打印全文
--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ---------
--- Data: 13/05/2015 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------------

Processo nº 294/2015
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. de 09.01.2015 declarou-se prescrito o procedimento criminal em relação a 1 crime de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M., cuja prática era imputada aos arguidos A e B, com os restantes sinais dos autos; (cfr., fls. 673 a 691 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformada, veio a assistente “COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO PREDIAL C MACAU, LIMITADA” (C澳門實業發展有限公司) recorrer.
Motivou para, em síntese, imputar à aludida decisão do T.J.B. o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” e de “errada aplicação de direito”; (cfr., fls. 699 a 708).

*

Respondendo, diz o Ministério Público e o arguido que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 714 a 715 e 716 a 722).

*

Admitido o recurso vieram os autos a este T.S.I..

*

Em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Dadas as razões que conduziram à declaração de extinção da responsabilidade penal dos recorridos - ocorrência da prescrição do procedimento criminal, nos termos da al c) do n° 1 do art° 110°, C.P. - e o teor do argumentado a tal propósito pela recorrente/assistente, fácil é concluir que o "thema decidendum" no presente caso se há-de centrar na aferição do momento da consumação do crime de burla imputado.
Sustenta a recorrente que, mesmo após os arguidos terem recebido a última "tranche" do pagamento dos H.K.D. 13.000.000,00, nos termos do acordo entre eles celebrado, aqueles, fundados na persistência do erro e engano que provocaram, se encontrariam ainda na expectativa, na esperança de continuarem a receber os demais pagamentos estipulados em tal acordo (montante remanescente do suposto investimento), tratando-se, pois, no seu critério, de situação de "crime continuado", cujo último acto se terá registado na altura da assinatura, pelo arguido B, de uma "declaração" na qual, após acção cível intentada pela recorrente na R.P.C., teria sido reconhecida e demonstrada a real intenção dos arguidos.
Ora bem: não se pondo em causa que, mesmo após a efectiva entrega da última prestação da anunciada quantia de treze milhões de H.K.D., os arguidos detivessem expectativa e esperança que, persistindo o erro, o engano, astuciosamente provocados à assistente, esta continuasse, porventura a pagar o restante remanescente do suposto investimento, o facto é que tal nunca se concretizou, bem se podendo afirmar que, mostrando-se preenchidos os restantes elementos típicos do ilícito, faltaria, e faltou, para consumação, a esse nível, a prática de acto, por parte da visada, de onde tivesse resultado prejuízo material para a mesma.
Sendo o crime de burla um tipo de ilícito que se perfectibiliza com a existência de um prejuízo material para o burlado ou terceira pessoa, o momento da sua consumação é o da prática de acto de onde resulte esse prejuízo material, ou seja, nas situações mais frequentes (como não deixa de ser ocaso), com o da entrega material da coisa, altura em que se mostram preenchidos todos os "momentos" relevantes do ilícito: astúcia a provocar erro ou engano, enriquecimento ilícito, com prejuízo de terceiro e intenção do agente na obtenção desse enriquecimento.
Donde, resultar inequívoco que, no caso, mesmo a configurar-se situação de continuação criminosa, a mesma se consumou, efectivamente, com a entrega efectiva da última fracção monetária em 27/9/93, pelo que, atenta a subsunção e integração jurídicas a empreender e não ocorrendo causa de suspensão ou interrupção, a que aludem os art°s 112° e 113°, C.P., bem agiu o tribunal "a quo" ao determinar a ocorrência de prescrição do procedimento criminal, nos termos da al c) do n° 1 do art° 110° do mesmo diploma legal.
Razões por que, por não ocorrência do assacado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, ou de qualquer outro de que cumpra conhecer, sermos a entender não merecer provimento o presente recurso”; (cfr., fls. 801 a 803).

*

Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Está provada a factualidade seguinte:

“1)
No primeiro semestre do ano de 1990, o 1° ofendido D que era Chefe da Comissão Financeira da Povoação E da Região de F, conheceu A (1° arguido) que era no momento, Presidente da Câmara de F; naquela altura, como o 1° ofendido estava interessado em investir no imobiliário, pelo que, foi à procura do 1° arguido para negociar sobre projecto de investimento.
Após o 1° ofendido analisar o assunto, conjuntamente com os seus conterrâneos também colegas de trabalho G (2° ofendido, secretário da povoação E da Região do F, China) e H (falecido, membro da comissão da povoação E da Região do F, China, vide fls. 124, 127v) estabeleceram, no dia 03/07/1993 em Macau, a Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau, Lda., cada um deles possuía 1/3 da quota-parte da companhia, tendo os 1° e 2°ofendidos e H angariados o capital na povoação E da Região F da Cidade de Jiangmen da província de Guangdong, China, os quais conseguiram angariar 13 milhões de HK dollares (HKD$13,000.00 sic.), cuja quantia foi introduzida na Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau, Lda." (vide fls. 123, 123v, 127).
Posteriormente, o 1° arguido sugeriu que o capital introduzido na Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau, Lda., fosse transferido para a "I Industries Company Ltd.", a fim de adquirir conjuntamente o imóvel, sito na Estrada Coronel Nicolau de Mesquita n° XX, Macau, para desenvolvimento predial (vide fls. 123v).
Após negociações entre 1° e 2° ofendidos e H, todos concordaram unanimemente com o projecto de investimento proposto pelo 1° arguido.
O 1° ofendido exigiu ao 1° arguido que fosse celebrado Carta de Intenção sobre os Termos de Acordo de Cooperação, tendo, na altura, o 1° arguido dito ao 1° ofendido que B (2° arguido) era empregado da "I Industries Company Ltd.", o qual responsabilizava pela aquisição do imóvel sito na Estrada Coronel Nicolau de Mesquita n° XX, Macau, assim sendo, bastava o 2° arguido assinar a Carta de Intenção sobre os Termos de Acordo de Cooperação.
Na altura, os 2 ofendidos já tinham detectado problemas na carta, porque nada constava que era em representação da I Industries Company Ltd., o acordo foi apenas celebrado pessoalmente com o 2° arguido, por isso, foi questionado o 1° arguido sobre o facto, contudo, tanto o 1° e 2° arguidos responderam que esta forma de procedimento era habitual em Macau, bastava o 2° arguido assinar a carta, assim sendo, os ofendidos acreditaram nas palavras dos arguidos.
2)
No dia 14/07/1993, o 1° ofendido como 1° representante da Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau, Lda. assinou na I Industries Company Ltd., a Carta de Intenção sobre os Termos de Acordo de Cooperação com o 2° arguido, nos termos da carta "a Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau, Lda. possuía 20% do direito de propriedade do terreno sito na Estrada Coronel Nicolau de Mesquita n° XX, Macau.
O 1° ofendido, respectivamente, nos dias 22/07/93, 09/08/93 e 27/09/1993, em nome da Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau, Lda. efectuou o pagamento, em prestações, a quantia de 13 milhões HK dollares (HKD$13,000,000.00) à I Industries Company Ltd., bem como, recebeu 3 recibos assinados pelo 1° arguido, emitidos em nome da I Industries Company Ltd ..
No primeiro semestre do ano 1994, o 1° arguido mentiu ao 1° ofendido, que a actividade de imobiliário em Macau estava em crise, não tinha possibilidade de revender ou construir prédio no terreno adquirido conjuntamente, devido ao facto, tinha de esperar até a situação económica de Macau melhorar para poder revender o terreno (vide fls. 123v).
De facto, o 1° arguido nunca teve a intenção de devolver a supracitada quantia ao ofendido, ele aproveitou o dinheiro proveniente da Companhia de Indústria e Desenvolvimento C Macau, Lda., no montante de 13 milhões (HKD$13,000,000.00), em nome de outra companhia adquiriu o terreno sito na Estrada Coronel Nicolau de Mesquita n" XX, Macau, bem como, no dia 18/02/1994 usou esse terreno para pedir hipoteca ao Banco J de Hong Kong Lda., na quantia de 8 milhões US dollares (USD$8,000,000.00).
No primeiro semestre do ano 1995, dado que a "I Industries Company Ltd." ainda não conseguiu vender o supracitado terreno, pelo que houve negociação entre os 1 ° e 2° ofendidos e H, que enfim decidiram retirar-se do projecto de investimento, bem como, pediu a devolução da quantia de 13 milhões HK dollares (HKD$13,000,000.00) à I Industries Company Ltd., contudo, o 1° arguido sempre usou o pretexto de que "pagaria depois a aludida quantia", mas na realidade nunca chegou pagar qualquer quantia à Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau Lda ..
3)
No ano de 2005, o 1° ofendido e respectivos parceiros intentaram acção em nome da Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau Lda., no Tribunal da RPC, tendo o Tribunal Popular de 2a Instância da Cidade de Jiangmen indeferido a acção intentada pela Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau Lda., a decisão cível indica que a Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau Lda., assinou a Carta de Intenção sobre os Termos de Acordo de Cooperação com o 2° arguido, pelo que, o alvo de cooperação era o 2° arguido, bem como, a Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau Lda., não conseguiu provar que o 2° arguido foi incumbido pelo 1° arguido para em nome da I Industries Company Ltd., assinar a referida carta, por isso, foi improcedente a acção contra a I Industries Company Ltd.".
Depois do ano 2005, o 1° ofendido por telefone ou pessoalmente dirigiu à I Industries Company Ltd., mas nunca mais conseguiu contactar com o 1° arguido, nem o 1° arguido voluntariamente contactou com o 1° ofendido.
Quanto ao 2° arguido, até à presente data, desconhece o seu paradeiro.
Em Setembro de 2012, a comissão da povoação Li comunicou o advogado responsável pela supracitada acção cível na RPC, chamado K, este contactou com o ex-gerente da I Industries Company Ltd., chamado L e soube que o 1° arguido, na altura, usou a quantia de 13 milhões HK dollares pertencente à Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau Lda., Macau Lda., para comprar o terreno sito na Estrada Coronel Nicolau de Mesquita n° XX, Macau, mas que a propriedade do terreno foi registada em nome da Companhia de Desenvolvimento Predial M, bem como, aproveitou o terreno para pedir hipoteca ao banco J (Trustee) Lda., no montante de 8 milhões US dollares (USD$8,000,000.00).
Devido ao facto, os 1° e 2° ofendidos sentiram que os 1° e 2° arguidos, em conluio, através do plano supracitado enganaram-lhes assinar a Carta de Intenção sobre os Termos de Acordo de Cooperação para investimento do aludido terreno, que por sua vez apoderou a quantia de 13 milhões HK dollares (HKD$13,000,000.00) pertencente à Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau Lda. e o terreno em causa.
No dia 14/11/2012, cerca das 15H00, os l° e 2° ofendidos, conjuntamente com K e L foram a Macau participar o caso à PJ.
Após a formalidade de reconhecimento da pessoa, os 1° e 2° ofendidos, L reconheceram o 1° arguido como sendo a pessoa que burlou a quantia de 13 milhões HK dollares (HKD$13,000,000.00) pertencente à Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau Lda.
Os 2 arguidos com vista a obter vantagens ilegítimas para si, usou manha para induzir os ofendidos em erro e enganá-los o dinheiro, fez com que os ofendidos praticassem actos causando prejuízos patrimoniais a si (de valor consideravelmente elevado), os arguidos tinham intenção de invadir os bens de outrem.
Os 2 arguidos, através de acordo mútuo, conjugação de esforços, distribuição de tarefas, praticaram livres, conscientes, voluntariamente e com dolo a conduta supracitada, eles bem sabiam que a sua conduta é proibida e punida por lei.
(…)”; (cfr., fls. 760 a 766).

Do direito

3. Vem a atrás identificada assistente recorrer do Acórdão do T.J.B. que, dando como provada a factualidade que atrás se deixou retratada, e considerando verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M., declarou, (porém), prescrito o seu procedimento criminal.

Entende que a decisão objecto do seu recurso padece do vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, e, subsidiariamente, que nela se fez “errada aplicação de direito”.

Sem demoras, vejamos se tem razão.

–– Comecemos, como se mostra lógico, pela alegada “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.

Ora, repetidamente, e de forma unânime, tem este T.S.I. entendido que o aludido vício de “insuficiência” apenas se verifica quando o Tribunal não emite pronúncia sobre matéria objecto do processo; (cfr., v.g., o Ac. de 12.02.2015, Proc. 103/2015).

Perante isto, evidente é que, no caso, inexiste (qualquer) “insuficiência”, pois que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre “todo o objecto do processo”, já que deu como provada “toda a matéria” constante da acusação pública, (notando-se que não houve acusação particular nem contestação), fundamentando, adequadamente, tal decisão, mais não se mostrando de dizer sobre o ponto em questão.

De facto, não basta, em sede de recurso, alegar-se “matéria de facto (nova)”, e afirmar-se que é a mesma relevante para a decisão da causa para se ter por verificado o vício de insuficiência.

–– Quanto ao “erro na aplicação do direito”.

Aqui, tão só em causa está saber se “prescrito” está o crime que aos arguidos era imputado.

Entendeu o T.J.B. que o crime de “burla” em questão foi cometido (tinha-se consumado) em 27.09.1993, data da última prestação monetária aos arguidos paga pela assistente.

E, atenta a pena ao mesmo aplicável – de prisão até 10 anos; cfr., art. 211°, n.° 4, al. a) do C.P.M. – e que a queixa em relação ao mesmo foi apresentada em 14.11.2012, considerou que decorrido estava o prazo de prescrição do seu procedimento criminal, no caso, e atento o art. 110°, n.° 1, al. c) do C.P.M., de 10 anos.

Por sua vez, na opinião da assistente, a decisão assim proferida não se mostra correcta.

Alega que, nos termos do acordado, a “assistente ficou de pagar mais dinheiro, que não conseguiu, e que os arguidos tinham o plano de obter mais dinheiro”, (não só os H.K.D.$13,000.000.00), devendo assim considerar-se que o crime de burla em questão foi praticado na “forma continuada”, e que a data “da prática do crime apenas ocorreu em 2005”, com a acção intentada no Tribunal Popular da 2ª Instância da Cidade de Jiangmen.

A não se entender assim, consideram que “como os arguidos negaram que tinham intenção de burlar a assistente, só em 2005, com a supra referida acção se comprovou a sua intenção, devendo ser esta a data relevante”.

Ora, com todo o respeito que nos é devido, não se nos mostra de acolher a(s) “tese(s)” da assistente, sendo-nos de considerar que bem andou o T.J.B., como de forma cabal e clara se demonstra do douto Parecer do Ilustre Procurador Adjunto, que aqui se dá por reproduzido.

Desde já, cabe dizer que este T.S.I. não pode apreciar o recurso e a questão – da “prescrição” – pela assistente trazida com base em “matéria de facto que não está provada”, e que portanto, é como se não existisse.

Todavia, e seja como for, evidente é também que a “matéria pela recorrente alegada para justificar uma outra data para a consumação do crime de burla” não permite dar por verificada tal “circunstância”, pois que é totalmente irrelevante para o efeito pretendido.

E, nesta conformidade, esclarecido este aspecto, vejamos.

Como é sabido, o facto previsto na Lei como crime diz-se consumado quando praticados estiverem os actos de execução que realizam e integram os elementos constitutivos do tipo legal de crime, produzindo também as consequências previstas que integram o respectivo tipo.

A “consumação”, é pois execução acabada e completa, e a integração por inteiro dos elementos do tipo do crime, a que pertencem, para além da menção do sujeito activo e passivo, a descrição de uma acção típica com indicação do resultado (nos crimes de resultado), ou com a simples descrição da actividade (nos crimes de mera actividade).

A construção do crime de “burla” – previsto tanto no artº 451º do C.P. de 1886, (em vigor à data dos factos), como no artº 211º do C.P.M. – supõe a concorrência de vários elementos, todos constituindo os seus elementos típicos: (1) o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado; (2) a fim de determinar outrem à prática de actos que lhe causam, ou a terceiro, prejuízo patrimonial – (elementos objectivos) – e, por fim, (3) a intenção do agente de obter para si ou terceiro um enriquecimento ilegítimo (elemento subjectivo).

Impõe-se, assim, num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro.

Desta forma, e constituindo o dito crime de “burla” em causa um crime de “dano” ou de “resultado”, cujo bem jurídico protegido consiste no “património do ofendido”, cremos que (natural é e que) se impõe considerar que o mesmo se consuma com a “ocorrência do prejuízo no património do sujeito passivo da infracção”, ou dito de outro modo, quando a coisa objecto da burla sai da esfera patrimonial do defraudado e entra no círculo de disponibilidades do agente do crime; (neste sentido, cfr., v.g., Beleza dos Santos in, R.L.J., anos 65 e 68; António da Silva Carvalho, no seu estudo “Sobre o processo executivo do crime de burla” in, Sciencia Jurídica, TIX, nºs 48-49, pág. 391 e segs.; Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira “O crime de burla no Código Penal de 1982-95”, in Revista de Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XXXV, 1994 pág. 321 e segs.; A. M. Almeida Costa, anotação ao artº 217º, in “Comentário Conimbricence do Código Penal”, Vol. II, pág. 274 e segs.; e, no mesmo sentido, os Acs. do S.T.J. de 07.02.1973, in B.M.J. 224º-103; de 18.02.86, in B.M.J. 354º- 314; de 18.04.90, in B.M.J. 396º-250; de 14.02.96, in C.J./Ac. S.T.J., IV, TI, pág. 211; de 07.10.99, in SASTJ nº 34, pág. 79; e, mais recentemente, o de 04.06.2003, Proc. nº 03P1528, in “www.dgsi.pt/jstj”.

Ora, tendo em conta a factualidade provada que atrás se deixou transcrita, mostra-se-nos que inegável é considerar que os factos que suportam a imputação do crime de burla em causa, (ainda que “continuado”), ocorreram desde mês não determinado do “ano de 1990”, (cfr., “ponto 1°” dos factos provados) a 27.09.1993 (data do pagamento da última prestação aos arguidos; cfr., “ponto 2°”), sendo assim de se ter o mesmo como “consumado” nesta última data.

Com efeito, e como nos parece ser o entendimento a adoptar, totalmente irrelevante é tudo o que se segue, nomeadamente tudo o que influi apenas no aspecto do “conhecimento dos ofendidos quanto ao crime de burla de que foram vítima”, sendo, por isso, (absolutamente) estranho aos elementos típicos que o compõem.

Nesta conformidade, assente estando que o imputado crime se “consumou” em 27.09.1993, e provado estando também que apenas em 14.11.2012, foram os factos denunciados na P.J., (cfr., “ponto 3°”), evidente é que prescrito está o procedimento criminal, (como se passa a demonstrar).

Na verdade, não obstante fixar o artº 125º, § 2º do C.P. de 1886 um prazo de 15 anos para tal efeito, dúvidas não pode haver que, prevendo o correspondente artº 110º, nº 1, al. c) do vigente C.P.M. como prazo de prescrição o de 10 anos, este o prazo a considerar por ser o mais favorável ao arguido; (cfr., v.g., o Ass. do S.T.J. de 15.02.89 in, B.M.J. 384º-163 e o Ac. deste T.S.I. de 02.03.2000, Proc. nº 1256).

Assim, não se tendo verificado qualquer “facto” que constitua “causa de suspensão” ou “interrupção” da prescrição, (cfr. art°s 112º e 113° do C.P.M.), e porque entre a “consumação do crime” (27.09.1993), e a queixa (14.11.2012), decorreram mais que os referidos “10 anos”, (ou ainda que fossem 15 anos), há pois que se considerar prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime que nos presentes autos foi imputado aos arguidos ora recorridos, (prescrição esta que ocorreu em 26.09.2003, antes mesmo da própria acusação, deduzida em 15.11.2013).

Afigurando-se-nos a solução a que se chegou, evidente – aliás, sobre “questões” idênticas e no mesmo sentido já se pronunciou este T.S.I. em Ac. de 29.01.2004, Proc. n.° 308/2003, confirmado pelo Ac. do T.U.I. de 14.07.2004, Proc. n.° 10/2004, e, limitando-se o recorrente a tentar controverter (injustificadamente) a matéria de facto dada como provada, o que como é óbvio, não se pode acolher – resta pois decidir pela rejeição do presente recurso.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 4 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Oportunamente, se nada vier de novo, remetam-se os autos ao T.J.B com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 13 de Maio de 2015
José Maria Dias Azedo


Proc. 294/2015 Pág. 20

Proc. 294/2015 Pág. 21