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Processo nº 646/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 14/Maio/2015

Assuntos: Apensação de acções

SUMÁRIO
- Ao abrigo do disposto no artigo 219º do Código de Processo Civil, o pedido de apensação só pode ser atendido se as diversas acções, propostas separadamente, pudessem ter sido reunidas num só processo, mais precisamente, quando se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio (artigo 60º a 62º do CPC), da coligação (artigos 64º e 65º do CPC), da oposição (artigos 283º, 288º e 292º do CPC) e da reconvenção (artigo 218º do CPC).
- Dispõe o nº 1 do artigo 218º do CPC que o réu pode deduzir pedido reconvencional contra o autor, sendo inadmissível a formulação de pedido reconvencional dirigido contra os co-réus do reconvinte.
- Razão pela qual não se deve admitir a apensação de duas acções em que uma foi intentada por um autor contra três réus, e outra proposta por um desses réus contra o autor e o co-réu daquela primeira acção, ainda que se tenha verificado entre as referidas acções alguma conexão substantiva prevista no nº 2 do artigo 218º do CPC.


O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 646/2014
(Autos de recurso civil)

Data: 14/Maio/2015

Recorrente:
- A (2ª Ré do processo principal)

Objecto do recurso:
- Despacho que indeferiu a apensação de acções

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, 2ª Ré da acção de processo ordinário que corre termos no Tribunal Judicial de Base, inconformada com o despacho que indeferiu o pedido de apensação de acções, dela interpôs o presente recurso ordinário, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto do despacho de fls. 108 dos autos, pelo qual o Tribunal a quo, apesar de consignar que concorda com o pedido de apensação de acções, indeferiu tal pedido, por ter entendido que o pedido efectuado pela ora Recorrente não estava em conformidade com o disposto no art. 219º do CPC, concretamente, por entender que, no caso, não se encontravam reunidos os pressupostos da reconvenção.
B. Com tal decisão não se conformar a Recorrente, entendendo a mesma que o Tribunal a quo interpretou os pressupostos da reconvenção em sentido restrito e só relativos a uma única acção e não – como se impunha – em sentido amplo, analisando a conexão entre as duas acções.
C. Em ambas as acções a causa de pedir é a celebração, validade e cumprimento do (mesmo) contrato-promessa de compra e venda (ou “acordo temporário de compra e venda”) datado de 19 de Junho de 2013, só que, enquanto na presente acção o Autor pede a nulidade do contrato, nos autos que correm seus termos sob o n.º CV1-14-0012-CAO, a ora Recorrente e ali Autora pretende a execução específica do contrato, o que parte do princípio da sua validade.
D. Analisadas as duas acções, forçosa é a conclusão de que se encontram reunidos os pressupostos da reconvenção, porquanto através da acção que corre seus termos sob o n.º CV1-14-0012-CAO, o pedido da Autora (a 2ª Ré nos presentes autos) emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa. (conferir artigo 218º, n.º 1 e n.º 2, al. a) do CPC)
E. Os pressupostos da reconvenção encontram-se todos reunidos, mas verificou-se a contingência de tal pedido não poder ser deduzido nos autos de que foi extraído o presente recurso em separado, porquanto tal pedido também ter de ser dirigido contra a 1ª Ré. Foi só por isso que a acção a que foi atribuído o n.º CV1-14-0012-CAO foi apresentada em separado.
F. Não se verificasse essa contingência e a Recorrente teria apresentado pedido reconvencional nos autos de que foi extraído o presente recurso em separado, altura em que nem precisaria de requerer a apensação de acções.
G. Pelo exposto, porque entre ambas as acções se verificam nomeadamente os pressupostos da reconvenção, mal andou o Tribunal a quo em não ter ordenado a apensação de acções.
H. Tanto mais porque, no caso o pedido de apensação se justifica inteiramente não só por imperativos de economia processual, para evitar a pendência de dois processos (com a consequente mobilização de dois tribunais), mas também para evitar uma eventual contradição de julgados.
I. O despacho recorrido viola, por isso, o disposto nos arts. 219º e 218º do CPC, pelo que mal andou o Tribunal a quo ao considerar que não se encontravam reunidas as condições para a apensação de acções.
Conclui, pedindo a revogação do despacho recorrido, e substituído por outro que ordene a apensação aos autos de que foi extraído o presente recurso em separado (processo principal) da acção que corre seus termos no 1º Juízo Cível deste Tribunal, sob o nº CV1-14-0012-CAO.
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Devidamente notificado, respondeu o Autor ao recurso, pugnando pela negação do seu provimento.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Provada está a seguinte matéria de facto relevante para a decisão da causa:
Corre termos no Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base a acção de processo ordinário registada sob o nº CV2-13-0059-CAO (doravante designada por primeira acção), em que são Autor B e Réus C (1ª Ré), A (2ª Ré e ora recorrente) e Consultadoria de Investimento Predial D, Lda (3ª Ré).
Nessa acção, o Autor pede a declaração de nulidade do “acordo provisório de compra e venda” e do “acordo adicional”, ou subsidiariamente, a sua anulabilidade, alegando sumariamente que ele mesmo não assinou os tais acordos nem nunca conferiu poderes a quem quer que fosse para celebrar os mesmos.
Por outro lado, corre termos no Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base uma outra acção de processo ordinário registada sob o nº CV1-14-0012-CAO (doravante designada por segunda acção), intentada pela Autora A (ora recorrente) contra os Réus C (1ª Ré) e B (2º Réu), pedindo que se decrete a execução específica do contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma em causa, ou subsidiariamente, se declare resolvido o referido contrato-promessa e sejam os Réus condenados a pagar à Autora o dobro do sinal, acrescido de despesas e juros de mora, com fundamento na falta de cumprimento do contrato-promessa celebrado pelos Autora e Réus.
A, ora recorrente e 2ª Ré da acção CV2-13-0059-CAO (primeira acção), pediu a apensação àqueles autos da acção que corre seus termos no 1º Juízo Cível sob o nº CV1-14-0012-CAO (segunda acção).
Posteriormente, o Tribunal a quo deu o seguinte despacho:
“第二被告要求本院根據《民事訴訟法典》第219條第1款命令將CV1-14-0012-CAO號案合併至本案中一併審理。
事實上,本院認同本案與CV1-14-0012-CAO號案兩者相關連,因為本案所討論的是原告在涉案的預約合同的簽名是否由他人假冒,而在CV1-14-0012-CAO號案中則是討論本案的第二被告在該案中作為原告,是否可以針對本案的原告及其配偶(本案的第一被告)提出特定執行的請求;且兩案一併審理合私訴訟經濟原則。
然而,本院認為不符合《民事訴訟法典》第219條第1款在訴訟程序上的規定。
首先,正如第二被告亦承認的,其在CV1-14-0012-CAO號案中提出的請求,並不能夠透過反訴的形式在本案中提出。這是因為第一被告不能夠在本案中同時成為原告及第二被告的請求的被訴方。
《民事訴訟法典》第219條第1款規定:“如在同一法院之不同庭中待決之若干訴訟,因符合共同訴訟、聯合、對立參加或反訴可予接納之前提,而可合併於同一訴訟程序中審理,則經對合併具有應予考慮之利益之任一當事人提出聲請,須命令將該等訴訟合併;但基於訴訟程序所處之狀況或其他特別理由,而不適宜合併者除外。”
由此條文可知,不符合反訴之前提者,亦不會符合提出訴訟合併的要求。
另一方面,不批准訴訟合併亦不會出現既判案效力違反的問題,這是因為本案討論的預約合同的有效性不過是CV1-14-0012-CAO號案中所討論的特定執行問題的先決問題。
基於上述理由,本院不批准第二被告提出的聲請。
本附隨事項的訴訟費用由第二被告承擔。”
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Esta é a decisão recorrida.
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A questão que se coloca no presente recurso é saber se a decisão que indeferiu a apensação de acções merece algum reparo.
Entende a recorrente que a apensação de acções deve ser atendida por que se encontram reunidos os pressupostos da reconvenção, ao abrigo dos termos previstos no artigo 218º, nº 1 e 2, alínea a) do Código de Processo Civil.
Defende ainda que, apesar de se verificar a contingência de tal pedido não poder ser deduzido nos autos de que foi extraído o presente recurso em separado (na primeira acção), porquanto tinha que ser dirigido contra a 1ª Ré, nada impedia a apensação de acções, por razões de economia processual e também para evitar eventual contradição de julgados.
Vejamos se tem razão.
Dispõe o nº 1 do artigo 219º do Código de Processo Civil que “se em diferentes juízos do mesmo tribunal penderem acções que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, possam ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, a não ser que o estado do processou ou outra razão especial torne inconveniente a apensação”.
É verdade que a apensação de acções oferece, como observam Cândida da Silva Antunes Pires e Viriato Manuel Pinheiro de Lima, vantagens de duas ordens: “economia de actividade judicial – as causas apensadas são instruídas, discutidas e julgadas conjuntamente; e uniformidade de julgamento – as questões comuns são julgadas no mesmo sentido”1.
Mas o pedido de apensação só pode ser atendido se as diversas acções, propostas separadamente, pudessem ter sido reunidas num só processo, mais precisamente, quando se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio (artigo 60º a 62º do CPC), da coligação (artigos 64º e 65º do CPC), da oposição (artigos 283º, 288º e 292º do CPC) e da reconvenção (artigo 218º do CPC).
Aceitamos facilmente que não estamos perante situações de litisconsórcio, coligação e oposição.
Resta saber se se verificam os pressupostos de admissibilidade da reconvenção, em concreto, se as duas acções, intentadas separadamente e pendentes em diferentes juízos, pudessem logo no início ter sido reunidas num só processo.
De facto, verifica-se que na primeira acção intentada pelo Autor B contra os Réus C (1ª Ré), A (2ª Ré e ora recorrente) e Consultadoria de Investimento Predial D, Lda (3ª Ré), aquele pede a declaração de nulidade do “acordo provisório de compra e venda” e do “acordo adicional”, ou subsidiariamente, a anulabilidade dos mesmos acordos.
Enquanto na outra acção, a correr seus termos no 1º Juízo do TJB (segunda acção), intentada pela Autora A ora recorrente contra os Réus C (1ª Ré) e B (2º Réu), aquela pede que se decrete a execução específica do contrato-promessa de compra e venda da fracção autónoma em causa, ou subsidiariamente, se declare resolvido o referido contrato-promessa e sejam os Réus condenados a pagar à Autora o dobro do sinal, acrescido de despesas e juros de mora.
No fundo, o que se verifica é que a Ré duma acção intentou, separadamente, uma outra acção contra o Autor e a co-Ré daquela primeira acção.
Face a tal situação, julgamos não estarem verificados os pressupostos de admissibilidade da reconvenção, senão vejamos.
A reconvenção é uma forma autónoma de contra-ataque, em que o réu se defende contra o autor no mesmo processo.
Como sendo facultativo, se o réu não tivesse deduzido reconvenção no mesmo processo contra si intentado, mas sim proposta nova acção em processo autónomo e em separado, só é permitida a apensação das duas acções quando se verificar que essas pudessem ter sido reunidas num só processo, mas não é o caso.
No vertente caso, a situação é o seguinte: temos duas acções, uma foi intentada pelo Autor contra as três Rés, e outra foi proposta por uma das Rés contra o Autor e a co-Ré daquela primeira acção.
Como preceitua o nº 1 do artigo 218º do Código de Processo Civil, “o réu pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra o autor” – sublinhado nosso.
Isto resulta que o réu não pode, em reconvenção, deduzir pedidos contra os co-réus.
No mesmo sentido segue o Acórdão da Relação de Coimbra, de 5.12.1989, no Processo nº 1078/89, referindo que “é inadmissível a formulação de pedido reconvencional dirigido contra os co-réus do reconvinte...”
Termos em que, por que a reconvenção não podia ser admitida naquela primeira acção, fundamento não há para deferir a apensação das duas acções propostas em separado.
Aliás, ainda que se tenha verificado a conexão substantiva alegada pela recorrente no sentido de que o pedido da 2ª Ré na segunda acção emerge do facto jurídico que serve de fundamentação à acção ou à defesa, a solução também não vai ser diferente.
Basta atentar à redacção do artigo 219º, nº 1 do Código de Processo Civil, onde se refere a “pressupostos de admissibilidade da reconvenção”, e entre esses pressupostos previstos no artigo 218º do mesmo Código, afirma-se expressamente no seu nº 1 que o pedido reconvencional deve ser deduzido contra o autor.
Uma vez que não se encontram preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade da reconvenção de que depende a apensação de acções, o pedido não deixa de improceder.
Para se terminar, convém deixar mais uma nota.
Em nossa opinião, a questão de nulidade ou anulabilidade do “acordo provisório de compra e venda” e do “acordo adicional” (juridicamente seria um contrato-promessa de compra e venda) suscitada na primeira acção é prejudicial em relação à questão sobre a execução específica do mesmo contrato-promessa questionada na segunda acção, pelo que, ainda que as duas acções sejam julgadas em juízos diferentes, também não se vislumbra como poderá ocasionar a alegada contradição de julgados, para além de que não se vê obstáculo para a recorrente pedir, querendo, a suspensão da instância desta segunda acção, nos termos concedidos pelo artigo 223º do Código de Processo Civil.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
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RAEM, 14 de Maio de 2015

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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
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João Augusto Gonçalves Gil de Oliveira
1 Cândida da Silva Antunes Pires e Viriato Manuel Pinheiro de Lima, Código de Processo Civil de Macau, Anotado e Comentado, Volume II, FDUM, 2008, páginas 64 e 65
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