Processo nº 501/2013
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
No âmbito dos autos da acção sobre contratos administrativos registada sob o nº 117/11-CA no Tribunal Administrativo, intentada por A, devidamente id. nos autos, em que se cumulou o recurso contencioso da anulação, foi proferida a seguinte sentença rejeitando o recurso contencioso com fundamento na irrecorribilidade do acto recorrido e julgando procedente a excepção de ilegitimidade passiva do Director dos Serviços de Saúde:
A, ora Autora, melhor identificada nos autos, vem intentar a presente acção sobre contratos administrativos contra os Serviços de Saúde, ora Réu, e deduziu, de forma cumulada, o pedido da anulação do despacho do Director dos Serviços de Saúde, de 8 de Abril de 2011, alegando que se destinou a executar o despacho do Chefe do Executivo de 29 de Abril de 2011, por vícios da violação da lei, e o da condenação do Réu a pagar à Autora a diferença da valorização indiciária resultante do valor devido, determinado pela retroactividade da sua valorização indiciária, desde 1 de Julho de 2007 a 7 de Setembro de 2010.
*
Regularmente citado, o Réu veio contestar, suscitando a não definitividade e executoriedade do acto anulando e defendendo a sua legalidade, e propugnando pela improcedência absoluta dos pedidos.
*
A Digna Delegada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de rejeitar a presente instância, por falta da legitimidade passiva e irrecorribilidade do acto anulando, e de improceder os pedidos por falta de fundamento legal.
*
Antes de proceder a análise do mérito da causa suscitado nos autos, devemos analisar por preliminar as excepções, designadamente, irrecorribilidade do acto anulando e ilegitimidade passiva, suscitadas pelo Réu e pela Ilustre Magistrada do Ministério Público no seu douto parecer.
Dos autos e do P.A. anexo resulta provada a seguinte factualidade relevante:
1.º - A A. foi contratada ao exterior por contrato além do quadro para exercer funções de assistente hospitalar de medicina interna, com início a partir de 24/05/1995, tendo-lhe sido atribuído o índice 580, correspondente à categoria de assistente hospitalar do 1.º escalão (vide fls. 171 e verso do P.A.).
2.º - O seu contrato foi renovado por averbamento, passando ao 2.º escalão da mesma categoria, até 31/10/2000 (vide fls. 139 a 140v, 155 a 157v e 170 do P.A.).
3.º - Em 09/06/2000, com vista a revogação do Decreto-Lei n.º 60/92/M, foi elaborado o parecer n.º 47/SS/2000 no sentido de recrutar a A. por contrato individual de trabalho celebrado ao abrigo do art.º 48.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 81/99/M, por 6 meses (fls. 127 a 133 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
4.º - Por despacho do Sr. Secretário de Assuntos Sociais e Culturais datado de 07/07/2000, a proposta constante do parecer acima referido mereceu concordância (fls. 127 do P.A.).
5.º - Em 30/08/2000, foi celebrado um contrato individual de trabalho entre a A. e o Réu, para prestação da actividade médica da respectiva especialidade e colaboração na formação, designadamente dos médicos e dos internatos, por 6 meses, com início a partir de 01/11/2000, tendo-lhe sido atribuído o índice 620, correspondente à categoria de assistente hospitalar do 2.º escalão, com menção de manutenção de todos os direitos dos contratos anteriores conferidos pelo ETAPM e os direitos constantes em anexo (vide fls. 134 a 138 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
6.º - O seu contrato foi renovado por averbamento até 30/04/2003 (vide fls. 126 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
7.º - Em 25/04/2003, foi renovado e celebrado um contrato individual de trabalho entre o A. e o Governo da R.A.E.M., representado pelo Director do Réu, para prestação da actividade médica na área da medicina interna e colaboração na formação dos médicos e dos internatos, por 1 ano, com início a partir de 01/05/2003, tendo-lhe sido atribuído o índice 650, correspondente à categoria de Chefe de Serviço Hospitalar do 1.º escalão (vide fls. 83 a 84 e 111 a 119 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
8.º - Em 15/04/2004, foi renovado e celebrado um novo contrato individual de trabalho entre o A. e o Governo da R.A.E.M., representado pelo Director do Réu, para prestação da actividade médica na área da medicina interna e colaboração na formação dos médicos e dos internatos, por 1 ano, com início a partir de 01/05/2004, tendo-lhe sido atribuído o índice 650, correspondente à categoria de Chefe de Serviço Hospitalar do 1.º escalão (vide fls. 86 a 98 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
9.º - O contrato foi renovado por averbamento, passando à categoria de Chefe de Serviço Hospitalar do 3.º escalão, até 30/04/2011 (vide fls. 23 a 25, 31 a 35, 41 a 45, 51 a 55, 61 a 65, 71 a 76 e 81 a 82 do P.A.).
10.º - Em 28/01/2011, na notificação interna com n.º 0373/NI/DP/2011 feita à A. sobre a revisão do contrato individual de trabalho, a A. deixou uma declaração com o seguinte: “A abaixo assinada vem por este meio declarar que aceita a renovação do seu contrato individual de trabalho, por averbamento, nos termos do n.º 1 do art.º 43.º da Lei n.º 10/2010” (fls. 5 do P.A., cujo teor que se dá aqui por integralmente transcrito).
11.º Em 22/03/2011, para efeitos de revisão dos contratos individuais de trabalho da A. e os outros quatro médicos do Réu, a saber, B, C, D e E, foi elaborado o parecer n.º 36/GJ/2011 (fls. 6 a 8v do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
12.º - Em 08/04/2011, o Director do Réu deu o despacho “閱,致SAAG” (Visto. Ao SAAG) à proposta constante do parecer acima referido (fls. 6 do P.A.).
13.º- Em 13/04/2011, para efeitos de revisão e renovação do contrato individual de trabalho da A., foi elaborado o parecer n.º 248/PP/DP/2011 (fls. 1 a 3 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
14.º - Por despacho do Chefe de Executivo datado de 29/04/2011, a proposta constante do parecer acima referido mereceu concordância (fls. 1 do P.A.).
15.º - A A.. renovou o seu contrato individual de trabalho celebrado em 15/04/2004 com o Governo da R.A.E.M. e assinou dois averbamentos com efeitos a produzir a partir de 17/05/2011 e 07/09/2010 respectivamente, deixando por escrito uma declaração de ressalva no averbamento cujos efeitos a produzir a partir de 07/09/2010 (fls. 17 a 22 do P.A., cujo teor que se dá aqui por integralmente transcrito).
16.º - Em 15/06/2011, foi a A. abonada a diferença da remuneração entre a remuneração correspondente à categoria de Chefe de Serviço, 3.º escalão, índice 900, segundo o disposto na Mapa I do Anexo da Lei n.º 10/2010 e a remuneração resultante da categoria, escalão e índice constante no anterior averbamento ao seu contrato retroactivamente a 7/9/2010.
17.º - Em 05/09/2011, foi o A. notificado do parecer n.º 36/GJ/2011 em resposta ao seu requerimento pelo Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (fls. 29 dos autos).
A convicção do Tribunal baseou-se nos documentos constantes do P.A. e dos autos e nas confissões das partes.
*
Da natureza do acto recorrido/anulando
Na petição, a A. deduziu, de forma cumulada, o pedido da anulação do despacho do Director dos Serviços de Saúde, de 8 de Abril de 2011, e alegou que se destinou a executar o despacho do Chefe do Executivo de 29 de Abril de 2011, por vícios da violação da lei, e o da condenação do Réu a lhe pagar a diferença da valorização indiciária resultante do valor devido, determinado pela retroactividade da sua valorização indiciária, desde 01 de Julho de 2007 a 7 de Setembro de 2010.
Estipula no art.º 113.º do C.P.A.C. o seguinte:
“Artigo 113.º
(Finalidade e cumulação de pedidos)
1. A acção sobre contratos administrativos tem por finalidade dirimir os litígios sobre interpretação, validade ou execução dos contratos, incluindo a efectivação de responsabilidade civil contratual.
2. O conhecimento da acção sobre contratos administrativos não impede o recurso contencioso de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato.
3. O pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato pode ser deduzido, inicial ou supervenientemente, em acção sobre contratos administrativos quando aquele pedido e os formulados nos termos do n.º 1 estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência ou quando a procedência de todos os pedidos dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas ou cláusulas contratuais.”
Para o efeito, o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência jurídica de actos administrativos relativos à formação e execução do contrato pode admitir-se quando o acto recorrido e as causas de pedir dos litígios relativa à interpretação, validade e execução do contrato estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência ou quando a procedência de todos os pedidos dependa essencialmente da apreciação dos mesmos factos ou da interpretação e aplicação das mesmas normas jurídicas ou cláusulas contratuais.
Ademais, o acto recorrido deve reunir os pressupostos processuais do recurso contencioso previstos no art.º 28.º do C.P.A.C., e a dedução do pedido deve ainda respeitar o prazo de recurso consagrado no art.º 25.º, n.º 2 e 3, 26.º e 27.º do mesmo Código (cfr. art.º 115.º, n.º 3 do C.P.A.C.).
Segundo o entendimento da A., o acto anulando/recorrido foi um despacho proferido pelo Director do SSM no sentido de “Visto. Ao SAAG” (traduzido por nosso), datado de 08/04/2011 e exarado no parecer n.º 36/GJ/2011, donde se constatou uma análise das declarações dos cincos médicos (de que a A. faz parte) que declararam aceitar “a revisão e renovação do seu contrato individual de trabalho por averbamento nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei n.º 10/2010”, sendo acto recorrível porque praticado fora dos limites impostos pelo Despacho do Chefe do Executivo em excluir a aplicação da retroactividade das valorizações indiciárias das transições para pessoal provido por contrato individual de trabalho.
Lê-se o seguinte no referido parecer n.º 36/GJ/2011:
“… … …
Relativamente ao assunto em epígrafe, e no seguimento do ofício n.º 274/PP/DP/2011 dos Serviços de Saúde, cumpre-nos emitir o parecer seguinte:
Da Questão:
1. Foi proposta uma revisão às cláusulas constantes nos contratos individuais de trabalho (adiante referidos por “CITs”), com referência à Lei n.º 10/2010, a 5 (cinco) médicos dos Serviços de Saúde de Macau, a saber, o Sr. Dr. B, a Sr.a. Dr.ª. A, o Sr. Dr. C, o Sr. Dr. D e a Sr.ª. Dr.ª. E.
2. Em resposta, todos os supra referidos médicos declararam que aceitam“a revisão e renovação do seu contrato individual de trabalho por averbamento nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei n.º 10/2010”.
3. Salvo melhor interpretação pretende a Divisão de Pessoal destes Serviços ser clarificada sobre as consequências legais resultantes de tais declarações.
Do Direito:
4. De acordo com informações e pareceres que já têm sido emitidos por este Departamento Jurídico (nomeadamente o n.º 113/GJ/2009) e Departamento do Pessoal ( a título de exemplo o n.º 188/PP/DP/2010) se reforça a opinião de que o regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos, regulado pela recente lei n.º 14/2009, não é aplicável aos trabalhadores providos por contrato individual de trabalho ao abrigo do artigo 99.º da Lei Básica.
5. Pelo que, consequentemente, as leis que posteriormente entraram em vigor com o propósito de regularem especificamente cada uma das carreiras públicas ligadas aos Serviços de Saúde (nomeadamente a lei n.º 10/2010) não se aplicam, por natureza, aos já referidos trabalhadores recrutados ao exterior e providos por CIT.
6. Podendo, no entanto, ser possível fazer referências à estas Leis nos futuros averbamentos aos contratos de trabalho aqui em discussão para que, exclusivamente, sejam aplicadas outras obrigações ou/e direitos contratuais às partes envolvidas.
7. Na presente situação, e salvo melhor opinião, foi esta a intenção dos 5 Médicos que vieram declarar aceitar a revisão e renovação do CIT, ou seja,
8.versa o artigo referido pelos supra indicados médicos o seguinte:
Artigo 43.º
Contratos individuais de trabalho em vigor
1. Os contratos individuais de trabalho celebrados antes da data da entrada em vigor da presente lei e as suas renovações continuam sujeitos à disciplina emergente desses contratos.
9. Assim, pretendem estes médicos que os seus CIT não sejam regulados ou sujeitos à lei n.º 10/2010.
10. Apesar de o novo averbamento não poder ser feito“nos termos desta disposição legal (por esta lei não ser aplicada a estes CITs) o pedido dos médicos poderá ser concedido por referência a algumas normais aí dispostas se ambas as partes estiverem de acordo, mantendo-se, como pretendem, a disciplina dos seus contratos.
Conclusão:
Os médicos supra referidos declararam aceitar a revisão e renovação dos respectivos CITs por averbamento nos termos do n.º 1 do artigo 43 da lei n.º 10/2010 significando com isto, salvo melhor opinião, que pretendem que a disciplina jurídica a aplicar aos referidos contratos hão seja alterada com a entrada em vigor da nova lei, ou seja, que a lei n.º 10/2010 não lhes seja aplicada.
De acordo com todas as estipulações legais em vigor nada se opõe à pretensão dos requerentes.
Aproveita-se o momento para reforçar a já assente opinião de que o regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos (Lei n.º 14/2009) e consequente regime da carreira médica (Lei n.º 10/2010) não são aplicáveis aos referidos médicos pelo facto destes serem providos por CIT ao abrigo do artigo 99.º da Lei Básica.
Corno alternativa, em caso de necessidade e por mútuo acordo das partes, poderá o novo averbamento aos CITs dos referidos médicos conter referências às leis aqui referidas fazendo destas parte integrante dos contratos.
À consideração superior.
… … …”
Não obstante ter esclarecido neste parecer a posição do Réu de não aplicabilidade das Leis n.º 14/2009 e n.º 10/2010 aos referidos cinco médicos (em que a A. faz parte) pelo facto destes serem providos por contrato individual de trabalho ao abrigo do artigo 99.º da《Lei Básica》, salvo eles optarem por celebrar um novo contrato individual de trabalho regido pela nova lei que se não verificaram, não se pode concluir do despacho do Director exarado no mesmo parecer, no sentido de “Visto. Ao SAAG”, que possui um conteúdo decisivo e produz efeitos jurídicos respeitante ao contrato individual do trabalho da A..
Não foi analisado nem determinou no referido parecer a retroactividade e abono da diferença resultante da valorização indiciária perante as declarações escritas feitas no respectivo averbamento ao contrato de trabalho daqueles cinco médicos, mas foram analisadas as declarações escritas feitas nas respostas às propostas da revisão do contrato.
Acresce que pela lógica temporal, não se pode admitir que um acto praticado anterior se destina a executar um acto praticado posterior àquele.
No nosso entender, o despacho do Director do SSM reveste a natureza interna sem produzir efeitos jurídicos e externos na esfera jurídica da A. (vide art.º 110.º do C.P.A.), não reunido o pressuposto processual da recorribilidade consagrado no art.º 28.º, n.º 1, do C.P.A.C..
Por outra banda, foi exarado no parecer n.º 248/PP/DP/2011 onde se exarou o despacho do Exmº Sr. Chefe do Executivo datado de 29/04/2011 e faz parte integrante dele o seguinte:
“… … …
參照第10/2010號法律,修改合同附註
1. 隨著第10/2010號法律《醫生職程制度》於2010年9月7日生效,A醫生原合同中作為參照訂定職位和報酬依據的第68/92/M號法令(舊有醫生職程制度)已被廢止,此外新醫生職程中主任醫生的職務內容、職稱和薪俸點亦已作調整;
2. 經諮詢仁伯爵綜合醫院院長的意見後,其同意該醫生之續約職級,參按新醫生職程的第三職階主任醫生,薪俸點900點(附件4);
3. 基於公平原則及參考本局對外聘人員的統一處理,現謹向局長 閣下建議如下:
3.1 參按第10/2010號法律,A醫生之職級訂為第三職階主任醫生,薪俸點900點。以及參按同上法律第四十三條第三款之規定2,該合同效力追溯至該法律之生效日開始(2010年9月7日)至2011年4月30日,並修改合同附註(附件5);
3.2 另自2011年5月1日開始,將繼續以第三職階主任醫生職級聘用(薪俸點900點),且按照11月15日第81/99/M號法令第四十八條第三款之規定3,與A醫生之個人勞動合同續期一年,並修改合同附註(附件6);
… … …”
Então, foi o dito parecer que determinou a retroactividade do contrato individual de trabalho da A. e mereceu o despacho de concordância do Exmº Sr. Chefe do Executivo e em consequência, o Réu procedeu à renovação do respectivo contrato da A. por averbamento (vide a Cláusula 20.ª do averbamento onde a A. deixou uma declaração da ressalva), assim, não se pode acolher a opinião da A. de que o acto anulando/recorrido, mesmo que foi analisada a declaração da ressalva da A. no parecer a que subjacente, se destinou a executar o respectivo despacho do Exmº Sr. Chefe do Executivo, nem se pode concluir do despacho do Exmº Sr. Chefe do Executivo da decisão de fazer retroagir a valorização indiciária consagrado no averbamento ao contrato individual de trabalho da A. à data anterior da vigência da Lei n.º 10/2010.
Sobre a declaração da ressalva da A. deixando à assinatura do averbamento ao seu contrato individual de trabalho, é apenas uma manifestação de ressalva do direito a reclamar no futuro os direitos concedidos pela Lei n.º 10/2010 que entendera ser titular sem que contra ela se possa invocar a respectiva aceitação expressa ou tácita, nos termos do art.º 34.º do C.P.A.C.. Nunca se pode extrair desta declaração uma aceitação implícita ou tácita pela contraparte em lhe reconhecer e conceder direito de receber um montante pecuniário correspondente à diferença das valorizações indiciárias contada a partir de 01/07/2007 a 07/09/2010.
Com efeito, os actos de renovação do contrato e abono resultante da diferença da valorização indiciária praticados pelo Director do SSM foram efectuados em conformidade, sem conteúdo inovador, nem contradizer ou exceder os limites subjacente ao sentido e determinado do despacho do Exmº Sr. Chefe do Executivo, são actos de mera execução ou aplicação de actos administrativos, faltando assim a recorribilidade, ao abrigo dos art.º 30.º, n.º 1 do C.P.A.C. e art.º 138.º, n.º 3 e 4 do C.P.A..
Pelo exposto, e nos termos dos art.º 28.º, n.º 1 e 46.º, n.º 2, alínea c) do C.P.A.C., rejeita-se o recurso contencioso por ser procedente a excepção da irrecorribilidade do acto anulando/recorrido.
*
Da ilegitimidade passiva
Segundo aos factos provados, o primeiro contrato individual de trabalho foi celebrado entre a A. e o R. com efeitos e partir de 01/11/2000, com o último contrato celebrado em 15/04/2004 com efeitos a partir de 01/05/2004, renovando sucessivamente por averbamento até 30/04/2012.
Intervindo neste contrato individual de trabalho contraentes a A. e o “Governo” da R.A.E.M. (pelo menos, a partir da renovação do contrato celebrado em 25/04/2003 com início a partir de 01/05/2003, conforme a fls. 111 a 119 do P.A., foi estipulado no referido contrato são outorgantes o Governo e a A.), sendo o “Governo” órgão executivo da R.A.E.M., faltando assim a personalidade jurídica ao abrigo dos art.º 12.º e 61.º da《Lei Básica》), cuja representação é feita pelo Director do SSM, ora Réu.
Não existe norma expressa estatuída para regular a legitimidade passiva na respectiva espécie de acção sobre contratos administrativos no《Código de Processo Administrativo Contencioso》(C.P.A.C.) (ao contrário de que constante no seu art.º 114.º), não se pode considerar o Réu, sendo a pessoa colectiva a que a A. trabalhara, a parte legítima e passiva da presente instância, ao abrigo do art.º 58.º do《Código do Processo Civil》(C.P.C.), ex vi do art.º 1.º do C.P.A.C., dado que o litígio aqui discutido vem obviamente de interpretação, validade e execução sobre as cláusulas contratuais do contrato administrativo em que o Réu, representado pelo seu Director, o outorgou como mero representante do Governo da R.A.E.M.. e por isso, não sendo parte contraente, falta assim a legitimidade passiva.
Pelo que, decide proceder a excepção da ilegitimidade passiva e rejeitar a presente instância nos termos do art.º 230.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C., ex vi do art.º 1.º do C.P.A.C..
*
Entendeu a A. que deve ser provocada a intervenção da RAEM e citada na pessoa do representante do Ministério Público para suprir a irregularidade assacada à ilegitimidade passiva nos presentes autos.
Cremos que se não afigura adequado e oportuno providenciar pelo suprimento da aludida excepção dilatória nesta fase processual.
Acresce que mesmo assim se entenda que a ora ilegitimidade passiva não se verificasse, não se poderia proceder as pretensões da A. do reconhecimento da retroactividade da sua valorização indiciária, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2007 a 7 de Setembro de 2010, e da consequente condenação do Réu para efectuar o respectivo abono.
Vejamos.
*
Para sustentar a sua pretensão, a A. alegou que o seu contrato individual de trabalho foi revisto e renovado nos termos do disposto no art.º 43.º, n.º1, da Lei n.º 10/2010, de 6 de Setembro, como se bem exarado na proposta n.º 248/PP/DP/2011, onde se recaiu o despacho do Exmº Sr. Chefe do Executivo, de 29/04/2011, e nunca declarou que “Os seus CIT não sejam regulados ou sujeitos à Lei n.º 10/2010” ou “A disciplina jurídica a aplicar aos referidos contrato não seja alterada com a entrada da nova lei, ou seja, que a Lei n.º 10/2010 não lhe seja aplicada.”, mas “a declaração de reserva, aposto no averbamento, traduz, precisamente, uma manifestação de vontade de aplicabilidade de todos os direitos emergentes do “regime jurídica da carreira médica”,...da sua aplicabilidade integral (incluindo o direito à retroactividade das alterações ocorridas)...” (vide art.º 47.º da petição inicial).
Como se já disse supra, não se pode considerar a declaração da ressalva da A. deixando à assinatura do averbamento ao seu contrato individual de trabalho, uma aceitação implícita ou tácita da contraparte em lhe reconhecer e conceder o direito de receber um montante pecuniário correspondente à diferença das valorizações indiciárias contada a partir de 01/07/2007 a 07/09/2010. Esta reserva nunca implica qualquer alteração ao estipulado no respectivo averbamento, nomeadamente, na sua Cláusula 20.º onde preceitua: “Sem prejuízo do previsto no n.º 1 da cláusula 2.ºa, este averbamento produz efeitos a partir de 7 de Setembro de 2010.”.
Ademais, foi elaborado o parecer n.º 36/GJ/2011 com vista a analisar as declarações feitas pelos alguns médicos, entre os quais a A., nas respostas das propostas de revisão das cláusulas nos respectivos contratos individuais de trabalho, cuja conclusão foi absolvida pelo despacho do Chefe do Executivo de 29/04/2011.
*
Passamos a analisar o regime de provimento da A. para determinar se a Lei n.º 10/2010, nomeadamente, o preceituado no n.º 2 do art.º 47.º, seja aplicável automaticamente ao seu contrato individual de trabalho, com a sua entrada em vigor.
A A. foi recrutada ao exterior mediante contrato além do quadro para prestar actividade médica junto do CHCSJ dos Serviços de Saúde a partir de Setembro de 1995, cuja forma de provimento foi alterada para contrato individual de trabalho a partir de 01/11/2000.
Na altura, vigorava-se o Decreto-Lei n.º 60/92/M《Regime Jurídico do Recrutamento no Exterior》de 24 de Agosto com o seguinte:
“Artigo 1.º
(Objecto e âmbito)
1. O presente decreto-lei estabelece as normas que regem o recrutamento de pessoal ao abrigo do n.º 1 do artigo 69.º do Estatuto Orgânico de Macau para exercer funções nos serviços e organismos públicos, incluindo as autarquias, os serviços e fundos autónomos, bem como nas empresas públicas e demais pessoas colectivas de direito público.
2. Ao restante pessoal recrutado no exterior são aplicáveis as normas constantes do respectivo contrato de trabalho e, subsidiariamente, com as devidas adaptações, o disposto no presente diploma.
3. Ao pessoal referido nos números anteriores aplica-se, supletivamente, o regime da função pública de Macau.
Artigo 7.º
(Modalidades)
1. O pessoal recrutado, nos termos do artigo 1.º, pode exercer funções nos seguintes regimes:
a) Comissão de serviço, quando prevista na lei;
b) Contrato além do quadro e, excepcionalmente, assalariamento;
c) Contrato individual de trabalho.
2. A prestação de serviço no Território tem, em regra, a duração de dois anos ou a que lhe for fixada no despacho de autorização.
3. O contrato além do quadro e o assalariamento obedecem ao regime fixado para a função pública e o contrato individual de trabalho obedece ao regime que for fixado no respectivo contrato.
4. O pessoal recrutado só pode transitar para serviço diverso daquele onde exerce funções quando expressamente autorizado pelo Governador.”
E o Decreto-Lei n.º 29/92/M de 8 de Junho que estabeleceu o regime orgânico dos Serviços de Saúde e revogado pelo Decreto-Lei n.º 81/99/M de 15 de Novembro, teve o seguinte:
“Artigo 45.º
(Quadro e regime de pessoal)
1. Os SSM dispõem do quadro de pessoal constante do mapa anexo ao presente diploma.
2. O regime do pessoal é o previsto na lei para os trabalhadores da Administração Pública.
3. O pessoal médico e de enfermagem pode ser autorizado a exercer actividade privada em regime de profissão liberal sempre que não haja incompatibilidade com as funções que exerce.”
Resulta destas disposições citadas que os recrutados ao exterior por contrato além do quadro e assalariamento sujeitaram-se ao regime geral dos trabalhadores de função pública, como o pessoal de quadro do SSM, enquanto que os recrutados ao exterior por contrato individual de trabalho se sujeitaram aos previstos nos respectivos contratos.
Com a celebração do contrato individual de trabalho, a forma de provimento da A. alterou-se e ficaram expressamente consagrados no seu contrato que os direitos já previstos nos contratos anteriores conferidos pelo ETAPM mantiveram-se.
Dispõe no Decreto-Lei n.º 81/99/M de 15 de Novembro, o seguinte:
“Artigo 48.º
(Quadro e regime de pessoal)
… … …
3. Os SSM podem contratar pessoal médico, de enfermagem ou outro pessoal técnico, em Macau ou no exterior, em regime de contrato individual de trabalho ou de prestação de serviços para a execução de trabalhos de elevada diferenciação técnica.
… … …”
Não fica regulado no《Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau》(ETAPM), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, o contrato individual de trabalho uma forma de provimento regra para os trabalhadores da função pública, nem o direito respeitante à carreira se aplicava ao recrutados providos por contrato individual de trabalho (vide art.º 2.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 86/89/M, de 21 de Dezembro).
Mesmo assim, não nos acolhemos o entendimento que o contrato individual de trabalho em causa não reveste a natureza administrativa, atento ao disposto no art.º 3.º da Lei n.º 7/2008 《Lei das relações de trabalho》e no art.º 166.º do Código de Procedimento Administrativo (C.P.A.), e ainda o objecto do respectivo contrato.
Dado que não existe norma de carácter imperativa que obriga ou afasta a aplicação aos médicos recrutados por contrato individual de trabalho do regime geral dos trabalhadores da função pública ou do regime da carreira médica, ao invés dos médicos do quadro e os médicos contratados além do quadro e do assalariamento, cujo regime fica disposto na lei, designadamente, o ETAPM, o D.L. n.º 86/89/M, de 21 de Dezembro, e o D.L. n.º 68/92/M, de 21 de Setembro, pelo que, salvo o respeito por opinião melhor, os recrutados por contrato individual de trabalho regem-se apenas pelos previstos acordados nos respectivos contratos, sem prejuízo da remissão para as disposições constantes no ETAPM e no regime de carreira médica.
Com a entrada da vigência da Lei n.º 14/2009, de 3 de Agosto, que estabelece o regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau, abrangem todos os trabalhadores da função pública, independentemente de forma de provimento, com algumas excepções.
Prevê-se no art.º 1.º da Lei n.º 14/2009, de 3 de Agosto, o seguinte:
“Artigo 1.º
Objecto e âmbito
1. A presente lei regula o regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos da Região Administrativa Especial de Macau, adiante abreviadamente designada por RAEM.
2. O regime das carreiras é aplicável aos trabalhadores providos em regime de nomeação provisória ou definitiva, nomeação em comissão de serviço, contrato além do quadro, contrato de assalariamento e contrato individual de trabalho nos serviços públicos da RAEM.
3. O regime previsto na presente lei e respectivos diplomas complementares é ainda aplicável, com as necessárias adaptações e em tudo o que não seja incompatível com os respectivos regimes próprios, aos trabalhadores dos serviços e fundos autónomos da RAEM.
4. O regime das carreiras não é aplicável aos trabalhadores providos:
1) Ao abrigo de estatutos privativos de pessoal;
2) Para desempenharem funções que, pela sua natureza ou especificidade, sejam reguladas por diploma próprio;
3) Para servirem como consultores ou em funções técnicas especializadas;
4) Em empresas ou associações públicas, ou sociedades com capital total ou parcialmente público;
5) Para desempenharem funções nas Delegações da RAEM no exterior, nos termos da legislação do local onde se encontra sedeada a Delegação.
5. A contratação dos trabalhadores referidos na alínea 3) do número anterior depende da autorização indelegável do Chefe do Executivo.
Artigo 19.º
Áreas de actividades
1. As carreiras especiais têm as designações previstas na lei e inserem-se nas seguintes áreas de actividade:
… … …
12) Saúde;
… … …
2. As carreiras especiais inseridas nas áreas de Educação, Justiça, Redacção de Línguas, Registos e Notariado, Saúde e Segurança regem-se por diplomas próprios.”
Tendo em conta que a A. é contratada para prestação da actividade médica, não nos entendemos que seria aplicável ao seu contrato individual de trabalho o regime estipulado na Lei n.º 14/2009.
A Lei n.º 10/2010 estabelece o regime jurídico de carreira médica pelo qual são regulados o nível habilitacional, a estrutura da carreira, o desenvolvimento funcional, os regimes de trabalho, a formação profissional e as remunerações para aplicarem aos médicos dos Serviços de Saúde e os de outros serviços e organismos públicos da RAEM.
Ficam estatuídas ainda normas transitórias para se tratarem à adaptação do novo regime os pessoais já no tempo recrutados pelas várias formas de provimento, incluindo os médicos do quadro, os médicos contratados além do quadro e do assalariamento, nomeadamente, os médicos recrutados por contrato individual de trabalho que se excluíram no antigo regime de carreiras.
Estipula nos art.º 1.º, 2.º, 43.º e 47.º da Lei n.º 10/2010 o seguinte:
“Artigo 1.º
Objecto
A presente lei estabelece o regime jurídico da carreira médica.
Artigo 2.º
Âmbito de aplicação
1. A presente lei aplica-se aos médicos dos Serviços de Saúde da Região Administrativa Especial de Macau, adiante designada por RAEM.
2. O disposto na presente lei é aplicável, com as devidas adaptações, aos médicos de outros serviços e organismos públicos da RAEM.
Artigo 43.º
Contratos individuais de trabalho em vigor
1. Os contratos individuais de trabalho celebrados antes da data da entrada em vigor da presente lei e as suas renovações continuam sujeitos à disciplina emergente desses contratos.
2. As partes, por sua iniciativa e mútuo acordo, podem optar por celebrar um novo contrato individual de trabalho regido pela presente lei.
3. A opção referida no número anterior deve ser exercida no prazo de 180 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, retroagindo os efeitos do novo contrato a essa data.
4. Os contratos referidos no n.º 2 são celebrados tendo por referência o desenvolvimento da carreira constante do mapa 1 anexo à presente lei, tendo em conta as habilitações académicas ou profissionais legalmente exigidas, mantendo os trabalhadores a categoria e escalão anteriormente detidos.
5. Nos casos previstos no n.º 2 o tempo de serviço, para efeitos de progressão e acesso, é contado a partir da data de produção de efeitos dos novos contratos.
Artigo 47.º
Entrada em vigor
1. A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
2. As valorizações indiciárias decorrentes das transições a que se referem os artigos 35.º e 39.º e das alterações a que se referem o n.º 1 dos artigos 36.º, 37.°, 38.º e 42.º retroagem a 1 de Julho de 2007, e incidem, apenas, sobre o vencimento único, tendo os trabalhadores direito a receber um montante pecuniário equivalente à diferença entre os índices correspondentes à categoria e escalão resultantes da transição e os índices correspondentes à categoria e escalão detidos antes da transição.”
In casu, não se verifica a celebração de um novo contrato entre a A. e a R.A.E.M. regido pela Lei n.º 10/2010, nos termos do disposto no art.º 43.º, n.º 2 da mesma, desde que existe mútuo acordo das partes, mas simplesmente uma renovação por averbamento procedida ao abrigo dos art.º 48.º, n.º 3 da Lei n.º 81/99/M de 15 de Novembro e art.º 43.º, n.º 1 da Lei n.º 10/2010, com adaptação às carreiras e remunerações fixadas na mesma Lei (visto que as carreiras fixadas pelo Decreto-Lei n.º 68/92/M, de 21 de Setembro, se extinguem com a entrada em vigor da Lei n.º 10/2010).
O respectivo averbamento foi assinado pela A. cuja reserva escrita não altera o estipulado no averbamento.
E ainda que se verificasse um novo contrato individual de trabalho celebrado entre a A. e a R.A.E.M. e regido pela Lei n.º 10/2010, não se poderia reconhecer o direito da A. a receber um montante pecuniário correspondente à diferença das valorizações indiciárias contada a partir de 01/07/2007 a 07/09/2010, nos termos do art.º 47.º, n.º 2 da Lei n.º 10/2010.
Por um lado, o direito de receber um montante pecuniário correspondente à diferença das valorizações indiciárias resultante da transição e das conseguintes alterações introduzidas para os médicos do quadro e os contratados além do quadro e do assalariamento, com efeitos retroactivos, que per si não é um direito directo e automaticamente nascido por transição ou por alterações, mas em resultado de compromisso político (cfr. Parecer n.º 4/2010, da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa sobre as propostas da lei na área da saúde, p 35 a 41, onde se consta ainda uma análise sobre a aludida violação do princípio da igualdade da exclusão de aplicação aos recrutados por contratos individuais de trabalho), dado que as transições só produzem efeitos a partir da data da entrada em vigor da Lei n.º 10/2010 em 07/09/2010, e as alterações à celebração do averbamento, nos termos dos dispostos nos art.º 41.º e 42.º.
Lê-se o seguinte no Parecer n.º 4/2010, da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa sobre as propostas da lei na área da saúde:
“… … …
在公共職程修訂中所訂定的追溯期一直是至二零零七年七月一日,因為這一時間是政府公開作出重整澳門公職職程的政治承諾的日期。
首部涉及薪俸調整追溯至二零零七年七月一日的法律是,重組保安部隊及保安部門職程的法律(第2/2008號法律)。然而,需要強調的是,這部法律在追溯效力的範圍方面限制較少,因為該法律並沒有規定追溯僅限於人員的獨一薪俸。這意味追溯效力包括超時工作和其他薪俸增補的追溯,以及在二零零七年七月一日至該法律生效日的期間內退休的工作人員也可按調整後的薪俸點計算其退休金。
之後,獲通過的領導及主管人員通則的基本規定的法律(第15/2009號法律)也採用了與前述法律極相近的立法方案,只規定薪俸點調升自二零零七年七月一日起產生效力。因此,該法律同樣亦容許在二零零七年七月一日至法律生效日的期間退休的相關工作人員按調整後的薪俸點計算其退休金。
追溯的問題再次出現在現正分析的各個法案中,特別是薪俸調整的追溯效力只涉及編制內、編制外和散位的人員,把屬個人勞動合同的工作人員排除在外的問題。對此,政府的政治取向一直沒有改變,因此,在現正分析的法案中,提出該問題有可能需對一籃子公職改革法律中對個人勞動合同人員已作出的處理加以重新考慮。
關於這一點,由於有關立法方案可能與《基本法》第二十五條規定的平等基本原則不相配合而產生疑問。委員會在討論這個問題時參考了澳門特別行政區終審法院最近的一個合議庭裁判,當中深入分析了平等原則在規範上的合法性監督。
… … …
眾所周知,平等原則應理解為實質的公平,這種實質的平等,表現為要求對同等的事作同等對待,對不相同的事作不相同的對待35。因此,不同的對待需有合理及正當的理據,以確保對待上的差異並非任意及毫無合理依據,不至違反平等原則36。
據此,為着具體分析某一位以個人勞動合同方式聘用的工作人員,是否與一位以編制外合同或散位合同擔任類似職務的工作人員處於同一事實狀況,有必要分析以個人勞動合同聘用的公務人員的合同條件及適用的法律制度。在這方面,只有透過分析所協議的合同制度才能得出結論37。
當然,不能只說個人勞動合同由於屬私法性質,其自身是一種不同的聯繫方式,因而給予其不同的對待,尤其是不予追溯因修訂職程而增加的薪俸。事實上,正如現行法律制度就薪俸方面規定,以個人勞動合同方式聘用的公共行政工作人員的薪俸點,根據所擔任職務的相應職級訂定38。
因此,審視是否會有抵觸平等原則,只可能就每個個案,結合利害關係人的具體情況才能加以確定,但在這裡是不可能做到的。
… … …
35 參見Jorge Reis Novais,《沒有憲法許可下對基本權利的限制》,科英布拉出版社,2003年,第804至805頁。
36 詳見J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira,《葡萄牙共和國憲法釋義》,第一冊,第四版,科英布拉出版社,2007年,第338頁及續後數頁; Jorge Miranda, 《憲法教程》,第四冊,第三版,科英布拉出版社,2000年,第221及續後數頁。
37 對待遇優於澳門公職職程制度的個人勞動合同人員,不給予薪俸調升的追溯看來似乎是合理的。另一方面,如合同條件完全反映適用於編制外合同或散位合同人員的各項規定,似乎便沒有理由對有關人員給予不同的對待。
38 這方面的事宜是敏感的,對個人勞動合同不給予追溯增加的薪俸,導致自2007年7月1日起這些工作人員與其餘的澳門公職人員的報酬出現差距。立法者原則上希望排除這種差距,規定個人勞動合同須參照有關人員所擔任職務的相應職程,當然在薪俸方面亦不例外。
… … …”
De outro lado, a transição opera-se por lista nominativa, aprovada por despacho do Chefe do Executivo, independentemente de quaisquer formalidades, enquanto as alterações introduzidas pela nova lei também são extensivas automaticamente aos médicos contratados além do quadro e do assalariamento (cfr. art.º 40.º e 42.º da Lei n.º 10/2010).
Isto vem em harmonia e consonância de que o regime de carreiras se aplica directamente aos médicos do quadro, como já atrás analisamos, então as suas categorias e remunerações modificam automaticamente conforme os estipulados na nova lei com a sua entrada em vigor.
Para os médicos contratados além do quadro e do assalariamento, o regime a aplicar também se estipula na lei, designadamente, o ETAPM, o D.L. n.º 86/89/M, de 21 de Dezembro, e o D.L. n.º 68/92/M.
No entanto, os recrutados por contrato individual de trabalho obedecem à disciplina subjacente a esse contrato, cuja renovação é procedida com vista à revogação do D.L. n.º 68/92/M com a entrada da Lei n.º 10/2010.
Caso venham optar por celebrar um novo contrato individual de trabalho regido pela nova lei, por iniciativa e mútuo acordo das partes, que o legislador não se afasta, retroagiria apenas à data da sua entrada em vigor os efeitos do novo contrato, bem como a contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão e acesso (cfr. art.º 43.º da Lei n.º 10/2010).
Portanto, não é o pensamento do legislador de incluir os recrutados por contrato individual de trabalho pela nova lei de regime da carreira.
E dispõe na Lei n.º 14/2009, de 3 de Agosto, o seguinte:
“Artigo 69.º
Contratos individuais de trabalho em vigor
1. Os contratos individuais de trabalho celebrados antes da data da entrada em vigor da presente lei e as suas renovações, continuam sujeitos à disciplina emergente desses contratos.
2. As partes, por sua iniciativa e mútuo acordo, podem optar por celebrar um novo contrato individual de trabalho regido pela presente lei.
3. A opção referida no número anterior deve ser exercida no prazo de 180 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, retroagindo os efeitos do novo contrato a essa data.
4. Os contratos referidos no n.° 2 são celebrados tendo por referência a carreira a que corresponda as funções a desempenhar, tendo em conta as habilitações académicas ou profissionais legalmente exigidas, auferindo o trabalhador um índice de vencimento igual ou imediatamente superior ao que detém, caso não haja coincidência.
5. O tempo de serviço, para efeitos de progressão e acesso, dos contratos celebrados ao abrigo do n.° 2 é contado a partir da data de produção de efeitos do mesmo, não podendo ser anterior a data da entrada em vigor da presente lei.
6. Aos trabalhadores providos por contrato individual de trabalho não se lhes aplica o disposto no artigo anterior, contando-se o tempo de serviço para efeitos de progressão e acesso a partir da data da entrada em vigor da presente lei.
Artigo 81.º
Produção de efeitos
1. A transição decorrente da presente lei produz efeitos à data da sua entrada em vigor, excepto nas situações previstas na alínea 2) do n.º 1 do artigo 65.º e no n.º 2 do artigo 67.º
2. As valorizações indiciárias decorrentes da transição referida na primeira parte do número anterior retroagem a 1 de Julho de 2007, excepto nas situações previstas no artigo 69.º, e incidem, apenas, sobre o vencimento único, tendo os trabalhadores direito a receber um montante pecuniário equivalente à diferença entre os índices correspondentes à categoria e escalão resultantes da transição e os índices correspondentes à categoria e escalão detidos antes da transição.
3. A retroactividade prevista no número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, às valorizações indiciárias decorrentes da transição do pessoal referido no artigo 68.º
… … …”
Portanto, já existe normativo semelhante no regime geral das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos não reconhecendo o direito de receber, para os trabalhadores recrutados por contrato individual de trabalho, com efeitos retroactivos a partir de 01/07/2007, um montante pecuniário correspondente da diferença das valorizações indiciárias após da transição.
Pelo que, conjugando com a falta na letra da lei que se dá um mínimo de correspondência verbal, não se entende que fosse o pensamento do legislador para incluir os médicos recrutados por contrato individual de trabalho no grupo dos beneficiados de receber, com efeitos retroactivos a partir de 01/07/2007, um montante pecuniário correspondente da diferença das valorizações indiciárias após da transição.
E também não podemos chegar à conclusão que existisse uma lacuna legislativa de excluir os médicos recrutados por contrato individual de trabalho, pelo facto de que já existe uma norma transitória para regular este grupo de trabalhadores e exclui propositadamente o seu direito de receber um montante pecuniário equivalente à diferença entre os índices correspondentes à categoria e escalão resultantes da transição e os índices correspondentes à categoria e escalão detidos antes da transição, com efeitos retroactivos a 1 de Julho de 2007 (vide art.º 43.º e 47.º da Lei n.º 10/2010).
*
Em último, para abordar a questão de aludida violação do princípio da igualdade, não nos deixa de sufragar o douto decidido no âmbito dos autos de recurso do Venerando Tribunal da Última Instância com o processo n.º 27/2012 de 16/05/2012 onde são expostas razões detalhadas para suportar o entendimento de que se trate de uma opção do legislador e se afasta da violação do princípio da igualdade das disposições previstas nos art.º 36.º e 40.º, n.º 2, da Lei n.º 18/2009, que regula o regime da carreira de enfermagem, cujas redacções são correspondentes ao que disposto nos art.º 43.º e 47.º, n.º 2 da Lei n.º 10/2010.
Pelo que, não nos entendemos que a diferenciação da remuneração transitória, efectuado entre os vários grupos dos médicos, constitui flagrante e intolerável desigualdade, por se integrar dentro da discricionariedade do legislador.
É tudo que nos levamos excluir a utilidade de diligenciar com vista a suprir a invocada falta da legitimidade passiva, por se entender a manifesta improcedência dos pedidos.
***
Por tudo o que fica expendido e justificado, o Tribunal decide:
- rejeitar o recurso contencioso por irrecorribilidade do acto recorrido; e
- proceder a excepção da ilegitimidade passiva na presente acção sobre contratos administrativos e absolver-se o Réu da instância.
Custas pela A..
Registe e notifique.
Notificada e inconformada com a sentença, a recorrente/autora a veio interpor recurso jurisdicional para este Tribunal de Segunda Instância, concluindo e pedindo que:
A) Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 150 a 164, datada de 26 de Abril de 2013 que, quanto ao pedido de anulação do despacho do Director dos SSM, rejeitou o respectivo recurso contencioso por "irrecorribilidade do acto recorrido"; e, quanto à acção sobre contrato administrativo, julgou "... proceder a excepção da ilegitimidade passiva...,, e absolver o Réu da instância".
B) São essencialmente duas as questões sobre que a sentença em apreço se debruça e com as quais a recorrente, salvo o devido respeito, não concorda:
• a irrecorribilidade do acto do Director dos Serviços de Saúde;
• a ilegitimidade passiva da Direcção dos Serviços de Saúde para ser demandada na presente lide e da retroactividade indiciária do contrato da A. a 01/07/2007.
C) O despacho objecto da litígio não se limitou a esclarecer, opinativamente, uma dúvida da Divisão de Pessoal da DSS (doravante DPSS) relativa a claúsulas de reserva apostas pelos médicos nos respectivos averbamentos contratuais, deixando, à DSS, inteira liberdade de escolha e de decisão.
D) Não é verdade que o despacho do Director dos SS revista essa mesma natureza (preparatória e opiniativa), já que:
• trata-se da resolução final de um procedimento administrativo, em que culmina o referido Parecer 36/GJ/2011 (definitividade horizontal);
• o seu conteúdo traduz-se numa decisão:
a) homologatória (de concordância com o mesmo Parecer);
b) vinculativa dos agentes hierarquicamente inferiores (no caso concreto do Chefe da DSS); e que,
c) implicando a denegação do pagamento do "montante pecuniário" em causa, define, por essa via, a situação jurídica da A. e de outros particulares (definitívidade material), projectando-se, de modo irremediavelmente lesivo, na sua esfera jurídica.
E) O despacho do CE, homologatório da Proposta do Chefe de Divisão de Pessoal dos Serviços de Saúde n.º 295/PP/DP/2011, de 18 de Abril de 2011 é um acto duplamente definitivo:
• No plano horizontal, porque culmina o procedimento administrativo de que esta Proposta é acto preparatório;
• No plano material, porque define a situação jurídica da A., na medida em que autorizou:
a) a renovação do seu contrato, através do averbamento, com efeitos, respectivamente:
(1) a 30 de Janeiro de 2011 (data da cessação do contrato anterior); e
(2) a 7 de Setembro de 2010 (data da sucessão das leis no tempo), procedendo, desse modo, à ratificação-sanação da remuneração abonada ao A., como contrapartida pelo serviço por si prestado, durante o período em que o seu contrato já não estava em vigor, nos termos da legislação que antecedeu a Lei n.º 10/2010 (isto é, do Decreto-Lei n.º 68/92/M), e a data em que foi assinado; e
b) a alteração do contrato, de acordo com a Lei n. ° 10/2010 e respectivos anexos.
F) Se a entidade recorrida se considera incompetente para tomar posição sobre matéria que, em seu entender, só o CE poderia tomar, mas não tomou, então o seu acto padece de vício de incompetência - vício que ora, por mera razões de cautela, se argui, embora seja de conhecimento oficioso.
Porém, se a entidade recorrida se considera competente para tomar posição sobre tal matéria, então, ao decidir do modo como decidiu, definindo uma situação jurídica, em divergência com os termos do despacho do CE e em violação da lei, praticou um acto materialmente definitivo, não podendo invocar o seu carácter "preparatório ", "instrutório" e "opiniativo".
G) Revestindo o despacho anulando a natureza de acto de execução e não sendo a sua ilegalidade consequência da ilegalidade do acto exequendo (despacho do CE) e porque aquele acto de execução excede os limites do acto exequendo, independentemente da sua qualificação como acto horizontalmente definitivo, o Código do Procedimento Administrativo (CPA), no seu artigo 138.°:
• proíbe, aos órgãos da Administração Pública, a prática de "acto (...) de que resulte limitação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares, sem terem praticado previamente o acto administrativo que legitime tal actuação" (n.º 1);
• admite, a impugnação administrativa e contenciosa:
c) dos "actos (...) de execução que excedam os limites do acto exequendo" (n.º 3), bem como
d) dos "actos ( ... ) de execução arguidos de ilegalidade, desde que esta não seja a consequência da ilegalidade do acto exequendo" (n.º 4).
H) Deste modo, a ilegalidade que se imputa ao despacho - como referido na petição inicial- resulta da violação do disposto no artigo 138.° do CPA, já que, destinando-se a executar o despacho do CE, do acto resulta limitação de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos da A., sem que haja previamente um acto administrativo que legitime tal actuação, porquanto o despacho do CE, não apenas é insusceptível de interpretação extensiva, como dispõe mesmo em sentido contrário ao do acto anulando.
I) O CE, através do seu despacho, concorda que, "cessando" o contrato da A., em vigor em 7/9/2010, o mesmo possa ser renovado, através de averbamento, e que a prestação da actividade médica seja disciplinada juridicamente "de acordo com o disposto no art.º 1.º da Lei n.º 10/2010, de 6 de Setembro" (cláusula 1.ª), isto é, de acordo com "o regime jurídico da carreira médica", estabelecido na referida lei, que o mesmo é admitir que o averbamento se rege pelo n.º 1 do artigo 43.°.
J) Diversamente, o Director dos SS vai em sentido contrário: "o novo averbamento não pode ser feito 'nos termos' desta disposição legal [no.º 1 do artigo 43.°] (por esta lei não ser aplicada a estes CITs)" (ponto 10), concluindo-se o que já se dissera em momento anterior: "As leis que posteriormente entraram em vigor com o propósito de regularem especificamente cada uma das carreiras públicas ligadas aos Serviços de Saúde (nomeadamente a Lei n.º 10/2010) não se aplicam, por natureza, aos já referidos trabalhadores recrutados ao exterior e providos por CIT” (ponto 5).
K) Inexiste, pois, deste modo, "acto opiniativo" e não é verdade que o despacho do Director dos SS não integra a previsão normativa do artigo 110.° do CPA, constituindo mero acto instrumental, um parecer meramente facultativo e, logo, não vinculativo.
L) Por todas estas razões e por aquelas que se deixaram ditas na petição inicial, o despacho do Director dos SS integra a previsão normativa do artigo 110.° do CPA, visto que, o Director dos SS, que o praticou, é um órgão da Administração que, "ao abrigo de normas de direito público", visou ''produzir efeitos numa situação jurídica" (negação, à A., do direito ao "montante pecuniário", consagrado no n.º 2 do artigo 47.° da Lei n.º 10/2010), quer essas normas lhe atribuam competência para tanto ou não: no primeiro caso, o acto padece de vício de violação de lei; no segundo, padece ainda de vício de incompetência.
Por outro lado, quanto à segunda questão:
M) A alegada ilegitimidade passiva da DSS foi suscitada no Parecer do Digno Agente do M.P. de fls. 134 a 137.
A decisão ora recorrida acolheu coma boa esta posição e:
" ... decide proceder a excepção da ilegitimidade passiva e rejeitar a presente instância. ": bem como
"... cremos que se não afigura adequado providenciar pelo suprimento da aludida excepção dilatória nesta fase processual. "
N) É certo que a relação contratual sub judice se constituíu entre a RAEM, pessoa colectiva de direito público, e o ora Recorrente, embora aquela representada pelo Director dos Serviços de Saúde,
Todavia, o Código de Processo Administrativo Contencioso (CPAC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 110/99/M, de 13 de Dezembro, diz no seu artigo 13.°: «A citação dos órgãos administrativos é feita por carta registada com aviso de recepção».
O) Tendo em catita o disposto nos 46° e 47° do CPAC, mesmo que se considerasse inaplicável o disposto no artigo 13.º do CPAC - o que por mero raciocínio se admite, sem conceder - a verdade é que, preenchendo a lacuna, com recurso, por via da analogia, aos mencionados preceitos do recurso contencioso, sempre se concluirá que «o erro na identificação do autor do acto recorrido» [art. 46.°, n.º 2/al. f)] não tem consequências processuais significativas (art. 47.°, n.º 2) e só o terá nos casos de erro manifestamente indesculpável, o que não é o caso dos autos.
P) Por outro lado, face ao disposto no art.° 59° do CPAC, se o Director dos Serviços de Saúde interveio, supõe-se que em representação da RA.E.M.; e, se a R.A.E.M. teria de fazer-se representar por alguém, então, o alegado vício está sanado.
E, ainda,
Q) Face às disposições invocadas do CPAC (art.º 51° e art.º 99°) e do CPC (art.º 394°, art.º 397), entende o recorrente que, ao contrário do que refere a sentença recorrida, mesmo que se verificasse a ilegítimidade passiva da DSS, a petição inicial poderia e deveria ter sido alvo do despacho de aperfeiçoamento.
Por outro lado,
R) A sentença recorrida referiu que “... mesmo assim se entenda que a ora ilegitimidade passiva não se verificasse, não se poderia proceder as pretensões da A. do reconhecimento da retroactividade da sua valorização inidiciária, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2007 a 7 de Setembro de 2010, e da consequente condenação do Réu para efectuar o respectivo abono ".
Ora,
S) No Parecer nº 4/2010 da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa, faz-se uma distinção: entre os contratos individuais de trabalho celebrados antes do novo Regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos, aprovado pela Lei n.º 14/2009 e os contratos individuais de trabalho (CIT) celebrados em momento posterior.
T) “A extensão do regime de carreiras a todos os trabalhadores da Administração independentemente do vínculo que com esta mantêm, nomeadamente o contratual, constitui uma inovação face ao regime actual, que apenas consagra o direito à carreira ao pessoal do quadro.
U) Não é, pois, salvo o devido respeito, certo que, "tendo em conta que a A. é contratada para prestação da actividade médica, não nos entendemos que seria aplicável ao seu contrato individual de trabalho o regime estipulado na Lei nº 14/2009".
V) O facto de o contrato individual de trabalho não conter uma cláusula, estipulando a diferença da valorização indiciária, resultante da retroactividade a 01/07/2007, constitui matéria de direito relativa ao mérito da causa, em que o Tribunal sobre ela decidiu, mas que o recorrente não teve a oportunidade de sobre ela se pronunciar.
W) Diga-se, apenas, acompanhando o Parecer n.º 4/2010 da 3.ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa que:
• "A retroactividade na revisão das carreiras públicas tem-se reportado sempre a 1 de Julho de 2007 porque este foi o momento em que o Governo assumiu publicamente o compromisso político de reformular as carreiras da função pública de Macau" (p. 48), não integrando, pois, o estatuto remuneratório do contratado: está para além dele;
• "para se apreciar se, em concreto, um determinado trabalhador em regime de contrato individual de trabalho se encontra ou não numa situação de facto igual quando comparado com um trabalhador que exerça funções similares ao abrigo de um contrato além quadro ou de assalariamento é necessario analisar as condições contratuais e o regime legal aplicável ao trabalhador da função pública de Macau com um contrato individual de trabalho. Esta matéria apenas pode ser apurada perante uma análise do regime contratual acordado" (p. 53).
X) Daí, que nunca a lei poderia dizer que todos os trabalhadores dos serviços públicos providos em regime de contrato individual de trabalho têm "direito a receber um montante pecuniário equivalente à diferença entre os índices correspondentes à categoria e escalão resultantes da transição e os índices correspondentes à categoria e escalão detidos antes da transição", tal como o diz, o artigo 47.°, n.º 2 do da Lei 10/2010, para os demais contratados além do quadro e assalariados. Mas, também os não excluiu expressamente, como o fez o n.° 2 do artigo 81.° da Lei 14/2009 para os contratos individuais de trabalho sujeitos ao regime geral estabelecido nesta lei. Impondo-se, por isso, interpretar este preceito legal à luz do princípio da igualdade, consagrado no artigo 25.° da Lei Básica da RAEM ..
Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências.
Assim se fazendo JUSTIÇA!
O recorrido/réu, Director dos Serviços de Saúde, respondeu pugnando pela improcedência do recurso – cf. fls. 233 a 250 dos p. autos.
Subidos os autos a esta segunda instância e devidamente tramitados, o Ministério Público emitiu oportunamente em sede de vista o seu douto parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
Antes de mais, é de salientar a doutrina do saudoso PROFESSOR JOSÉ ALBERTO DOS REIS de que “quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, Volume V – Artigos 658.º a 720.º (Reimpressão), Coimbra Editora, 1984, pág. 143).
Conforme resulta do disposto nos artºs 563º/2, 567º e 589º/3 do CPC, ex vi do artº 1º do CPAC, são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso.
Em face das conclusões tecidas na petição dos recursos são as seguintes questões que constituem o objecto da nossa apreciação:
1. Da irrecorribilidade do acto recorrido, no âmbito do recurso contencioso de anulação;
2. Da ilegitimidade passiva do Director dos Serviços de Saúde, na acção sobre contratos administrativos; e
3. Da violação do princípio da igualdade.
Então apreciemos.
Antes de entrar na apreciação dessas questões, é de relembrar a seguinte matéria de facto dada como assente pela sentença de 1ª instância:
1.º - A A. foi contratada ao exterior por contrato além do quadro para exercer funções de assistente hospitalar de medicina interna, com início a partir de 24/05/1995, tendo-lhe sido atribuído o índice 580, correspondente à categoria de assistente hospitalar do 1.º escalão (vide fls. 171 e verso do P.A.).
2.º - O seu contrato foi renovado por averbamento, passando ao 2.º escalão da mesma categoria, até 31/10/2000 (vide fls. 139 a 140v, 155 a 157v e 170 do P.A.).
3.º - Em 09/06/2000, com vista a revogação do Decreto-Lei n.º 60/92/M, foi elaborado o parecer n.º 47/SS/2000 no sentido de recrutar a A. por contrato individual de trabalho celebrado ao abrigo do art.º 48.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 81/99/M, por 6 meses (fls. 127 a 133 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
4.º - Por despacho do Sr. Secretário de Assuntos Sociais e Culturais datado de 07/07/2000, a proposta constante do parecer acima referido mereceu concordância (fls. 127 do P.A.).
5.º - Em 30/08/2000, foi celebrado um contrato individual de trabalho entre a A. e o Réu, para prestação da actividade médica da respectiva especialidade e colaboração na formação, designadamente dos médicos e dos internatos, por 6 meses, com início a partir de 01/11/2000, tendo-lhe sido atribuído o índice 620, correspondente à categoria de assistente hospitalar do 2.º escalão, com menção de manutenção de todos os direitos dos contratos anteriores conferidos pelo ETAPM e os direitos constantes em anexo (vide fls. 134 a 138 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
6.º - O seu contrato foi renovado por averbamento até 30/04/2003 (vide fls. 126 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
7.º - Em 25/04/2003, foi renovado e celebrado um contrato individual de trabalho entre o A. e o Governo da R.A.E.M., representado pelo Director do Réu, para prestação da actividade médica na área da medicina interna e colaboração na formação dos médicos e dos internatos, por 1 ano, com início a partir de 01/05/2003, tendo-lhe sido atribuído o índice 650, correspondente à categoria de Chefe de Serviço Hospitalar do 1.º escalão (vide fls. 83 a 84 e 111 a 119 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
8.º - Em 15/04/2004, foi renovado e celebrado um novo contrato individual de trabalho entre o A. e o Governo da R.A.E.M., representado pelo Director do Réu, para prestação da actividade médica na área da medicina interna e colaboração na formação dos médicos e dos internatos, por 1 ano, com início a partir de 01/05/2004, tendo-lhe sido atribuído o índice 650, correspondente à categoria de Chefe de Serviço Hospitalar do 1.º escalão (vide fls. 86 a 98 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
9.º - O contrato foi renovado por averbamento, passando à categoria de Chefe de Serviço Hospitalar do 3.º escalão, até 30/04/2011 (vide fls. 23 a 25, 31 a 35, 41 a 45, 51 a 55, 61 a 65, 71 a 76 e 81 a 82 do P.A.).
10.º - Em 28/01/2011, na notificação interna com n.º 0373/NI/DP/2011 feita à A. sobre a revisão do contrato individual de trabalho, a A. deixou uma declaração com o seguinte: “A abaixo assinada vem por este meio declarar que aceita a renovação do seu contrato individual de trabalho, por averbamento, nos termos do n.º 1 do art.º 43.º da Lei n.º 10/2010” (fls. 5 do P.A., cujo teor que se dá aqui por integralmente transcrito).
11.º Em 22/03/2011, para efeitos de revisão dos contratos individuais de trabalho da A. e os outros quatro médicos do Réu, a saber, B, C, D e E, foi elaborado o parecer n.º 36/GJ/2011 (fls. 6 a 8v do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
12.º - Em 08/04/2011, o Director do Réu deu o despacho “閱,致SAAG” (Visto. Ao SAAG) à proposta constante do parecer acima referido (fls. 6 do P.A.).
13.º- Em 13/04/2011, para efeitos de revisão e renovação do contrato individual de trabalho da A., foi elaborado o parecer n.º 248/PP/DP/2011 (fls. 1 a 3 do P.A., cujo teor que se dá aqui por inteiramente transcrito).
14.º - Por despacho do Chefe de Executivo datado de 29/04/2011, a proposta constante do parecer acima referido mereceu concordância (fls. 1 do P.A.).
15.º - A A.. renovou o seu contrato individual de trabalho celebrado em 15/04/2004 com o Governo da R.A.E.M. e assinou dois averbamentos com efeitos a produzir a partir de 17/05/2011 e 07/09/2010 respectivamente, deixando por escrito uma declaração de ressalva no averbamento cujos efeitos a produzir a partir de 07/09/2010 (fls. 17 a 22 do P.A., cujo teor que se dá aqui por integralmente transcrito).
16.º - Em 15/06/2011, foi a A. abonada a diferença da remuneração entre a remuneração correspondente à categoria de Chefe de Serviço, 3.º escalão, índice 900, segundo o disposto na Mapa I do Anexo da Lei n.º 10/2010 e a remuneração resultante da categoria, escalão e índice constante no anterior averbamento ao seu contrato retroactivamente a 7/9/2010.
17.º - Em 05/09/2011, foi o A. notificado do parecer n.º 36/GJ/2011 em resposta ao seu requerimento pelo Gabinete do Secretário para os Assuntos Sociais e Cultura (fls. 29 dos autos).
1. Da irrecorribilidade do acto recorrido, no âmbito do recurso contencioso de anulação
A autora formulou no âmbito do contencioso administrativo de anulação o pedido de anulação do “visto” aposto em 08ABR2011 pelo Director dos Serviços de Saúde no parecer nº 36/GJ/2011, que consiste em:
Visto, Ao SAAG.
O Tribunal Administrativo rejeitou o recurso de anulação com fundamento na irrecorribilidade do acto recorrido, por se tratar de um acto meramente interno, sem conteúdo decisório.
Sobre uma questão, idêntica à dos presentes autos, suscitada nos termos essencialmente idênticos aos do caso sub judice, no âmbito do recurso jurisdicional interposto de uma sentença proferida pelo Tribunal Administrativo num recurso contencioso de anulação em que se cumulou uma acção sobre contratos administrativos, este TSI chegou a pronunciar-se no Acórdão de 19JUN2014 no processo nº 502/2013 nos termos seguintes:
2 – Do pedido anulatório
Entende a recorrente que o referido despacho do Director de Serviços de Saúde de 8/04/2011 constitui a resolução final do procedimento administrativo a si concernente, em virtude de:
- Homologar o parecer 36/GJ/2011, manifestando-lhe a sua concordância;
- Ser vinculativo para os agentes hierarquicamente inferiores; e por
- Implicar a denegação do montante pecuniário em causa, definindo por essa via a situação jurídica da autora e de outros particulares.
E, expondo o raciocínio deste jeito, concluiu:
- Se o Director se achava incompetente para tomar a decisão que só ao Chefe do Executivo cumpria tomar, então o seu acto padece de incompetência (que apenas agora invoca, embora entenda ser de conhecimento oficioso);
- Se o Director se considerava competente para decidir o caso, então praticou um acto materialmente definitivo, não podendo ter um carácter preparatório, instrutório e opinativo.
- E se tal acto for de mera execução, uma vez que ele excede os limites do acto exequendo, também por essa razão e nessa medida, haveria de ser recorrível. Excede e é mesmo contrário ao acto do Chefe do Executivo, em violação do art. 138º do CPA, acrescenta.
*
Antes de mais nada, é preciso que se diga que a causa de pedir anulatória invocada pela autora radica no facto de o Director de Serviços de Saúde ter, na óptica da recorrente, praticado um acto de execução que excede os limites do acto do Ex.mo Chefe do Executivo quando concordou com o parecer nº 1370/PP/DP/20010. Neste sentido, detectamos alguma incoerência no discurso argumentativo acima exposto a partir das alegações do recurso jurisdicional. Efectivamente, na petição inicial, a autora entendia que o acto do Director era de execução, ao passo que agora já também admite que possa ser a “resolução final do procedimento administrativo”.
Postas as questões nestes termos, em princípio talvez importasse encontrar a verdadeira natureza do dito despacho, se acto final e definitivo, se mero acto de execução do acto do Ex.mo Chefe do Executivo. Depois disso, se fosse de concluir ser de execução, faria sentido indagar se ele ultrapassou os limites da definição contida no acto exequendo.
Todavia, talvez não se chegue a fazer esse exercício, se for de entender que, qualquer que seja a sua natureza, ele não é destinado à recorrente.
Vamos por partes.
*
Repare-se no teor do dito despacho do Ex.mo Director. Ele foi simplesmente: «Visto. Ao SAAG».
“Visto”! O que quer ele dizer?
Ora bem. Um mero acto de “visto” não tem sido alvo de grande atenção doutrinal e jurisprudencial e pode dizer-se que o seu sentido pode variar1 em função do contexto em que ele se inserir. Assim, podemos dizer que o despacho de “Visto” «tanto pode significar que o órgão competente entende não ter que proferir decisão, em casos em que o procedimento lhe é canalizado sem esse específico fim, mas para o inteirar, por exemplo, da junção de um documento, um parecer, etc., como pode revelar, efectivamente, uma vontade negatória ou de indeferimento, se todos os elementos estão coligidos e dele se espera uma decisão (quando haja o dever legal de decidir naquele momento…)2».
Pode não significar nada mais do que um mero sinal de que o titular do órgão se limitou a “ver” ou a “observar”, a “ficar ciente” de um documento, de um parecer, informação, etc. Em tal hipótese, o “visto” não tem significado decisório e dele “a se” não podem extrair-se efeitos na esfera jurídica de terceiros, nem directa, nem indirectamente.
Mas o visto, como se sabe, se for aposto pelo órgão competente e na fase procedimental destinada à decisão final, já tem, geralmente, o significado de uma verdadeira concordância com o conteúdo sobre que versa e, por conseguinte, com um sentido decisório pela via da homologação3 (mesmo que não leve esse nome).
Quando assim é, o que se torna preciso é analisar o contexto da sua prolação e o ambiente das competências envolvidas em cada caso concreto.
*
Simplesmente, como atrás íamos dizendo, nem mesmo assim se crê que, no caso em apreço, seja necessária tal tarefa de hermenêutica. E isto por duas ordens de razões:
Em primeiro lugar, esse despacho “Visto. Ao SAAG” está datado de 8/04/2011. Ora, como poderia esse acto, ainda que decisório, alguma vez definir a situação jurídica concreta da recorrente, se, com o averbamento ao seu contrato celebrado em 31/01/2011 (na sequência do despacho do Ex.mo Chefe do Executivo datado de 13/01/2011), já ela estava definida?! Que reflexo podia ter esse despacho nos efeitos de um procedimento que para a recorrente estava já findo com a celebração do contrato (averbamento) com o Chefe do Executivo?! Como se haveria de pensar que isso fosse possível, invertendo a lógica e a cronologia dos acontecimentos, se a cláusula 20ª do contrato/averbamento logo ali estipulou que “os efeitos decorrentes do índice referido na cláusula 4ª deste averbamento, retroagem a 7 de Setembro de 2010, tendo o segundo outorgante direito a receber um montante pecuniário equivalente à diferença entre o índice correspondente à categoria e escalão previsto neste averbamento e o índice correspondente e escalão constante do contrato anterior”?!
……
Em suma, a recorrente, com o devido respeito, não se pode queixar do Director de Serviços de Saúde por não ter recebido a diferença remuneratória reportada a 1/07/2007. Isso se ficou a dever ao contrato (averbamento), onde na cláusula 20ª ficou definido o limite da retroactividade temporal para o cômputo dessa diferença. Não foi o “Visto” do Director que fez inflectir o sentido do contrato ou enveredou por uma errónea interpretação da referida cláusula 20ª. Foi o próprio contrato que limitou o alcance da alteração, com o qual, aliás, a recorrente desde logo não concordou ao manifestar nele, de forma manuscrita, uma declaração de reserva.
Está, pois, justificada a rejeição do recurso, mas por esta causa.
Na verdade, não tendo, por razões que vimos no segmento deste Acórdão do TSI, natureza de acto final e definitivo, o acto recorrido não pode ser contenciosamente recorrível.
Assim, damos aqui por integralmente reproduzido o segmento do Acórdão para julgar improcedente o presente recurso na parte respeitante à questão da irrecorribilidade do acto praticado pelo Director dos Serviços de Saúde em 08ABR2011.
2. Da ilegitimidade passiva do Director dos Serviços de Saúde, na acção sobre contratos administrativos
Tal como sucedeu com a questão da irrecorribilidade do acto do Director dos Serviços de Saúde, a mesma questão da ilegitimidade passiva do réu, suscitada em termos exactamente idênticos aos do caso em apreço, já foi tratada no acima citado Acórdão do TSI, tirado em 19JUN2014, no processo nº 502/2013.
Ai foram tecidas as seguintes razões para fundamentar a concluída ilegitimidade passiva do Director dos Serviços de Saúde:
3 – Do contrato
No que concerne ao pedido formulado na acção sobre o contrato, pretende a recorrente a invalidação deste (averbamento) na parte em que não aplica o art. 47º, nº2, da Lei nº 10/2010, e consequentemente, se lhe reconheça o direito ao “montante pecuniário” previsto no preceito e, determinando-se a retroactividade da actualização salarial a 1/07/2007, se condene a DSS a pagar a diferença da valorização indiciária respeitante ao período entre 1/07/2007 e 7/09/2010.
O que ficou plasmado na sentença?
Em termos resumidos, ficou nela asseverado que o contrato foi celebrado entre o Governo (representado pelo Director dos SSM) e a autora. Foi sustentado, ainda, que o Director dos SSM não se pode considerar réu, e que essa posição processual apenas a podia assumir a RAEM.
Nós cremos que a razão está do lado da sentença, sob este ponto de vista. Na verdade, bem ou mal, o contrato foi celebrado entre a RAEM e a autora da acção. A intervenção do Director no instrumento apenas se deveu, independentemente do acerto desse papel negocial, à sua mera função de representante da RAEM. A partir deste postulado, nada mais pode vir ao caso.
Logo, quem deveria assegurar a instância pelo lado passivo seria a contratante RAEM, macro-pessoa colectiva de direito público, dotada de personalidade jurídica.
No fundo, o que se discute não é uma questão de interpretação do contrato. É, diferentemente, uma questão de validade da própria 20ª cláusula contratual, da qual a recorrente discorda.
Não esqueçamos que a legitimidade do Director dos SSM apenas se pôde reconhecer quanto ao pedido anulatório formulado cumulativamente. Isto é, atendendo à maneira como nesse segmento do petitório a autora da acção desenhou o litígio contencioso, imputando àquele a autoria do acto que concretamente sindicou, não podia deixar de se lhe reconhecer legitimidade para a impugnação, nos termos do art. 37º do CPAC. Portanto, nada a dizer quanto a isso.
Mas, na parte relativa à validade do contrato, o que temos é um litígio entre os sujeitos da relação contratual. E nesse caso, para se poder defender e lutar pela validade do contrato que celebrou, pelo lado passivo só o contratante público poderia intervir. Ré, seria a RAEM, seguramente.
*
Neste sentido, não pode aplicar-se à situação o disposto no art. 37º do CPAC, uma vez que se trata de norma somente aplicável ao recurso contencioso. E mesmo que fosse possível estender a sua normação às acções, então a intervenção do Director pelo lado passivo nunca haveria de servir como meio de suprir a ilegitimidade passiva, uma vez que a sua intervenção no contrato em representação da RAEM não se estende à intervenção processual, para a qual haveria sempre de haver citação da pessoa certa, o que não chegou a acontecer4. Significa, portanto, que a contestação apresentada pelo Director dos SSM não equivale a uma contestação elaborada em nome do representado.
Por outro lado, nada do que o recorrente aduz a respeito da possibilidade de sanação ou de correcção da petição surte efeito, nomeadamente nos termos do art. 397º do CPC. Com efeito, essa invocada possibilidade parece não ser admitida, face ao art. 394º, nº1, al. c), do CPC. A falta de legitimidade é insuprível5 e apenas pode dar lugar ao indeferimento liminar da petição, se a excepção for detectada imediatamente, ou à absolvição da instância, se posteriormente, nos termos do art. 230º e 413º do CPC.
Não tem, pois, razão a recorrente nas suas doutas alegações no que a este assunto diz respeito.
Por último, a intervenção principal também não seria possível. O art. 267º, n. 1, do CPC, o único que aqui interessa invocar, reza o seguinte: “Qualquer das partes pode chamar a juízo os interessados com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária”.
Vista assim a norma, duas notas dela sobressaem:
a) A intervenção em causa implica uma associação do chamado a uma das partes. Isto significa que o processo que tem uma parte, vai passar a ter duas pelo mesmo lado processual.
b) A presença do terceiro é feita a título de parte principal (daí a designação de “intervenção principal”). Ou seja, deixa de ser terceiro, para passar a parte principal. Significa que se opera uma cumulação da apreciação da relação material controvertida entre as partes primitivas com a apreciação da relação jurídica própria do interveniente, substancialmente conexa com a primeira, “conexão essa que era susceptível de desencadear, logo de início, um litisconsórcio ou uma coligação”6.
Ora, assim sendo, se a situação material de que depende a intervenção permitiria a existência de um litisconsórcio voluntário ou necessário desde o início, de modo a que, com a sua presença, por exemplo, o chamado pudesse ser, tal como o primitivo réu, condenado na acção, então, a contrario, da inexistência desse litisconsórcio decorrerá a impossibilidade do chamamento.
Isto só não será assim quando, nos casos do art. 67º do CPC, o autor queira fazer chamar a intervir como réu uma terceira pessoa contra quem pretenda dirigir o pedido (art. 267º, nº2, do CPC). Ou seja, permite-se que, em caso de dúvida sobre quem seja o sujeito da relação material controvertida7, o autor possa formular o pedido subsidiariamente contra esse terceiro logo na petição inicial (art. 67º cit.) ou, posteriormente, através do incidente da intervenção provocada (art. 267º, nº2, cit.).
Ora, aqui, nem a situação é de dúvida que legitime o uso da intervenção, nem o caso é de associação possível da RAEM aos SSM de modo a permitir a presença simultânea de ambas no processo pelo lado passivo.
Quer isto dizer que não há a menor possibilidade de se suprir esta ilegitimidade.
E sendo assim, não podemos deixar de concordar com a solução da 1ª instância.
*
Dito isto, o recurso tem que claudicar.
Mutatis mutandis, damos aqui por integralmente reproduzido o segmento deste Acórdão para julgar improcedente o recurso na parte que diz respeito à ilegitimidade do Réu na acção sobre o contrato.
Julgado o Réu parte ilegítima, fica prejudicado o conhecimento da questão da violação do princípio da igualdade, subsidiariamente tratada na sentença recorrida.
Sem mais delongas, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conferência negar provimento ao recurso interposto por A, mantendo na íntegra a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça fixada em 8 UC.
Registe e notifique.
RAEM, 14MAIO2015
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Estive presente Ho Wai Neng
Victor Coelho
1 Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 9ª ed., II, pág. 1322-1333 e Cadernos de Justiça Administrativa, nº9, pág. 57 e jurisprudência aí citada (V.g. Ac. STA, de 3/05/1988, Proc. nº 025066).
2 José Manuel Santos Botelho e outros, Código de Procedimento Administrativo, 5ª ed., Almedina, nota 5ª ao art. 107º, pág. 463. Ver também Lino Ribeiro e outro, Código de Procedimento Administrativo de Macau anotado, pág. 508. Também, Ac. do TUI, de 30/07/2003, Proc. nº 12/2003 e do TSI, de 20/03/2003, Proc. nº 22/2000.
3 Tradicionalmente a homologação é o acto que acolhe e faz seus os fundamentos e conclusões de uma proposta ou de um parecer apresentados por um órgão consultivo ou que aceita a deliberação de um júri (cfr. art. 114º, nº2, do CPA). Pode dizer-se “Concordo com o parecer”, “Concordo com a proposta” ou “Homologo”, mas o sentido é o mesmo.
4 “A legitimidade afere-se pela parte e não pelo seu representante…legal ou voluntário; exceptua-se a legitimidade plural (…), a qual é suprível”, apud Viriato Lima, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág.218).
5 Autor e ob. cit., pág. 218.
6 Abílio Neto, C.P.C. anotado, 21ª edição, pag. 491.
7 Ac. do TSI, de 3/04/2014, Proc. nº 628/2013; Na jurisprudência comparada, v.g., Ac. da RL, de 13/05/2008, Proc. nº 7651/2007.
---------------
------------------------------------------------------------
---------------
------------------------------------------------------------
Proc. 501/2013-48