TOTAL

68
24.656
  Há, todavia, que ponderar a circunstância de a Ré ter pago o valor em singelo, pelo que aos valores supra apurados se tem de deduzir o montante pago em singelo pela Ré2, sob pena de estar o Autor a ser pago, não pelo dobro, mas pelo triplo do valor diário devido, o que a lei manifestamente não prevê3, o que perfaz a quantia global de MOP 12.328,00.
  Na presente acção o Autor, embora no seu pedido fmal não o individualize concretamente, embora o englobe no montante peticionado, reclama na parte final do seu articulado, ainda, a compensação económica pelo não gozo do dia de descanso compensatório o que, em face das disposições legais supra citadas, entendemos ser de atribuir de modo a ser-lhe concedido um montante equivalente a um dia de salário, o que dá o montante de MOP 12.328,00.
*
  Às quantias supra mencionadas acrescerão juros a contar da data do trânsito em julgado desta sentença (4)atento o que dispõe o artigo 794.°, n.º 4 do CC, dado que por estarmos na presença de um crédito ilíquido, os juros moratórios, só se vencem a contar da data em que seja proferida a decisão que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
***
  IV. Decisão:
  Nestes termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia global de MOP 56.275,00 (a título de diferenças salariais, MOP 31.619,00; a título de descansos semanais, MOP 12.328,00, a título do não gozo dos dias de descanso compensatório, MOP 12.328,00), acrescida de juros moratórios à taxa legal a contar dó trânsito em julgado da sentença que procede à liquidação do quantum indemnizatório.
  As custas serão a cargo da Ré e do Autor na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga o primeiro.
  Registe e notifique.

Não se conformando com essa sentença, veio a Ré recorrer dela para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo:

a) O Despacho consagra um procedimento de importação de mão-de-obra nos termos do qual é imposta a utilização de um intermediário com o qual o empregador deve celebrar um contrato de prestação de serviços;
b) A decisão recorrida perfilha o entendimento de que o Despacho se reveste de imperatividade e estabelece condições mínimas de contratação de mão-de-obra não residente;
c) Contrariando tal entendimento, o Despacho em parte alguma estabelece condições mínimas de contratação ou até cláusulas-tipo que devessem integrar o contrato de trabalho a celebrar entre a entidade empregadora e o trabalhador;
d) É patente que o Despacho não fixa de forma alguma condições de contratação específicas e que, ainda que o fizesse, a violação dos seus termos importaria infracção administrativa, e não incumprimento de contrato de trabalho;
e) Assim, contrariamente ao que se propugna na decisão recorrida, nada permite concluir pela natureza imperativa do Despacho;
f) Decidindo em sentido inverso, o Tribunal recorrido fez errada aplicação do Despacho, nomeadamente dos seus arts. 3° e 9°;
g) Os Contratos são configurados na decisão a quo como contratos a favor de terceiro, nos termos do art. 437° do Código Civil;
h) Nesta lógica, o A. apresentar-se-á como terceiro beneficiário de uma promessa assumida pela R. perante a Sociedade, com o direito de exigir daquela o cumprimento da prestação a que se obrigou perante esta;
i) As partes nos Contratos, assim como o próprio Despacho 12/GM/88, qualificaram-nos como "contratos de prestação de serviços";
j) Deles é possível extrair que a Sociedade "contratou" trabalhadores não residentes, prestando o serviço de os ceder, subsequentemente, à R.;
k) Tais Contratos são pois efectivos contratos de prestação de serviços, não podendo ser qualificados como contratos a favor de terceiros;
I) Por outro lado, é unânime que a qualificação de um contrato como sendo a favor de terceiro exige que exista uma atribuição directa ou imediata a esse terceiro;
m) Tem-se entendido que o conceito de contrato a favor de terceiro implica a concessão ao terceiro de um benefício ou de uma atribuição patrimonial, e não apenas de um direito a entrar numa posição jurídica em que se tem a hipótese de auferir uma contraprestação de obrigações;
n) A obrigação da ora R. é assumida apenas perante a Sociedade, não havendo intenção ou significado de conferir qualquer direito, pelo contrato de prestação de serviços, a qualquer terceiro;
o) Igualmente não existe nos Contratos qualquer atribuição patrimonial directa a qualquer terceiro;
p) Sendo pacífico que o contrato a favor de terceiro exige que a prestação a realizar seja directa e revista a natureza de atribuição, é incorrecto o entendimento de que a contratação do A. pela R. é uma prestação à qual a R. ficou vinculada por força do contrato de prestação de serviços;
q) Não pode considerar-se que a remuneração do contrato de trabalho constitua essa atribuição, porque tal afastaria o requisito de carácter directo da prestação no contrato a favor de terceiro;
r) Como tal, é patente que- não resulta dos Contratos nenhuma atribuição patrimonial directamente feita ao A., que este possa reivindicar enquanto suposto terceiro beneficiário;
s) Os Contratos ficam pois completamente no domínio do princípio da eficácia relativa dos contratos, vertido no art. 400º, n° 2 do Código Civil (princípio res inter alios acta, aliis neque nocet neque prodest);
t) Por fim, a figura do contrato a favor de terceiro pressupõe que o promissário tenha na promessa um interesse digno de protecção legal;
u) Não consta dos autos qualquer facto que consubstancie um tal interesse;
v) Assim, admitindo que dos Contratos resultará qualquer direito a favor do A., sempre ficou por demonstrar que a Sociedade tivesse interesse nessa promessa, o que impede a qualificação dos Contratos como contratos a favor de terceiro;
w) Assim, arredada a aplicação do mecanismo do contrato a favor de terceiro, nenhum outro sobreleva que possa suportar a produção, na esfera jurídica do A., de efeitos obrigacionais emergentes dos Contratos;
x) Ao decidir como o fez, o Tribunal recorrido violou o disposto nos arts. 400º, n° 2 e 437º do Código Civil;
y) Em função do correcto entendimento do Despacho e dos Contratos, conclui-se que nenhum direito assiste ab initio ao A. para reclamar quaisquer "condições mais favoráveis" emergentes destes contratos;
z) Pelo que não deverá ser-lhe atribuída qualquer quantia a título de putativas diferenças salariais.
Nestes termos, e nos mais de Direito, revogando a decisão recorrida nos termos e com as consequências expostas supra, farão V. Exas a costumada
JUSTIÇA


Notificado, o Autor respondeu pugnando pela improcedência total do recurso interposto pela Ré – cf. fls. 177 a 184 dos p. autos.

II

Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.

Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).

Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.

Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos, a única questão que constitui o objecto da nossa apreciação é a da qualificação jurídica do acordo celebrado entre a Ré e a C, Limitada.

Não tem razão a recorrente.

Em primeiro lugar, é de frisar que não foi impugnada a qualificação jurídica, feita pelo Tribunal a quo, do celebrado entre o Autor e a Ré como contrato individual de trabalho.

Sobre a questão da qualificação jurídica do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Ré e a C, Limitada, este Tribunal de Segunda Instância já se pronunciou de forma unânime em vários acórdãos, concluindo que se trata de um contrato a favor de terceiro – Cfr. nomeadamente os Acórdãos do TSI tirados em 12MAIO2011, 19MAIO2011, 02JUN2011 e 16JUN2011, respectivamente nos proc. 574/2010, 774/2010, 876/2010 e 838/2011.

Não se vê portanto razão para não manter a posição já por este Tribunal assumida de forma unânime.

Ora sinteticamente falando, in casu, o Autor veio reivindicar os direitos com base num contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada.

Ficou provado nos autos que no contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a C Limitada, foram acordadas as condições de trabalho, nomeadamente o mínimo das remunerações salariais, os direitos ao subsídio de alimentação e ao subsídio mensal de efectividade, e o horário de trabalho diário, que deveriam ser oferecidos pela Ré aos trabalhadores a serem recrutados pela C Limitada e a serem afectados ao serviço da Ré.

E o Autor é um desses trabalhadores recrutados pela C Limitada e afectados ao serviço da Ré que lhe paga a contrapartida do seu trabalho.

Segundando a nossa jurisprudência unânime, o Tribunal a quo qualifica o contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré e a C Limitada como um contrato a favor de terceiro, regulado nos artºs 437º e s.s. do Código Civil.

Ora, reza o artº 437º do Código Civil que:
1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; diz-se promitente a parte que assume a obrigação e promissário o contraente a quem a promessa é feita.
2. Por contrato a favor de terceiro, têm as partes ainda a possibilidade de remitir dívidas ou ceder créditos, e bem assim de constituir, modificar, transmitir ou extinguir direitos reais.
O Prof. Almeida Costa define o contrato a favor de terceiro como “aquele em que um dos contraentes (promitente) se compromete perante o outro (promissário ou estipulante) a atribuir certa vantagem a uma pessoa estranha ao negócio (destinário ou beneficiário)” – Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., p.297 e s.s..
In casu, foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Ré e a C Limitada, em que se estipula, entre outros, o mínimo das condições remuneratórias a favor dos trabalhadores que venham a ser recrutados por essa sociedade e afectados ao serviço da Ré.

Assim, estamos perante um contrato em que a Ré (empregadora do Autor e promitente da prestação) garante perante a C Limitada (promissária) o mínimo das condições remuneratórios a favor do trabalhador (beneficiário) estranho ao contrato, que enquanto terceiro beneficiário, adquire, por efeito imediato do contrato celebrado entre aquelas duas contraentes, o direito ao “direito a ser contratado nessas condições mínimas remuneratórias”.

Reunidos assim todos os requisitos legais previstos no artº 437º/1 do Código Civil, obviamente estamos em face de um verdadeiro contrato a favor de terceiro, pois é imediata e não reflexamente que a favor do trabalhador foi assumida pela Ré a obrigação de celebrar um contrato de trabalho em determinadas condições com o Autor.

Improcede assim o recurso.

Resta decidir.

III

Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso interposto pela Ré B (MACAU) – Serviços e Sistemas de Segurança Limitada, mantendo na íntegra a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

RAEM, 14MAIO2015

_________________________
Lai Kin Hong
_________________________
João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
_________________________
Ho Wai Neng

1 http://www.court.gov.mo/o/odefault.htm
2 Cf., neste preciso sentido, Acórdão do TUI de 27 de Fevereiro de 2008, onde, avaliando uma situação semelhante envolvendo a aqui Ré nos presentes autos, afirma: «...tem razão a Ré ao dizer que o autor já recebeu o salário normal correspondente ao trabalho nesses dias de descanso, pelo que, agora, só tem direito a outro tanto, e não ao dobro, como se decidiu no Acórdão recorrido, que não explica, aliás, porque não levou em conta o salário já pago. É que está em causa o pagamento do trabalho em dia de descanso semanal, pelo dobro da retribuição normal, mas o autor foi pago já em singelo.» Temos conhecimento do sentido adoptado a este respeito pelo Tribunal de Segunda Instância, nomeadamente, no Acórdão tirado nos autos de Processo 1381201 I, com o qual, no entanto, sempre salvaguardando o seu douto entendimento, não concordamos.
3 Cremos, sempre salvaguardando opinião contrária, que a previsão constante do art. 43.º, n.º 2, 1) da Lei 7/2008, de 18/8/2008, traduz uma clarificação muito relevante a este respeito, tomando mais clara ainda a orientação legislativa, no sentido de compensar o trabalhador pela prestação do trabalho em dia que seria de descanso com um dia (e não dois) de remuneração de base; não seria muito compreensível, num território que se aproxima paulatinamente de novos padrões normativos, que, nesta matéria, sinalizasse um retrocesso tão drástico relativamente ao diploma anterior.
4 Com pertinência também para este caso, a jurisprudência do Acórdão do Tribunal de Última Instância no processo n.º 69/2010 de 02.03.2011.
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Ac. 233/2015-18